Volume I
Capítulo 15: Uma tarde de lanches e revolução
Era fim de tarde do segundo dia embarcados, quando Peppe decidiu ir ao grande salão caçar um "lanchinho" antes da janta. Sara, mal humorada, o seguia, perguntando-se como podia um homem tão magro comer tanto.
— Não há nada como uma ressaca pra abrir o apetite, mulher! Vamos, vou achar um suflê de banana pra você.
Ela assentiu, cedendo.
Enquanto comiam, Sara não pôde deixar de reparar que alguns marujos, que estavam organizando o recinto para o jantar, a encaravam com olhares estranhos, um tanto perversos.
Ela estranhou, mas preferiu continuar com seu doce.
— O que houve? — Peppe notou a inquietude da garota.
— Nada.
Mas o ex-modelo não era bobo, ele imaginava o que estava acontecendo. E, com o objetivo de acalmá-la, aproximou-se, arrastando sua cadeira para próximo à dela.
— Quer dar uma volta no convés? — sugeriu. — Ou, se preferir, posso dar um cacete nesses taradões filhos de uma puta pra você...
Ela negou, surpresa pela proposta.
— Ótimo, para o convés então. — Pegou-a pela mão, deixando para trás os restos do suflê, junto com um pouquinho do leite quente, não mais tão quente, na caneca.
Ela corou, mas disfarçou bem.
Ao canto, os marujos olhavam com ares provocadores. Não tiveram o menor pudor ao encarar as nádegas da garota. O que deixou Peppe um tanto furioso.
Ele virou a cabeça, preparando uma cena. Só que Sara foi mais rápida, e acelerou o passo, agarrando-o um pouco mais forte pela mão.
O rapaz foi, mostrando o dedo médio e a língua para eles, que riram de modo sarcástico, não fazendo nada além de permanecerem em seus postos.
Chegando ao convés, a primeira coisa que o rapaz notou algo que o fez esquecer quase que de imediato do incidente.
— Caralho!
— O quê? — perguntou a garota.
— Olha pro céu, que lindo!
Ela se encostou na parede lateral do convés, erguendo a cabeça. A brisa fresca do grande rio molhou-lhe a face, o que a fez sentir um toque profundo do oceano, que afundou-lhe a alma.
Aquele canal pluvial era tão imenso que não era possível ver as duas margens. Parecia mesmo que estavam no meio do mar.
Por um lapso de segundo, ela se sentiu uma sereia.
Imerso pela mesma atmosfera, Peppe acabou se esquecendo de largar a mão da garota. Eles então se olharam nos olhos.
Ambos coraram.
— P-perdão — disse, um tanto constrangido.
— N-não precisa pedir desculpas — respondeu. — Eu sou sua escrava, não sou? Você não precisa de permissão para tocar em mim.
Aquilo o deixou pensativo, de um jeito ruim.
Peppe nunca tinha parado para pensar em assuntos muito profundos como escravidão e desigualdade. Apesar de ter sido órfão, ele foi adotado muito cedo e teve uma vida muito confortável.
— Como é esse lance de escravidão? — disse, afastando-se um pouco.
Sara ficou desconcertada pela pergunta. Aquilo, que era tão comum naquele mundo, há séculos havia sido abolido da Terra, então para Peppe era algo que não entendia.
— Como assim? O que você quer saber? Não tinha escravos onde você veio?
— Não.
Ele se debruçou sobre a escora da popa, encarando o nada.
Vasculhando as memórias do príncipe falecido, descobriu que a escravidão havia sido abolida de Tullis na época do antigo rei, vigorando uma espécie de regime de servidão feudal. Escravos eram proibidos.
— Você veio dos ducados do norte?
— De Tullis.
Ela assentiu, fazendo uma cara de ahhhhh, agora entendi.
— Não tem muito o que falar. É comum. Não para pessoas pobres como eu, mas muitas pessoas ricas têm escravos de onde eu vim. Algumas pessoas ainda mais pobres, miseráveis, se vendem como escravas para pagar dívidas. Outras vêm de povos invasores, esses são escória.
Disso tinha escutado falar. Tinham muitas guerras naquele mundo, então devia ser comum comercializar os perdedores como escravos. Era um mundo brutal.
— Você não era de família rica?
Ela fez que não.
— Meus pais eram caçadores.
Olhando para a face da garota, Peppe notou uma pequena lágrima se formando.
— Desculpa, não deveria ter perguntado — disse, tocando-a o rosto, na tentativa de enxugar-lhe.
— Não tem problema. É só que faz pouco tempo que eles morreram, não me sinto completamente bem ainda.
Ela fungou.
Não existia nada mais efetivo no mundo para tocar o coração de um homem do que uma lágrima de uma linda mulher. Talvez só o cafungar de choro, ou a voz trêmula de uma linda mulher.
Foi então que ela sentiu um toque na altura do ombro. Era o braço do jovem que a acompanhava, envolvendo-a em um abraço profundo e reconfortante.
Eles não falaram nada pelo resto do entardecer, apenas ficaram lá, juntos e abraçados, olhando o sol adormecer.
O que não viram foi uma outra silhueta, encarando-os ao fundo. Ela sorria de orelha a orelha, com as pernas trêmulas. Estava perto de um dos corredores estreitos parede das cabines centrais.
Reparando bem, era possível notar que um líquido estranho escorria de seu vestido, bem discretamente. Já havia uma pequena poça formada no chão.
— Eu queria tanto sentir, queria tanto sentir, sentir... Sentir aquilo de novo. Ãn! Preciso tentar te matar, preciso mesmo tentar te matar, oh, principezinho... Você me traz tanto tesão!
***
Enquanto isso, uma pequena agitação se formava no interior da embarcação.
— Estão todos prontos?
Um homem, mais forte e visivelmente mais preparado, estava no centro de um grande círculo. Ao seu redor estavam vários marujos vestidos de branco.
— Coloquem as máscaras e os braceletes. Vocês podem matar qualquer um que não portar esses braceletes, entenderam?
Eles fizeram que sim.
— Até as mulheres, senhor?
— Façam o que quiserem com as mulheres, contanto que não tenham os braceletes, são nossas inimigas também!
Alguns dentre os homens sorriram maldosamente.
— Alguma outra dúvida?
Eles fizeram que não.
— Ótimo. Pela república! — bradou o líder.
— Pela república! — responderam.
Então sacaram suas armas.
— Vamos começar!
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios