Volume 1
Capítulo 10.2: Em Busca do Destroço Perdido
Com a temperatura subindo, voltei para buscar Vaeli. Vi logo de longe sua face brava, cujos olhos soltavam faíscas de fúria ao encontrar meu olhar. Antes mesmo que chegasse perto, ela logo questionou para mim e para os animais de toda a floresta:
— Que explosão foi aquela?!
— Não foi nada — respondi calmamnete.
Queria protegê-la da preocupação com o que já havia acontecido, mas a tensão no ar era palpável, e sua inquietação era evidente. Sua forte determinação era admirável, mas também irritante em alguns momentos
— Mas foi enorme! E os gritos...
— Não foi nada. Está tudo resolvido. — Minha voz soou indiferente. Preferia ocultar a confessar a verdade.
E, surpreendentemente, funcionou. Ela parou de falar, absorvendo minhas palavras.
Sem dizer nada, estendi meus braços para ajudá-la a descer do galho em que estava. Ela olhou para mim com raiva, mas talvez, apenas talvez, agora ela entendesse como eu me senti quando ela não me contou sobre o que o caçador disse.
— Tudo bem — falou ao aceitar meu silencio.
Com Vaeli nos braços, voei em direção ao local devastado, as chamas ainda queimando em algumas partes. O ar estava frio e seco, e o cheiro de fumaça e cinzas era forte. Quando pousamos suavemente no chão, a garota esfregou as mãos contra o peito, tentando se aquecer.
“Talvez eu devesse ter esperado esquentar um pouco mais.”
— Ei — Ela me encarou com olhos semicerrados, certamente desconfiada do que fiz ali —, o que você fez aqui? — perguntou, com uma voz fria.
Descrever aquele local como uma bagunça seria um eufemismo. Parecia que uma batalha épica contra um dragão havia acontecido. Armas espalhadas pelo chão, pedaços de armadura de couro chamuscados — alguém deve ter chegado perto demais do fogo —, árvores queimadas e grandes montes de gelo onde o fogo havia deixado suas marcas. O cheiro de fumaça ainda pairava no ar.
— Não foi minha culpa — respondi, mas minha voz falhou ao ver a sobrancelha dela subir. — Admito que não esperava que o destroço explodisse, mas o resto não foi culpa minha.
— Isso não explica o gelo — ela disse, em tom de desaprovação.
As extremidades do corpo da menina tremiam, e ela esfregava os braços e as pernas, tentando se aquecer do frio que penetrava nas suas roupas finas. Talvez eu devesse ter esperado mais antes de trazê-la para cá.
— O fogo está apagado — respondi, observando o local. — Você preferia que eu deixasse tudo queimar?
— Não... Eu entendo. — Parecia que ela compreendia a lógica por trás das minhas palavras.
— Ótimo — falei enquanto me aproximava dos destroços. — Não deve haver mais ninguém aqui, então você pode procurar o livro nas barracas. Se encontrar algo, basta gritar.
Virei para confirmar se ela tinha entendido, e vi que ela balançava a cabeça afirmativamente. Vaeli saiu correndo em direção às tendas e logo desapareceu de vista ao entrar em uma delas. Voltei então minha atenção para a imensa pilha de sucata de metal.
Meus olhos percorreram cada detalhe dos arredores. Se estivesse abaixo do solo, eu cavaria incansavelmente. Se estivesse entre os destroços, desmontaria meticulosamente cada peça, na esperança de encontrar uma pista. Nada seria capaz de me deter. Nada, exceto pela ausência avassaladora dele.
Permaneci ali, imerso na busca incansável, por um período que pareceu uma eternidade. Trinta minutos? Talvez. Mas o tempo perdeu o seu significado, diluído pela intensidade da minha determinação. Desmontei meticulosamente cada peça, quase provocando um novo incêndio em meio à minha obstinação.
Placa por placa, fio por fio, desvendei os segredos de sua estrutura. Cheguei ao ponto de cavar um buraco ao seu redor, apenas para garantir que não havia sido enterrado pela terra no momento do impacto.
“Claro, não havia como dar uma sorte de primeira como essa.”
— Achei!
Minha mente foi tomada por uma onda de choque, como se eu estivesse prestes a confessar meu amor pela primeira vez à garota mais bonita da escola. O som desencadeou uma reação visceral em meu corpo, fazendo-me tremer dos pés à cabeça. A função mão-pé, essencial para manter meu equilíbrio, pareceu desligar, e fui lançado desajeitadamente ao chão.
Uma fraqueza desconhecida invadiu meu corpo, sugando todas as minhas forças. O que diabos estava acontecendo? Era algum tipo de ataque?
Apertei os punhos com firmeza, determinado a resistir. Com um último suspiro, invoquei minha telecinese, usando-a como apoio para me erguer. Cada movimento era um esforço doloroso, como se minha cabeça estivesse em constante rotação, e meus olhos, descontrolados, girassem freneticamente nas órbitas.
“Droga! O que está acontecendo?”
Com passos trôpegos, lutei para sair do buraco. Minhas pernas tremiam incontrolavelmente, como se fossem feitas de gelatina. Será que eu estava nervoso? Ou pior, com medo? A ideia parecia absurda, quase ridícula. Eu, que era imortal e invulnerável, não tinha motivos para temer nada neste mundo. Afinal, eu era a personificação do absoluto, intocável até mesmo pelo tempo.
Um sorriso irônico brincou em meus lábios. Seria possível? Seria aquilo felicidade, uma sensação tão intensa que meu corpo mal sabia como reagir?
Minha tentativa desesperada de mascarar a verdadeira natureza daquela emoção como alegria era patética. No fundo, eu sabia que o motivo oculto era o medo avassalador de ser decepcionado mais uma vez. Sentia-me à beira do abismo, incapaz de suportar mais uma derrota. As cicatrizes das inúmeras derrotas passadas cobriam meu ser, mas uma última derrota era tudo o que eu precisava para finalmente desmoronar.
— Onde voce está? — gritei com o maximo que meu folego permitia.
Fui levado além dos meus limites. Senti o suor escorrer pelas minhas mãos, como se fosse uma pessoa comum. “Ah, é apenas o gelo derretendo”, pensei, percebendo o calor. Rapidamente, esfreguei as mãos na minha roupa. Nesse momento, notei que o meu cinto estava frouxo na cintura. Apressei-me para ajustá-lo. Se eu fosse encontrar o Livro, precisava estar minimamente apresentável. Caso contrário, ele iria me zoar pelo resto da vida.
“Ele com certeza vai me zoar por usar um fio de energia como acessório. Ele vai dizer que sou um nerd, ou que estou ridículo…”
A garota surgiu de trás de uma barraca branca, me tirando dos meus pensamentos. Seus olhos encontraram os meus e ela acenou com um sorriso confiante.
— Achei! — ela disse, confiante.
Dirigi-me até ela e segurei firmemente seus ombros, e soltei a única pergunta que eu tinha:
— Onde você achou? Por favor, me diga!
— Foi ali… — Começou a apontar. — Na barraca do meio, a maior…
A informação foi suficiente para que eu esquecesse de tudo. Não precisava de explicações, apenas de saber onde estava o Livro. Meu coração batia acelerado de ansiedade. Comecei a andar em direção à barraca que ela apontou, com passadas largas e rápidas. De repente, parei em frente à lona que separava o interior do exterior. Logo atrás dela estaria meu objetivo.
Fiz uma respiração profunda para me acalmar e balancei a cabeça para afastar os pensamentos desnecessários. Abri um sorriso e gritei animado:
— Olha quem te achou! Achou que iria demorar mais? Pois se enganou! — Levantei a cortina e entrei.
O silêncio e a calma do lugar não eram assustadores. O que realmente me dava medo era o Livro não responder. A essa distância, ele poderia ao menos me ouvir, e eu a ele.
— Por que você está mantendo esse silêncio novamente? Isso não foi como da última vez, quando te expulsei para o espaço... — Olhei em todas as direções, tentando encontrá-lo. — Tudo bem, desculpe! É isso que você quer? A culpa é minha, mas escute, esse planeta tem vida! Eu já fiz uma amiga e queria que você a conhecesse…
“Depois de mencionar que o planeta tem vida, ele não pode simplesmente ficar em silêncio. Parece que ele está agindo de maneira infantil.”
Vasculhei a mesa no meio, onde estavam espalhados papéis e mapas. Derrubei, revirei e até rasguei tudo que estava ali. Minha paciência estava verdadeiramente esgotada com ele.
— Chega! A brincadeira acabou. Se você não falar agora, vou te jogar em uma poça de lama e esperar secar só para te tirar e te jogar em outra! — Ameacei, no entanto, não recebi resposta. — A decisão é sua, mas não diga que não avisei!
Examinei meticulosamente cada canto da tenda, desde os tapetes no chão até as costuras que poderiam esconder algo. A única coisa que encontrei foi um maldito baú, onde sem dúvida alguma ele estava escondido.
— O. Joguinho. Acabou — pronunciei pausadamente, enquanto desferia golpes com meus próprios punhos no cadeado.
Cada soco era uma forma de extravasar minha raiva. Como esse embecil poderia me fazer passar por isso? Ele sabia que era a única razão pela qual eu ainda estava aqui e mesmo assim permanecia em silêncio.
Continuei batendo com força, um soco atrás do outro. Por fim, a paciência se esgotou e acabei estourando o cadeado de dentro para fora com o auxílio da minha telecinese.
— Seu filho da puta! Por que está se escondendo de mim?! — Abri o baú e vi o seu conteúdo.
Ao abrir o caixote de madeira, deparei-me apenas com uma pilha de roupas. Pela primeira vez, uma onda de fúria obscureceu minha visão. Sem pensar duas vezes, joguei-as no chão com força e afastei o caixote com um gesto brusco. Determinado, comecei a vasculhar o monte de tecidos até que minhas mãos tocaram algo diferente. Era um objeto retangular, rígido e coberto de folhas.
— Finalmente encontrei você, seu maldito! — Com um misto de esperança e renovada determinação, retirei o objeto da pilha. — Não é você! Não é você que eu procuro!
Sem hesitar, lancei o falso livro em direção à porta de cortina. Para minha surpresa, ao invés de atravessá-la, o objeto colidiu com algo e caiu, permanecendo do lado de dentro. Essa estranha ocorrência me deixou tão perplexo que momentaneamente esqueci toda a minha raiva. Confuso com o que presenciara, aproximei-me cautelosamente para examinar a origem dessa barreira invisível.
Enquanto afastava o tecido que bloqueava a entrada, deparei-me com uma cena que me fez congelar no lugar. Vaeli estava ali, com as mãos pressionadas contra a testa, seu rosto exausto e marcado pelas lágrimas que escorriam por suas bochechas. Seus olhos, outrora cheios de vida e determinação, agora revelavam o peso de um sofrimento profundo. A expressão em seu rosto era uma mistura de vulnerabilidade e desespero, como se estivesse à beira de um abismo.
“O que aconteceu? Quem fez isso?”
Ao perceber minha presença, ela começou a tremer e deu um passo hesitante para trás, como se minha mera presença lhe trouxesse medo.
— Desculpa… Não vou… Não erar novamente… Por favor, não me machuque… — gaguejou entre soluços.
— Eu não… — Tentei me aproximar, mas ela recuou e colocou os braços em frente ao rosto. — Eu…
“Fui eu…”
Uma camada espessa de sujeira, como lama ressecada, cobria minha pele, causando uma irritante coceira. Era repugnante; eu me sentia imundo.
Normalmente, não sou facilmente afetado emocionalmente, pelo menos acredito não ser, mas aquilo me feriu profundamente. Seu olhar assustado em minha direção fez com que eu desejasse mais do que encontrar o livro naquele momento: “Não quero que ela me odeie”. Essa era a mensagem que eu queria desesperadamente transmitir, mas o nó em minha garganta me impedia de dizer qualquer coisa.
— Você não está bravo? — perguntou a garota, ainda se escondendo atrás de seus frágeis braços.
Suas palavras me tiraram do estado de torpor em que a realidade me lançou. Limpei minha garganta antes de responder:
— Eu nunca a odiaria.
— Mas você jogou o livro em mim...
— Foi um acidente! Eu não sabia que você estava ali! — Me defendi da melhor forma possível, mas ela ainda estava na defensiva.
— Então você não está bravo por eu ter me enganado? — Com mais calma, ela abaixou os braços.
— Não... — Um momento de dúvida surgiu quando ela mencionou isso. — Mas com o que você confundiu o Livro?
Ela entrou na tenda e congelou por um instante ao ver a bagunça, mas logo voltou a procurar. Então, ela pegou uma pequena caixa retangular de madeira.
— O que é isso? — perguntei, confuso com o objeto que ela trouxe.
— É um livro — respondeu ela.
Fiquei parado por um tempo, processando a informação. Como isso pode ser um livro? Tentei encontrar uma lógica por trás disso.
— Mostre-me como isso é um livro — entreguei a caixa para Vaeli.
Ela, por sua vez, deslizou a tampa da caixa e me mostrou o que estava dentro: folhas de papel. Levei um tempo, mas então me lembrei de como havia descrito o livro para a garota.
“Uma capa que protege e folhas com palavras escritas…”
— Desculpe, foi meu erro... — “Sempre é” — Acho que seria melhor nós dois procurarmos juntos. Você vem?
— Sim — ela respondeu, após limpar o nariz.
Ao estender minha mão direita para ela segurar, ela aceitou, mesmo que fosse a mesma mão que ela havia usado para limpar o nariz. Naquele momento, percebi que isso não importava. Só desasber que ela me desculpava era o suficiente.