Volume 1
Capítulo 10.1: Em Busca do Destroço Perdido
A medida que nos adentrávamos na exuberante floresta que nos rodeava, a vegetação densa se fechava ao nosso redor. As copas das árvores formavam um teto verde que bloqueava quase por completo a luz do sol, criando uma atmosfera semelhante à que experimentei durante meus dias no planeta vermelho.
A mata alta me preocupava. Poderia haver buracos e ninhos de animais por toda parte. Por isso, tomei a frente e usei minha telecinese para aplainar o caminho. O mato era esmagado sob nossos pés, num barulho intenso. Mas o ruído que vinha adiante era ainda mais forte. Eu me sentia como um trator humano, desbravando o terreno selvagem.
A presença de outros seres vivos na floresta me deixava em alerta. O canto de um pássaro à esquerda, a teia de uma aranha nos galhos de uma árvore, a cobra rastejando no mato... Tudo poderia ser um perigo. Eu não conhecia a fauna local, então tinha que ter cuidado até com o menor inseto.
Tomei todo cuidado possível, mas um encontro infeliz aconteceu.
No meio da densa vegetação, um urso verde surgiu, bloqueando meu caminho. Meus músculos se contraíram e meu coração disparou. Eu fiquei imóvel, esperando que o animal se afastasse. Seria melhor para mim e para ele. Mas, para minha surpresa, o urso se aproximou.
Decidi enfrentar a criatura com meus poderes. Com um movimento rápido, usei minha telecinese para lançá-la para longe. Atordoado, o animal fugiu, com rugidos amendrontrados. Seus gritos ecoaram pela floresta enquanto ele se afastava.
Foi um incidente infeliz... para o urso.
Depois do que aconteceu, chegamos à conclusão de que voar seria a melhor opção. Agarrei Vaeli nos braços e me lancei ao ar. Voamos o dia inteiro, e meus músculos doíam de tanto esforço. Se não fosse meu corpo indestrutível, eu estaria exausto para continuar.
No dia seguinte, ao amanhecer, voltamos aos céus. Foi então que vimos ao longe o destroço. Mas algo chamou minha atenção: havia pessoas ali. Desci rapidamente, para não ser visto. Não queria causar alarde. Então, seguimos caminhando em direção a elas, passando pela mata como se fôssemos pessoas normais.
— Pare! — gritou um homem saindo de trás de uma árvore. — Vocês não podem passar. Essa área está sobre ternoble.
Com suas luvas grossas de couro marrom, botas e uma barba incrível, o homem emitia a atmosfera de um caçador verdadeiramente experiente e vivido. Sua linguagem era rude, e sua voz rouca apenas o tornava ainda mais intimidante.
— Ah... é... — gaguejei, muito nervoso em colocar aquele novo idioma em prática.
— Vocês não são daqui… Quem são vocês? — O barbado lançou um olhar interrogativo em minha direção, o que me deixou ainda mais nervoso.
O espaço e os animais selvagens não me assustam. Mas falar? Isso é outra história. E se eu disser alguma coisa errada? Se fizer papel de bobo? A vergonha seria eterna.
— Somos nômades — falou Vaeli em meu nome, me salvando da humilhação.
— Se vieram caçar, estão no lugar errado. — Seu olhar se voltou ao redor por um instante antes de continuar. — Agora, saiam rapidamente... antes que tenham problemas.
— Isso é rude. Por que nós não ir? — respondi à sua grosseria com a pouca linguagem que conseguia dizer.
Seus olhos se fixaram em mim novamente. Ele avaliou-me de cima a baixo, com uma expressão de descontentamento, até soltar um suspiro e esboçar um sorriso.
— Agora entendi... — Seu olhar saiu de mim, e foi para a garota. — Ele é seu m’gerto ou amer?
Quer saber, não responda, só pela cara já dá para saber que é os dois.
O caçador soltou uma gargalhada estrondosa. Por algum motivo, a garota o encarava com uma expressão de fúria intensa. Será que eu perdi alguma coisa? Talvez tenha sido aquelas duas palavras que não consegui compreender.
— Seu Porogu! — gritou agressivamente Vaeli, com palavras que até então eu não conhecia. — Ele não é m’gerto! Seu filhote de Botre. Toda a sua familia tem pele de Botre! — Ele encerrou a gargalhada.
Ao ouvir suas palavras, o homem teve uma reação impressionante. Seus olhos se arregalaram e ficaram injetados de sangue. Sua expressão facial ficou tão vermelha quanto um pimentão.
— Sua pequena basaral! — Sem hesitar, ele desembainhou a faca que estava presa em sua cintura.
Aquilo foi o suficiente para me fazer agir. Coloquei-me entre o homem e a garota, levantando o braço como aviso. Estava determinado a acabar com aquela situação caso ele ousasse dar mais um passo.
— Não! — gritou a garota na minha língua, puxando para baixo meu braço levantado. — Ele não vale a pena... Vamos embora.
Ela suavizou o rosto tenso e se afastou de mim. Depois, começou a andar de volta por onde viemos. Meus instintos protetores me fizeram segui-la de perto. Olhei para trás, por cima do ombro, e vi o homem guardar a faca, murmurando algo para si mesmo, enquanto outras duas pessoas chegavam.
Encontramos um lugar isolado, onde não haveria ninguém para nos ouvir. Era a hora de falar sobre o que tinha acontecido, ou pelo menos eu pensava que era. A expressão fechada no rosto da jovem me dizia o contrário. Ela não queria falar sobre o que tinha acontecido, e eu entendia. Mas ainda havia o problema de como entrarmos no lugar.
As chances de entrarmos eram pequenas. Não queria forçar a entrada, mas também não queria desistir. Então, tive uma ideia. Não era perfeita, mas era a melhor que eu tinha.
— Você fica. Eu vou — disse, com a voz séria.
Estava prestes a sair quando Vaeli me segurou pelo braço.
— Não! — Ela me apertou com mais força, o que nem me fazia cocegas. — Se você for, eu também vou com você.
— É perigoso, Vaeli. Não sabemos como eles vão reagir. — Eu tentei desvencilhar meu braço, mas ela não soltou.
— Não me importa. Eu vou com você. — Ela olhou para mim com determinação.
— Vaeli, por favor. É perigoso. — Ela não parecia estar ouvindo. — Pare de agir como… — Eu parei de falar, percebendo o que ia dizer.
— Desculpa. — A garota largou meu braço, os olhos marejados. — Você tem razão. — Ela abaixou a cabeça, envergonhada.
O coração apertava ao ver a menina chorar, mas eu sabia que não podia deixar ela vir comigo. Meu plano era arriscado e eu não queria colocar ela em perigo. Tive que me blindar contra meus sentimentos e agir de forma maquiavélica nessa situação.
— Tá bom, vamos fazer assim. — Apontei para uma árvore alta que podia ser vista de longe. — Dali, você vai conseguir ver a clareira. O que acha?
A garota assentiu, e eu a levei até a árvore. Ela não sabia, mas aquele era meu plano para mantê-la segura. Eu já havia visto a árvore enquanto descia, e sabia que era o lugar perfeito para ela se esconder caso algo acontecesse.
Ao chegar ao pé da árvore, peguei a garota no braço e voei até perto do topo, onde havia um galho grosso e resistente. Coloquei-a sentada ali, em segurança.
— Ei, não dá pra enxergar nada! — ela exclamou, apontando para o destroço.
Olhei para o destroço e só consegui ver a ponta do metal. As bandeiras hasteadas eram estranhas, com símbolos e figuras engraçadas.
— Erro meu, não esperava que não pudesse ver. — “Se a árvore fosse alta o suficiente para ela ver, então nem brincando eu a deixaria subir.”
— Então me desça — exigiu, irritada.
— Não. Agora que já está aí, você tem que esperar.
— Mas…
— Esse foi o combinado, em nenhum momento disse que seria uma boa vista.
— Você não tem medo de que eu caia? — perguntou, colocando as pernas para fora do galho.
— Eu já vi você subir uma árvore maior que essa. — Ela fechou a cara para minha afirmação. — Eu já vou, e vê se não cai!
Com essa despedida, desloquei-me pelo ar, indo em direção ao local. Como não me deixaram entrar por terra, ninguém vai me impedir pelos céus.
Antes mesmo de tocar o chão, fui recebido por um clamor ensurdecedor. As pessoas gritavam, tremiam, se ajoelhavam e choravam. O pânico se espalhou como um incêndio, e gritos desesperados se misturavam a palavras sem sentido. Eu mal tinha chegado, e eles já estavam correndo.
— Foi mais fácil do que pensei… — murmurei desacreditado
No momento em que comecei a descer do céu, um grupo de soldados armados surgiu ao meu redor. Eles estavam vestidos com armaduras completas de ferro ou couro, e carregavam lanças, escudos e arcos. Seus capacetes e chapéus eram de todos os tipos, desde os simples e funcionais até os mais elaborados e ornamentados. Mas mesmo com essa variedade, o conjunto geral era impressionante.
“Se eu pedir, será que eles me dão uma dessas armaduras?”
Finalmente, meus pés tocaram o chão, e eu fui cercado por uma multidão de pessoas. As faces que pude ver eram de pessoas nervosas e confusas. Quando me virei para ver se era o mesmo com as pessoas atrás de mim, elas apontaram suas lanças para mim. As pontas das lanças estavam a centímetros do meu rosto.
— Quem é você? — perguntou o homem de capacete negro. — Um torm do norte?
O homem de armadura que me questionava estava atrás dos cavaleiros de lança. Ele parecia ser o líder, ou pelo menos alguém no comando. Inclinei-me para ver seu rosto, e pude ver que ele tinha olhos afundados e um nariz fino. Era o rosto cansado de um comandante que já havia visto muita coisa, mas certamente nada como eu.
Eu ainda estava tentando entender o que ele estava perguntando. Seu dialeto era estranho e rápido, e eu não estava acostumado a ouvi-lo. Eu sabia que não podia cometer erros, mas estava ficando cada vez mais nervoso. O homem gritou comigo novamente, e eu fiquei irritado com sua presa.
— Rude... — respondi com a única palavra que se encaixava nessa situação.
“Quem grita com outra pessoa que acabou de conhecer.”
O rosto do homem escureceu como uma nuvem carregada de tempestade. Ele ordenou algo aos soldados, e todos eles colocaram seus capacetes. As lanças apontadas para mim eram como presas de um leão faminto. Eu não estava preocupado com estar cercado, mas com as palavras que eu diria a seguir. Uma palvra certa e poderia mudar tudo.
— Vim buscar! — exclamei, surpreendendo a todos com minha mudança de atitude. — Saiam. Aquilo é meu. — Apontei para o grande pedaço de metal enterrado no chão.
“Minha fala foi meio robotica, mas deve ter transmitido minha mensagem.”
— Que audacia! — esbravejou o líder de capacete. — Roclan!
Com um grito, o homem ordenou o ataque. Os soldados avançaram, lanças erguidas para mim, decididos a matar. As pontas se chocaram contra meu corpo, mas não conseguiram me penetrar. Era como se estivessem tentando furar um balão com cotonetes. No máximo, me empurraram de um lado para o outro, fazendo-me sentir como uma bola de sinuca sendo acertada por tacos.
A sucessão de golpes com as lanças cessou quando os soldados perceberam que minha pele não apresentava nenhuma mancha branca. O medo e a descrença se estamparam nos rostos de todos eles. No silêncio que se seguiu, pude agarrar uma delas com minha mão. O dono que a carregava tentou resistir, mas minha telecinese foi mais forte.
— Fora! — A lancei com toda a minha força.
A estratégia era simples: demonstração e submissão. Eu mostraria que eles não podiam me vencer, e eles fugiriam de medo. Meu plano era perfeito.
Mas, para minha surpresa, e de todos os presentes, a lança perfurou o destroço com extrema facilidade. O impacto foi tão forte que provocou faíscas e fogo começou a jorrar dos buracos, junto com um líquido inflamável. O cenário parecia um festival de fogos de artifício, mas com gritos desesperados no lugar de alegria.
Eles largaram suas coisas e fugiram, gritando coisas que eu não entendia ou simplesmente pedindo socorro. Eu era o único que ficou parado, com cara de paisagem. As chamas já alcançavam as árvores ao redor, e em breve tudo ali seria cinzas.
“Droga, fiz de novo…”
Meu plano não foi tão perfeito quanto eu imaginava. Mesmo assim, não desanimei. Eu precisava acabar com o fogo que havia causado.
Examinei meus arredores e vi que não havia mais ninguém por perto. Então, comecei a apagar o fogo da única maneira que eu sabia: baixando a temperatura até que ele se extinguisse. Demorou alguns minutos para focar em áreas específicas. Se eu congelasse tudo de uma vez, poderia causar um desastre ambiental ainda maior.
Por causa disso, grandes quantidades de gelo se formaram onde havia fogo. Plantas e o destroço ficaram cobertos de gelo. Não sentia o frio com exatidão, mas eu estava claramente congelando. Era como se alguém tivesse aberto uma geladeira no verão, mas dentro dela estivessem menos 200 graus Celsius.
— Com esse calor, isso deve passar logo… Melhor esperar um pouco antes de trazê-la — murmurei, vendo o meu bafo se transformar em uma nuvem branca.