Volume 1

Capítulo 9.2: As Peças Se Movem

Após quatro dias de dedicação intensa, finalmente consegui compreender minha nova habilidade. Durante esse período, permanecemos no mesmo local, aproveitando o tempo para aprimorar meu poder e aprender algumas palavras do idioma da garota.

Embora não tenha sido uma perda total de tempo, sinto que poderia ter feito qualquer outra coisa em vez de me concentrar tanto em dominar esse achado. Não estou reclamando por tê-la adquirido acidentalmente, mas sim por ter direcionado toda minha atenção para ela. Afinal, ela é praticamente inútil em situações cotidianas, em lutas ou até mesmo na busca pelo Livro.

— Eba, já se passaram seis semanas e dois dias... — comemorei, tentando disfarçar minha frustração acumulada pelos dias seguidos de fracassos.

Enquanto isso, em meus pensamentos, eu lamentava: "Eu me tornei um ímã humano...". Antes, talvez eu teria ficado extremamente animado com essa habilidade, mas agora é simplesmente ridículo. Tudo o que consigo fazer é atrair metal, sem qualquer controle sobre ele.

Nesse momento, a garota se aproximou, sua curiosidade evidente em seus olhos. Os sons noturnos dos animais ecoavam no ar, enquanto a luz do satélite natural iluminava a paisagem noturna. Era incomum vê-la acordada àquela hora.

— O que você está fazendo acordada a essa hora? — perguntei, curioso.

— Não consigo dormir…

— Eu te disse para não dormir à tarde…

Ela se inclinou para observar o espaço entre minhas mãos, onde um pedaço de ferro se movia de forma rítmica, como se fosse jogado de um lado para o outro. No entanto, a verdade por trás desse intrigante espetáculo era simples: a força magnética da minha outra mão o estava puxando.

Enquanto o pedaço de ferro continuava seu balé magnético, eu refletia sobre sua utilidade. Naquele momento, não parecia ter nenhum propósito concreto para mim. No entanto, talvez em algum momento futuro, essa habilidade pudesse se revelar valiosa. Por exemplo, imagine se eu precisasse extrair todo o ferro do planeta... Embora pareça uma ideia absurda, nunca se sabe o que o futuro nos reserva.

— Como você faz isso? — perguntou a garota, intrigada.

— Já expliquei — respondi, enquanto jogava o pedaço de ferro para longe e o trazia de volta —, é magnetismo.

— Mas como isso ajuda na busca pelo Livro?

— Não ajuda. — Respondi, com um suspiro.

— Nem um pouco?

Interrompi a brincadeira e percebi que uma explicação detalhada seria demorada e cansativa. Lembrei-me do ditado uma imagem vale mais que mil palavras.

— Segura isso. — Olhei para a garota e entreguei o pedaço de ferro. — Segure firme.

Levantei-me do tronco e caminhei em direção à floresta, parando a uma distância segura.

— Não solte — avisei à garota, que balançou a cabeça em sinal de entendimento.

Coloquei ambos os braços à minha frente, fechei os olhos e concentrei-me. A energia fluía dos meus braços em direção a Vaeli. Quando a energia a atingiu, ela fechou a mão com mais força. Mantivemos essa posição por 10 segundos e, em seguida, abaixei abruptamente os braços.

— Já acabou? — perguntou ela, confusa com minha interrupção repentina.

— Sim, agora vem a explicação — disse, aproximando-me. — Você entendeu por que não é útil?

— Porque é fraca? — ela sugeriu.

— Pelo contrário, é muito forte — respondi, pegando de volta o pedaço de metal com o magnetismo.

— E qual é o problema? Se é forte, não é bom?

— Não. Eu poderia ter facilmente retirado o objeto de você, mas isso também teria atraído o destroço em minha direção, assim como qualquer outra coisa de metal ao redor.

A garota fixou os olhos em mim, sua expressão se transformando em uma mistura de surpresa e choque. Seus lábios se entreabriram, mas nenhuma palavra escapou.

— É inútil, não é mesmo?

— Bem, não totalmente. Embora eu possa aproveitar essa habilidade em certa medida, seu alcance é limitado em comparação à minha telecinese. Além disso, devido à minha maior experiência com a telecinese, essa habilidade acaba sendo inútil em muitas situações.

— Então, é realmente inútil?

— Bem... — Suspirei, relutante em admitir. — Sim, em grande parte, é inútil.

Após quatro dias de dedicação, tudo o que consegui foi me transformar em um ímã. Sinto que se eu compartilhasse isso na internet, seria alvo de zombarias pelo resto da minha vida.

— O problema é o alcance? Por que você simplesmente não o aumenta?

— Do que adiantaria? É como tentar aumentar a potência de um ventilador com uma única pá... — respondi, expressando minha frustração.

Enquanto pensava nas limitações da minha habilidade, um lampejo de uma ideia louca surgiu em minha mente, como se uma lâmpada tivesse sido acesa, iluminando os cantos sombrios dos meus pensamentos. Agora, eu conseguia vislumbrar um plano maior. Se comparasse essa ideia a um sorvete, quanto mais rápido eu a provasse, melhor seria o sabor.

— Vaeli, preciso que faça algo por mim. Jogue esse pedaço de ferro em qualquer lugar da floresta e não me diga a direção — disse, com uma determinação recém-descoberta.

Um misto de confusão e curiosidade se refletiu no rosto de Vaeli enquanto ela processava minha solicitação. Com um breve aceno de cabeça, ela pegou o ferro em suas mãos.

Para obter resultados mais precisos, fechei os olhos e pressionei as mãos firmemente contra os ouvidos, bloqueando qualquer som ou visão que pudesse influenciar minha percepção. Queria garantir que não tivesse nenhuma pista sobre onde a garota jogaria o objeto.

Depois de alguns momentos de silêncio, senti um leve toque em meu braço. Abri os olhos lentamente e tirei as mãos dos ouvidos, permitindo que os sons do ambiente voltassem a ecoar em meus ouvidos.

— Acabei — anunciou a garota.

— Obrigado. — Sentei-me no tronco e deixei meus sentidos se fecharem novamente.

A energia para ativar o magnetismo fluía para fora. Um formigamento percorreu meu corpo, uma sensação que, no passado, atribuí à liberação da onda magnética. No entanto, algo indicava que essa sensação não era interna, mas sim externa a mim. O formigamento mais intenso, de alguma forma, parecia irradiar das minhas costas, como se estivesse ressoando com algo. 

“Se minhas suspeitas estivessem corretas, essa habilidade poderia se revelar bastante útil.”

Deixando de lado os formigamentos mais intensos, concentrei-me nos mais sutis, até perceber algo familiar. Essa sensação só podia ser dele.

— Não tenho certeza de onde, mas você jogou nessa direção. — Apontei para o local, mantendo os olhos fechados.

— Uau! Como você adivinhou?

— Não foi adivinhação… — Abri meus olhos, seguindo o gesto da minha mão. — Você realmente jogou?

Meu rosto assumiu uma expressão séria ao localizar o pedaço de ferro; estava a nove passos de distância de nós.

— É… por causa do sono… — Ela bocejou, dirigindo-se à cama. — Acho que já está na hora de dormir.

Um sorriso brincou em meus lábios enquanto pensava: “Lançamento de objeto certamente não é o esporte favorito dela.”

Saber que ela tem esse lado me faz lembrar que ela é apenas uma criança aprendendo. Comparada a ela, que é madura e responsável, sou um imprestavel de marca maior. Não diria que é independente, pois quase morreu de frio na primeira noite que fugiu comigo.

É engraçado como a vida tem tantos altos e baixos para mim. Não tenho o que quero e mal tenho o que preciso. Isso me deixou frustrado por um tempo, mas logo deixei passar, assim como tudo o que fiz.

Sou como um rio, e como tal, tudo que cai em mim é sempre soterrado e esquecido. Só espero que a garota não demore muito para que isso aconteça.

***

O sussurro das folhas acariciadas pelos ventos quentes do meio-dia fazia as sombras balançarem, enquanto raios de luz penetravam entre os galhos e aqueciam o solo. Uma fileira de insetos semelhantes a formigas caminhava, carregando folhas. Essa era a minha maior distração nos momentos livres, na verdade, a única.

Eu me encontrava em um estado de espera, completamente desconectado de tudo ao meu redor. Com um olhar vago e um pensamento lento, isso era o mais próximo que eu conseguia chegar de dormir e sonhar. Minha mente flutuava entre lembranças e ideias fragmentadas.

— Todos estão prontos — disse a jovem ao se aproximar de mim.

Com esse aviso, o último teste antes do verdadeiro show estava prestes a começar.

— Obrigado, Vaeli. Espere um momento, vou responder onde eles estão — Com um sorriso, me virei para o outro lado da floresta e fechei os olhos.

Respirei profundamente, sacudi os ombros e estalei o pescoço. Levantei um dos braços e comecei a fazer movimentos circulares. Era o momento de provar que eu não era simples homem ímã.

— Ah, encontrei um! Está... no topo de uma árvore, provavelmente em um buraco. 

— Correto, agora faltam apenas dois — confirmou a menina.

Eu estava realizando um teste para mim mesmo. Era simples, só precisava detectar três pedaços de ferro em meio à floresta e indicar sua localização aproximada.

Isso fazia parte da prática do Método da Mão Detectora de Metal. Com qualquer uma das minhas mãos, eu podia emitir um sinal que tentava atrair outros campos magnéticos, e como o ferro produz esses campos, eu conseguia detectá-los. Era um método fácil de usar: o polegar e o mindinho representavam a esquerda e a direita, respectivamente, enquanto o dedo do meio indicava a localização acima, e se a palma da mão formigasse, era sinal de que o objeto estava mais abaixo.

— Encontrei outro... você o colocou debaixo de uma pedra?

— Sim.

— Não era necessário... — De repente, senti um formigamento no dedo do meio. — Você colocou o último muito alto?

— Não, tenho certeza de que o deixei no chão.

Uma ave voou sobre nós e, ao mesmo tempo, o formigamento ficou mais intenso e depois começou a se afastar. Olhei mais de perto para a ave e notei um brilho em seu bico. O mistério estava resolvido.

— Sim, acredito que está tudo correto. Funciona precisamente o suficiente.

— Você vai fazer isso agora?

— Sim, mais tarde seria apenas uma perda de tempo.

Todo o meu treinamento e esforço foram dedicados a este momento. Obter um resultado excelente é o mínimo após tanto trabalho.

Estendi o braço e mantive a palma da mão aberta diante de mim, pronto para agir. Ergui-a para o alto e canalizei todas as minhas energias, fazendo com que até os animais da floresta sentissem a estranha sensação no ar provocada pelo meu poder.

Em questão de instantes, pude abranger com meu novo sentido tanto as partes externas quanto internas da montanha, além de uma parte da extensão da floresta que a circundava. Cada pedaço, cada sensação exigia uma concentração apurada, mas também era possível explorar gradualmente ao longo do tempo, e essa segunda opção era mais do que viável para mim.

Antes mesmo de começar a explorar a montanha, algo chamou minha atenção. Era como avistar um ponto vermelho em meio a uma folha branca, ouvir um barulho desafinado em meio ao completo silêncio, ou qualquer outra coisa semelhante a isso.

Uma ressonância inesperada surgiu do lado da floresta. Ao me concentrar nela, tive a certeza, mesmo relutando em acreditar, de que se tratava do metal da nave espacial. Era um pedaço considerável, sem dúvida um grande destroço.

Meu coração passou a bater acelerado a cada segundo, e acelerou ainda mais quando uma ideia bastante plausível cruzou minha mente: “E se o Livro estiver lá?” Essa simples palpite foi o suficiente para me desestabilizar e cancelar imediatamente minha habilidade.

Nunca antes havia me aventurado tão longe, e nunca antes havia considerado a possibilidade de ele estar tão afastado. Seria a explosão forte o bastante para lançar um único fragmento tão distante? Sim, talvez seja possível. Talvez, apenas talvez, eu devesse ir até lá.

— Arrume as coisas — desfiz a fogueira com um movimento suave de minha mente —, nós vamos nos viajar.

A garota arqueou uma sobrancelha, claramente curiosa.

— Para onde exatamente? — perguntou, com um tom de incerteza em sua voz.

— Algum lugar na floresta. Ainda não tenho certeza onde, mas tenho uma sensação de que o Livro vai estar lá.

— E quando vamos?

— Agora — Joguei a mochila para a garota.

Dessa vez, após cinquenta e seis dias, sentia que estava mais próximo do que nunca de encontrá-lo. Estava a um passo de vê-lo novamente.

“Espere só um pouco mais, já estou indo!”



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