Volume 1
Capítulo 4.2: Peso da Responsabilidade
Sua mãozinha segurou a minha e me conduziu, abrindo caminho no meio da multidão que se afastava. Ao entrar no povoado, pude ver melhor as estruturas das casas.
Casas rudimentares de madeira, construídas com troncos espessos das árvores locais, estavam dispostas de forma desordenada, como se cada um tivesse erguido sua própria moradia sem se preocupar com a estética geral. Os telhados variavam em formato e tamanho, refletindo a luz com tons dourados diferentes.
“A palha do telhado não me é estranha…”
A garota me deu leves puxões, tirando-me dos meus pensamentos. A multidão diminuíra, mas ainda nos seguia de longe. Ter tantos olhares voltados para mim enquanto estava apenas com um pano, isto me deixou um pouco nervoso. Acho que vou precisar arranjar roupas maiores.
Chegamos em frente a uma porta, e a garota bateu algumas vezes. Uma mulher atendeu, seu rosto exibia sinais de cansaço, com olheiras profundas sob os olhos. Vestia uma longa saia marrom, coberta por um avental branco sujo. Seu cabelo comprido e desgrenhado, preso descuidadamente, indicava que ela havia negligenciado sua aparência pessoal. Sua expressão cansada se transformou em espanto quando nos viu parados à sua porta.
A moça, confusa com a presença de tanta gente perto de sua casa, fez uma pergunta à menina, que respondeu com um sorriso no rosto e apontou para mim, como se estivesse contando sobre sua conquista em me trazer para dentro da vila. Enquanto a jovem contava, a mulher mais velha dirigiu o olhar para mim, depois para a multidão que nos seguia, e por fim para a garota.
“Não estou entendendo, ela só queria…”
O grito repentino da mulher mais velha me assustou e fez a garota parar de falar. Sua expressão de raiva desapareceu quase tão rapidamente quanto surgiu. Seu rosto adquiriu uma expressão sombria e suas palavras pareciam carregadas de repreensão, dirigidas severamente à garota.
A jovem luta de volta, mas a mulher é implacável e fecha a porta. A garota larga a minha mão e começou bater na porta, descarregando sua angústia e tristeza. Suas palavras eram interrompidas somente pelos soluços. Ninguém vai fazer nada?
Olhei para a multidão. Suas reações eram semelhantes: alguns desviavam o olhar; outros cruzavam os braços; alguns conversavam entre si, ignorando o que estava bem à frente; todos demonstravam claramente desinteresse.
“Por que ninguém faz nada? Isso é estranho… É errado ajudar nesse planeta? Eu deveria confortá-la ou pelo menos impedi-la de se machucar, mas…”
Sou um estranho nesse planeta, alguém de fora, um desconhecido. Não posso fazer nada para ajudar, isso já foi provado. Estava decidido a partir quando a porta se abriu.
A mulher saiu de lá, seus olhos inchados e lágrimas escorrendo pelo rosto, segurando uma criança envolta em panos. Ela se aproximou da garota, que sorriu ao ouvir a mulher falar, e lágrimas também escorreram pelo rosto da garota. Em seguida, tiveram uma conversa calorosa.
“Parece que se resolveu, mas por que a criança?”
A conversa delas cessou, e ambas voltaram seus olhares para mim. Nos olhos da mulher, havia um brilho triste de esperança, enquanto a garota exibia uma chama de confiança.
“Quê? Não me olhem sem falar nada, isso me deixa nervoso!”
A mais velha passou pela mais jovem e estendeu a criança em minha direção, oferecendo-a para que eu a segurasse. O narizinho do pequeno escorria, e seu rosto ardia em um tom vermelho intenso, como se estivesse prestes a entrar em erupção. Os olhos da criança eram da mesma cor que os da mulher, o que me fez questionar se eram mãe e filho.
A criança tossiu e começou a chorar, sua voz rouca e cheia de catarro nos pulmões. A mulher tentou acalmar a criança e, com maior insistência, ofereceu-a novamente para mim. “O que ela espera que eu faça… Não, eu sei o que ela quer…” pensei, relutando em segurar a criança.
Minha recusa fez com que o rosto de ambas se ensombrecesse. A mulher que segurava o bebê quase desmoronou, mas conseguiu manter sua compostura e entrou na casa, lutando para conter as lágrimas enquanto seu filho chorava. A garota desabou no chão, seus olhos perdidos no vazio a sua frente.
Claro, essa seria a reação esperada. Alguém capaz de deixar uma trilha de gelo por onde passa, suportar uma flecha no olho e mover objetos com a mente não deveria ter problemas em salvar um bebê doente, certo? Não! Eu não era essa pessoa.
Levitei do chão e flutuei em direção à montanha, meu ânimo abalado. Evitei olhar para trás, sabendo que isso só aumentaria minha tristeza. Com esses pensamentos, retornei ao solo, como um balão que havia perdido todo o seu gás.
Meus pés afundaram na neve da montanha. Tudo o que eu queria era desaparecer, ser engolida pela neve e nunca mais voltar a superfície.
— Por que não ajudei? — “Porque vai falhar.” — Pode dar certo dessa vez… — “E se der errado? Vai querer mais um peso na consciência?” — Eu não tive culpa! Foi um acidente! — “Quer que sejam dois?!” — Não… não quero…
Enquanto me afundava em culpa e remorso, uma voz sussurrou em meu ouvido: e se der certo? Essa possibilidade passou pela minha mente. Será que eu conseguiria curá-la sem causar outra tragédia? Talvez, se eu controlasse meu poder com o máximo de cuidado... Não, não vai dar certo.
— Mesmo que fosse ajudar, como eu poderia curar a criança?
Esse pensamento era apenas um e se, eu ainda não tinha tomado nenhuma decisão definitiva. Mesmo assim, me esforcei ao máximo para responder à pergunta, e havia apenas uma resposta, a mais perigosa de todas: a habilidade suprema de qualquer deus; o Desejo.
Esse poder é a própria onipotência encarnada. Ele tem o potencial de realizar quase qualquer coisa que o deus deseje, mas o preço é desconhecido — o Livro não explicou qual era o preço exato.
Agora, eu tinha a solução, mas o risco era colossal. Não fazia ideia de como funcionava o pagamento ou se os resultados seriam bons.
— Vou pelo menos tentar. Se meu melhor não for o bastante…
“Ela morrerá e a culpa será minha, não haverá desculpas para me consolar.”
Com a decisão firmemente tomada, voei de volta para a vila. Minha velocidade era tanta que quase passei por ela sem perceber.
As pessoas da aldeia que testemunharam minha chegada ficaram surpresas e boquiabertas. Talvez tenham acreditado que eu nunca mais voltaria, e confesso que também tive esse mesmo pensamento.
Pousei precisamente em frente à porta da casa da mulher. Estava um pouco nervoso, mas sabia que precisava seguir em frente. Já havia chegado até ali, e recuar agora seria ainda mais embaraçoso. Bati na porta.
Demorou um pouco, mas logo o som dos passos se aproximando do outro lado da porta preencheu meus ouvidos. A mulher surgiu à minha frente, sua expressão visivelmente abatida, seu rosto marcado por uma tristeza profunda, como se as lágrimas tivessem esculpido sulcos em sua pele. Seus olhos inchados brilhavam com as lágrimas recentes.
Seus olhos, antes cheios de melancolia, agora estavam focados em mim, e a expressão furiosa no rosto dela era como uma tempestade se formando diante dos meus olhos. Seu olhar perfurou como agulhas. Ela gritou comigo em sua língua desconhecida, um som estridente que reverberou em meus ouvidos.
Os gritos dela preenchiam o espaço, ecoando como trovões, e eu ouvia a intensidade da sua angústia e mágoa em cada palavra. Era um desabafo de suas frustrações. Com os gritos, a criança acabou acordando. Ela tentou fechar a porta. Senti a resistência quando ela tentou fechar a porta, mas minha mão permaneceu firme, como um obstáculo intransponível e perguntei:
— Posso entrar?
Não precisava ter a mesma língua para entender esse gesto. Seus olhos, agora úmidos de lágrimas, encontraram os meus e eu pude ver a hesitação neles, enquanto ela decidia se iria permitir minha entrada. A sensação de incerteza deixou um gosto ruim na boca e um estômago embrulhado.
Ela fechou os olhos por um instante antes de abrir espaço para que eu entrasse. Pisei no chão de terra batida e absorvi a atmosfera do lugar. A palha estava espalhada desigualmente pelo chão, uma tentativa de proporcionar algum conforto aos pés que pisavam na superfície dura. Havia uma mesa simples no canto, com três tigelas e colheres de madeira, acompanhada por três troncos de madeira como bancos. Utensílios de agricultura estavam apoiados na parede, e os poucos raios de luz que iluminavam o ambiente entrava pelos buracos entre as toras de madeira. Era um lugar verdadeiramente pobre, não era de se admirar que a criança tivesse adoecido.
A mulher fechou a porta e passou por mim em direção a um canto da casa, que presumi ser onde a criança estava. No canto oposto ao da mesa, havia um pano suspenso por uma corda no teto, proporcionando privacidade para aquela parte da casa. “Esse deve ser o quarto”, pensei enquanto a via tirar a cortina da frente. A cama estava próxima ao nível do solo, essencialmente um monte de palha coberto por um amontoado de peles de animais.
A criança estava deitada lá, envolta em cobertores, inquieta, com o nariz escorrendo devido à febre. Seus olhos pareciam pesados, e seu rosto apresentava um tom ruborizado. Ele estava em condição pior do que pela manhã. Aproximei-me, ajoelhando-me ao lado da cama, e gentilmente coloquei minha mão sobre a testa do garoto.
— Por favor, que nada dê errado… — sussurrei, implorando por um milagre.
Fechei os olhos, concentrando minha vontade em um único ponto dentro de mim. Meu espírito se desprendeu do corpo e foi arremessado em uma sopa viscosa. Nadei com determinação em direção à luz brilhante no fundo, e...
Abri meus olhos, sentindo a reconexão do espírito com a carne. Percebi que o corpo do garoto irradiava luz, que aos poucos se apagava. Então, pude suspirar aliviado ao ver seu corpo curado e sem defeitos: sua face estava corada e saudável, seus olhos vívidos e alerta.
A mãe, que ansiava pela cura de seu filho, inclinou-se para verificar a criança. Sentiu sua respiração e temperatura, e então caiu de joelhos, derramando lágrimas de gratidão. Eu havia conseguido.
“Isso foi um milagre… Um enorme!”
Caminhei em direção à saída, onde um grupo de curiosos me observava com olhares surpresos. Eles abriram caminho quando perceberam minha intenção de sair. Marchei com a cabeça erguida entre a multidão, até atravessar os portões da aldeia.
— Viu, deu certo como eu...
O silêncio me atingiu como um golpe duro da realidade para lembrar que ele não estava mais aqui. Ele com certeza faria alguma ironia ou comentário sobre como sou um sem vergonhar por andar por aí só com um pedaço de pano.
Havia esquecido o vazio por causa das outras preocupações, mas agora ele retornava forte como uma tempestade. Deveria encontrá-lo, não importava o que fosse preciso.
Ao sair da vila, estava pronto para alçar voo e continuar minha busca, mas algo surgindo do portão capturou minha atenção.
Seus cabelos, presos em um rabo de cavalo com uma fita azul, balançavam no ar enquanto ela corria, junto de sua bagagem que era maior que ela. Em suas costas uma mochila e em suas mãos, quase cobrindo seu rosto, o mesmo saco de palha que me ofereceu pela manhã.
“Não me diga que ela quer que eu coma tudo?!”
Ela se aproximou de mim, recuperou o folego antes de continuar, e estendeu o saco de palha para mim. Se veio até aqui com tanta pressa, não seria educado rejeitar. Peguei a sacola e me despedi com um aceno, notando o brilhante sorriso em seu rosto. Enquanto me afastava, ouvi passos suaves atrás de mim, como um eco sutil da presença dela que me acompanhava.
— Xô, suma daqui garotinha, volte para seus pais — Virei-me e fiz um gesto com a mão, indicando que ela deveria se afastar.
Ela deu alguns passos para trás, e eu acenei, acreditando que ela tinha entendido a mensagem. Caminhei mais alguns passos e percebi que a distância entre nós permanecia a mesma de antes. Ela continuava a me seguir.
“Uma hora ou outra ela cansa e vai para casa”, pensei, acreditando nas minhas palavras enquanto caminhava em direção à mata.