Volume II
Capítulo 21: Dia do Teste
Os dezoito dias passaram num piscar de olhos. Peppe mal tinha tempo para respirar.
Entre um furto e outro, sua vida durante aquele tempo se resumia a sombras, sussurros e o som de moedas batendo no fundo do bolso. Ele se tornou um verdadeiro problema de segurança pública em Celestria, algumas pessoas começaram a chamá-lo de "fantasma ladrão".
A Mão Sombria virou seu escritório. Derik era seu chefe direto. E o Velho Jasper, o estrategista por trás de tudo.
— A gente não rouba qualquer um, garoto — Jasper explicou numa noite, tomando um gole de cerveja barata. — Roubamos de quem já roubou. É... reciclagem.
Peppe concordou. Não que ele tivesse preceitos morais muito rígidos, nem nada. Na realidade, era o contrário. Para se tornar um modelo mundialmente famoso, ele teve que fazer muitas coisas que seriam consideradas imorais.
Mas, ainda assim, era mais fácil dormir à noite achando que estava fazendo um "serviço de Robin Hood". Ele não estava roubando dos pobres, e sim dos ricos.
E, embora não distribuísse nem um centavo sequer desse dinheiro, isso amenizava o peso na consciência.
Peppe tinha jeito para a coisa. Suas mãos eram ágeis; seu olhar, atento. E sua aparência? Era a melhor distração. Ninguém desconfiava de um rapaz humano, branco, relativamente bem-vestido e de rosto bonito.
Ele parecia alguém da baixa-nobreza, ou então um filho de comerciante. Ninguém suspeitaria que fosse um ladrão.
Cada trabalho bem-sucedido significava mais moedas. Cada bolsa cortada, cada algibeira esvaziada, cada joia subtraída de um dedo distraído se convertia em moedas de prata, e eventualmente, em algumas de ouro.
E ele as escondia bem, deixando-os em várias bolsas espalhadas ao longo do quarto, contando e recontando como um louco.
Mas Sara notou a mudança.
— Você cheira cerveja, onde tem estado? — ela comentou uma vez, com o nariz franzido.
— São os bicos, Sara — ele mentiu, evitando seu olhar. — Um aventureiro de rank E tem que se virar. Esses dias eu tava trampando de segurança numa adega.
Com sua posição de escrava, Sara compreendia que não podia ser muito incisiva com os questionamentos. Em algum momento, ela apenas aceitou o fato, embora internamente ficasse um pouco "decepcionada" com as possíveis escolhas de seu mestre.
Para ela, ele simplesmente saia quando escurecia, ficava a madrugada inteira fora e chegava no dia seguinte, fedendo a álcool e com uma bolsinha cheia de moedas. "Suspeito" era o mínimo que aquele comportamento parecia.
Na véspera do teste, Peppe fez as contas. Trinta e um ouros e um punhado de pratas. O coração quase parou. Ainda era pouco. Muito pouco. Mas, juntando com as vinte e cinco pratas que tinha, seriam o suficiente para a matrícula. E ainda sobraria algumas moedas de ouro, que ele usaria para moradia.
Teria que se mudar com Sara para um lugar mais barato, mas daria, ao menos por um tempo.
E se ele falhasse no teste? Ele não cruzou o mundo por nada, tentaria passar. Mas era bom pensar em alternativas para caso isso não funcionasse. Talvez ele pudesse recorrer à condessa, pedindo a ela um emprego, ou então poderia continuar na guilda dos ladrões. Dava um bom lucro.
Ele estava confuso. Muita coisa poderia acontecer.
E nesses dias outra coisa o preocupava: Gal Floquinho. A criaturinha estava recolhida, dormindo em um canto obscuro de sua alma, e não saia por nada.
Nos raros momentos em que respondeu, era apenas para mandar que calassem a boca e o deixassem dormir em paz. Ele até poderia ser o espírito da ganância, mas estava muito preguiçoso ultimamente.
Só que não adiantava pensar muito em nada disso.
Peppe faria os testes. Se ele passasse, bem. Se não passasse, encontraria algo. E quanto a Floquinho, bem, eventualmente ele acordaria e voltaria a lhe dar conselhos. Eles tinham feito um pacto, afinal.
Com isso em mente, ele dormiu. O dia de amanhã seria tenso, ele sentia.
***
O grande dia chegou. O céu de Celestria estava cinza, combinando com o humor de Peppe.
Vestiu suas melhores roupas — ainda assim, parecia um mendigo perto dos outros candidatos. Ternos feitos nos melhores alfaiates de Celestria. As mulheres com vestidos de seda, veludos e joias.
— Que brega — murmurou.
Ainda assim, era como chegar num evento esportivo pilotando um vectra 98. Até passaria, mas com certeza destoava das ferraris, maseratis e audis que encontraria lá.
A caminho da Academia, ele notou os olhares. Alguns de desdém, outros de curiosidade. Um grupo de jovens nobres riu abertamente quando ele passou.
— Olhem só! Outro plebeu achando que pode ser mago — zombou um deles, ajustando seu brocado caríssimo.
Peppe ignorou.
Já estava acostumado. Na vida de modelo, também tinha encarado esse tipo de gente. Pelo menos aqui ninguém ia criticar o ângulo de seu queixo, ou suas medidas do tórax, ou quadril.
Ao passar pelos portões da Academia, identificou-se e, em seguida, foi direto para um grande salão. Lá, obrigaram a todos e a todas a formarem filas. Haviam centenas de candidatos. Todos encaminhados para salas laterais.
Depois de um certo tempo, chegou a vez de Peppe.
— Você vai por ali, rapaz — apontou um homem, vestido com um robe preto. — Pode seguir aquele grupo ali, vocês são os próximos.
A sala do teste era tenebrosa. Para começar pelo espaço. Tão grande que dava eco, com um teto que parecia o céu noturno de tão escuro. No centro, um cristal gigante repousava sobre um pedestal preto.
A única iluminação ali era o orbe cristalino, que brilhava um branco opaco, um pouco apagado.
Uma mulher de robes cinzas os encarou com a frieza de uma funcionária pública.
— O primeiro teste é simples — anunciou. — Vocês vão tocar o cristal. Ele brilhará de acordo com seu potencial. Ciano é o mínimo para passar. Azul, você é mediano. Se for violeta, parabéns, será considerado um gênio. Mas se for verde ou amarelo...
— Então nós estamos fora, imagino — alguém murmurou em resposta.
A maga assentiu, com um sorriso debochado.
— Então, quem terá a honra de ser o primeiro?
Peppe teve o impulso de ir primeiro e acabar logo com a ansiedade que sentia. Mas, por razões de segurança, ele se segurou.
Ela encarou os candidatos na sala. A maioria tentou fugir do olhar. Até que um deles, vestido com um terno branco espalhafatoso, se ofereceu para começar.
Foi sem pressa até o altar. Colocou as mãos sobre o orbe de cristal e esperou, expectante. Em segundos, a luz opaca foi tomando uma outra coloração.
— Violeta!
Todos encararam espantados. Logo de cara, um gênio apareceu.
"E quem era esse gênio?", perguntavam-se. Roupas chamativas, portava um broche com uma árvore estampada no peito. Cabelos castanhos e curtos.
— É o símbolo do clã Oliveira, do principado de Riacho — comentou um dos candidatos.
— Ouvi que o filho do conde estaria vindo fazer o teste esse ano. Esse deve ser...
A avaliadora interrompeu os murmurinhos.
— Lorde Oliver, não esperava nada menos de um Oliveira. Meus parabéns! — disse. — Siga para aquela porta, ali será o próximo teste.
Apontou para um vão escuro, próximo à ala direita da grande sala. Reparando bem, ali tinha uma portinha, que abriu num instante, como um passe de mágica.
Feliz, o rapaz sorriu, agradeceu e seguiu o caminho indicado. Todos o encaravam boquiabertos.
Peppe notou que algumas candidatas mulheres começaram a murmurar entre si sobre o jovem lorde Oliver ou não solteiro. Não sabia dizer o porquê, mas aquilo o irritava. Talvez fosse apenas seu narcisismo falando alto, afinal, estava acostumado e ser ele mesmo o centro das atenções.
Assim, teve outro impulso. Queria ir lá e chamar a atenção também. Só que decidiu se segurar novamente.
— E então, quem vai ser o próximo? — A maga estava impaciente.
Foi então que outro rapaz, claramente de origem nobre, se apresentou. E o mesmo procedimento aconteceu.
— Azul, você passou. Siga por aquela porta.
Um por um, os nobres foram se apresentando. Um punhado de zuis e outro de cianos. Estes passaram. Mas também havia alguns verdes e amarelos. Até aquele momento, nenhum outro deu violeta. Parecia que ser um gênio era mesmo bem raro.
Todos foram indo, até sobrar apenas um.
— Cabelos negros, pálido e de feições suaves... Giuseppe Moretti, venha! Você é o último — disse a voz fria e entrucada, analisando um punhado de papéis sobre uma espécie de prancheta. — Realmente, sua aparência bate com a descrição.
Ele olhou com desconfiança. A maga avaliadora não tinha chamado nenhum outro candidato pelo nome. Na realidade, ela sequer os havia chamado. Eles simplesmente foram até o cristal e puseram as mãos sobre ele.
Seu coração acelerou. Será que eles haviam descoberto suas origens? Será que sabiam de seu envolvimento no incidente do navio no Império das Rosas?
Impaciente, a mulher o chamou novamente.
— Vamos, eu não tenho o dia todo!
Ele assentiu. As pernas tremeram um pouco, mas caminhou até o cristal sob os olhares desdenhosos da avaliadora. Sentiu as mãos suarem.
— Pode iniciar.
Obedecendo, colocou os membros sobre a pedra. Fria. Muito fria.
Contudo ela não brilhou.
Agoniado ao abrir os olhos e notar que nada aconteceu, Peppe quase teve um treco. Não conseguia entender.
Para sua surpresa, ao invés de o classificar, a maga só o encarou com ainda mais impaciência.
— Para de palhaçada! Vamos, injete logo um pequeno fluxo de mana no orbe, para vermos se tem algum potencial.
Peppe a encarou de volta com uma cara de um retardado mental. Ele não fazia ideia de como fazer aquilo. Embora tivesse estudo formal, não aprendeu magia antes. Isso porque o antigo príncipe Petrus era tido como um aleijado sem talento.
— É possível que nem isso ensinam nessa terrinha miserável de vocês, nortenhos?!
"Essa vadia desgraçada. Onde caralhos estava escrito que eu tinha que saber isso antes de fazer o teste, sua puta?"
Sem resposta, só lhe restava encará-la com um sorriso sem graça e xingar internamente.
A maga suspirou. Não querendo alongar ainda mais o teste, apenas bufou e resolveu demonstrar como ele deveria fazer.
— Concentre-se! Você vai reparar que o orbe tem uma força de sucção. Vai sentir suas mãos sendo sugadas. Depois, vai sentir algo saindo delas, como se fosse um suor. Não resista. Isso são partículas mágicas. Deixe-as sair para podermos ver o seu talento.
Concordando, Peppe resolveu tentar. Fechou os olhos para encontrar qualquer sinal de magia dentro de si. Concentrou-se até doer.
Nada. O cristal permaneceu escuro como a noite.
— Tente novamente — ordenou, voz carregada de impaciência.
Dessa vez ele conseguiu sentir. Sentiu algo saindo das mãos. Era estranho.
Foi então que o orbe começou a brilhar, as luzes se agruparam e... Pânico. Era tudo verde.
Verde significava que era sem talento. Era isso. Ele era uma fraude. Um sem talento. Tudo aquilo — os furtos, a viagem — havia sido em vão.
"Ô, caralho! Agora fudeu mesmo!", pensou.
Estava condenado a ser um ladrão, para sempre. Ele teria que se contentar com fazer sua vida no mundo do crime.
— Bom, é isso. O Diretor ficou preocupado à toa. Infelizmente, Giuseppe, você foi reprov...
Algo dentro dele estalou enquanto recebia a triste notícia. O cristal então voltou a brilhar.
E então... amarelo.
Ele ainda seria reprovado. Na verdade, amarelo era ainda pior que verde. Significava um talento menor. O que o chocou.
"Será que eu ainda tô aleijado?", refletiu, sem pensar muito no fenômeno da mudança de cor em si, mas apenas no resultado.
Apesar de ter passado pela cura milagrosa, logo depois de escapar da morte ao fugir do castelo, ainda continuava sem talento. Ou ao menos era isso que parecia, até que... o cristal brilhou novamente.
— Nunca aconteceu de o cristal falhar antes. Que curioso — a maga comentou, aproximando a face do orbe, para analisá-lo.
Foi então que o orbe tomou uma nova coloração.
— Vermelho?!
Ela ficou surpresa de verdade naquele momento. Vermelho era uma cor que em tese não deveria aparecer, porque significava, em tese, um mana negativo.
O orbe funcionava como uma esponja de mana, ativando por osmose e mudando a cor conforme o fluxo de partículas mágicas que estavam lá dentro. A mana saía do meio menos concentrado para o mais concentrado.
— Você está usando algum equipamento encantado? — Ela buscava um motivo, uma razão para o orbe ter ficado vermelho.
Mas Peppe respondeu de forma negativa.
Ambos acharam aquilo muito curioso. E foi então que o orbe voltou a brilhar.
Peppe estava abatido, provavelmente não tinha aptidão para a magia. Na verdade, pela conclusão que teve a partir das reações da maga, sua aptidão para a magia era negativa. Muito ruim.
— O que será que vai dar agora...?
A luz opaca saiu de uma coloração fraca para uma vívida, e então para um tom cada vez mais escuro de vermelho. Em segundos beirou o carmim. E ficou cada vez mais brilhante.
Foi aí que algo mudou, de novo.
Crack! Peppe sentiu algo estalar mais uma vez, só que agora a dor veio. E não era de uma parte específica. Seu corpo inteiro doeu.
E não era uma dor qualquer. Era uma dor insuportável, similar à que sentiu quando estava à beira da morte na floresta marginal, na fortaleza em Tullis.
Mais dor.
A coloração da bola mudou. Saiu do vermelho vívido para o amarelo, depois para o verde novamente. E então, ciano!
Peppe se alegraria, se não estivesse segurando o choro, tamanha era sua dor.
Contudo, não parou por ali. Do ciano saiu para o azul. E do azul, violeta!
E não parou por ali.
O violeta ficou ainda mais forte, e mudou para o rosa.
E não parou por ali.
O rosa ficou mais e mais forte, vívido.
A maga avaliadora quase caiu de joelhos com a cena à frente. Nunca havia vislumbrado nada parecido. O orbe era preciso, como uma calculadora. Mostrava a exata aptidão dos candidatos. Mas naquele momento as cores mudavam constantemente.
Foi então que tudo ficou preto. E não porque as cores desapareceram. Mas sim porque ficou de fato preto. A cor do orbe ficou preta! E era um preto vivido.
Apesar da escuridão da sala, a esfera de cristal ainda brilhava. A luz ainda conseguia sair da escuridão.
Era um paradoxo.
— O que é... isso...
Peppe viu a consciência vacilar, estava ficando tonto. As pernas tremiam. Os braços balançavam, ele tremia por inteiro, suportando uma dor insuportável. Todas as sensações possíveis invadiram-lhe o corpo.
Ao mesmo tempo sentiu os ossos estalarem com um crackear inescrupuloso, e sentiu um prazer inefável. Cada partícula de seu ser brilhou junto com aquele orbe de cristal. E então...
Boooom!
O cristal não brilhou mais.
Ele EXPLODIU.
Uma luz branca e cegante inundou o ambiente, fazendo a maga gritar e cobrir os olhos. Por um instante, foi como se o sol tivesse nascido dentro daquela sala.
Silêncio total.
A avaliadora olhava para ele, pálida. Suas mãos tremiam visivelmente.
— Giuseppe Moretti — ela sussurrou, voz rouca. — Sua aptidão é, no mínimo, de nível Arcano.
Peppe estava ajoelhado na frente do pedestal, sem forças. Sentia-se vazio.
— Preciso avisar ao Diretor! — Estava eufórica, sem palavras, desnorteada.
Pegou o orbe quebrado e colocou-o nos braços, mas então parou a caminhada.
— E... e agora.
— E agora o quê? — Ela perguntou.
— Os outros testes. Não sei se consigo sair daqui agora, estou sem forças.
A maga riu. Em seguida, carimbou um documento com um selo prateado que brilhou magicamente.
— Sua matrícula está confirmada, não precisa fazer os outros testes. Meus parabéns! Bom, aproveite a estadia, as aulas começam semana que vem. — explicou. — Agora tenho que ir. Vou ver o Diretor. Ele... vai querer conversar com você. Certamente. Então descanse até lá.
Peppe pegou o papel, as pernas bambas.
"Caralho, eu passei", pensou. Felicidade genuína tomando conta de si.
Só que o alívio durou pouco. Deu lugar a um frio na espinha.
Ele conseguiu o que queria. Mas agora todos os olhos — inclusive os perigosos — estariam sobre ele. A notícia de os testes restantes serem cancelados porque um maluco QUEBROU o orbe de cristal certamente se espalhariam em breve.
Os holofotes logo se virariam para si. Talvez ele tivesse até que largar o mundo do crime.
"Finalmente fez algo útil, seu idiota", uma voz andrógena ecoou na mente — era Gal Floquinho, acordando do seu sono profundo. — "Agora é a hora que a porca vai torcer o rabo".
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