Contra o Mundo Brasileira

Autor(a): Petter Royal


Volume I

Capítulo 2: De ex-modelo a ex-príncipe (parte II)

Tendo matado a empregada, Peppe se viu forçado a ser rápido. Ainda com a cabeça doendo, ele buscava nas memórias desconexas e confusas do príncipe alguma rota de fuga. 

Nada lhe veio à mente. 

— Tsc! Eu tô é fudido mesmo. Vou ter que improvisar. 

E assim o fez. 

A janelinha do quarto era pequena, mas ele deduziu que passaria por lá, ainda que com alguma dificuldade. Poderia descer com uma corda improvisada, utilizando vestes e lençois amarrados. 

“Esse anêmico filho de uma puta mal deve pesar uns 50 quilos”, refletiu.

Antes de sair, só precisaria vasculhar por coisas que poderiam ser úteis. 

Olhando aos arredores, e com pressa, tirou tudo que havia nos armários. Roupas, uma lupa, um pequeno kit de remédios e ervas cujos efeitos estavam espalhados em áreas não acessíveis de seu novo cérebro. 

Enfiou tudo que conseguiu em uma pequena bolsa de retalhos. E, embora estivesse com pressa, algo lhe chamou a atenção. 

Não sabia o porquê, contudo sua intuição o dizia para procurar no fundo da segunda gaveta do armário do meio. Ele tocou o fundo da madeira com cautela, e de fato ela abriu.

— Um fundo falso...

A surpresa tomou conta. Ao vasculhar, notou uma pequena bolsa, com um punhado de objetos que pareciam joias e moedas de ouro. Mas o que de fato aguçou-lhe a curiosidade foi uma pequena caixinha negra, com um símbolo de três pontas brancas. 

— Que porra é essa?

Ele não sabia. Nada lhe vinha. Será que é algum tipo de herança? Por que o príncipe o havia escondido? Ele não tinha tempo, então essas questões ficariam para depois. 

— Será que Mirela ainda está verificando o príncipe? — Ouviu vozes no corredor.  

Peppe, entretanto, já estava quase descendo ao solo pela corda improvisada naquele momento. 

— Guardas! Guardas! Acionem todos os guardas! Já! 

Ele não ficou parado para escutar, esgueirando-se com cautela entre os corredores do forte, em busca de uma saída. Adentrou a primeira porta, na área ao lado da torre onde estava o quarto.

"Os estábulos!", lembrou-se. 

Peppe quase se deparou com um grupo de homens armados que corriam à sua procura, forçando-se rápido contra a parede para não ser pego. 

Foi por um triz. 

"Puta que me pariu! Eu tô muito fudido, não vou conseguir me manter de pé por muito tempo", refletiu. 

Ele precisava ser rápido. Não apenas pelo estado geral de alerta daquele lugar, mas também porque estava quase atingindo o limite de suas capacidades físicas. 

Tentou ser mais veloz. 

Para o corredor da esquerda, depois a porta pela direita. Mais um corredor. Ir reto até um pequeno salão. Esquerda. Esquerda. Frente. Direita novamente. Desviar dos serviçais. Esconder-se dos guardas. Por fim, despistar o guarda na frente do portão.

Ele atirou uma das moedas de ouro que portava, já que ironicamente era a única coisa descartável que tinha.

— Um barulho? — O guarda estava um tanto atônito por conta do alvoroço do forte e decidiu investigar. 

Foi a deixa para que Peppe avançasse pelo portão, sem ser notado. Ele avançou e se escondeu por entre as árvores que estavam próximas. O verde da vegetação o fez sumir. 

A caminhada até o estábulo ocorreu sem percalços. Talvez fosse o dia da folga dos escudeiros e serviçais do estábulo, pois não havia ninguém guarnecendo o local. Era como um milagre, já que o jovem poderia se aproveitar disso para selecionar uma boa montaria. 

O problema foi quando Peppe chegou até o cavalo. 

— Caralho! Como eu faço pra pilotar essa porra? 

O jovem nunca praticou a arte do hipismo antes. Não fazia a menor ideia de como controlar o animal. Nem sabia qual dos cavalos deveria escolher. 

— Foda-se. Vai você mesmo. 

O animal era negro do início ao fim, tinha uma franja bonita e um rabo curto, recentemente aparado. A aura de imponência era avassaladora. 

Ao subir no garanhão, Peppe sentiu um relincho alto. Era como se estivesse sendo rejeitado.

— Vai logo, seu porra — gritou. 

Para forçá-lo, o rapaz deu um tapa nas costas do cavalo, que não respondeu. 

— Vamos! 

Um puxão dessa vez, firme. Mas nada. Aquele era um garanhão difícil. Percebendo isso, Peppe fez uma cara de "ah, é?!" e em seguida fez algo inimaginável. 

Projetou a coluna para a frente, pegou o cavalo pela franja e puxou-a bem forte, voltando para a posição original ainda com os cabelos firmes presos a si. Em seguida, com a outra mão, deu um super tapa em sua traseira.

Paft!

O animal relinchou de uma forma que deu pena. Aquele gesto podia até não ter lhe causado dor física, mas o dano à honra certamente lhe causaria traumas profundos. 

— Então vou te tratar que nem uma puta, caralho! Vamos! 

Dessa vez o animal respondeu. Correu rápido, em fúria, tentando tirar o humano de sua garupa. 

Peppe segurou firme, dando-lhe outro tapão na bunda. Este último com ainda menos misericórdia.

— Vai, sua putinha desgraçada! Anda rápido ou vou dar outro. 

Mesmo sem saber montar, o rapaz demonstrou exímia perícia em outra arte: bater duro sem misericórdia. Pegando todas as iniciais, BDSM. Essa era sua arte.  

— Mais rápido, sua piranha imunda! Resto de esterco.

Os guardas do palácio logo notaram o alvoroço e foram ao encontro do garanhão corredor. Ele, entretanto, estava insano, atropelando tudo e qualquer um que encontrasse à frente de si. 

Derrubar o montador se mostrou uma tarefa quase impossível. Só conseguia correr e correr, para que não levasse mais tapas no lombo, ou puxão de cabelo. Embora não entendesse os xingamentos humanos, aquilo ainda lhe estimulava a querer ir mais rápido e de modo mais furioso. 

— Espero que estejamos indo pro lugar certo…

Após poucos minutos, e muitos feridos pelo caminho, encontraram o que parecia a saída lateral do forte. Ela estava guarnecida, prestes a ser totalmente fechada pelos guardas. 

Percebendo a deixa, e os cavaleiros fortemente armados atrás de si, Peppe resolveu dar um último estímulo ao garanhão, para induzi-lo a atravessar a brecha antes que os guardas conseguissem fechar completamente o portão. 

— Parem-no! Arqueiros, atirem nele!

Foi arriscado, mas conseguiu. O garanhão reagiu e pulou sobre a fresta, antes que as lanças dos guardas os pegassem, ou que os cavaleiros os alcançassem. 

Por um triz. Eles escaparam indo em direção a uma floresta densa. 

A adrenalina ficou a mil. Peppe, então, sentiu uma sensação estranha na coxa.

— Merda! Me acertaram…

Como o corpo ainda estava quente e por não ter sido atingido em nenhuma parte vital, ele não sentiu a dor. Mas sua perna direita ficou imediatamente mais fraca, como se lhe faltasse energia para movimentos completos.

Começou a relampejar, os raios cairiam em breve. Embora fosse um dia com alguma luz, estava próximo de chegar o verão, época de chuvas fortes naquela região. 

Ignorando a perna atingida do rapaz, eles seguiram por uma trilha no meio das árvores, fazendo de tudo para evitar os obstáculos no chão. E o garanhão insistia em tentar desmontar Peppe de suas costas. 

Ele já estava exausto, até para andar. Quiçá para segurar-se em um amontoado de carne de meia tonelada furioso e agitado. Era como se gritasse "morra" enquanto o jogava para as árvores, galhos pontiagudos e rochas que encontrava. 

Sem entender bem, Peppe começou a escutar barulho de cascos por trás. Eram os cavaleiros do forte. Conseguiram seguir os passos do garanhão, que, por estar agitado, não corria em linha reta, por vezes dando voltas ao mesmo arredor. 

Sem saída, e não querendo ser capturado, o rapaz não viu outra alternativa que não saltar do cavalo. Antes, contudo, deu-lhe mais dois belos tapas, que o irritaram profundamente.

Paft!

Ele caiu na grama, rolando um monte até parar. A sorte era que o animal já estava cansado e o tombou lateralmente, diminuindo um pouco a velocidade por conta disso. 

Mesmo assim, o jovem já não conseguia mais sentir o braço. A dor veio, entretanto não gritou. Não tinha forças nem para isso.

“Que merda! Mal renasci e já vou me fuder de novo”, pensou, rastejando como um morimbundo na lama. 

Percebendo a entrada de uma caverna bem perto, Peppe continuou a rastejar até lá. A porta estava coberta com musgo, significando que poderia passar despercebido. 

A chuva naquele momento passou de inimiga a aliada. Ela abafou o barulho da queda. E os relâmpagos confundiram seus perseguidores. Eles iriam atrás dos rastros do cavalo e o deixariam em paz, certamente. 

Assim, sem mais preocupações imediatas, o cansaço começou a vencer-lhe. A mente já não funcionava, nem mesmo um pouquinho. O rapaz nem mesmo conseguiu trocar a roupa encharcada ou usar os trapos que trouxera na bolsa para se aquecer, embora estivessem molhados também. 

"A bolsa!"

Temendo tê-la perdido durante a fuga, Peppe olhou para os cantos. A visão não estava nada boa. Não enxergava nem um palmo a mais de suas pernas e a escuridão do lugar não ajudava. 

Mas, ao sentir algo que parecia uma bola de panos na lateral da cintura, ele enfim relaxou. A bolsa podia ser de trapos, só que era bem resistente e ainda estava presa a si.

— Puta que o pariu, que dia desgraçado! Será que vou… morrer…?

E dormiu. 



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