Contra o Mundo Brasileira

Autor(a): Petter Royal


Volume I

Capítulo 19: Os Portões de Celestria

Da conversa que tiveram, algumas coisas ficaram claras. 

A condessa viu que Peppe era realmente o príncipe de Tullis, pois lembrava de rituais e acontecimentos que apenas alguém da realeza saberia. Giuseppe agradeceu muito naquele momento por ter conseguido manter as memórias do falecido príncipe. 

Já ele soube que a mulher à frente e sua mãe eram primas distantes e amigas próximas. Ela pareceu se lembrar com precisão de coisas que só quem seria próximo saberia. 

— Seu pai era calvo e, fofocavam as madames de Tullis, nasceu calvo. Ficamos todos surpresas quando o vimos, Alteza. Você era lindo. Seu cabelo beirava os ombrinhos, ainda pequeno. Todas nós achávamos que iria se casar cedo. Sua mãe ficava ciumenta quando falávamos isso. 

Ela riu. 

Eles estavam em uma espécie de jardim florido, sentados em uma mesa apoiada sobre a grama, no estilo mansão francesa. Tomavam o que parecia ser chá, o qual Peppe quase cuspiu.

Ficou um pouco constrangido com o assunto e mudou o foco. Explicou os acontecimentos recentes, modificando a parte do envenenamento do falecido príncipe e de sua reencarnação para este corpo, bem como ocultando a parte do espírito ancestral da ganância e do pacto de sangue com a ex-assassina que agora era sua escrava. 

Enfim, ele agora era um ex-príncipe refugiado que queria ir para a Academia de Magia de Rochedo em busca de proteção e poder. 

A condessa ouviu atentamente a história, fazendo algumas caretas e demonstrando um semblante triste. 

— Oh, caro Petrus. Perdoe-me não ser poderosa o suficiente — disse, em tom de tristeza. — Se eu tivesse mais homens, poderíamos lhe devolver o trono. Eu poderia, ao menos, ter estado mais presente, me perdoe. 

Peppe balançou a cabeça, como quem dizia "não se preocupe". Ele tocou-a no ombro, de modo a confortá-la. 

— Seus pais saíram tão repentinamente. Deve ter sido difícil, muito difícil. Apenas soube dos acontecimentos no último mês. Me desculpa.

O tom de tristeza ficou mais forte. Parecia até que uma lágrima tinha caído do belo rosto da condessa. 

Peppe aproximou-se, recolhendo-a em seu abraço. 

— Estava preocupada com você, Alteza. 

— Relaxa, tia Evelyn — respondeu o rapaz, com sua habitual "cara dura". — Gostaria que me chamasse só de "Peppe", aliás. É como um apelido carinhoso. Pode ser?

Ela balançou a cabeça, espantando a tristeza com um sorriso.  

E foi assim que ela concordou em ajudá-los, com Peppe ganhando duas passagens grátis para Rochedo e o apoio de uma madrinha relativamente rica. Uma excelente forma de começar uma vida universitária, se conseguisse entrar na Academia. 

Ao serem conduzidos pelo caminho de pedra que serpenteava entre os canteiros de rosas, o aroma intoxicante era um lembrete do poder e da influência que permeavam o Império.

O "Ventania" era ainda maior visto de perto. Uma estrutura de metal, tecido e madeira, com o nome estampado na lateral e hélices gigantes no bico e na parte superior. Uma engenhoca muito sofisticada, qualquer um admitiria.

Eles embarcaram.

A viagem foi suave, um sonho passageiro sobre as nuvens. Durou cerca de dois dias. 

De cima, conseguiram ver diversas outras cidades e paisagens. Algumas eram lindas. Outras mostravam que existiam lugares bem pobres naquele mundo. E havia muito verde também. A densidade demográfica era bem baixa fora das grandes cidades do continente, ao que parecia.

Quando chegaram em Rochedo, Peppe ficou surpreso. De cara, ele conseguiu ver várias outras engenhocas voadoras parecidas com a da condessa. Algumas bem maiores e mais sofisticadas. Outras menores, mais simples.

Era como andar num carro de classe média, como um Civic ou um HB20. Potência, economia e conforto "okays", mas tinham melhores. 

As cidades de Rochedo eram poucas, porém bem tecnológicas, ao menos vistas de cima. Todas tinham iluminação, pois ultrapassaram as fronteiras ainda de madrugada, e era possível ver vários pontinhos de luz. 

A cidade que queriam se chamava Celestria e ficava mais ao centro, protegida das fronteiras. Foi estrategicamente construída para ser uma espécie de reduto protegido e isolado do mundo. 

Quando pousaram, num heliporto qualquer, Peppe e Sara pegaram suas parcas malas. A despedida da Condessa foi carregada de um aviso maternal.

— Cuide-se, Peppe. Rochedo não é um lugar para os cordeiros. Use a cabeça, não apenas os músculos. Qualquer coisa que precise, não êxite em me falar. E não ouse ignorar minhas cartas! Trate de arrumar uma residência fixa e informe-a para mim. 

— Vou tentar, tia Evelyn. Obrigado pela ajuda. Vou te enviar um telegrama assim que tiver uma casa.

Ela sorriu, aceitando a promessa, depois retornou ao dirigível e partiu.

Mal a engenhoca voadora subiu, a realidade os esmagou. Evelyn estava apenas de passagem, rumo a outra cidade da região, para tratar de assuntos pessoais com a nobreza de lá, pelo que havia dito mais cedo.

"Puta que pariu", Peppe resmungou consigo mesmo.

Celestria não era uma cidade; era uma afirmação esculpida em granito, mármore e tecnologia. Torres de todos os tipos furavam as nuvens. Pareciam prédios, como os que ele via na Terra, mas um pouco diferentes. 

Eram parecidos com o estilo das igrejas barrocas da Itália. Muito brancas, muitos detalhes simetricamente esculpidos. 

Até o chão era bonito. A segunda coisa que notou depois dos prédios foram as ruas e calçadas de calcário e pedras posicionadas. 

Nas laterais, árvores e postes de iluminação à gás. Ou ao menos parecia gás, mas, se olhasse de perto, você veria que eram compostas de bolinhas amarelas flutuantes que iam apagando à medida que o primeiro sol da manhã surgia no céu.

E eles, com suas roupas simples de linho, eram como mendigos na porta de uma boate chique, querendo entrar para curtir a festa. 

A sorte era que desceram em um heliponto dentro da cidade, com as credenciais de uma condessa rica, ou Peppe duvidava que sequer os teriam deixado entrar naquela cidade encantada. 

— Parece que vamos recitar uma poesia de merda num sarau, ouvindo uma boa seresta, Sara — murmurou Peppe, sentindo o tecido áspero coçar sua pele. O narcisista dentro dele se contorcia por dentro. 

Memórias póstumas o lembraram de seus tempos de estudante na Terra. Embora não muito longo, ainda não podia dizer que foi curto o bastante para ele tratar aquele ambiente com indiferença. 

Contudo não eram as memórias que o incomodavam. Eram as vestes das pessoas. 

Não haviam muitas àquela hora, contudo as damas que andavam por ali vestiam espalhafatosos vestidos longos, com aros metálicos para alongar as saias, chapéus para esconder os rostos, ou perucas, e os homens, ternos com ombreiras, paletós coloridos e chapéus bem longos. 

Aquela roupa era mesmo muito brega. 

Nem parecia que dias atrás estavam em uma vila da Idade Média, com pessoas que mal tinham fogo para aquecer as refeições.

Sara mancava ao lado, o rosto ainda pálido. Ela se agarrava ao seu braço por necessidade e parecia não ter forças sequer para reagir aos comentários ásperos do mestre.

— É... maior do que eu imaginava — sussurrou ela.

— Tudo parece maior quando a gente tá embaixo, Sara. Vamos. E me lembre de não comprar roupas aqui, por favor. 

Eles foram até uma espécie de pousada, onde Peppe deixou outra de suas preciosas e cada vez mais escassas moedas de ouro, em troca de vinte dias de hospedagem. O que era um absurdo, considerando que duas pratas era o salário médio mensal de uma família normal. Era como se pagasse o valor de um carro para menos de um mês de hospedagem. 

E, embora não fosse um hotel ruim, também não era o melhor daquela região. 

— Espero que tenham dormitórios nessa caceta, ou a gente tá fudido mesmo — disse para a escrava. 

Depois de deixá-la no hotel, ainda descansando e se recuperando do ferimento, ele foi em busca de informações sobre a Academia de Magia. 

Pelo que ouviu, as inscrições começariam no dia seguinte. Apenas uma vez, durante um único dia a cada ano, as inscrições para a Academia poderiam ser feitas.

 E aquilo não era tudo. Com exceção dos nobres de Rochedo, os demais participantes teriam que pagar uma taxa de duas moedas de ouro para se inscreverem para os testes. 

Além disso, embora plebeus e qualquer outra pessoa pudessem participar, precisariam, ao menos, de uma carta de recomendação de alguma família nobre de algum lugar, como uma espécie de fiador.

A lógica era simples. Magos eram máquinas de matar em larga escala. Criar um mago exigia muitos recursos, esforço conjunto e tempo. E a Academia não iria gastar tempo e esforço com quem não tivesse os recursos para bancar o ensino. A forma de garantir isso era vincular seus alunos a uma família nobre. 

— Que absurdo — comentou o rapaz, com os papéis com as instruções para inscrição na mão, pensando em como iria fazer para conseguir o aval de algum nobre ou então para falsificar uma assinatura.

Foi quando se lembrou do broche e do selo reais. Talvez ele mesmo pudesse se auto-indicar para a Academia? 

O grande problema era que tinha que passar despercebido, para não atrair atenção desnecessária. Poderia pedir à condessa uma indicação, mas até uma carta chegar até ela, as inscrições já teriam se encerrado.

"Bom, que se foda então. Vou falsificar essa merda com meu próprio selo".

Com esse pensamento em mente, um plano mirabolante foi traçado. Mas primeiro descansar. Depois cuidaria mais um pouco de Sara e só então se prepararia. 

Quando estava em uma das camas do quarto, finalmente baixou a guarda. Olhou para a janela e analisou as estrelas. A brisa fria invadiu, afagando-lhe o rosto.

Foi uma longa jornada até ali. Ele reencarnou, fugiu de uma fortaleza em que era prisioneiro, encontrou uma linda elfa, se tornou aventureiro, quase foi assassinado de novo pela assassina do Ministro Regente, conheceu o espírito da ganância e vendeu sua alma para ele, ganhou uma escrava e agora chegou até a cidade dos magos. 

Pelo resto do dia, ele descansou. Amanhã faria uma atrocidade. 

Esse seria o começo de uma nova jornada, em busca de poder e conhecimentos que jamais sonharia em ter quando estava na Terra. Os portões da magia se abririam para ele.

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