Contra o Mundo Brasileira

Autor(a): Petter Royal


Volume II

Capítulo 30: Buscas e descobertas

O dia era de sol, porém agora Peppe estava em um local nada iluminado. 

A busca o levou às profundezas do Distrito Baixo, um lugar que fazia a cabana de madeira onde ele morava com Sara parecer o Palácio de Versalhes. 

O ar ali era uma composição complexa de peixe podre, esgoto aberto e decisões de vida das quais ninguém se orgulhava. Após interrogar alguns mendigos (e quase perder a carteira para um deles) e seguir um rastro de mana que cheirava a lavanda barata e pólvora, ele chegou a uma taverna de fachada caindo aos pedaços chamada "O Machado Cego".

"Espero que não seja outro grupo de ladrões e assassinos", pensou.

Lá dentro, o caos imperava, mas era um caos estático. Três marinheiros corpulentos estavam jogados no chão, nocauteados com uma precisão cirúrgica. No centro de uma mesa circular, de costas para a porta, uma figura se destacava como um flamingo em um chiqueiro.

Era uma mulher alta, com seios muito fartos e uma bela bunda. Reparando bem, dava pra ver que era portadora de pés um pouco grandes para uma mulher...

Ela se virou de frente. Usava um vestido de seda rosa-choque com um decote de um tamanho sugestivo. O rosto era angelical. Muito belo mesmo. 

"Será que ela é uma princesa", Peppe pensou. "Bom, deixa eu ver..."

— Valerie? — chamou, mantendo uma distância que ele considerava segura para alguém sem armadura.

A figura se virou com uma lentidão dramática. O rosto estava perfeitamente maquiado: batom vermelho vibrante, sombras azuis elétricas e cílios postiços tão longos que pareciam pequenas vassouras.

— Quem é? — A voz era um pouco grossa, como a de uma mulher bombada. 

Peppe por um momento se questionou se havia algo como anabolizantes mágicos naquele mundo. Isso explicaria sua mudança súbita de físico. Talvez tivesse tomado uma poção sem querer, ou talvez aquela elfa o tivesse injetado durabolin enquanto dormia, mas seria muito absurdo. Provavelmente era algo mais profundo do que isso. 

— Vim aqui te buscar. 

— E quem é você?

Ele ficou sem reação. Apenas tinha pegado a missão, mas esqueceu-se completamente dos detalhes, como "quem tinha pedido", ou o motivo. E, reparando bem, ele estava indo atrás de uma pessoa. Ela não iria acompanhá-lo assim, do absoluto nada. 

Ele tinha que resolver isso. 

Valerie soltou um suspiro dramático que quase desabotoou o corpete de seda, fazendo as costuras gemerem em protesto.

O suspiro de Valerie não foi apenas um som; foi um evento sísmico. Peppe observou, hipnotizado pelo perigo iminente, enquanto as costuras do vestido rosa-choque lutavam heroicamente contra a física. 

Ela caminhou até ele, cada passo fazendo aquele grande par de melões balançar, para cá... e para lá...

Ele já tinha visto modelos na Terra usando roupas três números menores para caber em editoriais de moda, mas aquilo ali era uma questão de segurança pública. Se um botão saltasse, poderia muito bem atravessar o crânio de alguém.

— Escuta, eu tenho um bom motivo — Peppe começou, pigarreando e tentando achar uma desculpa. — Eu estou aqui para te trazer de volta para seu dono. 

Ela olhou de soslaio, desconfiada. 

— É, parece que eles também — disse, com o indicador apontado para os três brutamontes no chão, ao seus pés. 

— Espera, você não quer voltar? 

— Humpf — Ela bufou, como quem estava insatisfeita. — E por que você acha que eu iria querer retornar àquele lugar imundo, quando nem sou mais a preferida dele?

O tom de rancor com pitadas de remorso fez Peppe entender o que havia acontecido, ao menos lhe deu uma ideia. Ele era especialista em mulheres enganadas, afinal. 

— Olha, veja bem, eu acho que você está certa, sabe... 

Peppe foi ao encontro dela, tocando-a nos ombros em tom acolhedor. Conseguiu sentir o perfume remanescente, e era como se estivesse em um campo florido. Aquele era o segundo melhor cheiro que sentiu naquele mundo. 

Vendo que ela aceitou o toque, convidou-a para sentar na mesa lateral, de modo discreto. Com medo, o restante dos presentes se afastou de fininho. Afinal, não queriam tomar mais porrada. 

Como um ex-modelo, Peppe teve a oportunidade de posar para as marcas mais predatórias de Milão, ele sabia que a linguagem corporal valia mais do que mil feitiços de persuasão. Por isso sentiu a musculatura rígida dela sob a seda — ela estava pronta para explodir ou chorar, e ele precisava que ela fizesse a segunda opção.

— Escuta, Val... posso te chamar de Valerie, não é? Um nome tão delicado para alguém com uma presença tão... avassaladora — Peppe começou, baixando o tom de voz para aquele barítono suave que fazia as fotógrafas esquecerem de focar a lente. — Você é poderosa, Val, se puder chamá-la assim, e todos deveriam saber disso. 

— Pode — ela respondeu, a voz vacilando por um milésimo de segundo. — Mas não tente me enrolar, bonitinho. Já me trataram como um objeto de decoração por tempo demais. Humpf! Aquele idiota do Lux! Ele vive cercado daquelas... "aspirantes" a quengas.

Peppe soltou um suspiro profundo, fingindo uma empatia que não sentia, mas que performava com maestria.

— Lux? É esse o nome dele? — Peppe questionou — Olha, eu não o conheço bem, mas conheço o tipo. E, olhando para você, agora eu entendo o desespero dele. Nooossa, como ele deve tar mal, viu. Aposto com você que esse tal de Lux deve tar chorando agora, Val. 

Valerie inclinou a cabeça, os cílios postiços de vassoura balançando. — Desespero? Ele parece bem calmo dando festas para aquelas magricelas.

— É aí que você se engana — Peppe aproximou-se mais um centímetro, invadindo o espaço pessoal dela de forma magnética. — Você já viu um mestre artesão treinando em madeira barata antes de tocar no mármore mais precioso? É exatamente isso. Ele está apavorado, Valerie.

— Apavorado de quê? — Ela cruzou os braços imensos, fazendo o decote sugerir que um terremoto estava por vir.

— De não estar à sua altura — Peppe disparou, usando a técnica da "validação emocional" para iniciar um discurso absurdo. — Um homem como ele, diante de uma mulher com a sua... densidade artística e física... ele se sente pequeno. Aquelas outras? Elas são apenas "sparrings". Ele treina com elas, testa diálogos, testa agrados, tudo para que, quando ele estiver com a verdadeira rainha do pavilhão, ele não cometa nenhum erro. Ele tem medo de te perder por ser insuficiente, então ele se distrai com o medíocre para não encarar a perfeição que o assusta.

Valerie ficou em silêncio. 

O rastro de mana de lavanda que emanava dela pareceu brilhar mais forte, oscilando entre a incerteza e a esperança. Ela olhou para os próprios pés (tamanho 42, no mínimo) e depois para o rosto belial de Peppe, que se esforçava para parecer o mais santo possível.

— Você acha mesmo? — a voz dela saiu um pouco menos grave, quase em um sussurro esperançoso. — Que ele treina com as outras... por minha causa?

— Eu tenho certeza absoluta — Peppe afirmou, dando aquele sorriso de canto de boca que usava na Terra para vender perfumes caros que custavam o equivalente a um rim. 

Nem em seus sonhos mais loucos ele acreditou que aquilo daria certo tão fácil. Jurava que teria que usar sua lábia para conseguir escapar de um soco, e só então conseguiria convencê-la a voltar. 

O alivio foi tanto que ele pediu um copo de leite quente com mel, antes de continuar a conversa com a moça. 

— Ele te ama tanto que a presença de vocês dois no mesmo ambiente causa um curto-circuito no ego dele. Ele não mandou me contratar para te buscar como um "ativo", Val. Ele mandou porque a casa dele perdeu a alma. Ele está lá agora, provavelmente fingindo desdém diante dos convidados, mas morrendo por dentro a cada minuto que você passa nesta taverna imunda cercada por esses marinheiros que não sabem apreciar uma obra de arte.

Valerie soltou um arfar pesado. As costuras do vestido deram um estalo final audível, mas, por algum milagre ou puro esforço do tecido, aguentaram.

— Ele é tão... bobinho — ela disse, limpando uma lágrima solitária que ameaçava borrar a sombra azul elétrica. — Se ele tivesse me dito isso... se ele tivesse sido honesto...

— Homens nobres são idiotas, Val. Eles complicam o que é simples porque acham que a vulnerabilidade é uma fraqueza — Peppe pegou a mão dela, que era quase o dobro da dele, e depositou um beijo leve nos dedos. — Deixe-me te levar de volta. Não como uma fugitiva, mas como a soberana que retorna ao seu trono. Mostre para ele que o treinamento dele com as "outras" nunca vai chegar aos pés do que você representa. Afinal, jogo é jogo, e treino é treino.

— "Jogo é jogo"... — ela repetiu —, "treino é treino"... 

Valerie levantou-se com uma determinação renovada. 

A cadeira onde ela estava rangeu em alívio. 

— Você fala tão bonito... Você não quer ser meu empresário? Ou talvez meu guarda-costas? O Lux é um pão-duro, eu dobro o que ele te pagou se vier comigo, só para ele ver que eu também sou capaz de andar com homens bonitos se eu quiser.

— Quem sabe no futuro? — Peppe sorriu, mantendo o charme enquanto era arrastado contra a própria vontade pelas mãos dela. — Bom, acho que não tenho escolha, não é?...

Reparando bem, enquanto era arrastado, ele notou algo que o fez ter certas memórias do período em que passou com os aventureiros em Vila Verde. 

O vestido colado de Valerie revelava uma protuberância um tanto exagerada na parte da frente dos quadris. E era bem exagerada mesmo. 

"Será que eu estou ficando louco?", refletiu, antes de um calafrio percorrer sua espinha. Por fim, acabou por decidir que era melhor se fingir de bobo, ou sobraria ainda mais para ele. 

***

A caminhada de volta ao Distrito Nobre foi o teste definitivo para as habilidades de "esquiva social" de Peppe. Ele ofereceu o braço para Valerie, que o aceitou com tanto entusiasmo que Peppe sentiu seu ombro estalar com o peso daquele grande par de seios. 

Não podia dizer que era ruim, embora ainda estivesse desconfiado de que algo ali estava errado. 

Eles cruzaram a ponte principal de Celestria sob os olhares estupefatos de guardas e nobres. Peppe era detentor de uma beleza jovial, afinal, e estava de fato acompanhado por uma moça alta e muito esbelta. Embora, novamente, desconfiasse que não era por isso que estivessem chamando a atenção.

Ao chegarem aos portões de ferro da Mansão, Peppe finalmente viu quem era o tal "dono" da missão.

— Não é possível.

Lá estava ele, encostado na mesma fonte de mármore onde o interceptara mais cedo, fazendo pequenas esferas de mana densa flutuarem entre os dedos. O rapaz de cabelos brancos e sorriso jocoso.

"Ah, não... o filho da puta gravitacional?", Peppe pensou, sentindo um frio na espinha. "Então esse é o Lux."

Lux parou de brincar com a mana quando os viu. Ele quase deixou as esferas caírem no chão, a expressão de deboche sendo substituída por uma de puro choque.

— Mas que diabos...? — murmurou, descendo os degraus da entrada. — Então foi você que pegou o contrato?

Peppe ignorou a surpresa dele e fez uma reverência exagerada, entregando a mão de Valerie para um Lux completamente atordoado.

— Bom, é um pouco cedo, mas tudo bem, acredito eu...

Ele ia continuar seu discurso, contudo notou a piscadela de Peppe e encerrou. A garota de seios fartos ao lado dele estava o encarando com uma cara carrancuda.  

— Aqui está, Lorde Lux — Peppe disse, enfatizando o nome agora descoberto. — Sua estrela retornou. Tivemos uma conversa muito produtiva sobre... métodos de treinamento e como a madeira barata serve apenas para destacar a beleza do mármore.

Peppe deu outra piscadela imperceptível para Lux, um sinal claro de "apenas concorde se quiser manter sua casa inteira".

— Ah... sim! — Lux reagiu, recuperando a compostura com a agilidade de um político. Ele abriu um sorriso largo para a mulher. — Valerie, minha deusa! A mansão estava... cinzenta sem você. E-eu... ehr... veja! Estava preparando um presente para você!

Valerie soltou um grito agudo de alegria que ecoou por todo o quarteirão e esmagou Lux em um abraço de urso que fez o nobre perder a cor instantaneamente. A cabeça do jovem nobre já havia desaparecido por completo em meio àqueles gigantescos melões.

— Oh, Lux! O seu mensageiro me contou tudo! Você é tão fofo sentindo medo de não estar à minha altura! Por isso você treina com as outras, não é?! — Ela o carregou para dentro da mansão como se ele fosse um boneco de pano. — Esse jovem bonitão me falou: "jogo é jogo, treino é treino"...

Lux levantou a cabeça de súpeto, assustado com o absurdo que a ouviu falar. Depois encarou Peppe. 

Peppe suspirou, sentindo o peso do mundo sair de seus ombros. 

— Bom, meu caro Petrus. Vou pedir licença para você agora — disse Lux, tendo as mãos tomadas por Valerie. — Pois eu e minha deusa temos assuntos urgentes.  

Peppe travou. O nome ecoou em sua mente como um gongo. Lux o chamara de Petrus. Não era o "Giuseppe" da matrícula, nem o "Peppe" das ruas. Era o nome de origem, o nome do príncipe que ele deveria ter deixado para trás nas masmorras de Tullis. Ele mal teve tempo de processar a informação; viu apenas a forma bruta como o nobre de cabelos brancos foi arrastado por uma das portas laterais da mansão.

Peppe não tinha chegado nem ao portão principal e os gemidos já tomavam conta do ambiente. E, para o seu trauma pessoal, ele tinha certeza de que os gritos de pavor — ou prazer agônico — não eram de Valerie.

***

Tentando deletar aquela trilha sonora da memória, Peppe pegou a recompensa na Guilda e voltou para o casebre. 

Sentindo o tilintar da moeda de prata, olhou para o anel e para o círculo no seu pulso. Ele tinha cumprido a missão, ganhado seu sustento e, tecnicamente, agora tinha um "contato" influente (e muito confuso) na academia.

— É, Sara... — Peppe murmurou, servindo um pouco de vinho barato para a garota enquanto o vento passava pelas frestas da madeira. — Esquece esses negócio de magia. Nós devíamos abrir uma consultoria amorosa para nobres com gostos... peculiares. Paga melhor e o risco de morte por explosão mágica é consideravelmente menor.

Sara riu, balançando a cabeça após ouvir o relato absurdo sobre a "Estrela Valerie".

No céu, as estrelas de Celestria brilhavam com uma clareza fria.

— V-você não acha, mestre, que o destino gosta de pregar peças? — ela perguntou com a voz subitamente baixa.

Peppe, pego de surpresa, parou com a taça a meio caminho da boca.

— Por que acha isso?

— Bom, quer dizer... olhe para nós. Há pouco tempo atrás eu tava tentando te matar pra ganhar algum dinheiro. Agora basicamente sou sustentada por você e virei sua escrava.

A verdade dura sendo dita tão casualmente fez o rapaz sentir uma pontada no peito.

Apesar disso, ela não disse aquilo num tom triste. Na verdade, parecia até que estava feliz. 

Ela o tocou nos braços, fazendo-o virar para si. 

Foi quando Peppe se viu tomado pela beleza de Sara. Os cabelos castanhos caindo sobre o rosto fino e delicado. O perfume de lírios que assaltava seu olfato. O toque leve de suas mãos ásperas, porém pequenas. 

Peppe não sabia explicar o motivo, porém tudo naquela moça o agradava. A silhueta delicada, a pele macia, o cheiro do campo, o pequeno par de seios... Tudo. 

Sara exalava uma aura feminina e frágil, porém forte também.

— V-você sabe que sou sua escrava, certo? 

Ele não entendeu a razão dela trazer aquilo à tona novamente. 

— V-você não quer... me usar? — Ela corou, sussurrando em seu ouvido em um tom provocante. 

Ele enfim entendeu as intenções da garota, que o encarava com expectativa e desejo. Duas coisas que há tempos ele não experimentava. 

Foi o suficiente para que Peppe assaltasse seus delicados lábios rosados. 

Tomou-a pelos braços vagarosamente, sentindo o mel da refinada língua da garota. Ela tinha gosto de paraíso, fazendo-o sentir-se voando sobre as nuvens. Era uma mistura de doce e alivio, algo que ele nunca experimentou antes. 

Ele a puxou pelos braços, tranzendo-a consigo. 

Aquela foi a primeira vez que entraram no mesmo quarto juntos, fazendo barulhos e exalando murmúrios que deixaram até mesmo os passarinhos voando ao longe curiosos. 

— Acho que eu quem estou sendo usado aqui, Sara — Ele riu, vendo-a subir sobre si. 

Amanhã as aulas do segundo ano começariam. O Mestre Corvus não teria a mesma paciência de Valerie, e Peppe sabia que, no Grande Salão, a lábia de modelo não o salvaria de um feitiço de desintegração. Também teria que conversar com Lux e descobrir o porquê dele saber seu verdadeiro nome.

Mesmo assim, a única coisa em que ele conseguia pensar naquele momento cavalgava em cima de si, assaltando-o por completo, tanto em esforço quanto em sentimento. Percebendo que ela queria jogo duro, ele não podia deixar seus pensamentos o distrairem. 

Momentos depois, estavam deitados juntos, com os finos braços de Sara por cima de si. Eles não disseram nada um para o outro, e não era necessário. 

Ele conseguia sentir tudo. Era como se o toque pele a pele revelasse mais do que uma conversa franca.

Foi então que Peppe percebeu que era bom estar vivo. Em seu coração, ele encontrou o que nunca procurou. 

 

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