Volume II
Capítulo 23: O Preço do Conhecimento
A semana que se seguiu ao primeiro dia na Academia foi um mergulho profundo em um oceano de ignorância para Peppe. Cada aula era uma humilhação diferente.
Na Teoria Arcano-Matemática com o Mestre Corvus, os símbolos no quadro negro pareciam uma língua alienígena. Enquanto Oliver e os outros nobres anotavam com facilidade, Peppe encarava o pergaminho em branco, com uma dor de cabeça latejante se formando em suas têmporas.
Eram como símbolos matemáticos complexos. Uma mistura de lógica de segunda ordem com geometria, trigonometria e matrizes. Tudo junto, ao mesmo tempo. Ele não entendia.
— A equação de transposição mana-psíquica é fundamental para a estabilização de qualquer feitiço a partir do segundo círculo — a voz seca de Corvus cortava o ar. Ele parou ao lado da bancada de Peppe, seus olhos escuros percorrendo a folha vazia. — Um problema, senhor Moretti? Ou o seu talento "arcano" se limita à destruição de propriedade da Academia?
Risadas abafadas ecoaram. Peppe cerrou os punhos sob a mesa, a vergonha queimando seu rosto. Ele bateria no professor se pudesse, mas isso só o faria ser expulso mais cedo.
A situação não era melhor com Magus Ignis Feldspar, nas aulas de "Introdução aos Elementos Básicos da Magia de Destruição".
Enquanto o professor ruivo lançava um turbilhão de chamas controladas que desenhavam um fênix no ar, Peppe mal conseguia fazer uma fagulha tremer na ponta do dedo. O calor no rosto agora não era da magia, mas da humilhação.
— Ânimo, jovem talento! — Iggy bradou, sem perceber a ironia. — O fogo interior precisa de combustível! Encontre a sua paixão!
A única que não o humilhava ativamente era Mestra Lyra Whitetower, a maga de meia-idade que o avaliou no teste. Ele ficou surpreso ao vê-la, embora já devesse imaginar que a avaliadora provavelmente seria uma professora da academia.
Suas aulas, inclusive, eram feitas em uma espécie de laboratório misturado com viveiro e horta. Tinham muitas plantas, ervas e frascos lá.
O problema era que as lições de Alquimia e Herbologia eram um desastre prático.
Sua poção de cura básica, que deveria ser um líquido azul translúcido e com cheiro agradável, parecia com uma lama esverdeada e fedorenta.
— Hmm — Lyra observou, cheirando o cadinho e fazendo uma careta. — Interessante. Você conseguiu inverter as propriedades da raiz de lótus e da flor de sálvia. Em vez de curar feridas leves, isso provavelmente causará uma erupção cutânea bastante desagradável. Ponto por... criatividade.
Mais risadas.
— Não que o restante de vocês esteja muito melhor, diga-se de passagem — completou, interrompendo os sorrisos felizes do restante da turma. — Com exceção de Oliver, ninguém conseguiu fazer a poção correta. Por isto, ficarão sem o intervalo. Agora voltem para a tarefa!
Até mesmo Mestre Silas, o Mestre da Ilusão, parecia um fantasma inalcançável. Suas aulas eram um pouco mais práticas. Ele queria que os alunos, por meio de percepção arcana, conseguissem perceber as mudanças no fluxo de partículas mágicas do ambiente e, assim, perceber as falhas nas ilusões.
O problema era que Peppe nem sequer conseguia notar que estava dentro de uma até que ela se dissipou, deixando-o desorientado e para trás de todos.
Entre alunos e professores, os sussurros se tornaram mais audíveis.
Certa vez, enquanto estavam na sala, debateram.
— Lyra, ele realmente quebrou o cristal?
Ela assentiu.
— Talvez tenha sido um acidente. Um defeito no orbe.
— Não, o orbe não erra. A precisão é quase exata. Mesmo que a chance de erro seja 0,0002%, ainda assim, o orbe não se quebraria. Apenas apontaria um resultado ligeiramente diferente.
Um deles, de idade indefinida e feições felinas, vestido de trajes discretos, apontou para o quadro. Uma espécie de giz começou a voar em direção à lousa da sala e a escrever sozinho.
— Ele veio de Tullis, um país do Norte. E, se é um Pistorius, tem o mesmo sangue do de Alexandrus. Bom, não preciso falar muito, creio que todos aqui sejam da mesma época que eu, ou ao menos conseguiram ver Alexandrus nos tempos de Academia.
Todos concordaram.
— E o que raios isso deveria significar, Silas? — questionou Corvus, batendo de leve na mesa.
— Talvez, mas apenas talvez... Uma chance de 1/15... Acredito que ele seja o garoto da profecia.
— Ah, tá bom. Já permaneci neste recinto por tempo demasiado! Quanta bobagem!
A discussão ficou acalorada.
— Silas, o garoto mal consegue canalizar mana. Mesmo sendo da família de Alexandrus, ele é uma desgraça como acólito.
— Não, Ignis. Eu concordo com Silas — disse a maga ruiva de meia-idade. — Não parece que ele tenha recebido nenhum tipo de instrução básica até então. No teste, tive que ensiná-lo até mesmo a como canalizar a mana.
Eles ficaram chocados.
— Está dizendo que ele aprendeu a canalizar no dia do teste? E passou?
Ela fez que sim.
— De qualquer forma, se ele não puder alcançar a nota mínima nas primeiras provas, será expulso. São as regras — ressaltou Corvus, impassível.
Os sussurros continuaram. Lyra deixou escapar um suspiro profundo, como quem achasse tudo aquilo uma grande perda de tempo.
A pressão era insuportável. E tudo isso se dava pela assimetria na educação.
Enquanto a maioria tinha uma boa base, ele não sabia de nada que fosse relacionado a magia. Aparentemente, o antigo príncipe Petrus não tinha muito apreço por esse tipo de informação. Talvez simplesmente tenha aceitado o fato de que era aleijado e que isso nunca iria mudar.
"Nerdola filho da puta. Beta!", xingou-se internamente.
E então, veio o anúncio que o fez suar frio.
— Lembrem-se — a voz de Corvus ecoou na última aula da semana. — As provas semanais começam na segunda-feira. Uma nota abaixo do padrão na prova teórica e na demonstração prática significa expulsão imediata. A Academia de Rochedo não é um abrigo para medíocres.
Ele encarou Peppe enquanto ameaçava os alunos. Parecia uma espécie de indireta.
Desesperado, Peppe trancou-se na Biblioteca Central. Era uma prédio grande, feito de mármore antigo, muito majestoso. Ficava em uma ala afastada, de modo proposital. Nele havia várias salinhas pequenas, que os alunos poderiam usar para estudos.
Peppe estava em uma delas.
Os livros estavam abertos em sua mesa, as palavras dançando inutilmente diante de seus olhos. Ele batia com a cabeça na madeira, como uma criança analfabeta tentando compreender a Ilíada.
— Merda, merda, merda! Eu não entendo nada dessa porra!
Foi então que uma presença familiar e incômoda se agitou no fundo de sua mente. Desta vez, não era um sussurro fantasma, mas uma voz clara, ainda que carregada de uma fadiga profunda.
"Pare de bater a cabeça, seu ser insignificante! Está fazendo cócegas."
— Floquinho! — Peppe quase gritou de alívio. — Você está acordado. Que bom! Preciso de ajuda. Preciso aprender isso tudo em dois dias!
Era uma pilha de pelo menos quarenta livros, tidos como básicos na seção de Tomos Elementares do Piso 1 da Biblioteca. Estavam empoeirados, pois nem mesmo os alunos mais crus da Academia os usavam.
Na realidade, segundo a bibliotecária, faziam dois anos desde que alguém havia procurado naquelas fileiras afastadas do Piso 1.
"Aprender?!" A voz do espírito era carregada de um tédio infinito. "Você não consegue aprender a amarrar os próprios sapatos. Sua mente é um deserto. Seca. Estéril."
— Então me ajuda, caralho! Você é o espírito da Ganância, pô. Deve ter um truque sujo, alguma sacanagem.
Houve uma pausa. Peppe pôde sentir o espírito revirando seus olhos etéreos.
"É seu dia de sorte. Existe um atalho. Um atalho... gostoso."
De repente, uma visão brilhante e dourada se impôs na mente de Peppe. Era como um cardápio de um restaurante celestial, mas escrito em uma língua antiga que ele, de alguma forma, entendia perfeitamente: Loja da Ganância.
"Experimente o poder que lhe dei. Hoje, e apenas dessa vez, eu lhe darei um desconto", disse.
Duas opções brilhavam com mais intensidade:
-
Pacote de Conhecimento Arcano Básico. Valor: 20 Almas.
-
Pacote de Conhecimento Alquímico Básico. Valor: 5 Almas.
E então, em letras ainda mais brilhantes, uma promoção reluziu: "Oferta de Inauguração: Conhecimento Completo do Iniciante! Os dois por 25 Almas!"
— Mas, se o preço de uma é vinte, e da outra cinco, vinte e cinco é o preço correto. Não tem promoção nenhuma aí — disse, se sentindo roubado.
"Não discuta com o vendedor, humano. O vendedor tem sempre razão"
— Espera! Esse nem é o problema. Vinte e cinco almas?! — sussurrou, aterrorizado. — Significa que eu teria que ter assassinado vinte e cinco pessoas. Bom, tenho como saber quanto eu tenho?
"Vamos ver..." A voz de Floquinho ficou distante, como se estivesse consultando um extrato bancário manchado de sangue. "Três. Três almas de qualidade duvidosa, dos brutamontes que tentaram matar você. O resto... lixo. Goblins. Insetos. Não alimentam nem o mais faminto dos demônios menores. Só seres com intelecto e vontade verdadeiros... esses sim, têm um sabor que sustenta."
A realidade era simples, brutal e imoral. Ele precisava matar. Matar pessoas. Vinte e duas pessoas, para ser exato. Era isso que significava o poder de Floquinho. Ele era o espírito ancestral da ganância, e aparentemente se alimentava de almas.
— Que maravilha...
O conflito interno foi uma guerra rápida e suja. Sua moralidade da Terra, já desgastada, gritou em protesto. Mas era apenas que, por algum motivo, ele não parecia sentir tanto remorso ou compaixão assim.
Na realidade, parecia não sentir nada em relação àquilo.
Ele precisava de almas, teria que matar por isso e era só.
— Espera de novo! Acho que entendi. Se eu conseguir as almas, você... some de novo? — perguntou Peppe, desconfiado.
"Óbvio." A resposta foi imediata e preguiçosa. "Digestão. Processamento. Preciso dormir depois de comer. Você ganha seu conhecimento e eu ganho meu alimento. Uma relação ganha-ganha. Agora percebeu o que lhe propus aquele dia?"
Peppe sorriu. "Parece que mesmo neste mundo não existe almoço grátis", pensou.
***
Naquela noite, Peppe foi até o bar Mão Sombria. O lugar estava tão sujo e sombrio quanto ele se lembrava. Derik estava no mesmo canto, limpando um copo com um pano imundo.
— Voltei — disse, sua voz mais áspera que o normal.
Derik ergueu o olhar, um sorriso lento se espalhando em seu rosto cicatrizado.
— O 'Fantasma Ladrão' quer mais trabalho? Os mercadores da cidade alta estão ficando paranóicos. Dizem até que a guarda da cidade está preparando uma operação para pegar você, garoto.
— Que curioso. Bom, que pena para eles. Mas dessa vez não é por roubo — Peppe encarou o brutamontes, seus olhos azuis-ciano queimando com uma determinação sombria. — É por algo mais permanente. Queria saber se vocês trabalham com "outros tipos" de trabalho, sem ofender, claro.
O sorriso de Derik não se abalou. Ele apenas assentiu, como se estivesse esperando por isso.
— Falei para o velho que você não era flor que se cheire, garoto! Bom, a guilda tem encomendas. Sempre tem. O pagamento é por... "entrega".
Peppe engoliu seco. O ar no bar parecia mais pesado.
— Se possível, eu gostaria de não matar inocentes — ele disse, a condição saindo como um último suspiro de sua consciência.
Derik soltou uma risada baixa e rouca, que não tinha um pingo de humor.
— Pode deixar, garoto. Na Mão Sombria, a gente chama isso de 'serviço de zeladoria'. Só limpamos a escória. Traidores, violadores, assassinos de crianças... a nobreza tem muita sujeira para limpar, e eles pagam bem para que alguém faça o serviço sujo. Você vai dormir como um anjo.
Ele deslizou um pequeno pergaminho selado através do balcão.
— Mas vou ter que te passar um teste antes de confiar a você os peixes maiores.
Peppe concordou. Era praxe da Mão Sombria, aparentemente.
— Primeiro nome. Um mercador de escravos que não honrou um acordo com um de nossos clientes. A prova está tudo aqui. Livre-se dele e a gente conversa sobre as outras vinte e uma.
Peppe pegou o pergaminho. O papel parecia queimar sua mão. Ele não abriu. Apenas enfiou no bolso, sentindo o peso daquela decisão como uma pedra amarrada à sua alma.
Ele saiu do bar e caminhou pelas ruas escuras de Celestia, o pergaminho um caroço de culpa e condenação em seu bolso. Ele não era mais apenas um ladrão. Ele havia cruzado uma linha.
Mas no fundo de seu ser, duas partes de sua consciência resmungavam em uníssono: É o preço do poder. É o preço da ganância. É o preço do conhecimento.
O caminho para o conhecimento estava pavimentado com almas. E Petrus Pistorius, ou melhor, Giuseppe "Peppe" Moretti, estava pronto para começar a cobrar sua dívida.
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