Volume 1

Capítulo 06: Expectativas

Sonhos sempre foram um mistério para Haru, mas os pesadelos, esses sim, eram recorrentes. Pela primeira vez em anos — desde aquele dia — ele sentiu novamente o cano frio de uma pistola contra a testa. Suando e hiperventilando, era cercado por corpos caídos nos pontos cegos de sua visão, enquanto um sorriso sádico o oprimia. O som do disparo o despertou.

Seus olhos estavam turvos, o que o deixava ainda mais assustado. Tateou ao redor, tentando enxergar algo — qualquer coisa — até que o som de uma batida na porta o trouxe de volta à realidade.

— Quem é?! — gritou, ofegante, assustando-se com a própria voz.

— Sou eu, Laki…

A visão voltou aos poucos com o som familiar da voz de sua parceira. Passou a mão na testa, sentindo o suor ainda quente, e se perguntou: Por quanto tempo eu dormi?. Haru se levantou e notou que as torres de livros haviam sido devolvidas às estantes. Antes de abrir a porta, enxugou o rosto com a camisa.

— Bom dia, novo membro dos Kaiser Drache! — disse Laki, sorrindo, enquanto lhe entregava uma muda de roupa retirada de uma pequena pilha.

— Peço desculpas se causei algum transtorno... — respondeu Haru, pegando a roupa e analisando-a.

— Não era pra menos você ter desmaiado! — disse ela, cruzando os braços enquanto o observava. — Se esforçar daquele jeito com fome e sono... anormal seria se tivesse agido como um atleta.

— Meu histórico de atleta não ficou evidente?

— Pelo visto, você tem senso de humor — Laki riu discretamente. — Estaremos te esperando na escadaria que leva ao Hall de entrada da academia. Dez minutos.

Haru se curvou em agradecimento, e a arqueira se despediu com um breve aceno. Em seguida, Laki dirigiu-se ao quarto de Grimm e, para sua surpresa, encontrou a porta aberta. Ele a aguardava de braços cruzados.

— Pegou a ansiedade do Haru e ficou sem dormir? — brincou ela, levando uma das mãos ao bolso enquanto segurava o uniforme dele com a outra.

— Não tinha piada melhor? — suspirou Grimm, estendendo a mão.

— Guardei todas para quando voltarmos ao castelo — respondeu ela, entregando-lhe o uniforme e bagunçando ainda mais os cabelos rebeldes dele. — Dez minutos na escadaria, está bem?

— Não mande em mim como se já fosse a líder! — retrucou ele. A confiança de Laki o irritava, o que só a divertia ainda mais. Ela se virou de costas.

— Continue tentando, até perceber que isso vai ser inevitável, garoto — disse ela, saltitando de volta ao seu quarto.

Haru estendeu a farda dos Dragões sobre a cama para examiná-la: uma gandola de couro negro profundo, com detalhes em vermelho-escarlate e dourado. Os brasões característicos do clã estavam bordados em branco nos ombros, e um grande estandarte ostentava-se nas costas do uniforme. A calça, feita do mesmo material e cor, possuía bolsos nas laterais e na parte traseira.

Uma sensação reconfortante encheu o peito do recruta quando deixou a água cair sobre sua cabeça, encharcando o cabelo. No entanto, não compreendia por que não conseguia agir com a mesma leveza de sua companheira — ou sequer se permitir sentir alegria. Perdido em pensamentos, nem percebeu o banho passar tão rápido.

O uniforme encaixava-se perfeitamente ao corpo dele. Ver-se no espelho daquela forma o deixou nostálgico, mas ele se concentrou apenas em ajustar a gandola, abotoando os botões até o pescoço e alisando os bolsos com as mãos. Os coturnos foram amarrados firmemente, com um laço finalizado do mesmo jeito que fazia nos tempos de exército. Pisou com força no chão, testando possíveis dores na sola dos pés — mas era como se nunca tivessem existido. Respirou aliviado.

Haru foi o primeiro a chegar ao ponto de encontro, o cabelo bagunçado como sempre. Passou alguns minutos, encostado à parede até ver Laki se aproximar, já trajando o uniforme: uma jaqueta feminina com os mesmos detalhes do dele, acompanhada por uma calça justa que combinava com os coturnos. Seus cabelos estavam completamente vermelhos e um pouco mais curtos, tocando a parte inferior do pescoço, presos por uma tiara preta de pano.

Grimm apareceu minutos depois, com o uniforme visivelmente justo. Seus olhos castanhos-claros contrastavam com a pele negra, realçando sua presença.

— Olhem só vocês dois — comentou, encarando-os com ar provocador. — Parecem dois engomadinhos.

Haru suspirou, ajeitando a farda, enquanto Laki, irritada, endireitava os botões do uniforme de Grimm.

—É só uma questão de estética.

—Você não tem mais 15 anos para parecer um pivete. —ela o repreende, abotoando o último botão no pescoço. —Vamos logo, senão vamos nos atrasar.

— É só uma questão de estética — disse ele, indiferente.

— Você não tem mais quinze anos pra se vestir como um pivete — ela retrucou, abotoando o último botão em seu pescoço. — Vamos logo, senão vamos nos atrasar.

Haru deu de ombros, observando os dois. A forma como o tratavam o deixava impaciente, mas, ao perceber o que Laki dissera, ajeitou discretamente sua própria farda e os seguiu com passos apressados, tentando ultrapassá-los. Laki e Grimm sempre disputaram força e habilidade desde que entraram para o clã. O resultado era uma rivalidade visivelmente equilibrada, onde ambos buscavam superar o outro a cada oportunidade. O antigo Rei Drakkon dizia que estavam destinados a grandes feitos — desde que permanecessem unidos. Infelizmente, a competição entre os dois sempre falava mais alto, o que o rei achava divertido... enquanto ainda era vivo.

Em meio a tudo isso, Haru permanecia alheio.

Ao chegarem ao Hall de entrada, o recrutado notou alguns membros temporários que haviam fracassado nos testes. Quando seus olhos encontraram os do mago que enfrentara, viu o corpo do rapaz encolher, tentando esconder a mão enfaixada — aquela que fora perfurada por sua faca. Alguns passaram a chamar Haru de Lobo Branco, pelo modo como ele parecia caçar durante a prova final. Mas era apenas um apelido passageiro; não sobreviveria por muito tempo após aquela cerimônia.

Oficiais observavam os trios conforme a cerimônia acontecia — luxuosa, com uma longa mesa coberta de relógios de bolso prateados, ornamentados com detalhes dourados. Cada grupo seria chamado para receber um exemplar, entregue por um dos oficiais. Para o desgosto de muitos presentes, Haru foi chamado primeiro — junto com os dois Dragões.

Três oficiais da academia soaram trombetas enquanto o trio se aproximava. Haru estendeu a mão, imitando os companheiros, mantendo o rosto firme em posição de continência. Mesmo que agora fosse tratado como igual, a pulseira de ferro ainda em seu pulso fez com que o oficial hesitasse, entregando-lhe o relógio de forma ríspida. Haru apenas se curvou brevemente e foi liberado, seguindo com os demais.

Laki passou os braços pelos ombros dos companheiros e, sorrindo, gritou animada:

— Finalmente conseguimos!

Haru e Grimm se entreolharam. O Dragão Negro olhou de relance para seu relógio e riu discretamente. Já o Dragão Branco não sabia ao certo como se sentir, mas manteve o rosto impassível.

 

— Bem... — o veterano interrompeu a comemoração dela. — Vamos embora, não podemos deixar a Alice esperando.

— Verdade! — a arqueira tomou a dianteira, dando alguns passos. — Ela vai adorar nos ver condecorados!

— Ei...

A voz de Callum, membro dos Falcões de Gelo, surgiu como um sussurro em meio à celebração. Haru o olhou por cima do ombro.

— Você é o...

— Desculpe, não me apresentei. — O arqueiro do clã do frio ajeitou o cabelo cor de vinho tinto, que caía sobre o olho esquerdo, como de costume. — Me chamo Callum Nocturnia, membro dos Eisfalken.

— Não precisa de tanta formalidade. — Grimm revirou os olhos e deu de ombros. — Nossos clãs mantêm relações há anos.

— Eu sei... — Callum suspirou, constrangido por sua timidez. Seu corpo franzino parecia ainda menor naquele momento, bem diferente da agilidade e firmeza que demonstrara no teste final. — Eu só queria agradecer a vocês pelo que fizeram pelo Nate... especialmente ao espadachim de vocês...

— Não agradeça. — Laki se aproximou de Callum e deu leves palmadas no ombro dele, fazendo-o corar. Ela sorriu e afagou a cabeça do jovem companheiro de armas. — Esperamos que nossos laços se fortaleçam por causa disso! Sinto falta da tia Nathiê.

— Tia? — Callum pareceu genuinamente surpreso ao ouvir a colega referir-se à sua Rainha de forma tão casual.

Callum sempre teve enorme respeito por sua rainha e jamais imaginara tratá-la com tamanha intimidade, mesmo com apenas quatorze anos. Sua pouca idade alimentava as esperanças de que novos membros altamente qualificados fossem finalmente aceitos como oficiais. Ainda assim, ele não conseguia esconder a frustração... até que a voz de Haru se impôs:

— Recorram...

— Perdão? — Callum arqueou as sobrancelhas.

— Recorram da decisão da academia — completou Haru, lembrando-se do que acontecera com Nate. Seu tom se tornara mais sério que o habitual. — É a melhor forma de nos agradecer.

— Ele está certo — Laki afirmou, com orgulho na postura do novo parceiro. — O que aconteceu no teste de vocês não pode se repetir.

— Pelo que conheço da tia Nathiê, ela vai ficar furiosa — completou Grimm. — Acredito que não vai demorar para uma nova decisão ser tomada.

— Nate está bem, não está? — Haru virou-se rapidamente para Callum.

— Sim, está! — respondeu, percebendo que ainda não havia mencionado isso. — Por isso vim agradecer! Muito obrigado por socorrê-lo, Haru.

— Não me agradeça. Ele fez de tudo para não atrapalhar vocês. Era o mínimo retribuir esse esforço.

— Ele realmente merecia ser condecorado — afirmou Grimm logo em seguida.

— Vocês têm razão! — o jovem arqueiro suspirou e se curvou novamente. — Esperamos poder retribuir a vocês um dia.

Haru respondeu com um leve aceno de cabeça. Despediu-se de Callum, que permaneceu curvado até que cada um dos três à sua frente se despedisse à sua maneira. Laki acelerou o passo e, ao passar por Haru, bateu o ombro no dele, dizendo:

— Sábias palavras, novato.

Ao notar que havia sido percebida, sorriu como de costume. Em seguida, voltou a atenção para o outro parceiro.

— Aliás, você também mandou muito bem, Grimm. Fiquei surpresa!

— Você realmente esperava tão pouco de mim assim? — o guerreiro suspirou.

— Só o suficiente para ser um bom líder — ela respondeu, piscando um olho e fazendo uma breve careta.

— Talvez eu realmente seja!

— Não acho que eu deva discordar — retrucou a arqueira em tom desafiador. — Mas não pense que vou desistir da posição tão fácil.

— Ao menos me deixe andar na frente, se acha que vou ser um bom líder!

Os três Dragões, agora membros oficiais, seguiram em direção à estação de trem, localizada a poucos metros da academia. Alice havia deixado economias suficientes para cobrir a passagem de todos. “Sucesso ou fracasso, quero que vocês cheguem bem ao castelo” — esse era um desejo que jamais conseguiram ignorar. Como estavam apenas com os uniformes, não carregavam muita bagagem na cabine.

Laki dividiu sua ansiedade em finalmente chegar ao castelo como membro oficial, admirando constantemente o relógio de bolso que simbolizava sua condecoração. Ela e Grimm relembraram histórias de missões não oficiais realizadas para o clã — desde resgatar gatos até auxiliar a polícia nas rondas diurnas e noturnas do distrito. As missões oficiais, segundo diziam, prometiam ser muito mais desafiadoras.

Contaram também da vez em que o coelho da família Indimen desaparecera durante um piquenique e, graças à persistência de Grimm, conseguiram encontrar o mascote. Desde então, ele era chamado toda vez que o animal sumia. Em outro caso, narraram sobre um ladrão de comida por quem Alice se compadecera, pagando sua fiança e oferecendo-lhe um emprego no clã para que pudesse economizar. Hoje, esse mesmo homem possuía uma casa no distrito de Mei.

A conversa continuou até que todos acabaram adormecendo. Apenas Haru permaneceu acordado, observando a paisagem pela janela, refletindo sobre o quanto o reino havia mudado.

No horizonte, os muros da muralha de Anfell — que diminuíam a silhueta das construções e das casas espalhadas pelo território — foram a primeira mudança que o recrutado notou. Como fora preso pouco tempo após o fim da guerra, não presenciara o dia em que os Magos Reais impuseram a separação entre os territórios, levantando as barreiras que agora cercavam os reinos. No porto principal de Anfell, avistou a imagem da Deusa Sortis esculpida em forma de fada, abençoando a união das majestades simbolizadas pelas estátuas do Primeiro Rei e da Primeira Rainha.

Absorvido por pensamentos recentes, Haru observou cavalos selvagens galopando pela relva próxima aos trilhos e alguns animais silvestres colhendo frutas de árvores e arbustos. Um deles lhe chamou atenção: um Pluck, um animal quadrúpede com um pequeno chifre na testa, orelhas enormes, expressão felina e pelagem branca, com uma cauda desproporcionalmente maior que seu corpo esguio. O Pluck pareceu encará-lo de longe por alguns segundos, até perceber sua família ao redor e seguir seu caminho.

— O monitor do trem já passou? — Grimm perguntou, bocejando.

— Ainda não.

— Se quiser cochilar um pouco...

— Não precisa se preocupar, obrigado — respondeu Haru, lançando um olhar de soslaio para o companheiro antes de voltar a atenção à paisagem. — Quero aproveitar a vista enquanto ainda posso.

— Faz muito tempo desde que você foi preso? — o Dragão Negro também passou a observar a paisagem.

— Tempo é algo relativo, eu acho — respondeu Haru, pensativo. — Mas acho que daria para dizer que sim.

— Tem alguém que você gostaria de ver? Ou alguém esperando sua volta?

— Só recebi visitas durante dois meses. Então acredito que não tenha ninguém me esperando.

— Você parece duro consigo mesmo... — comentou Grimm, analisando-o com curiosidade.

— Me diga, Grimm: você esperaria alguém que cometeu um erro grave, mesmo tendo grandes expectativas sobre essa pessoa? — Haru se inclinou, encarando o parceiro. Diante do silêncio, concluiu: — Foi o que eu pensei.

— Não cabe a mim saber o que você fez.

— Com todo respeito, mas não sinto que você confie em mim o suficiente para se preocupar comigo — disse Haru, num tom mais ríspido.

— Eu só não posso ignorar seu esforço lá na academia — respondeu o veterano, ajustando-se no banco e apoiando o queixo na mão.

— Eu só estava cumprindo...

— Você realmente não faz ideia do que isso significou para nós? — interrompeu Grimm, tirando do bolso o relógio de prata e mostrando-o. — Para nós, isso é a realização de uma vida.

— Aonde quer chegar? — Haru deu de ombros.

— Se você quisesse ser ignorado, não teria se esforçado até desmaiar — continuou Grimm, guardando o relógio. — Você está certo, ainda não confio em você o suficiente. Mas isso, ao menos, eu não posso ignorar.

— Tem razão — admitiu Haru, voltando a olhar pela janela. — Eu realmente não faço ideia do quanto isso significa para você.

O monitor apareceu alguns minutos depois, quase no mesmo instante em que Laki acordou para confirmar seu bilhete. Após quatro horas de viagem, os três Dragões chegaram ao distrito de Mei, território do clã Kaiser Drache, já durante a noite.

Desceram do trem espreguiçando-se. Todos os reinos eram divididos em distritos — no caso de Anfell, doze — em homenagem aos Doze Deuses. Mei não era o maior deles, mas estava entre os poucos comandados pelo próprio clã residente, devido à sua crescente influência ao longo dos anos, especialmente após a guerra separatista. Grandes empreendedores costumavam ir à capital para realizar seus serviços, mas escolhiam Mei para se estabelecer, o que conferia ao distrito um ar mais acolhedor e familiar.

As ruas eram iluminadas por postes com lampiões, acesos diariamente pelos próprios moradores. Alguns cavaleiros do clã auxiliavam na tarefa, manipulando mana para acender as chamas. Os comércios permaneciam abertos em pequenas construções aconchegantes, rodeadas por casas tranquilas. Pelas ruas de paralelepípedos — cinzentas, que se tornavam negras nos dias de chuva e marrons nos dias de sol — passavam cavalos, animais de estimação e crianças.

Para Haru, tudo aquilo parecia um fragmento de seu antigo distrito, mesmo sabendo o quão distante agora estava dele.

 

O Senhor Moss os recebeu em uma carruagem, encarregado de levá-los até Fénnut, o grande castelo de muros de pedra maciça e portões de aço negro, localizado um pouco afastado do centro comercial. À medida que a carruagem avançava com o estandarte dos Kaiser Drache ornamentando a parte traseira da cabine, os moradores acenavam em sinal de respeito e alegria. Todos pareciam conhecer Laki e Grimm.

Senhor Moss os recebeu em uma carruagem, encarregado de levá-los até Fénnut, o grande castelo de muros de pedra maciça e portões de aço negro, localizado um pouco afastado do centro comercial. À medida que a carruagem avançava com o estandarte dos Kaiser Drache ornamentando a parte traseira da cabine, os moradores acenavam em sinal de respeito e alegria. Todos pareciam conhecer Laki e Grimm.

Fénnut ficava próximo à floresta, que fazia parte de seu "quintal", e era cercado por montanhas que se erguiam como muralhas naturais, protegendo a imponente construção. O caminho até lá era iluminado por uma luz suave, e o ar carregava uma sensação acolhedora, como se nenhum mal jamais tivesse ocorrido naquele lugar.

Quando o cocheiro parou diante do portão, os três desceram. Ele os cumprimentou calorosamente:

— O distrito espera muito de vocês! Estamos todos felizes por sua conquista!

Haru achou aquela recepção estranha, quase surreal. O cocheiro se apresentou e até agradeceu pelos serviços do recrutado, como se ele já estivesse ali há anos. Haru apenas respondeu com uma breve mesura.

— Bem, eles estão nos esperando — disse Laki, fitando os portões e as torres que pareciam se curvar para receber os recém-chegados, com os estandartes do clã tremulando próximos à entrada.

— Vai ser uma longa noite — suspirou Grimm, esboçando um sorriso de alívio.

— Que fofo! Está emocionado? — Laki zombou, divertida.

— Laki! — reclamou Grimm, constrangido.

— É isso mesmo! — ela riu, voltando-se para Haru. — Bem-vindo a Fénnut! Bem-vindo à nossa família, os Kaiser Drache.

Os portões se abriram ruidosamente, saudando sua chegada. Eles entraram em silêncio, até que uma criança surpreendeu Laki com um abraço apertado. Logo, outras crianças e famílias os cercaram, fazendo perguntas animadas: se estavam bem, o que havia acontecido, como tinham sido os testes. Alguns alunos postulantes a membros oficiais fizeram perguntas que deixaram Grimm visivelmente desconfortável, provocando risadas em Laki.

Haru os observava à distância, mãos nos bolsos. Alguns moradores se aproximaram para cumprimentá-lo, desejando boas-vindas e perguntando se ele era forte. Ele estranhou o fato de ninguém comentar sobre a pulseira de ferro em seu braço — até perceber que vários outros membros também usavam o mesmo tipo de pulseira. Aquilo o surpreendeu.

— Deixem que eles descansem, pessoal! — anunciou Alice, surgindo próxima à escadaria que levava ao corredor atrás da fonte central, caminho que conduzia à torre onde ficava a sala real. — Bem-vindos de volta!

— É bom estar de volta — disse Laki, abraçando-a. Grimm a reverenciou, e Haru a imitou em seguida.

— Olá, Haru! — a rainha sorriu ao receber a espada dele. — Seja bem-vindo.

— Obrigado, rainha Alice — respondeu Haru, com um leve aceno de cabeça.

— Se nos dão licença, temos muito o que tratar! — anunciou Alice ao grupo reunido. — Amanhã prepararemos as festividades.

— Isso quer dizer que... — começou Laki, sendo interrompida.

— Sim — confirmou Alice, afagando os cabelos da arqueira com carinho materno. — Magnus chega amanhã e pediu que adiássemos a festa.

A notícia fez com que Laki e Grimm se entreolhassem com os olhos brilhando de animação. A rainha os guiou por fora da multidão, conduzindo-os até sua sala.

O local ficava na torre mais alta do castelo. A janela frontal oferecia vista para todo o distrito e além, enquanto a janela traseira, acima dos muros, permitia enxergar o mar e a vegetação densa que cercava o castelo. A lareira crepitava forte, iluminando a mesa onde seriam entregues os relógios de condecoração.

— Muito bem! — disse Alice, rindo e batendo palmas. — Ainda hoje levarei isso para o Niklas forjar o brasão para a cerimônia de amanhã! Como foi?

— Cada um de nós se saiu bem em um ponto — respondeu Laki, jogando-se em uma das poltronas da sala. Haru e Grimm ocuparam as outras duas.

— Mesmo? — perguntou a rainha, ajeitando o vestido branco antes de se sentar.

— Haru foi bem nas provas escrita e de combate com armas. Nós dois compensamos nas outras avaliações. Mas todos demos o melhor de nós no teste em equipe... — completou Grimm.

— O teste escrito de Anfell é considerado um dos mais difíceis — comentou a rainha, voltando seu olhar para Haru com uma expressão orgulhosa.

— Eu apenas tentei dar o meu melhor... — respondeu ele, um pouco tímido.

— Você leu os livros no dormitório, não leu? — Alice estreitou os olhos, desconfiada.

Haru apenas assentiu em silêncio.

— Se soubesse quantas pessoas ignoram aqueles livros, ficaria abismado. Você foi muito perspicaz.

— Agradeço...

— Laki, Grimm... — chamou a Rainha dos Dragões, voltando-se para os outros dois. — Se não se importarem, gostaria de conversar com Haru a sós. Aproveitem para descansar um pouco.

— Pois não. — disseram, fazendo uma mesura respeitosa. Em seguida, cumprimentaram o novo parceiro e deixaram o salão.

Assim que Laki e Grimm saíram, Alice se levantou e caminhou até a frente da mesa, cruzando os braços.

— Você passou a noite em claro, não foi? — perguntou a mestra, suspirando com preocupação. Sentou-se então sobre a borda da mesa, de frente para ele.

— Não consegui conter a ansiedade para o dia seguinte... — Haru soltou o ar pelo nariz, ajustando-se desconfortavelmente na poltrona — não estava acostumado com tanto conforto.

— Imagino que também esteja cheio de questionamentos...

— Tantos que nem sei por onde começar.

— Comece pelo início — sugeriu ela, inclinando-se levemente enquanto permanecia sentada sobre a mesa.

— Por que escolher um recrutado? — ele perguntou sem rodeios. — Não é possível que aqui não haja alguém tão qualificado quanto eles para ocupar essa posição.

— O processo não foi simples — respondeu ela, se endireitando. — O teste de adequação foi feito internamente no clã, mas ninguém se equiparou aos dois. Isso me deu o direito de incluir um recrutado, caso eu desejasse mantê-los no teste. Nem mesmo os nossos membros mais experientes conseguem acompanhá-los.

— Ainda assim, por que confiar essa responsabilidade a mim? — insistiu Haru, sem esconder a dúvida que o corroía.

— A questão não era confiança — disse a Rainha dos Dragões, olhando para a lareira antes de voltar a atenção ao rapaz. — Laki e Grimm já estavam qualificados. Não podia correr o risco de deixá-los no ostracismo... então resolvi apostar.

— E a minha vida foi só uma ficha nessa aposta? — questionou Haru, tentando conter a indignação.

— Pelo visto, você percebeu o quão cruel o teste pode ser — respondeu Alice, levantando-se. Puxou uma das poltronas e sentou-se de frente para o discípulo. — Haru, eu conheço a integridade dos meus membros e confio nas minhas decisões. Sei que eles fariam de tudo para conquistar a condecoração, mas não podia garantir que os demais participantes agiriam corretamente. Por isso, peço desculpas.

— Eu não estou com raiva... só não consigo entender como vim parar aqui.

— Sinceramente? Nem eu mesma sei — disse ela, entrelaçando os dedos sobre o colo. — Só posso afirmar que não acredito em acasos.

— Então estou aqui por uma razão divina? — suspirou, com um toque de ironia. — Ótimo.

— Se serve de consolo, não é todo dia que se ouve falar de um recrutado sendo condecorado como membro oficial — comentou a rainha, levando uma mão ao queixo enquanto o observava.

— Eu só fiz o que me foi ordenado.

— O que foi ordenado era que você não me decepcionasse — disse ela, dando-lhe um leve soco carinhoso no queixo. — E, no fim, você me surpreendeu. Deveria se orgulhar disso.

— Eu simplesmente não consigo — murmurou Haru, desviando o olhar, pensativo. — Nem sequer consigo compartilhar da alegria deles.

— Eles viveram a vida inteira em função disso. Não se culpe — disse ela, acompanhando o olhar dele até as chamas da lareira. — Você viveu apenas um dia... e isso bastou para me convencer de que fiz a escolha certa. Eu é que devo agradecê-lo.

— Posso me retirar? — pediu ele, ainda inconformado, mas já vencido pelo cansaço.

— Claro — assentiu a rainha, levantando-se. Retirou uma chave da gaveta e a entregou. — Reforço que você é bem-vindo, Haru. Esperamos contar com você durante todo o tempo que desejar permanecer aqui. Essa é a chave do seu dormitório.

— Agradeço a oportunidade, majestade.

Haru se despediu. Caminhou pelos corredores do castelo, observando as chaves em suas mãos. Ainda não compartilhava da empolgação de Laki e Grimm, mas uma coisa era certa: sua presença ali não fora em vão — e ele queria garantir que nada mais, a partir daquele dia, fosse.

No quarto, depois de alguns minutos admirando o céu por uma janela sem grades, Haru adormeceu, embalado pelo ar puro e acolhedor daquela noite.

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