Volume II
Capítulo 29: Mago do 1º Círculo
O Salão dos Juramentos da Academia de Celestria, encravado nas montanhas de Rochedo, cheirava a uma mistura insuportável de incenso de sândalo, pergaminho mofado e aquela arrogância hereditária que só pessoas que nunca tiveram que lavar a própria louça conseguem exalar.
O teto era uma daquelas exibições obscenas de poder: um mapa estelar em relevo que girava lentamente, movido pelas correntes de mana do planeta.
Para os outros alunos, aquilo era um teto sagrado, uma conexão com o cosmos. Para Peppe, parecia apenas um relógio de luxo que ele adoraria penhorar para pagar o aluguel.
E ali estava ele, ajoelhado sobre um selo de prata fria que parecia sugar o calor dos joelhos. A frieza do metal subia pelas pernas, lembrando-o de que, naquele mundo, até a solenidade tinha um preço físico. Não que fizesse muita diferença, ele só achava entediante.
Em sua mente nada se passava. Estava vazia de pensamentos.
Aliás, esse silêncio mental era a parte mais perturbadora da cerimônia. Floquinho, o lulu da pomerânia demoníaco que geralmente estaria sussurrando insultos, exigindo vinho caro ou reclamando do péssimo corte de cabelo de Peppe, estava em um coma alimentar absoluto.
As almas que Peppe colhera foram um banquete pesado demais para o animalzinho ganancioso. Floquinho estava "digerindo", mergulhado em um sono metafísico que deixava o rapaz verdadeiramente sozinho com seus próprios pensamentos. E ele não pensava muito.
Mas quando pensava, normalmente era algo ruim.
— Muito bem, vamos dar continuidade à cerimônia.
O Diretor Valerius estava diante dele, segurando um cajado de madeira estranho como se fosse o eixo do próprio mundo. O velho tinha aquele olhar de quem sabe que você está mentindo, e parecia estar olhando para um grande mentiroso.
Havia uma sabedoria cansada naqueles olhos, algo que Peppe identificava como o olhar de um CEO de uma multinacional que já viu todos os tipos de fraude contábil imagináveis. Até parecia com o seu contador na Terra.
— Giuseppe Moretti — a voz de Valerius reverberou, atingindo o fundo do peito de Peppe como um bumbo de orquestra em um desfile de alta costura. — Você entende que a magia nesta Academia não é um direito nato, nem um simples estudo acadêmico? É um contrato de sangue com a ordem e a estrutura de Celestria.
Contrato de sangue. Peppe quase soltou uma risada nasal. Que piada de mau gosto. Ele já tinha vendido sua essência por sobrevivência antes.
— Eu entendo, Diretor — respondeu ele, mantendo a voz firme e o rosto de "vítima das circunstâncias" que ele costumava usar na Terra quando o segurança do desfile o barrava por tentar entrar com uma garrafa de gim escondida na mochila.
Valerius primeiro entregou a Peppe uma espécie de anel azul. Quando o rapaz o pegou, ele inclinou o cajado sobre a mão em que estava o objeto mágico.
A luz azul-metálica atingiu Peppe como uma picada de vespa, seguida por uma onda de calor que correu pelo seu braço direito. No seu pulso, a pele ferveu e se reorganizou em um processo doloroso de reescrita dérmica. Rúnicas complexas se entrelaçaram em um círculo perfeito: um círculo concêntrico. Era a marca de um acólito, um mago do 1º círculo.
Mas houve um "clique" diferente. Graças ao conhecimento arcano básico que Peppe havia "baixado" da Loja antes de Floquinho apagar, sua percepção não era mais a de um leigo. Ele não sabia exatamente como criar um encantamento de alta complexidade, mas sabia identificar o "cheiro" de um. Aquele anel em seu dedo cheirava a vigilância constante.
A nova marca, por sua vez, parecia ser uma espécie de canalizador de partículas mágicas gravado diretamente sob a pele dos magos. Era como se fosse uma varinha mágica, se aquela fosse Hogwarts.
Ele achou legal. Conseguiu condensar a mana muito mais rápido do que antes.
O próximo passo foi se levantar, limpando a poeira da túnica barata. Na sacada superior, a Condessa Rosetta inclinou a cabeça milimetricamente. Ela não sorriu, mas tinha um brilho no olhar. Um brilho que Peppe conheceu em sua época de modelo.
"Essa filha da puta tá com tesão?", pensou.
E a cerimônia continuou com os demais presentes. Todos aparentando ser jovens, mas não tanto quanto Peppe.
Olhando bem, pareciam estar na casa dos vinte e cinco a trinta. Parecia que nem todos conseguiam um círculo após o primeiro ano, e então tinham que repetir, até conseguirem o 1º círculo.
— Elara Vermellion, venha!
À medida que a cerimônia avançava, mais Peppe ficava curioso. Haviam muitas pessoas ali. Até que, em um certo momento, Valerius pareceu terminar de entregar o último anel ao último neófito do primeiro ano.
— A partir de agora, todos são acólitos. Meus parabéns, podem se considerar magos agora!
Uma salva de palamas soou da plateia.
Aparentemente, nem todos eles teriam o dinheiro ou o status para continuar por mais um ano na academia. A maioria sairia de Celestria e voltaria para casa, ou então tentaria encontrar emprego em alguma corte menor ou em algum ducado distante do interior que aceitasse magos generalistas do 1º círculo.
Mas alguns deles continuariam, e isso incluia Peppe.
Ele olhou com curiosidade para a garota que o diretor havia chamado depois dele. "Elara, em... que tchutchuquinha", analisou de longe.
De imediato, sentiu uma pontada. Reparando bem, viu de longe um olhar raivoso. Era Sara, da plateia, encarando-o como uma esposa traida.
Peppe sorriu, depois voltou a encarar o diretor.
Quando a cerimônia acabou, foi encontrar Sara. As aulas do segundo ano começariam no dia seguinte à cerimônia dos acólitos, uma semana após o início das aulas do primeiro ano, conforme mandava a tradição
***
Ao cruzar o portal de carvalho para o pátio externo, Peppe sentiu o vento frio de Rochedo bater em seu rosto, mas o alívio de sair do salão durou pouco.
Ele foi interceptado por rapaz de cabelos brancos e sorriso jocoso.
"Ah, não... De novo não... Malditos bullers", pensou, já armando uma estratégia de defesa.
— Olha só, o novo queridinho do Diretor — Ele sorriu, mas havia um brilho de desafio real em seus olhos azuis. — Vamos lá, quem você teve que comer pra conseguir subir de rank tão rápido, em?
O nobre estava encostado em uma coluna jônica, mastigando um talo de capim-doce com uma displicência que só quem tem três gerações de ouro no banco e sangue azul nas veias consegue sustentar sem levar um soco imediato.
Peppe parou. Ele sabia que era perigoso, mesmo com apenas uma semana de aulas ali, já conseguia dizer isso, mas o deboche o irritava de uma forma visceral.
— Ah, vai tomar no cú, caralho. O que você quer? — Peppe tentou passar por ele, mas o branquelo se moveu com uma fluidez sobrenatural, bloqueando o caminho com um passo de dança.
— Quero ver se o que aconteceu no teste do cristal foi sorte, um erro de calibração do orbe ou se você realmente tem o que é preciso para sobreviver à "vizinhança" que estou te oferecendo. Afinal, não quero um cadáver como vizinho de porta. Suja o condomínio.
O oponente não sacou uma arma. Ele simplesmente estalou os dedos médios. No segundo seguinte, a realidade ao redor de Peppe mudou de tom. O ar, que deveria ser leve, tornou-se espesso como melaço. Seus pulmões arderam ao tentar puxar o oxigênio, e seus pés pareciam estar sendo puxados para o centro do planeta por ímãs gigantescos.
— Escola da Alteração? — comentou Peppe, sentindo as vértebras estalarem sob a pressão súbita.
— Quase isso. Eu o chamo de Densitatem Mutatio. Algo que eu mesmo criei, gostou? — deu um passo à frente, caminhando com a leveza de quem passeia em um jardim, enquanto Peppe lutava para não cair de cara no mármore. — Eu não mudo o peso das coisas. Eu mudo o quão "presentes" elas estão nesta realidade. E agora, você está muito, muito presente. É difícil se mover quando cada átomo do seu corpo resolve ocupar espaço de verdade, não é?
Percebendo a desvantagem, Peppe decidiu vasculhar os novos conhecimentos.
Em vez de lutar contra a pressão tentando se levantar, usou a lógica da capoeira: entregou-se à queda e usou a própria densidade aumentada para ganhar impulso em um rolamento lateral.
O movimento foi pesado, destruindo parte do canteiro de flores ao lado, mas o impulso permitiu que ele saísse do foco principal do feitiço do mago de cabelos brancos. O nobre esperava que o oponente se ajoelhasse em derrota, mas o que Peppe fez foi o contrário.
Disparou uma "meia-lua de compasso" carregada com uma espécie de impulsão provocada por uma pequena explosão que ele causou com o seu feitiço de fogo.
O chute foi violento. Com a impulsão mágica, era cerca de seis vezes mais rápido do que antes, forte o suficiente para arrancar uma árvore do chão.
Ele flutuou. Literalmente. Ele diminuiu a própria densidade até se tornar leve como um dente-de-leão, o chute de Peppe passando por baixo dele e cortando o ar com um som de chicotada.
— Nada mal! — riu, pairando a meio metro do chão com as vestes ondulando como se estivesse submerso. — Mas você luta como um animal de beco. Falta classe. Falta... estética.
— Classe não ganha briga de faca — Peppe recuperou o fôlego, sentindo a pressão diminuir conforme o nobre desfazia o feitiço, pousando com a elegância de um bailarino.
— Verdade. Mas ajuda a não sujar a roupa de sangue — Limpou um fiapo invisível de sua túnica de seda. — Considere isso um teste de boas-vindas. Você passou, por pouco. Mas agora, vamos ao pragmatismo. Você vai perceber que pode precisar de aliados se quiser sobreviver por muito tempo aqui, e eu não me alio com gente fraca. Trate de refinar sua técnica para poder ser útil a mim, ou nossa aliança não vai rolar.
Peppe não entendeu nada do que ele disse. "Como assim aliança? E quem disse que quero me alisar com você? Eu nem sei o seu nome", eram coisas que ele diria, se ele não tivesse saído tão subitamente quanto o interceptou.
Balançando os ombros, Peppe decidiu apenas deixar aquilo de lado por um tempo. Agora tinha que fazer algo mais urgente.
***
Uma hora depois, Peppe estava diante do prédio da Guilda dos Aventureiros, no centro de Celestria.
Aparentemente, ele tinha que cumprir ao menos uma missão a cada período de tempo para manter sua inscrição como aventureiro ativa na guilda. Não era algo que dava dinheiro, mas ele pretendia usar do benefício do passaporte grátis para viajar por aí.
— Maldita guilda. Aposto que só obrigam a gente a fazer missão para termos como pagar as taxas. Esses mercenários capitalistas. Nem morrendo consigo escapar, mas que caralho! — murmurou, puto, enquanto se aproximava do mural.
O lugar era um caos organizado que o lembrava vagamente de uma bolsa de valores, se os corretores usassem armaduras e cheirassem a hidromel barato. Pelo que notou, muitos alunos da academia se inscreviam como aventureiros para completar a renda, principalmente os neófitos do primeiro ano.
Apressando-se, ele encontrou uma missão estranha. De cara, notou que a caligrafia era rebuscada demais para o conteúdo que carregava.
| MISSÃO (Classe F+): Localização de Ativo de Entretenimento Desaparecido. |
|
Descrição: Localizar e escoltar de volta a "Estrela Valerie", integrante vital e insubstituível do pavilhão de artes e entretenimento da Casa Alf-Amoris. Ela foi vista pela última vez no Distrito Baixo, possivelmente "extravasando" suas tensões artísticas em estabelecimentos locais. Recompensa: 1 moeda de prata e o silêncio absoluto do aventureiro sobre os detalhes da escolta. Observação: Recomenda-se não fazer contato visual prolongado se ela estiver de mau humor e, sob hipótese alguma, comentar sobre o tamanho de seus pés. |
— Que porra? — murmurou Peppe para o papel, pensando se deveria ou não pegá-lo. — Bom, não tem restrição de classe e paga até que relativamente bem. Quer saber, que se foda. Vou pegar essa pra mim.
E com esse pensamento em mente, decidiu começar os trabalhos.
No fundo de seu íntimo, sentia que aquela seria uma tarde longa, sem saber o porquê.
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