Contra o Mundo Brasileira

Autor(a): Petter Royal


Volume II

Capítulo 25: Linha de Produção de Almas (Parte I)

A matemática era simples e macabra. Ele tinha apenas mais um dia e meio antes das provas teóricas. Precisava de dezenove almas. Os números giravam na cabeça de Peppe como uma espiral descendente enquanto ele encarava Derik através da mesa enlameada do bar Mão Sombria.

— Um por um não vai rolar — a voz de Peppe saiu mais áspera do que o normal, carregada de uma fadiga que ia além do físico. — Preciso de algo que renda mais. Alvos em lote. Você disse que tava difícil achar gente pra fazer esse tipo de coisa. Pois então. Manda aí.

Derik estudou o rosto do rapaz. Os olhos outrora vibrantes estavam opacos, cercados por sombras roxas. Havia uma determinação doentia ali, uma frieza que ele reconhecia bem em assassinos veteranos.

— O garoto tem sede — Derik comentou para o velho Jasper, que assentiu silenciosamente em um canto. — Bom. Tenho três pacotes pra você. 

Peppe encarou, de forma silenciosa.

Derik passou a mão sobre a careca, para coçar. Depois para baixo, no balcão, em seguida deslizou um pedaço de pergaminho sujo pela mesa. 

Pacote Um: uma casa de apostas ilegal. Cinco homens, armados, mas previsíveis. O capitão da guarda não quer fazer o trabalho sujo, então nos contratou. Duas moedas de prata. Uma para você; outra para mim.

Peppe assentiu.

Pacote Dois: um galpão onde três extorsionários mantêm umas nobres falidas pra vender como escravas de luxo. — Ele fez uma pausa dramática. — Pobres garotas... Foram vendidas pelo próprio pai, mas a mãe discorda da decisão e resolveu entregar um colar de ametistas que tinha consigo para impedirmos o translado. Vou ficar com o colar, mas você recebe cinco pratas.

Ele assentiu de novo. Isso equivalia a mais de doze mil reais, se fossemos converter. Era bem mais lucrativo do que furtar comerciantes e mercadores, e bem mais simples do que invadir casarões nobres. 

— E o Pacote Três. Bom, esse não está no páreo.

Peppe fechou a cara. 

— Por quê? 

— Veja bem, garoto. Há coisas que são demais, até para uma organização de criminosos respeitada como a nossa. Mas, se quer mesmo saber. Estamos falando de um encontro entre dois grupos de contrabandistas num pátio abandonado. Eles estão negociando um tipo de substância ilegal que deixa as pessoas lesadas com o tempo. O prefeito não quer se envolver diretamente, pois o barão da região está na capital, então ele só poderia contar com os próprios homens da guarda. 

— Realmente complicado — comentou o velho Jasper, no canto. 

— Onze homens bem armados. Soube que um deles até mesmo sabe usar magia. É suicídio, garoto. Até pra você.

Peppe nem pestanejou.

— Tô dentro. Todos.

Derik suspirou.

— Que seja. O pagamento é por entrega.

Peppe sorriu, pegou o pergaminho e saiu. Não havia tempo a perder.

***

As próximas trinta e seis horas foram um mergulho no inferno. Peppe se transformou em uma máquina, um autômato movido a ganância e desespero.

Ele percebeu que o conhecimento que agora possuía em alquimia até poderia ser considerado básico para os padrões de um espírito ancestral, mas era bem útil para um assassino iniciante. 

Várias ideias vieram. E as primeiras quatro horas seguintes foram gastas em uma série de lojas no mercado negro de Celestria, bem como em uma sala escura e escondida do laboratório de estudos no segundo andar da Biblioteca da Academia.

Os equipamentos eram bons, pelo que notou. Saiu de lá com muitos frascos. Entrou no início da tarde, saiu quase já no escurecer do dia, próximo ao pôr do sol.  

O restante do tempo foi gasto testando na prática esses produtos mortais.

O Pacote Um foi rápido e brutal. A casa de apostas era escura e esfumaçada. Em vez de confronto, ele usou uma poção de gás ofuscante que criou com ingredientes baratos porém perigosos. 

Três ramos de beladona, dois de cicuta. Uma parte de tinta preta. Muco de verme-cego, mas tinha que ter olho bom para escolher somente aqueles que estavam na fase de acasalamento. Cinco pitadas de pirita moída. Um pouco de pólvora para espalhar o gás mais rápido. E outras coisas mais. 

O caos se instalou. 

Homens tossindo, cegos, tropeçando. Peppe esperou um pouco, depois, com a face totalmente coberta por uma máscara de pano, moveu-se entre as sombras. 

Sua espada e suas mãos encontraram gargantas e costelas com uma eficiência terrível. Cinco almas. Ele as sentiu sendo puxadas, como fios gelados de mercúrio, enquanto limpava a lâmina na calça e sumia pela janela dos fundos.

— Muito mais fácil do que um combate direto. Caraca! Excelente! — Ele encarava as outras três bombas de fumaça cegantes que carregava consigo.

Ele não viu, mas uma pessoa escondida observava tudo de longe, escondida na entrada de um beco oposto, cobrindo a boca com as mãos, como que para abafar um gemido. 

Peppe correu, e a figura o seguiu, ainda de longe.

Gastou três horas com esse trabalho, contando o deslocamento e o tempo gasto com observação. 

O Pacote Dois foi mais sujo. O galpão cheirava a mofo e medo. Não foi fácil de localizar, mas também não foi difícil. Bastava se perguntar: "Será que um traficante de mulheres esconderia mulheres aqui?", e voilà, ali estavam eles. 

Claro, tudo ficava mais fácil quando o pergaminho de Derik dedurava a localização aproximada do local. 

Os três extorsionários eram cruéis, mas desorganizados. 

Peppe ficou de tocaia, esperando uma oportunidade e vigiando rotas de fuga possíveis. Também analisou a estrutura do prédio. O lugar era ermo, sem transeuntes. Não era atoa que era usado por criminosos.

Esperou por cerca de duas horas, ansioso, mas ciente de que, se usasse de violência direta, possivelmente não conseguiria concluir o objetivo. De tanto esperar, a sorte veio. 

Quando a lua alcançou o meio do céu, a porta lateral do galpão se abriu. Parece que um deles foi mijar na rua. 

Ideia ruim. Foi morto de imediato por Peppe, que o esfaqueou no pescoço. 

Para os dois que estavam de guarda, lá dentro, ele teria que ser mais discreto. Não sabia como era o galpão, e nem onde e em que estado estavam as vítimas. E, bom, pelo que entendeu, elas deveriam continuar vivas. Apenas os traficantes iriam morrer. 

Logo de pronto, viu que um deles estava de guarda, vigiando atrás da porta, entreaberta. Ela deveria estar fechada, mas o outro ter ido mijar explicava a situação, para a sua própria sorte. 

Então assobiou.

Desconfiado, o traficante colocou apenas a cabeça para fora da porta, como se olhasse para a direção em que o colega havia ido excretar.

Foi seu azar. 

Uma porção tóxica caiu sob seu rosto. Era um vapor esverdeado que o fez cair de imediato, engasgando, os pulmões queimando por dentro. A face do criminoso estava derretendo, de forma literal. Um líquido pastoso, formado pelo contato do ácido com a carne humana escorreu. 

Peppe então arremessou outra de suas bombas cegantes. 

Todos lá dentro, não importando se fossem traficantes ou mulheres, ficariam incapacitados temporariamente. Mas aquela em específico não matava, apenas desorientava. 

Acontece que, mesmo assim, o terceiro, mais esperto, tentou fugir pela porta dos fundos, onde uma das nobres, algemada, olhava com olhos arregalados de terror. Ela não sabia se chorava de medo por ter sido sequestrada, ou se se debatia de desconforto por estar cega.

Peppe a ignorou e alcançou o alvo facilmente, quebrando seu pescoço com um movimento seco. Três almas se juntaram ao seu crescente tributo. Ele nem olhou para as mulheres. Era apenas logística. Elas ficariam cegas por alguns minutos, mas ficariam bem. Estavam livres dos traficantes e tudo isso sem o reconhecer. Era o melhor dos mundos. 

O rapaz até se deu ao luxo de tirar a máscara do rosto para respirar um ar puro. 

Mas três horas foram gastas com aquele trabalho. Ainda tinha vinte. Mas os contrabandistas só se encontravam em dias certos, e aquele não seria o momento. 

Precisava aguardar até a noite do dia seguinte. 

Ao longe, a figura observando de um telhado próximo sentiu o estômago embrulhar. Era Sara, escondida como uma caçadora. Isso não era mais o mestre impulsivo e narcisista que ela conhecia. Era um estranho, um espectro da morte. 

Ela já tinha algo definido, iria correr para chegar em casa antes dele, e então o confrontaria, insistindo para ele parar com aquilo. Na cabeça dela, ele acabou se tornando um assassino para colocar comida na mesa e os sustentar, além de estudar magia. "Não vale o preço", concluiu. 

Para o azar dela, ele não voltou para casa naquela noite. Foi direto para um bar, numa região sombria, que ficava entre as favelas, a periferia e a região do baixo comércio. 

Ela não entrou, julgou melhor não, algo a dizia que era melhor não. Porém ficou lá fora aguardando, escondida e receosa. Estava preocupada com a segurança de seu mestre. E não arredaria o pé, enquanto ele não voltasse para a casa. 

 

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