Volume 1
Capítulo 8: Onde há fumaça há Pesadelos
Meus olhos se fixaram no Pesadelo, com as espadas de Bale ainda cravadas em sua cabeça e casco. Eu estava cansado de fugir, mordi minha linguá e segurei com firmeza meu machado. Bale sacou outra espada curta.
O macaco nos encarou com seus olhos-verdes e brilhantes, uma gota do lodo nojento do seu corpo caiu no chão e ele saltou, berrando loucamente. A fera caiu em meio a nós, sua queda levantou uma cortina de poeira.
Duas luzes brilhantes surgiram e, com elas, uma mão poderosa agarrou meu rosto e me arremessou contra Bale, bati contra ela e ouvi um gemido baixo. Kron o olhou com uma mistura de curiosidade e espanto.
O macaco ergueu suas mãos e as desceu contra, contudo, Kron se expandiu e pelos negros cresceram por seu corpo, ele berrou e segurou os braços do Pesadelo. Eu sorri, essa criança era incrível.
Bale me jogou de lado e avançou contra o Pesadelo, mesmo estando ferido e cansado, Kron era notavelmente menor e mais fraco do que seu rival, e ela veio para equilibrar o jogo, Bale se apoiou na espada cravada no casco do Pesadelo, arrancou a espada em sua cabeça e as cravou no cranio do macaco.
Suspirei de alívio, contudo o Pesadelo se moveu bruscamente, golpeando Kron com selvageria, Bale caiu das costas do Pesadelo, ele a encarou e subiu suas enormes mãos.
Mordi a linguá e arremessei meu machado certeiramente em sua cabeça, liquido negro escorria de seu cranio aberto, apenas um dos olhos ainda brilhavam e mesmo assim ele continuou de pé. Corri até Bale e o joguei para trás.
As mãos pesadas do macaco me acertaram em cheio, tudo começou a rodar e embaçar, apenas a visão do líquido negro jorrando e a pequena luz verde continuava a iluminar.
O Pesadelo bateu repetidamente em seu peito com um furor selvagem, e com um piscar de olhos, o macaco-Kron saltou sobre seu casco e golpeou sua cabeça repetidamente.
Minha visão começou a voltar ao normal, uma visão macabra em minha frente, o enorme Pesadelo com algo que vagamente lembrava uma cabeça, que jorrava litros de líquido negro, ele ergueu suas mãos novamente para me esmagar, contudo, ele apenas caiu de costas no chão, evaporando lentamente
— Acabou? — Disse Kron retornando ao normal e expelindo uma fumaça verde.
— Eu acho que deveríamos, bater mais algumas vezes, apenas para termos certeza — Falei ofegante. — Não quero algo sem cabeça me perseguindo.
— Começou a evaporar — Bale se aproximou dos restos do Pesadelo e arrancou suas duas espadas e meu novo machado.
— Vai me permitir ficar com o machado? — me levantei ainda tonto.
— Iremos o enterrar com sua arma — Ela encarou o cadáver.
— Ficarei sem armas? — perguntei e tossi.
— Onde estão seus gravetos? — Bale sorriu de forma quase imperceptível.
— Engraçadinha — Me aproximei de Kron — Não sabia que podia se transformar em algo assim.
— Você viu?! Nem eu sabia! Senti uma vontade de ficar forte igual ele, mas aí… — Os olhos de Kron ficaram arregalados — Tem mais Pesadelos se aproximando.
— Merda! Quantos?
— Não sei, são muitos passos… eles nos cercaram —
— Prontos para outra? — Meus olhos passaram por Kron e Bale
Bale, tremia e pendia de um lado para o outro, claramente de fazendo de durona. O nariz de Kron escorria um pouco de sangue, ele não tinha como se transforma normalmente, talvez tenha se forçado… Merda!
— Eu vou distrair eles — Bale falou se apoiando em uma árvore.
— Isso é loucura! — minhas pernas começaram a tremer a medida que ouvia passos.
— Você nem mesmo consegue se manter de pé! Eu distraio!
— Foge Kenshu… é a única coisa que um inútil consegue fazer — Uma voz familiar ressoou em minha mente.
Eu não mereço sobreviver, elfos melhores já estiveram aqui e falharam. Me sentei no chão a medida que o mundo perdia suas cores.
— Vamos todos morrer… — Falei me encolhendo
— Kenshu tem alguma coisa se aproximando — Kron me puxou pelo braço
— Só deixa ele — Bale falou com dificuldade.
— Acabou! Vamos morrer! — Tudo estava ficando escuro.
Ao nosso redor, uma horda de Pesadelos humanoides nos cercava, armados com espadas ósseas e alguns protegidos por armaduras completas. Bale segurou suas armas com firmeza, Kron tentava trazer inutilmente as cores de volta.
Quando tudo estava se acabando, até que um tapa me trouxe de volta a realidade, um elfo loiro de olhos azuis vibrantes, vestindo uma roupa verdade e uma touca, carregando um escudo e espada.
— Se recupere soldado! — O elfo berrou e tudo retornou ao seu lugar.
— Senhor! — Como um reflexo me coloquei em sentido.
— Viu! Ele estava se esgueirando! — Kron falou com um sorriso no rosto.
— Amigo ou Pesadelo? — Bale perguntou erguendo a sobrancelha.
— Um soldado apenas — O misterioso elfo disse se colocando no centro de nos — Verschmelzen Sie mit der Natur [Camuflagem].
Os olhos do elfo brilharam em verde e Uma fumaça nos envolveu. Os Pesadelos que marchavam pararam a alguns metros, olhando confusos para os lados, usando o cérebro, se é que tais criaturas o possuem.
O elfo fez um sinal de silêncio com o dedo, e caminhou lentamente para a borda da clareira chamuscada. O segui contendo minha enxurrada de dúvidas e questionamentos.
Ficamos a 10 metros de alguns Pesadelos que empunhavam espadas ósseas, eles tinham um olhar vazio mexendo a cabeça buscando loucamente por sua presa. O elfo misterioso arremessou uma pedra para longe, e como insetos, eles foram atraídos para a pedra.
Aproveitamos a oportunidade e passamos pela formação dos Pesadelos com passos apressados, era relativamente difícil enxergar o lado externo, mas era possível identificar diversos Pesadelos dos mais variados tipos, dentre eles ao longe um se destacou, com um arco no lugar da mão e quase encostando na copa das árvores. Uma ansiedade me perseguia, apertei com força minha nova arma.
(...)
Horas haviam se passado desde que fugimos da clareira incendiada, A fumaça que nos cobria se desfez e com isso paramos abruptamente. A vegetação se tornou densa e alta, quase engolindo Kron
Barulhos de Pesadelos ao longe aumentaram minha ansiedade, o elfo soldado passa seus olhares entre nos e os arredores. Minhas costas doíam e minha curiosa se tornou maior que minha desconfiança.
— Então você é um aliado? — perguntei me esticando — Sabe, nessas situações seria ótimo termos outro soldado elfíco.
— Achei sua magia muito legal!
— Você deixou as marcas nas árvores? — Bale perguntou
— Grupinho animado, seria um desperdício deixar vocês após gastar sonho — O elfo se virou e retornou a caminhar — Venham.
— Atrás de você — Testei o peso do meu novo machado e comecei a andar — Como estão suas tropas? Armas? Suprimentos? Planos?
Um leve cheiro de fumaça veio de Kron, conti minhas perguntas.
— Sou o único soldado vivo, poucas, apenas o básico e sobreviver — Ele respondeu sem nem me encarar.
— Minhas chances só aumentam… — murmurei.
— Que bom — Kron falou e ao fundo pude ouvir um murmurar de Pesadelos.
— Quem são Vocês e o que fazem aqui? — Ele perguntou, observando os arredores com um olhar afiado.
— Meu nome é Kron. — ele falou com um leve sorriso.
— Estamos em um teste para a Ordem do sol sagrado — Bale falou encarando meu machado.
— Novidade… — Sua expressão se tornou rígida.
— Ei, não vai se apresentar? Eu falei meu nome, então fale o seu — Kron falou, emburrado.
— Quem trouxe mais um criança para uma zona de guerra… — O elfo murmurou e conduziu novamente o caminho.
(...)
O agonizante silêncio junto ao farfalhar da grama novamente se instaurou, eu não podia aguentar mais disso outra vez, precisava gritar, discutir ou lutar contra Pesadelos.
— Kesnhu? — A voz de Kron apagou minhas frustrações como uma chuva.
— Oi! — Gritei tentando fazer silencio.
— Esse elfo… ele realmente morreu? — Kron perguntou com as orelhas baixas.
— Sim… Coisas assim são comuns — Falei encarando minhas dog tags — Sinto por ver isso, deve ter sido traumático.
— Só nunca vi alguém morrer na minha frente — Kron disse olhando para Bale, que mantinha um olhar vigilante — Mas… e você?
— Era um companheiro soldado, então me lembrou de algumas coisas — Cocei minhas cicatrizes.
— Sinto muito, mas… você tem agido de uma forma estranha — Kron falou apertando as mãos.
— Não entendi onde quer chegar. —
— Você surtou — Bale se intrometeu.
— Do que vocês estão falando? — Os encarei em confusão.
— Silencio, chegamos. — O elfo falou se agachando em meio a arbustos.
(...)
Paramos ao lado de uma montanha, a vegetação densa quase encostava e minha boca. Nosso companheiro soldado se abaixou e retirou uma tampa com camuflagem natura, revelando a entrada para uma caverna.
Esconderijos improvisados em meio a floresta, parecia que eu havia retornado aos bons e velhos tempos. Nos agachamos e entramos, ele ficou por último e tampou novamente a entrada.
Em meio ao túnel, iluminado apenas por nossa visão elfica, uma luz indicou seu final, saímos de encontro a um homem de cabelos grisalhos, empunhando uma lança e vestindo uma armadura de pano e… com orelhas redondas.
— Quem são vocês?! — A voz firme do velho ecoou pela caverna.
— Eu sou o Kron!
— Noah, temos convidados — o elfo falou limpando a poeira de suas vestes.
— Erwan! Sua peste, não saia se me avisar! — O velho falou enquanto a luz da lamparina tremia.
Um estalo percorreu minha mente, as últimas palavras de kruger e o nome Erwan, tudo ficou mais… curioso agora. Olhei ao arredor, Bale se encostou em um canto, com sua expressão vigilante e descontraída, já Kron se encolheu próximo à saída.
O velho humano nos conduziu por uma série de túneis, era estreitos de forma que somente uma pessoa poderia passar por vez, e cada um se ramificava em outros 3, uma escolha ousada devo admitir.
Finalmente saímos dos longos corredores apertados, me deparando com uma enorme gruta, com um lago azul como o céu, ao longe um pequeno acampamento com uma leve fumaça e um aroma de temperos.
— Então garoto, onde está o nosso velho de guerra? — A expressão no rosto de Erwan ficou sombria.
— Kruger foi derrotado em combate — O velho parou, com um rosto em uma expressão de puro espanto.
— Que tipo de Pesadelo poderia o vencer? — Uma lagrima escorreu pelo rosto do velho.
— O Pesadelo que falava… ele também podia usar magias — Bale o inquiriu com seu olhar.
— Entendo… conduza nossos convidados — Noah falou retornando aos túneis — Fale para Corina que voltou logo, apenas… preciso de tempo.
O clima se tornou pesado e desconfortável, a expressão de Erwan era rígida, prestes a quebrar. Um aroma de temperos invadiu minha mente, espantando quaisquer inseguranças e me fazendo lembrar de algo primordial, o vazio em meu estômago.
No centro de 4 tendas improvisadas, em seu centro uma velha humana mexia em um caldeirão, próxima a ela duas crianças humanas e uma elfa babavam e esperavam ansiosas.
— Corina, voltei — Erwan falou com uma expressão distante.
— Minha flor! Você quase me matou de preocupação — A velinha largou sua colher de madeira e correu até Erwan.
— Por favor, vovó, temos convidados
— Que rude da minha parte! Esses são? — Ela falou forçando os olhos.
— Eu sou Kron! — falou com um sorriso brilhante.
— Bale
— Kenshu… — Encarei esses humanos, tentando forçar um sorriso.
— Onde está o Kruger? — A velha perguntou olhando de um lado para o outro.
— Eu… sinto muito… foi Pesadelo que falava — A expressão da velha ficou sombria.
— Olha o que uma velha tola fez, desculpe-me por te fazer ir atrás dele — A senhora o abraçou e ele nem mesmo ousou recuar.
— Só não conte pra as crianças — Corina olhou para as crianças que esperavam pacientemente sua refeição. — Bem, por favor me diga que ficaram conosco, tenho uma deliciosa sopa para todos.
— Eu adoraria!
— Claro
— Qualquer coisa por uma comida quente
(...)
Nos acomodamos em alguns tocos de madeira, e finalmente as crianças pareceram notar nossa presença. Elas dividiam sua atenção entre nos olhar de cima a baixo e babar loucamente pela sopa.
Esse aroma era bem-vindo, algo diferente do cheiro de grama, sangue e Pesadelos que tenho sentido o tempo todo. Erwan se levantou sem muita cerimônia e foi em direção aos túneis.
Me levantei e o alcancei, seu olhar ainda estava rígido e trincado.
— O que foi?
— Achei que deveria saber as últimas palavras dele
— Desembuche — A surpresa vazou por seu rosto.
— Espere flor, quero saber algumas coisas
— Talvez eu resolva te estripar até achar a verdade — Erwan colocou a mão sobre sua espada.
— Na frente de todos? E mesmo que faça eu aprendi como aguentar tortura — Ergui um leve sorriso falso, escondendo meu nervosismo.
— Certo, o que você quer?
— Quero saber sobre esse Pesadelo que fala
Erwan serrou os dentes e segurou sua espada com força, contudo suspirou e começou a falar.
— Há alguns dias, uma névoa engoliu nossa pequena vila, vários Pesadelos surgiram e um parecia os comandar, conseguimos fugir para esconderijos parecidos com esse, contudo um deles nos seguiu. — Suas mãos começar a tremer — Ele sorria com dentes quadrados e bizarros e tinha cifres brotando dos olhos, fedia a enxofre… e eu podia jurar que Kruger o conhecia.
— O resto eu consigo imaginar
— Fugimos e eles ficaram para trás, quando eu cheguei já era tarde
— Isso é mais assustador do que eu pensava
— Qual parte?
— A parte que encontramos outro Pesadelo que falava — meu braço se enrijeceu e o cocei com força.
— Tudo só melhora, agora me conte o que ele disse — Ele falou com um olhar cansado e quebrado.
— “Feio igual você haha! Cuida dos velhos, eles merecem morrer dormindo” — Tentei o imitar.
— Você exagerou demais na seriedade, o velhote teria sido mais descontraído mesmo quase morto.
— Anotado.
— Venha comigo, vou chamar o Noah para o jantar.
— Não vai tentar me matar nê?
Erwan apenas seguiu reto, se embrenhando em meio aos diversos túneis confusos, o segui tentando não transparecer meu medo.