Volume 1
Capítulo 5: Garra, Instinto e Sobrevivência
Minha cabeça doía e o frio penetrava em meus ossos. Senti o toque da nossa Lua que me acolheu mesmo após tantas blasfêmias. Memórias da época que as lendas foram escritas com sangue e ferro, passaram em minha frente. Uma luz ofuscou minha visão e me abraçou, estarei ao seu lado… Sekushi.
— Acorde Kenshu, você ainda não… — uma voz familiar sussurrou.
— Kenshu! Ele ainda não morreu! — Kron socou meu peito repetidas vezes.
Abri meus, olhos e uma forte luz amarelada ofuscou minha visão, senti o pulsar do meu coração que me preencheu de vida.
— Ahh! Eu Ataco… Espera o que aconteceu? O Pesadelo! — me levantei com todos os pelos do meu corpo arrepiados — Cadê… o Pesadelo?
— O Pesadelo fugiu — disse Bale mantendo um olhar vigilante sobre o local.
— Como assim? É porque eles fugiriam? Espera, o humanoide de roupa laranja… desde quanto eles começaram a usar roupas? Isso é…
— Aahhh! Se você continuar fazendo perguntas, eu vou ficar louco! — Kron falou com uma leve fumaça saindo da sua cabeça.
— Perdão, me exaltei. — Mexi meu ombro varias vezes — Sabe, não é todo dia que você quase morre para um desse nível.
— Temos coisas mais urgentes para nos preocupar — disse Bale olhando para o céu.
— Tem razão, senhora, vamos para o mais importante: estão feridos? — falei fazendo uma pequena reverência.
— Senhora? Esquece… Só alguns cortes, não precisa se preocupar Kron desinfetou eles.
— Estou com fome, e todo meu corpo ta doendo um pouquinho — Kron se esticou enquanto falava.
— Acho que isso é o mínimo após… Espera! Você virou um urso! — contive minha chuva de dúvidas.
— É muito legal né?! — seus olhos brilharam — Minha mãe me ensinou esses truques, ela… ela sempre brilhava de alegria quando eu fazia… — o brilho se esvaiu.
— Eu… — minhas palavras foram cortadas por Bale
— Devemos aproveitar a luz do dia enquanto ainda a temos. — falou de forma seca.
— Você está certa. Deveríamos procurar por armas ou comida
— Kron, você pode procurar comida aqui perto? — Sua voz mudou para um tom mais suave.
— Kenshu, você consegue ser útil? — Ela se voltou para min com um olhar inquisitivo.
— Pif! Já estive em situações piores durante a guerra. — forcei um leve sorriso. — Fui Cercado pela horda Auraliana e tive que me virar com uma faca de pão.
— Patético — Bale andou em direção à floresta.
— Você fez… — Kron correu para o outro lado da vila.
A medida que os dois sumiam floresta adentro, fiquei imóvel. Os rostos frios e indiferentes deles continuaram em minha mente, comecei a encarar o céu da manha, meus olhos arderam, pisquei repetidas vezes tentando esquecer.
(...)
Suspirei e comecei a vasculhar a aldeia, as marcas da batalha mancharam a vila, agora era perceptível; marcas de garras nas casas e manchas de sangue, talvez pudéssemos ter chegado mais cedo. E morrido com eles…
Entrei de casa em casa, todas eram idênticas; madeira de eucalipto, telhado forrado com palha e algumas pedras, seu interior possuía apenas um único e grande comodo, eram halflings que viviam aqui?
Andei nesse pequeno cubo de madeira, e vidro se estilhaçou em meus pés, uma pequena pintura feita por uma criança estava emoldurada em um, porta retratos, mordi minha linguá ate a dor ser insuportável. Retirei o pequeno desenho e o guardei no bolso.
— I i ithil comforts cin — fiz uma reza no antigo idioma élfico.
(...)
Retornei a vasculhar a aldeia, dez ao total, dispostas em um formato circular, ao centro algumas pedras formavam um círculo no centro. Todas as casas eram tão idênticas que parecia um loop interminável, apenas o mesmo cubículo odioso.
Finalmente as últimas, estavam ao meu alcance, o lugar onde Bale havia sido jogado, a frente fora severamente destruída, já onde Kron foi arremessado mal podia se chamar de casa.
Outro lugar sem graça e sem charme, com a única diferença sendo o enorme rombo na entrada, saltei sobre a pilha de madeira encontrando outro cubículo nojento, nada de comida ou armas, contudo um barulho chamou atenção dos meus ouvidos apurados.
Pisei novamente testando minhas suspeitas, um barulho ecoado sanou minha dúvida. Dedilhei o piso encontrando um pequeno vão, encaixei meus dedos e puxei, o piso falso saiu.
Escondido abaixo havia uma bela garrafa de um líquido transparente junto a uma medalha enferrujada e uma carta, escrita no idioma humano-avernal.
Destampei a bebida, um forte odor fez meus olhos arderem e meus sentidos falharem, essa era a mais pura bebida anã, a derramei em meu cantil e coloquei a garrafa de volta em seu lugar.
Examinei a estranha medalha, desgastada e esquecida, como se olhar em um espelho, a guardei em meu bolso e comecei a ler a carta, letras tortas quase a faziam parecer escrita no idioma anão.
“De: Kruger Eulenspiegel Para: Erwan Leao-Fluss
Não sou muito bom com palavras, então serei rápido, como o velho Noah tem estado? Fazem muitas luas desde que tive noticiais dele, só queria saber se ele me perdoou por…”
Serio? Eu mereço isso. Saí da casa amassando a carta e a colocando junto das outras tralhas. A luz alaranjada do sol permanecia imponente. Encarei a floresta pensativo, terei que lugar com paus e pedras.
(...)
Caminhei floresta adentro, me distanciando deles o máximo que pude, o silêncio sufocante engoliu todo o ambiente, apenas meus pensamentos e eu.
Sentei-me em ma rocha próxima, o calor do sol afastava o frio e a fraqueza. Pensamentos vinham e sumiam em minha mente, nunca tive tempo para poder escutar meus pensamentos, a abstinência e ausência de barulhos facilitavam.
Eu não pude reparar muito nesse lugar, talvez porque estava lutando pela minha vida, mas essa vila seria um lugar bonito. Ela tem poucas casas; seria um lugar calmo. Você gostaria daqui, encarei o braço onde guardava minhas dog tags.
Como eram as pessoas que viviam aqui? Tinham seus sonhos, vidas e famílias, mesmo sendo humanos tinham um lar. Retirei o desenho e o encarei. — Todos os inimigos sujos morreram Haha! — um som macabro e distorcido abalou minha mente.
Saltei da pedra futilmente tentando sacar minha espada, tentei expandir meu sonho, porem não era o suficiente. Mordi a linguá e me forcei a limite, as veias do meu rosto quase se estouraram, meus olhos ficaram vermelhos e uma adaga de sombras se formou em minha mão.
— Saia de onde se esconde… — Tentei gritar ao máximo, porem comecei a cuspir sangue.
— Kenshu! — Kron pulou apressando de um arbusto próximo.
— Cuidado! — falei entre as tosses. — O inimigo está ao nosso redor!
— Se acalma por favor — Kron me colocou sentado em uma pedra próxima — Pode tossir, só não tente falar, vai piorar tudo…
(...)
Os minutos escaparam pelos meus dedos como as sombras da minha espada que se dissipou, e antes que eu pudesse perceber tossi uma última vez. Os olhos de Kron tremiam loucamente, até que finalmente se estabilizaram.
— Me desculpe… — falei limpando o sangue da minha boca — Fazia tempo que eu não me forçava assim.
— Forçar? — Kron semicerrou os olhos para mim.
— Esquece — me estomaga roncou — você achou alguma coisa pra comer?
— Frutinhas! Tinha um montão perto do rio — Kron retirou um punhado de frutas vermelhas e roxas de sua capa.
— Nossa! Quantas frutinhas ainda tem? Tem quantos bolsos aí? Eles não têm fundo? Você… — parei de perguntar enquanto observava os olhos de Kron rodando como espirais.
— Minha cabeça doí…
— Sinto muito — falei me levantando e me apoiando na pedra — Otimo otimo, esse momento de fraqueza não vai acontecer de novo, então não conte pra sua amiga.
— Certo? — Seus olhos ainda rodavam e uma leve fumaça saia de sua cabeça.
— O que acha de me ajudar a vasculhar esse perímetro?
— Só pare um pouco com as perguntas
— Claro, coloque essas perninhas finas para trabalhar! — falei em minha antiga voz de soldado. — Busque galhos grandes e resistentes, pedras e cipos.
— Certo! Mas certeza que vamos construir uma casa na árvore aqui?
— Não vamos fazer isso, estou sem armas, então preciso improvisar — deixei a pedra e comecei a vasculhar a floresta.
(...)
O ambiente seria novamente tomado pelo silêncio macabro, se não fosse uma alegre melodia que Kron cantarolava, algo familiar puxou minha atenção, porem retornei ao trabalho rapidamente.
Arrancando alguns galhos das árvore e separando as pedras mais resistentes, nosso trabalho de forragear acabou. Saindo da floresta colocamos ao centro da vila 10 gravetos, algumas pedras e vinhas.
Espero que seja la o que vier, não quebre um galho… Sorte que ninguém pode ler minha mente. Observei meu incrível arsenal com lagrimas de alegria, agora era hora de afiar as pedras.
— Então o que vamos fazer agora? — Kron perguntou, e comeu uma fruta vermelha logo em seguida.
— Afiar as pedras, cortar um pouco a base dos gravetos e firmar finalmente com os cipos — examinei as pedras buscando a mais resistente.
— Parece divertido!
— Tive que improvisar armas e armadilhas durante a guerra
— Entendo… — Kron me encarava chutando a terra — poderia me contar um pouco sobre essa… guerra?
— Ahh… sobre o que quer saber? — bati uma pedra na outra buscando a mais dura.
— O que é uma guerra?
— Velhos com sede de poder, usando jovens para matar outros velhos em um ciclo eterno — quebrei uma das pedras, a descartando e passando para a próxima
— Ok…
— Recomendo não buscar coisas assim, pode ficar chocado — separei as rochas mais afiadas em um canto.
— Eu sempre perguntei pro Bale sobre essa guerra, mas ele nunca me respondeu — Kron olhou emburrado para os gravetos.
— Mas o que ela saberia sobre? — me segurei para conter minhas dúvidas.
— Bale foi um soldado pela liberdade ou algo assim
— Espera espera, ela lutou nas grandes guerras? — me levantei e uma leve tontura se jogou sobre mim.
— Sim, isso é ruim?
— Haha, isso muda tudo! — Falei retirando um peso das minhas costas — ter um soldado elfico ao meu lado é muito melhor que um simples mercenário.
Minha mente se encheu de curiosidade, quais batalhas meu companheiro poderia ter lutado ao meu lado, talvez no mar congelado de Valrek, o vale do Vendaval? Ou o último cerco contra os Auralianos?
— Entao você sabe mais alguma coisa sobre o histórico de nosso soldado Bale?
— O que esta xeretando? — um vento gelado bate em minha nuca, arrepiando até meus ossos.
— Oi Bale — Kron acenou para algo atrás de mim — Por que ficou tao pálido assim Kenshu?
— Desde… desde quanto está escondido?
— Escondido? Eu apenas estava parado — Ela me encarou com seu rosto sem emoção.
— Você não viu? Bale estava aqui já faz um tempinho
— Prefiro não perguntar… bem bem, acho que começamos com o pe esquerdo — estendi minha mão para ela.
— Pare de nos fazer perder tempo — Ela se virou e foi para próximo da casa quebrada.
Fiquei parado com o rosto congelado, mordi a linguá e voltei preparar minhas lanças. Kron olhou para Bale com confusão e após alguns segundo saiu em disparada atrás dela.
(...)
Os minutos silenciosos foram preenchidos pelo talhar de madeira, com um pouco de improviso eu consegui colocar 7 pontas afiadas de pedras em galhos, fiz um nó firme para que as pontas não se soltassem e finalmente meu arsenal estava pronto.
Segurei uma das minhas criações, experimentei seu peso e testei sua firmeza, não eram as melhores, mas tinham que servir. Expandi meu pouco sonho, e uma aura vermelha quase transparente cobriu meu corpo, não era o suficiente para nenhuma magia.
Dissipei minha aura e amarrei 6 das lanças em minhas costas, era impossível deixar isso prático. Uma sensação de vazio tomou meu estomago, abri meu cantil e dei um gole longo, o álcool desceu rasgando minha garganta e como um soco, eu fiquei levemente sonso por alguns minutos.
Mi dirigi a Kron e Bale, e um sorriso bobo se formou em meu rosto. Mal pude ouvir sua conversa, contudo meu nome ecoou pelo ar, antes deles pararem e olharem para mim.
— Acabou de brincar? — disse ela se levantando e colocando os restos da sua espada em um dos bolsos de Kron.
— Está tão desesperada por armas assim? Se quiser posso te emprestar algo do meu incrível arsenal. — falei e dei um leve sorriso.
— Não preciso de lixo
— Que cheiro estranho é esse? — Disse Kron me olhando com uma carreta.
— Essa é a diferença entre um soldado experiente e um recruta
— Onde estava essa experiente no último combate?
— Infelizmente eu fui debilitado… mas eu garanto que poderíamos ter lutado e vencido com meu apoio, antes que esse maldito Pesadelo humanoide tivesse interferido — Cocei meu ombro por alguns segundos.
— Conheço o tipo que sem magias fica inútil — um pequeno sorriso arrogante se formou no rosto de Bale.
— Saiba que eu sou muito mais do que minha magia, tenho seculos de experiência e conhecimento, sei improvisar e manter a cabeça no lugar onde muitas ficariam loucos, sou um estrategista. Faço o que a maioria não conseguiria ou não tem teriam coragem e vejo o que todos ignoram — mordi a linguá ofegante
— Não estou gostando… — interrompi Kron e aumentei meu tom de voz.
— Mas já que tocamos no assunto de ser inútil, me diga o que pode fazer com sua espada quebrada? Vai jogar esses fragmentos nos pesadelos? — Falei com um leve sorriso.
— Tenho minha espada reserva — disse Bale, retirando uma espada curta do seu sobretudo.
— Espera! Você tinha uma arma extra e não falou dela? Por que escondeu ela? Quantas mais… — um forte grito de Kron me abalou.
— AAAHHHH! Chega disso! Vocês tão me deixando tonto
— Desculpe. — Bale fez um leve cafune em Kron.
— Sinto muito — Tossi sem jeito — estamos perdendo um tempo valioso, mas se não for muito incômodo teria mais alguma coisa que gostariam de compartilhar?
— Tabom, eu não gosto de portas, elas são malvadas e às vezes eu escuto elas abrindo e… — Encarei Kron boquiaberto. — Ei! Isso é feio, já que contei meu segredo, você deveria contar um seu.
— Vou te contar algo se sairmos dessa maldita floresta. — Falei coçando os olhos.
— Venha Kron, Já ficamos muito tempo aqui — disse Bale indo até a floresta.
— Certo! — Kron correu até Bale com um sorriso sincero no rosto.
Passei meu olhar pela vila, pelo que eu espero ser a última vez aqui. Flashes de pessoas vivendo suas vidas brotaram em minha mente, eram humanos, mas não mereciam isso. A oração elfica surgiu em minha mente, contudo foi rapidamente deixada de lado.
Antes de começar a adentrar a floresta, retirei meu cantil e dei uma boa golada, o líquido rasgou minha garganta e aqueceu meu corpo, respirei profundamente e segui os dois.