Volume 1

Capítulo 9.1: As Peças Se Movem

Finalmente, com a ajuda de Vaeli, eu achei o Livro... ou pelo menos eu achava. A pergunta dela — “Como eu poderia ajudar?” — me fez repensar tudo. Afinal, como uma criança comum poderia auxiliar nessa jornada?

Os três dias se passaram com ela fazendo perguntas e eu respondendo com o que sabia.

— Como é esse Livru?

— Ah, é parecido com um livro. — “Na verdade, ele é um livro.”

— E o que é um livro?

— Hum, basicamente é algo com palavras escritas em papel. Geralmente, possui uma capa que envolve e protege as páginas.

— Ele é um objeto?

— É, mas ele pode falar.

— Isso é incrível!

E assim passamos os dias, sempre próximos um do outro. A cada momento, Vaeli me fazia uma pergunta e eu respondia qualquer coisa só para manter a conversa. Começava a irritante a medida que...

— Ei…

— Olha só, está a escurecer — interrompi a garota, observando o céu.

O horizonte ganhou tons de alaranjado, com as montanhas em silhueta. A verdade é que a noite estava prestes a chegar, então não foi minha intenção fazer com que ela parasse de falar… Talvez apenas um pouco.

— Estamos no meio da floresta. Onde vamos passar a noite?

— Precisamos de um ponto de vista mais alto. — Abri meus braços em direção a jovem.

A jovem me olhou confusa, mas por fim entendeu e soltou um suspiro resignado. Era evidente que argumentar seria inútil.

Ela tirou a mochila das costas e segurou-a à frente do corpo. Aproximei-me dela e a peguei como se fosse uma princesa.

— Está confortável? — perguntei, tentando esconder o esforço com um sorriso. — Vai levar um tempo até chegarmos lá.

— Vamos logo — disse a garota, envergonhada.

Eu flutuei para longe do chão, acima das copas das árvores. No céu, uma bola amarela prestes a se despedir lançava seus últimos raios dourados. Diante de mim, um mar verde de folhas se desdobrava, tingido pela luz do entardecer. Cada folha dançava suavemente com a brisa.

Enquanto estávamos no ar, não encontrei nenhum luga para acampar. Decidi subir um pouco mais.

— Vamos subir mais, tudo bem?

A garota, visivelmente desconfortável, respondeu com um tom envergonhado, cobrindo o rosto com a bolsa.

— Vai logo, é constrangedor ficar assim…

Com sua aprovação, subi mais. Agora, conseguia avistar quase o topo das montanhas mais baixas. Sabia que a partir dali o ar se tornaria cada vez mais rarefeito, então esse seria o limite para a garota. Felizmente, não era necessário ir mais alto nem percorrer uma longa distância. Para minha surpresa, encontramos um lugar que eu já conhecia.

Com entusiasmo, anunciei:

— Já sei onde passaremos a noite! — E me dirigi rapidamente em direção ao nosso novo acampamento.

No entanto, antes que pudéssemos prosseguir, a garota me interrompeu:

— Espere! Você está indo rápido demais!

— Ah! Desculpe… — Parei abruptamente. — Vou voar mais devagar desta vez.

Assim, ajustei a velocidade para que pudéssemos seguir em frente com mais segurança.

Estávamos prestes a pousar no solo, onde ainda se podiam ver alguns vestígios escuros, o que era esperado devido ao objeto que havia caído no local.

A garota, cheia de ansiedade, se soltou dos meus braços assim que percebeu o chão se aproximando. Seus olhos brilhavam com uma mistura de empolgação e curiosidade. De costas para mim, a sua frente, estava um imenso pedaço de metal, afundado na terra. A cratera, quase imperceptível, mal podia ser percebida.

— O que é isso? — perguntou a garota, curiosa.

— Foi o que usei para chegar aqui. — A garota olhou entre mim e o destroço da nave, tentando entender. — Não é o todo, é apenas uma pequena parte dela.

— E por que está assim?

— Foi uma falha técnica — respondi de forma concisa.

“Não quero explicar que tudo foi um grande acidente.”

— Então, você usou isso para chegar aqui, certo?

— Mais ou menos isso.

— E por algum motivo, tem uma parte dela aqui porque…

— Só tive um pequeno problema de direção... é só isso. — Cortei sua fala para mudar de assunto. — Vamos, precisamos arrumar as coisas antes que escureça.

Falar da minha mancha vergonhosa do passado não era a melhor conversa a se ter com uma criança, principalmente os detalhes.

Realizamos todas as tarefas rapidamente e com eficiência, já que estávamos acostumados a montar e desmontar nosso acampamento. Por isso, conseguimos terminar antes do anoitecer.

Com tudo preparado, dirigi-me a uma árvore e a derrubei com um único golpe. Essa é a nova versão da minha Mão de Faca Telecinética, completamente reformulada! Agora, em vez de ser uma serra, transformei-a em um machado de impacto único, onde toda a energia é direcionada para o objeto, causando um estrago multiplicado.

Com um segundo golpe perto de onde surgia os galhos, criei um tronco e o rolei em direção à fogueira. A garota já havia reunido algumas plantas verdes para servirem como combustível, mas isso não foi um problema para acendê-los. Com um estalar de dedos, o fogo surgiu como um pilar, mas se apagou após alguns instantes, deixando apenas cinzas.

— Acho que me empolguei demais… — disse com um suspiro.

Ao me deparar com a pilha de cinzas, percebi que precisaria adentrar a floresta em busca de mais madeira. Enquanto ponderava sobre a possibilidade de utilizar os restos da árvore, fui interrompido pela chegada de Vaeli, que se aproximou de mim.

— Posso brincar ali? — perguntou, apontando para os destroços.

Considerando que não representava um grande perigo e comigo por perto, decidi permitir, porém não sem deixar alguns avisos.

— Tudo bem, mas evite mexer em objetos brilhantes, afaste-se de cheiros fortes e não toque em objetos pontiagudos. Além disso, tenha cuidado onde pisa e coloque as mãos à frente do corpo caso venha a cair...

Ela se afastou sem escutar o restante das minhas instruções.

Não podia impedi-la. Até eu estava irritado de andar incessantemente, de montanha a montanha, atravessando florestas abafadas. Talvez soltá-la um pouco para se divertir e acalmá-la fosse uma boa ideia.

Com essa questão resolvida, dirigi-me à árvore que havia cortado. Cortei o restante em pedaços e juntei as sobras em um monte. Tudo estava pronto para começar.

Utilizando meus poderes, comecei a comprimir lentamente os pedaços de madeira e folhas da árvore. Conforme fazia isso, o suco da árvore começou a escorrer. Finalmente, terminei. O resultado final foi um cubo deformado de madeira. Isso deveria ser suficiente para a noite inteira.

No entanto, antes que pudesse completar meus pensamentos, ouvi um grito. Sem nem mesmo me virar, voei em direção ao som. Só poderia ser Vaeli em apuros, e se ela estava gritando, provavelmente era por causa de alguma fera feroz saída de um pesadelo.

Cheguei preparado para matar qualquer coisa que fosse necessário.

— Onde está o bicho?!

— Essa coisa... — disse a garota, assustada. — Essa pedra estranha estava se movendo! Deve ser algum tipo de ogospo de pedra!

Ela apontou para o chão, onde havia duas barras pretas próximas uma da outra, imóveis como qualquer objeto inanimado.

“Preciso considerar todas as possibilidades”, pensei. Cautelosamente, me aproximei delas, imaginando o que poderiam ser. Explosivos? Algum tipo de experiência de vida alienígena? Não importa o que fosse, eu estava pronto para atacar ou correr para longe.

“Não parece reagir à minha aproximação…”, pensei enquanto pegava uma das barras. Com um pouco de esforço, consegui separar as duas hastes. Ao aproximar novamente, o objeto no cão se moveu e se juntou ao outro.

“Essa atração familiar, a cor preta... Ah, já sei o que é.”

— Não é um animal — afirmei com um sorriso. — É um ímã.

O rosto da garota passou de assustado para confuso.

— O que é um imaam?

— É um tipo de metal fabricado ou natural capaz de emitir campos magnéticos — expliquei e finalizei com uma demonstração. — Por causa das cargas positivas e negativas, eles podem se atrair ou repelir.

Coloquei os dois ímãs próximos um do outro e soltei o que segurava com a mão direita, que rapidamente grudou no da esquerda pela ponta.

— Eu não entendi, mas parece incrível! — exclamou, encarando aquilo com espanto e admiração.

Era assim que uma criança de sua idade deveria parecer.

Mais tarde, sob o céu noturno estrelado, eu preparava o nosso jantar no fogo, usando os restos congelados de ontem. Em questão de minutos, o gelo se transformou em uma sopa, talvez não tão saborosa, mas o aroma ainda era agradável.

“Preciso arranjar comida amanhã…”

Além da escassez de suprimentos, percebi que a garota estava começando a ficar enjoada de sopa todos os dias. Talvez precisássemos variar as refeições. Ou melhor ainda, mudar de ambiente.

Se não fosse pela minha busca pelo Livro, eu voaria até o povoado mais próximo em busca de um mínimo conforto. Refeições verdadeiramente boas e um otimo lugar para passar a noite. Só de pensar em deitar em uma cama de verdade...

“Ah, a panela!”

A fumaça saía como um vulcão em erupção. Espero que a comida ainda seja comestível.

— Ei — chamou Vaeli, sentada no tronco de madeira enquanto me mostrava os ímãs —, como creou isso?

— Eu não criei se é isso que pergunta. — Reduzi o fogo para esfriar o suficiente para a garota comer.

— Então... quem fez?

“Como posso explicar sobre alienígenas para uma garotinha?”

— Olhe para o céu. — Apontei, virando-me em seguida. — O que você acha que está lá em cima?

A garota ficou em silêncio, mergulhada em pensamentos profundos. Essa era uma pergunta difícil de responder, muito filosófica e reflexiva. Talvez eu devesse ter dito algo diferente.

— Outro Frah. — Sua resposta foi firme.

Frah é o nome do planeta em que estamos. A resposta dela estava quase certa.

— Não apenas um. Vários. — Os olhos da garota se arregalaram com a minha resposta. — Cada ponto de luz, embora nem todos eles, pode abrigar vida. Eles podem parecer pequenos, mas na verdade são do mesmo tamanho, maiores ou menores que Fra.

Essa foi apenas o início de horas intermináveis em que eu explicava o que era o espaço e todas as possibilidades que ele continha. Nunca antes estive tão empolgado enquanto compartilhava conhecimento.

Quando chegou a hora de falar sobre a civilização, usei meu próprio mundo como exemplo. Descrevi aviões, celulares, eletricidade e tudo mais. A garota ficou especialmente animada com a ideia das caixas que falam que mencionei.

— E também existem máquinas que pensam! É como se você desse uma instrução e elas fossem aprendendo. Claro, é um monte de códigos e coisas que eu não entendo... — Parei abruptamente ao ouvir algo caindo no chão.

Ao me virar, deparei-me com a garota deitada serenamente sobre o tronco, adormecida. O silêncio da floresta enfatizava a tranquilidade do momento. Com cautela, aproximei-me, tentando não acordá-la.

Observando a garota adormecida, com seus cabelos caindo sobre o rosto e sua respiração tranquila, pensei: “Até aqui, as crianças não conseguem ficar acordadas até mais tarde”. Aquele momento pacífico me trouxe um alívio, pois sabia que ela estava bem.

Peguei-a no colo para colocá-la na cama e bati o braço em algo que caiu no chão. Olhei para baixo e vi que era a tigela e a colher de madeira, com restos de comida grudados na borda. Foi então que percebi que, enquanto eu falava, ela estava comendo.

Após acomodar a garota na cama, comecei a arrumar o acampamento e dar uma última olhada ao redor. Comi as sobras da panela, que mesmo frias ainda estavam deliciosas. Enchi a panela de gelo e aumentei o fogo para ferver a água. Lavei os utensílios na água quente, sequei-os e os coloquei na mochila de Vaeli. Por fim, joguei a água fora e guardei a panela.

Com todas as tarefas concluídas, finalmente pude me sentar no tronco. Foi nesse momento que notei os dois ímãs no chão. Ela deve tê-los deixado cair quando adormeceu.

Sem ter nada mais para fazer, peguei os ímãs e comecei a brincar com eles. Ao aproximá-los, eles se atraíam como se fossem dois amantes. Ao afastá-los, eles se repeliam como se fossem inimigos. Era fascinante ver como duas peças de metal tão simples podiam se comportar de forma tão complexa.

— Muito fascinante — murmurei para mim mesmo, maravilhado com a capacidade dos ímãs. — Diante desse objeto, sinto-me insignificante em comparação…

“Por que sou tão… limitado?”

A palavra deus remete ao ápice de tudo. Porém, sou eu, um ser incapaz de acender uma fogueira corretamente com meus poderes, se não me concentrar. Em poder destrutivo, sou igual a qualquer incendiário moderno, escavadeira ou prensa. É patético ser algo que não faz jus ao título, como um rei sem exército e povo.

Eu deveria ter uma aura majestosa me envolvendo, com conhecimentos que nenhum mortal teria na ponta da língua. O poder de torcer a realidade na ponta dos dedos. E toda uma infinidade de coisas para fazer feitas com um único pensamento.

Soltei o ímã e, com um suspiro cansado, levei a mão ao rosto. Senti a pele lisa, sem uma única ruga ou cicatriz, como a pele de uma criança recém-nascida. Mesmo que meu rosto fosse jovem, meu espírito sentia isso, estava velho. Não sei se foram anos ou séculos, mas muito tempo se passou desde minha chegada a este mundo.

Esfreguei meus olhos cansados pela última vez antes de me levantar para aumentar o fogo, mas algo no chão chamou minha atenção. Um movimento estranho capturou meu olhar periférico, fazendo-me estreitar os olhos para o ímã. Seria real ou apenas uma ilusão criada pelas sombras? Decidi investigar mais de perto e abaixei a mão para pegá-lo. No entanto, para minha surpresa, os ímãs saltaram do chão em minha direção. O susto foi tão intenso que me fez vacilar e cair para trás.

Deitado de costas no chão, ergui a mão num gesto de rejeição, balançando-a freneticamente para me livrar do ímã. Mas, para minha surpresa, meus esforços foram inúteis. Foi então que olhei com mais atenção para o pequeno objeto e para a minha mão. À medida que forçava a separação entre eles e os aproximava novamente, uma verdade surpreendente se revelou: por alguma razão inexplicável, minha mão direita emanava uma força magnética igual àquela dos ímãs.



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