Contra o Mundo Brasileira

Autor(a): Petter Royal


Volume I

Capítulo 4: Guilda dos Aventureiros

Quando viu o pequeno broche de identificação da família real e descobriu que à sua frente estava o príncipe herdeiro de Tullis, a elfa arqueira ficou em choque. 

Ela não era muito entendida sobre os assuntos da região, já que estava só de passagem. Mas ouviu dizer que o jovem príncipe vivia recluso e que quem efetivamente governava após a saída misteriosa do rei era o conde de Pedra-Alta.

Peppe ainda estava um tanto confuso, as memórias ainda não estavam todas consolidadas. Portanto não conseguiu responder todas as perguntas da elfa com exatidão. 

Na realidade, ele nem sabia o que fazer a partir dali. 

Voltar para o castelo era estúpido, seria preso na hora e, talvez, morto. Talvez pudesse começar uma rebelião em uma vilazinha afastada e reconquistar o poder, mas o antigo príncipe era um recluso sem carisma e assim a população não o amava o bastante para querer morrer por ele. 

Ele também não tinha interesse em retomar o poder. Seria muito problemático e daria muito trabalho, fora a chance de ser morto, o que o impedia de aproveitar as riquezas e fama que pretendia conseguir naquele mundo. 

A solução seria fugir e ir a algum lugar longe o bastante para escapar das garras do conde Pedra-Alta. 

— Bom, desejo boa sorte a ti, Alteza. Adeus!

A elfa se apressara para juntar as coisas. Aparentemente, ela não queria se envolver nas confusões políticas do jovem à frente. 

— Espera — Peppe disse. — Diga apenas seu nome, pô!

Ela olhou de relance para trás. Esperou alguns segundos e respondeu: 

— Meu nome é Indis Sindarin. 

— Obrigado, Indis. Você sabe... por cuidar de mim. E boa viagem. Espero que consiga o que veio fazer aqui. Até!

Antes que ela saísse, ele tentou oferecer-lhe algumas das moedas de ouro que ainda tinha, mas foi ignorado. Ela sumiu junto com o dissipar da névoa matutina, antes que o sol estivesse completamente desperto. 

Ficou observando as árvores balançando enquanto ela sumia no horizonte, perguntando-se se um dia a veria de novo. Aquela garota elfa havia despertado sua atenção. Além de muito bonita, ela tinha algo que não se via muito na terra onde Peppe morava.

Ela cuidou dele, mesmo sem o conhecer. Ela o protegeu quando ele estava desacordado. Ela certamente teria sua gratidão pelo resto da vida. 

Ainda sem saber o que fazer, mas convicto de sair dali o mais rápido possível, Peppe começou a pensar. Das memórias do falecido príncipe, ele sabia que Tullis estava na costa norte do continente. 

Se fosse mais para o oeste, encontraria nações em constante estado de guerra e confusão. No leste e sudeste as coisas eram mais estabilizadas, com uma diplomacia até que pacífica entre a maioria das nações. Naquele instante, aliás, acabou se lembrando de algo interessante.

No sudoeste havia uma nação formada basicamente por magos e bruxos. E havia uma academia de magia muito famosa, que treinava jovens de toda a estirpe para servirem nas cortes de diversos países pelo continente, em troca de paz e financiamento.

Os Magos eram bem raros. Aptidão para a magia não era algo que se via em qualquer um. 

Pelo que se lembrava, o antigo rei era um desses raros talentos que era capaz de lançar feitiços. A antiga rainha também. Então talvez ele tivesse o talento necessário.  

Peppe agora até tinha o dinheiro para entrar lá, com o que levou consigo na fuga, mas não tinha como justificá-lo para ninguém se lhe perguntassem. Ao menos não sem trazer para si suspeitas. E chamar a atenção quando um país inteiro quer a sua cabeça não parece ser a melhor decisão. 

Só que a ideia de aprender magia lhe era muito interessante. Era algo que nunca havia visto na Terra. Estava ansioso para experimentar. Tinha que achar alguma forma de conseguir esconder suas origens e mesmo assim conseguir entrar nesse colégio de Rochedo. 

Aquele então seria seu novo objetivo. 

Com esse pensamento, o jovem ex-príncipe decidiu que se tornaria um mago. 

***

Aquela era uma região bem inóspita. Um pequeno forte no meio do nada, perto de uma encosta, no meio da floresta, com estradas batidas que levavam a lugar nenhum. As montanhas ao norte bloqueavam os ventos, fazendo um paredão. 

Tinha sentido, se parássemos para pensar que o príncipe de Tullis era praticamente um recluso do conde Pedra-Alta, um espécime de refém. 

A parte boa nisso é que eles estavam bem perto da fronteira com Amoris, país vizinho governado por uma família arrivista com quem os ancestrais do príncipe falecido tinham alguns laços, embora em suas memórias não tenha encontrado nada que diga respeito a qualquer amizade entre ele e o atual governante do ducado. 

De qualquer forma, fugir não se mostrava difícil. Era quase como se os inimigos do antigo príncipe duvidassem de suas capacidades de fuga, já que mandaram-no para um forte tão próximo à fronteira. 

De dia, enquanto andava pela estrada de chão batido, Peppe encontrou-se com o primeiro problema. 

— Que fome do caralho... 

Dormir por sabe-se lá quanto tempo depois de estar à beira da morte e acordar magicamente bem tinha um preço, pelo que parecia. Com a fome que estava, nem a maior das baleias escaparia de sua mira. 

Na falta delas, contudo, teve de se contentar com as frutinhas que encontrou pelo caminho. Aquilo o deixou puto. 

Foi então que encontrou o que parecia um grupo, descansando na beira da estrada. Cerca de seis pessoas. Três vestiam armaduras pesadas, com equipamentos de proteção. Dois pareciam arqueiros, com roupas mais leves. Um, com aparência de mais novo, não usava nada de armas ou de armaduras. Foi o primeiro a olhar em direção a Peppe. 

— Alto lá! Quem é você e o que você quer? — Um dos arqueiros gritou à distância, com a arma em punho. 

— Vim em paz. Só quero um pouco dessa comida que vocês têm aí, meu parceiro. 

Percebendo que o jovem esfarrapado estava sozinho, resolveu abaixar o arco. De forma alguma seria uma ameaça ao grupo. Embora aparentasse estar em forma, não portava armas, nem parecia um mago. 

— Vá embora, pedinte! Não fazemos caridade aqui — avisou. 

Peppe se irritou, mas não demonstrou. Ao contrário, sorriu e tirou uma moeda do bolso. 

— Vou pagar, meu camarada. 

 Os homens demonstraram certo choque ao ver a peça de ouro que ele lhes mostrou. 

— Essa moeda por um pedaço de carne que vocês têm aí. Aliás, isso é vinho? 

— Sim. 

— Perfeito, quero uma garrafa disso aí também. 

Eles fecharam negócio e Peppe foi enfim convidado a se sentar. Apesar de estranhar ele, que estava tão mal vestido e sem qualquer equipamento, ter tanto dinheiro e estar disposto a gastar um valor tão alto em um pouco de carne e álcool, os homens não falaram nada, nem tentaram nada.  

Conversaram um pouco. E foi assim que o jovem descobriu que aqueles eram aventureiros da Guilda dos Aventureiros. Parece que havia um tipo de confusão ocorrendo na divisa das nações, envolvendo goblins que estavam raptando pessoas de vilas e aldeias próximas. 

A missão seria paga e financiada pelo nobre responsável por aquela região, que mandou a Guilda resolver o problema. 

— Odeio esses malditos filhos da puta! Quando pegarmos um, farei questão de arrancar os olhos do desgraçado com a ponta da minha faca, só pra sentir o prazer de os esmagar com as mãos. 

O príncipe já tinha lido uma enciclopédia de monstros e espécies não humanas. Então estava fresco na memória o conhecimento. Goblins eram realmente uma espécie nojenta. 

Sobre os aventureiros, sabia pouco, só que eram um grupo recente, uma espécie de associação criada para ajudar pessoas em troca de dinheiro. Ficaram muito famosos e vários países do continente têm aceitado instalar algumas filiais da guilda em seus territórios. 

Tulis ainda não era uns destes, mas talvez fosse questão de tempo. 

Quando lhe explicaram como funcionava essa associação, Peppe teve a ideia de juntar-se à guilda. Bastava chegar na filial de Amoris, em Vila Verde, e pegar algumas missões. 

Ele poderia começar de baixo, sem chamar muita atenção, e ir crescendo, até atingir um rank que justificasse as moedas de ouro que tinha para pagar a inscrição na academia de magia. 

Era o plano perfeito.

Um forte som de pancada tirou Peppe dos devaneios. Foi um chiado de dois objetos metálicos se encontrando. No caso, a espada de um dos guerreiros com o pequeno escudo do que parecia um goblin. 

Peppe ficou surpreendido. Aquela era a primeira vez que viu algo tão feio. Um ser baixo, com barriga protuberante e braços finos, o pior tipo de biofísico que alguém poderia ter. 

— Ele é calvo?! 

Vários seres verdes cercaram o grupo. De onde vieram, ninguém sabia, ou ao menos ninguém se deu o trabalho de explicar ao jovem de roupas esfarrapadas. 

Foi então que Peppe conseguiu ver a potência dos aventureiros que almoçavam consigo. Fizeram uma formação quadrangular, protegendo o homem de trajes casuais no centro. 

Os goblins estavam atacando, mas eles não se moveram. O jovem aventureiro de trajes normais fez um movimento de braço e o que parecia uma bola flamejante voou. 

Pah! Os gritos das criaturas seguiram o impacto do fogo. Parte considerável deles foi pega, fugindo logo em seguida para a floresta, na tentativa de escapar. Foi então que os arqueiros agiram. 

Mas não eram arqueiros comuns. Cada um deles atirava quatro flechas por vez, sem dificuldades. E elas iam certeiras para as partes vitais das criaturas. Dor e sofrimento foram os últimos sentimentos em vida. 

Peppe via tudo de canto, surpreso. Na Terra as coisas não eram assim. Arqueiros não eram tão fortes e não existiam magos. Para cuspir bolas de fogo, só com tanques de guerra e explosivos.

Foi desperto de novo, mas dessa vez por algo diferente. 

— Goblins! 

Ele estava ligeiramente afastado do grupo, que não fez o menor esforço para o proteger. Não se importavam com ele. Foi outra das primeiras lições do jovem ex-modelo naquele mundo. Ninguém se importava se ele morreria ou viveria. Estava sob a própria sorte. 

Foi então que teve outra surpresa. 

 



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