Volume 1

Capitulo 7: Fumaça

Meu coração martelava contra meu peito. O Pesadelo se ergueu nas patas traseiras, levantando suas mãos para me esmagar. Engoli seco e tentei inutilmente expandir meu sonho.

— Rastline te zaprejo! [Constrição] — Kron entoou no antigo idioma élfico, deixando as lanças caírem.

Várias vinhas espinhosas envolveram a aberração. Recuperei-me do meu transe e corri até as lanças. Bale segurou firme sua espada e olhou para Kron. Como um relâmpago, as vinhas se partiram, revelando uma criatura furiosa com líquido negro escorrendo por seu corpo.

Ele abaixou seus braços com um furor selvagem. Bale rapidamente se defendeu com sua espada. Seus braços tremeram e estalaram. O impacto o jogou ao chão. O Pesadelo se virou para mim e correu em suas quatro patas em sua forma corcunda.

Segurei minha lança com firmeza e corri em sua direção. Ele saltou e ergueu novamente as mãos para um golpe. Minha visão começou a ficar turva. Arremessei minha lança e me joguei para o lado.

A lança acertou uma de suas placas ósseas, se desmanchando durante a queda. Meu braço coçou e meu coração martelou com mais força. Porém, pude sentir meu sonho. O expandi. Era pouco, mas o suficiente.

— [Shadow blade!] — a aura ao meu redor se queimou, criando uma espada curta totalmente escura.

— Tentem o enfraquecer — Disse Kron, entoando algo no velho idioma élfico.

— Só isso?! — berrei, segurando minha espada com força.

— Certo — Bale assentiu em quase silêncio.

O Pesadelo avançou de forma bestial, desferindo uma série de socos pesados. Bale veio pelas costas e desferiu um corte limpo em uma de suas pernas. O monstro berrou e as runas em seu corpo brilharam. Um calor desconfortável invadiu meu corpo. Meu braço esquerdo ardeu. Troquei minha lâmina de mão, mas a dor continuava lá.

Bale gemeu e soltou sua espada. Suas mãos estavam vermelhas e levemente queimadas. A criatura saltou sobre ela com um golpe avassalador, a arremessando para longe com pura força bruta. Cerrei os dentes, corri e saltei em seu casco. Tentei segurar, porém a dor me fez largar.

Minha pele queimava. Pude ver minhas dog tags brilhando como um metal prestes a ser forjado. O Pesadelo me encarou com olhos verdes brilhantes e desceu suas duas mãos em um golpe.

Antes que minha vida se acabasse, Bale saltou na frente, me agarrando e jogando de lado. Mas ela foi golpeada nas costas. Seus ossos estalaram e ela foi ao chão.

— Proteja o Kron! — Ainda caída, Bale aumentou seu tom.

— Fuja! Você vai morrer — Uma voz familiar brotou em minha cabeça.

Minhas pernas tremeram. Encarei esse Pesadelo. A lembrança dos olhos vermelhos brilhantes surgiu em minha mente. Eu não conseguia nem mesmo respirar.

A visão turvada do Pesadelo caminhou em minha direção, berrando como uma fera. Bale se levantou com agilidade, mesmo após ter sido golpeada. Ela revelou uma segunda espada, escondida em seu sobretudo.

Com destreza, ela saltou e cravou suas lâminas no crânio e no casco da aberração. O Pesadelo soltou um grunhido bizarro que preencheu a floresta. Ele se mexeu violentamente, arremessando Bale ao chão.

Líquido escuro escorria de seu crânio aberto. O Pesadelo ergueu Bale pela mão e a apertou contra seu corpo. Essa visão borrada me trouxe novamente à realidade. Segurei minha espada com força e a arremessei.

Minha mão fraquejou e tudo ficou embaçado. A espada acertou Bale na coxa. Ela gritou de dor e ódio e me encarou.

— Mae’r coed yn ei gondemnio! [Constrição aprimorada] — Diversas runas verdes brilharam em seu rosto.

Inúmeras raízes de árvores brotaram do chão juntas a uma explosão. O Pesadelo se virou apenas para ter os braços e pernas envolvidos pela própria natureza. A fera tentou gritar e se espernear. Contudo, ele foi gradativamente engolido pelo abraço da natureza em uma prisão de madeira.

— O que foi isso?! — gritei em êxtase.

— Eu não vou aguentar muito — Kron falou ainda com as runas brilhantes em seu rosto.

— Certo, certo, vamos… — um empurrão jogou meus pensamentos de lado.

Bale correu como uma besta, passou por mim com movimentos bruscos. Nossos olhares se encontraram. Sua expressão era quase neutra, mordendo os lábios. Com agilidade élfica, ela agarrou Kron, o carregando para longe do Pesadelo, que começou a se remexer.

— Ei… — cocei a cicatriz em meu rosto e comecei a correr.

(…)

Minha visão estava turva. Apenas um borrão verde e brilhante me guiava. O barulho dos meus passos era como um grito distante. A dor e o desconforto em meu braço sumiram. O vazio se instalou em minha mente. Nada além do silêncio.

— Todos sempre te odeiam — Uma voz estranhamente familiar falou em meio ao silêncio.

Parei de correr próximo a duas manchas, vermelha e verde. Um zumbido irritante e perfurante impedia que eu ouvisse. Comecei a ofegar e tentei falar.

— Quem… — um soco me fez perder o equilíbrio e cair.

— Bale! — Kron gritou de espanto.

— Ele quase nos condenou — seu olhar frio me perfurou.

— Espera, é que…

— Chega, não irei ver você nos matar — O borrão vermelho se afastou.

— Espera! — Gritei tentando ficar de pé. — Não me deixem… — Uma pequena lágrima desceu em meu rosto.

— Não podemos… — O brilho verde disse — Isso não foi culpa dele, foi algo que ele bebeu.

— Álcool… Só dessa vez — ela estendeu sua mão para mim.

— Obrigado — falei me erguendo.

— Que bom — Kron sorriu, e como um estalo as runas em seu rosto se apagaram e ele caiu ajoelhado. — Desculpe…

— Venha comigo — Bale colocou Kron com delicadeza em suas costas.

— Em Kenshu, venha aqui, natur yn puro [purificar] — Kron esticou sua mão e um brilho verde me confortou, e Kron caiu ajoelhado ao chão.

— Você não deveria se forçar — falei piscando lentamente.

— Não deveria mesmo… — Bale resmungou baixinho — Vamos andando.

Bale ajeitou Kron em suas costas e segurou uma de suas espadas curtas com firmeza. Começamos a nos afastar a passos largos. Se a magia de Kron acabou, não demoraria muito tempo para essa aberração nos encontrar.

(…)

Há quanto tempo eu não, via alguém aprimorar uma magia em tão pouco tempo. Mesmo o… Kay demoraria quase uma hora. Esse Kron é cheio de surpresas.

Balancei meu cantil na fútil esperança de ter sobrado algo. Contudo, não poderia vacilar novamente.

— Como você está? — Perguntei a Kron.

— Melhorei faz alguns minutos, agora só estou me aproveitando — Bale se manteve indiferente à sua exploração.

— Haha! Talvez eu me junte a você. — Falei, segurando minhas perguntas. — O aprimoramento que você usou foi incrível.

— Você gostou?! Foi minha mãe que me ensinou esse truque — Seus grandes olhos brilharam. — Ela podia fazer coisas incríveis… — O brilho logo se esgotou.

— Também conheci alguém que podia fazer parecido, mas você foi muito melhor.

— Obrigado — seus olhos ainda estavam escuros.

— Você também foi impressionante, Bale, e desculpe pela sua perna. — Falei com um leve sorriso no rosto. — Apanhamos um pouco, certeza que não quer descansar?

— Sim — Ela continuou a olhar apenas para a frente. Sua perna ainda sangrava e mancava, porém, sua expressão era firme.

— Ahhhh! Kenshu, sinto muito! — Kron berrou e chutou Bale. — Perdi suas lanças em algum lugar.

— Merda, esqueci disso.

— Já estamos longe o suficiente — Bale desceu Kron próximo a uma árvore. — Nos dê uma visão além dessas árvores.

— Certo! — Kron escalou com a destreza de um esquilo.

— Kenshu, o que achou desses Pesadelos?

— Forte, mas nada que eu não poderia lidar em uma situação normal.

— Entendi — Bale se fechou novamente, encarando onde Kron subiu.

— Sabe, eu acho que preciso de algumas armas extras. Esconder na coxa foi uma ideia boa. Você não tem mais alguma sobrando, né?

— Sim — ela falou friamente.

— Certo, certo. — Preciso de algo para quebrar esse gelo. — O Pesadelo humanoide de ontem, o que você acha que ele queria? Talvez ele tenha invadido esse lugar buscando os fracos que estejam fazendo o…

— Ahhh! — Kron caiu em minha cabeça. — Voltei!

Minha cabeça doía, e uma memória de uma mão negra surgiu como raio. Minhas pernas tremeram e algo apertava meu pescoço, puxei a cola da camisa tentando amenizar o desconforto.

— Kenshu? — Ele me perguntou, saindo de cima de mim. — Desculpe! Acabei escorregando.

— Sem problema, o que você viu? — perguntei balançando a cabeça.

— A fumaça preta sumiu, mas tem uma fumaça cinza não muito longe.

— Ótimo, vamos evitá-la. Poderíamos contorná-la?

— Não — Bale disse. — Vamos seguir na direção dela.

— Você ficou louca? Nunca se vai direta para um incêndio!

— Junte as peças. — Bale me encarou mordendo o lábio. — Ou suma daqui.

— Mas… certo, certo. Só não venha reclamar quando estivermos sendo emboscados por algum Pesadelo cobra ou sei lá — Falei, dando um leve passo para trás.

— Eu gosto de cobras, elas são geladas e legais — Kron falou, escalando novamente a árvore.

(…)

Em mais uma repetição nauseante, nos colocamos a marchar. Kron periodicamente subia nas árvores para nos fornecer uma vista privilegiada. A floresta continuava silenciosa. Quando eu sair desse lugar, vou para a taverna mais movimentada que achar.

Bale nos guiava sempre à frente e alerta, com passos silenciosos e camuflada pela vegetação. Sem armas e álcool, isso é uma péssima forma de enfrentar o desconhecido. Minha lâmina havia desaparecido há bons minutos.

O farfalhar das folhas indicou que Kron estava descendo outra vez. Galhos, folhas e um ninho de pássaro vazio estavam em seu cabelo. Me aproximei e abri um suave sorriso.

— Kron, o que você achou desse último Pesadelo?

— O macaco era bem forte e parrudo e ainda usou uma magia, isso foi incrível! — seus olhos brilharam por um momento — Se ele não fosse um Pesadelo, eu abraçaria ele.

— Espera… magia? Então a sensação de queimar… droga, me sinto um anão por não perceber — Falei, batendo em minha cabeça — E o que é um macaco?

— Você não sabe? Um animal fofinho e peludo! Tinham vários… onde eu morava — seus olhos brilharam e se apagaram em um instante.

— Sinto muito, entendo como são essas lembranças… — Um sorriso quase banguela surgiu em minha mente — E não precisa ficar preocupado com as lanças, posso me defender no soco se eu precisar.

— Parem — Bale disse em voz baixa.

O cheiro de queimado inundou minha mente. Ao longe, a fonte da fumaça era clara, uma parte da floresta queimada. Nos aproximamos em silêncio da clareira formada pelas chamas. Corpos irreconhecíveis estavam dispostos pelo lugar, um verdadeiro massacre.

Algo se mexeu em meio à pilha de cinzas e árvores queimadas, um corpo, um sobrevivente ou quase. Uma leve e intimidadora armadura negra cobria seu corpo. Seu rosto estava quase todo queimado, apenas era possível distinguir uma orelha pontuda e segurando com todas as suas forças um machado prateado e reluzente.

— Erwan… é você? — O elfo falou, encarando o chão queimado, com um olhar vazio.

— Sim, sou eu, agora aguente firme, vamos te ajudar. — falei, coçando a cicatriz em meu rosto — Kron, ainda tem alguma magia sobrando?

— Não…

— Relaxa, garoto, deveria ver o estado que deixei o Pesadelo, haha. — ele falou em voz baixa.

— Pesadelo? Como ele era? Em? Se mantenha falando! — busquei loucamente por algo que eu pudesse ajudar.

— Feio igual você, haha! Cuida dos velhos, eles merecem morrer dormindo — Os olhos do elfo se fecharam.

— Ele… — Kron se calou.



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