Volume II
Capítulo 27: O som da morte e o cheiro do amor
A morte tinha um som. E Peppe descobriu isso naquele instante. Não era um grito, nem um trovão. Era o zumbido elétrico e agudo das Gladii Aetherii rasgando o ar a centímetros de seu rosto.
Ele estava perdendo terreno, e muito sangue também. Sua dança desesperada contra as dez lâminas etéreas era o máximo que o corpo conseguia, mas o corte profundo no braço e o rasgo na coxa esvaziavam sua estamina.
Ele tentava balançar aquela espada para impedir os ataques. Só que o mago de cabelos verdes e terno espalhafatoso sorria, ajustando os padrões dos golpes.
As lâminas giravam como um relógio, a geometria pura de um feitiço de contenção.
Peppe ofegava, com preocupação e gosto de ferro na boca. Cuspiu um pouco de sangue e se estabilizou. Ele sabia que o próximo movimento do inimigo fecharia o cerco e o paralisaria. Precisava fazer algo diferente, algo que o aproximasse do oponente. E rápido.
Era só que isso parecia impossível.
— Parece que minha cobaia atingiu o limite fisiológico. Vou ser obrigado a estar encerrando coleta de dados — proferiu, do jeito mais jocoso possível.
Vendo que Peppe tinha conseguido romper as amarras do feitiço anterior com pura intuição, ele decidiu não se arriscar e lançou feitiços de longa distância com poder perfurocortante. As lâminas de trovão eram perfeitas contra oponentes ágeis e intuitivos, que era o caso do rapaz.
A batalha parecia perdida. Outra lâmina de eletricidade cortou Peppe na região da bacia. Não o transpassou por completo, mas deixou uma ferida profunda.
Mais sangue escorreu. O rapaz caiu, ficando com um dos joelhos no chão. O desespero tomou conta. Ele até considerou fugir. Sem chance. O inimigo era muito forte.
"Então é esse o poder de um mago", pensou.
E foi aí que algo inimaginável aconteceu.
No meio do combate, dois objetos pontiagudos silvaram no ar, encontrando suas vítimas com precisão mortal. Dois contrabandistas caíram, e pela primeira vez, o jovem mago perdeu um pouco da compostura.
— Carambolas! Uma variável não calculada! — rugiu, a frustração substituindo a curiosidade acadêmica. — Como ousa interferir em um experimento controlado!
Antes que pudesse recalcular as runas de defesa, uma sombra se desprendeu da escuridão do pátio. Não era um virote, nem um feitiço. Era uma mulher.
— Sara? — perguntou-se Peppe.
Mas não, não era Sara. A figura tinha trejeitos mais sutis, um busto pequeno, e vestia uma túnica negra. O rosto, que não estava coberto dessa vez, era reconhecível para Peppe. Ele sabia quem era.
"Caralho, sempre pode piorar!", pensou, chegando à conclusão que iria morrer.
Quando a luz da lua bateu sobre o capuz, ele viu a face da assassina mandada por Tullis para lhe matar.
Mas, para sua surpresa, ela aterrissou entre ele e o mago de cabelos verdes com a leveza de uma pluma, mas o impacto de sua presença foi pesado. O casaco de couro negro estalou com o movimento súbito.
O mago, irritado com a interrupção, girou o pulso.
— Eliminem a intrusa.
Três das dez lâminas etéreas desviaram de Peppe e voaram contra as costas da assassina. Ela nem sequer se virou. Com um movimento fluido, ergueu o braço esquerdo. Sua manopla de metal negro brilhou com uma aura gélida e faminta.
Clang! Pah!
As lâminas de pura energia colidiram contra o metal e, em vez de cortar, congelaram. O gelo negro subiu pelas construções mágicas, trincando a estrutura de mana até que elas se estilhaçaram em pó cintilante.
Partículas de energia elétrica chuviscaram, tornando a cena um espetáculo de luzes.
O oponente arregalou os olhos.
— Anulação por entropia térmica? Isso é um encantamento de Grau 4! Meu feitiço é do mesmo grau, e mesmo assim não resistiu.
A assassina se virou para ele. Seus olhos azuis eram frios, vazios de qualquer emoção, exceto por um brilho sádico de eficiência.
— Você fala demais — disse ela, a voz monótona e perigosa.
No instante seguinte, sumiu.
A velocidade dela não era humana. O mago mal teve tempo de erguer uma barreira de proteção. A assassina reapareceu no flanco dele, desferindo um chute alto que estalou contra o campo de força, fazendo o mago deslizar dois metros para o lado.
— Mestre Kael, cuidado! — gritou um dos capangas de terno, correndo para as costas do mestre, para protegê-lo do ímpeto frenético da assassina.
— Vincula Umbrae! — gritou, batendo a mão no chão.
Tentáculos de sombra irromperam do solo, tentando agarrá-la pelos tornozelos. Mas ela não estava mais lá. Naquele instante já havia saltado entre as sombras sólidas como se fossem degraus, aproximando-se cada vez mais.
Com um outro feitiço, inaudível para Peppe, dois borrões de luz brilharam sobre os pés do mago Kael. Ele ficou mais veloz.
O combate então se tornou um borrão de luz verde e vultos negros. Peppe, ainda caído e sangrando, assistiu atônito. Aquela mulher, que ele pensara ser sua inimiga mortal, estava o ajudando?
Kael, percebendo que sua magia de alteração era inútil contra alguém tão veloz, mudou a tática.
— Fulmen Exitium!
Ele canalizou toda a mana restante em um raio de destruição pura, uma densa bola de relâmpagos, disparado à queima-roupa.
A oponente cruzou os braços na frente do rosto. O gelo negro formou um escudo em forma de pipa, mas a força do impacto a arrastou para trás, abrindo sulcos profundos na pedra do pátio. Ela rosnou, o esforço fazendo as veias de seu pescoço saltarem.
Kael sorriu, os dentes manchados de sangue. Ele tinha a vantagem da força bruta. Com a mão livre, ele começou a desenhar uma runa complexa no ar, mirando não na assassina, mas em Peppe, que naquele momento estava lutando para evitar os golpes de um de seus capangas.
— Se não posso conter a variável, elimino o objetivo primário!
Ele viu a mão do mago brilhar. Até tentou puxar a espada, mas seus dedos estavam dormentes. A assassina estava presa, segurando o raio. Ele ia morrer.
Twipp.
O som foi pequeno, quase ridículo no meio do caos.
Um virote de besta atingiu a mão esquerda de Kael, bem no centro da runa que ele desenhava. A ponta de vidro se quebrou, liberando uma nuvem de pó prateado.
— Sara! — gritou Peppe, encarando a parte de cima de um prédio lateral, um pouco distante apenas do pátio.
Poof! Crack!
A runa instável entrou em colapso. A magia explodiu na mão de Kael, jogando-o para trás com um grito de dor e surpresa. O raio Fulmen se dissipou.
A assassina, livre da pressão, não hesitou. Ela avançou como um raio negro, pronta para esmagar o crânio do mago.
Mas Kael, mesmo ferido e com a mão chamuscada, era paranoico. Ele bateu as palmas uma na outra, ativando seu último recurso. Uma cúpula de escuridão absoluta o engoliu. O soco da adversária atravessou apenas fumaça.
Ele tinha fugido.
Naquele mesmo momento, Peppe já havia finalizado o capanga que o tentou matar enquanto o mago e a assassina lutavam. Foi quando deu o último chute no pescoço dele que notou os outros cinco capangas correndo na direção de Sara, que acabou de descer do telhado.
Pensando rápido, ele pegou uma das bolas de metal arcano dos contrabandistas e arremessou.
Ela caiu bem no meio deles. E fez um estrago.
Um forte bah! foi o que se seguiu, com todos eles caindo de joelhos e com as mãos na cabeça, paralisados pela dor. O artefato era uma espécie de bomba sonora incapacitante de curto alcance.
O tempo em que eles ficaram parados foi o suficiente para que Peppe chegasse lá e os finalizasse. Sara ficou atônita. Atirou em alguns deles com a besta, ferindo-os mortalmente.
O silêncio caiu sobre o pátio, pesado e sufocante.
A assassina ficou parada encarando o completo nada, o punho ainda estendido para o vazio, ainda pensando na luta contra o mago. Lentamente, ela relaxou. O gelo em suas manoplas evaporou. Ela se virou para Peppe.
O rapaz esperava uma explicação. Ou uma ameaça.
A assassina apenas o encarou por longos segundos, seus olhos indecifráveis varrendo os ferimentos dele como se estivesse preenchendo um relatório mental. Então, sem dizer uma única palavra, ela deu as costas e caminhou para a escuridão do beco oposto, desaparecendo tão misteriosamente quanto surgira.
— Ei! Espera! — Peppe tossiu, sentindo o gosto de sangue. — Quem diabos...
Mas ela já tinha ido.
Segundos depois, passos rápidos vieram da lateral do pátio. Sara veio até ele, pálida, com a besta na mão. Quando viu que a assassina tinha ido embora, correu até ele, deslizando de joelhos na sujeira.
— Mestre! — Ela tocou-lhe o rosto, as mãos trêmulas. — Eu vi... eu vi o raio. Achei que você...
— Belo tiro... — Peppe sussurrou, a dor finalmente tomando conta de tudo. — Acertou na mão do desgraçado.
Sara chorou silenciosamente, aliviada.
— Vamos para casa. Por favor.
— Casa não... — Ele forçou o corpo a se erguer, apoiando-se nela e observando o princípio do nascer do sol. Foi quando sentiu as almas dos contrabandistas mortos indo até ele. — Tenho prova daqui umas três ou quatro horas. Preciso... preciso entrar naquela maldita Academia. Mas vou precisar de roupas novas. Bom, vamos pra casa.
Ela fez que sim.
Eles saíram mancando do pátio, deixando para trás o sangue e o mistério. Peppe estava vivo, mas a noite tinha deixado claro: ele era apenas um peão em um jogo muito maior. Um bem fraco, por sinal. E ele odiava ser um peão.
— Seu idiota! — ela chorou de novo, as lágrimas limpando caminhos limpos em seu rosto sujo. — Idiota! Você quase morreu!
Ele tentou sorrir através dos lábios inchados e sangrentos, sua mão trêmula levantando-se para tocar seu rosto.
— Valeu a pena — gemeu, tímido. Um misto de vergonha e dor — Acho que... gosto de você... mais do que deveria...
Sara enterrou o rosto em seu pescoço, seus ombros sacudindo com soluços silenciosos. Os finos cabelos castanhos dela caíram sobre o rosto de seu mestre. Peppe conseguiu sentir seu perfume, o cheiro doce e suave dela, e como era bom.
— Eu também — ela sussurrou, sua voz abafada contra sua pele. — Acho que gosto de você, mesmo você sendo o homem mais teimoso e idiota que já conheci.
— Bobagem... — rebateu. — Você só diz isso por causa da marca do Floquinho.
Ela balançou a cabeça, negando, enquanto se aproximava ainda mais.
— Eu não sei explicar, mas não tem nada a ver com isso. — Agora era a vez dela de corar. — V-você foi tão gentil comigo, me protegeu e me trouxe com você, não me forçou a fazer nada... você sabe. Ultimamente achei que estivesse envolvido em coisas obscenas e erradas, mas aí segui você até a taberna e, quando saiu, fui falar com um velho e com um outro careca. Eles disseram que você fez tudo aquilo para me sustentar e para estudar na Academia. E-eu realmente...
Ele ficou sem palavras. E, ainda sem jeito, agarrou-a pelos braços, sentindo seus seios finos sob a roupa de linha contra o peitoral. Ela retribuiu o gesto, deixando-se envolver pelo conforto do abraço.
Eles não se beijaram, apenas ficaram agarrados um ao outro por alguns minutos.
Aquele era o máximo de romance que aquele cenário de morte e destruição permitia, uma confissão entre um ex-príncipe pseudo-assassino-ladrão e uma ex-caçadora-assassina-escrava, um momento de vulnerabilidade em um mundo que valorizava apenas o poder.
Sara arrastou Peppe de volta ao casebre como um fardo precioso, cada passo numa luta contra a gravidade e o desespero. Eles chegaram mais rápido do que ela pensou.
A contragosto, ele se deitou na cama. A última coisa que viu e ouviu foi o símbolo da Loja da Ganância, com uma voz andrógina perguntando se queria o "Pacote de Conhecimento Arcano Básico" pelo preço de 20 almas.
— Sim... — murmurou, pegando no sono.
Quando finalmente acordou, ofegante e confuso, o relógio de parede da copa mostrava que faltavam menos de quarenta minutos para a prova.
— Caralho! Fudeu.
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