Volume 1

Capitulo 11: Me encontre no fundo do poço

Meus dentes se raspavam um contra o outro, meu coração palpitava freneticamente; essa sensação era algo que eu havia esquecido. Bale e eu nos colocamos na entrada da caverna. Logo atrás, Noah, Corina e Kron. Erwan se levantou furioso e se juntou à linha de frente, com seu escudo e espadas em mãos. Os Pesadelos humanoides permaneceram parados, enquanto o urso-coruja avançou. Seus passos ecoavam pela floresta, e com um encontro brutal, Erwan e o Pesadelo se chocaram, escudo contra garras; logo atrás, duas lanças se fincaram no rosto e no corpo da aberração. Um berro a fez recuar, enquanto mais líquido escuro escorria pelo seu corpo. Não podemos dar tempo deles se agruparem. Cerrei meus punhos e avancei em direção ao Pesadelo humanoide mais próximo.

Meu sonho borbulhava ao meu redor, junto a um sentimento de animação. O primeiro Pesadelo demorou para entender o que estava em sua frente. Corri em sua direção e, antes que ele pudesse mexer sua espada, arranquei sua cabeça com um golpe limpo de machado. O tempo parou por alguns instantes. Bale e Erwan berravam coisas incompensáveis, mas há quanto tempo eu não tinha uma arma tão boa, assim?

Quando o tempo havia retornado ao normal, eu avancei contra outro Pesadelo. Esse quase conseguiu levantar sua espada, porém bati brutalmente nela com meu machado, o derrubei com uma rasteira e terminei com uma decapitação. Uma voz veio da floresta, e nisso, todos os Pesadelos humanoides avançaram, três vieram em mim e os outros cinco em direção à caverna. Meu coração martelava contra meu peito de tanta animação.

O urso-coruja ainda estava parado observando tudo. Bale ainda tentava me gritar, porém, não tinha tempo para gastar com ela... ele. Observei os três que vinham em minha direção com o tempo congelado. Avancei e golpei enquanto um deles se preparava para me golpear; arranquei seus dois braços com um corte limpo e o chutei no peito.

Um ataque veio da minha esquerda, me joguei no chão e rolei para o lado. O Pesadelo sem braços saltou sobre mim, porém sem piedade cortei sua cabeça; os outros dois avançaram, um de cada lado. Lentos e pesados, eu pulei sobre um e acertei sua espada com tanta força que a quebrei, e junto cortei seu pescoço. Me virei para o último e me preparei, contudo, uma dor invadiu minha mente, um corte em minhas costas. Senti o sangue pingar e gritos ao longe; rolei no chão e observei a criatura erguer a espada. Antes que tudo fosse encerrado, um golpe decapitou o Pesadelo; por trás das gotas de líquido negro, um elfo de roupas vermelhas e olhar limpo e raivoso.

Me levantei ainda com minhas costas doendo, pude notar o campo de batalha com detalhes. O urso-coruja trocava golpes contra Erwan, Corina e Noah, que se forçavam para que ele não invadisse a caverna. Os outros cinco Pesadelos humanoides estavam sendo presos pelas vinhas de Kron; seus olhos brilhavam em verde, e seu sonho emanava um verde-escuro.

— Vamos limpar esses Pesadelos enquanto Erwan distrai o maior — falei, encarando Bale.

— Fique onde eu possa ver — disse ele, rosnando levemente.

Sangue quente sujava minhas costas, minha visão ficou um pouco turva, porém nada iria me abalar. Segurei meu machado com as duas mãos e encarei Kron.

— Kron! Deixe-os expostos! — as vinhas que prendiam os Pesadelos se romperam e secaram em segundos. — Não deixe chegarem perto das crianças.

Segurando o machado com as duas mãos, decapitei um Pesadelo antes mesmo que tivesse chance de reação. Outro ergueu a espada e tentou me golpear, porém, mesmo com as costas feridas, rolei para o lado e cravei meu machado em sua cabeça. Logo à frente, Bale matou dois Pesadelos ao mesmo tempo, sem esforço. O último estava de frente para Kron; eles se encararam, e o Pesadelo atacou com sua espada, mas antes de qualquer dano, Bale arremessou uma de suas espadas na cabeça do Pesadelo.

— Perfeito! Agora é só acabar com esse… — um grito vindo da floresta roubou minhas palavras.

Cerca de 40 Pesadelos humanoides surgiram da floresta com passos silenciosos e lentos; alguns portavam armas ósseas, já outros apenas garras afiadas. O Urso-coruja disparou contra Erwan e os velhos, seus olhos roxos e brilhantes encararam os três, e com um piscar de olhos, ele usou as enormes penas em suas patadas dianteiras como lâminas, acertando o escudo de Erwan em cheio.

Forçando tudo que seus velhos corpos ainda podiam oferecer, Noah e Corina tentaram fincar suas lanças no corpo do Pesadelo, porém as lanças não penetraram na densa plumagem, quase como se fosse rocha.

— Não vamos conseguir vencê-los — falei, recuando lentamente. — Vamos atrair o Pesadelo para a ravina! O resto foge, e nos encontramos no rio!

— Isso é loucura! — Noah falou com dificuldade.

— Rastline te zaprejo! [Constrição] — Kron queimou seu sonho, e vinhas prenderam o Urso-coruja e alguns Pesadelos. — Rápido! Não sei quanto vou aguentar!

— Não ouse matar seus amigos! — Erwan me encarou com raiva e determinação.

Erwan e os velhos avançaram entre os Pesadelos presos, as crianças gritavam de medo e animação. As vinhas se romperam; Kron correu para nosso lado, e nos vimos cercados e com uma fera raivosa em nossa frente. Pensei em rezar e pensar em como a vida foi ruim, mas isso não iria acabar aqui, não antes de conseguir algumas respostas e achar o desgraçado que me colocou aqui.

— Kron, quantas magias você ainda pode usar? — falei, enquanto a coruja saltava em nossa direção.

— Duas ou três, mas não sei como elas podem ser úteis agora.

— Kenshu! Pense em algo! — Bale se chocou contra a criatura, colidindo espada com lâminas de penas.

— Use suas vinhas no Urso-coruja e depois prenda o máximo de Pesadelos do lado oposto para onde os outros fugiram! — À medida que minhas palavras saíram, Bale soltava gemidos de dor e parecia ser empurrado cada vez mais.

— Vou tentar! Rastline te zaprejo! [Constrição] — O rosto de Kron se encheu de runas verdes, e vinhas prenderam vários Pesadelos e o Urso-coruja.

— Vamos levá-lo até a ravina! — Comecei a correr o mais rápido que minhas pernas podiam. Kron e Bale vieram logo atrás.

Assim que atravessamos a horda de Pesadelos, o Urso-coruja se libertou das vinhas, logo em seguida nos perseguindo com um furor selvagem, atropelando e esmagando alguns da horda. Agora era só manter o ritmo e tudo ficaria bem.

Uma flecha negra passou raspando pela minha cabeça, senti o sangue escorrer para fora, quase tropecei à medida que corria. Outra flecha veio em minha direção, rapidamente a defleti com meu machado, a força do impacto quase me fez soltá-lo, minha mão latejava, mas não era hora de ser fraco.

— Fiquem atentos! Temos flechas chegando junto do nosso amigão — Comecei a correr de costas, mantendo-me atrás de Kron e Bale.

Antes que pudesse me dar conta, outra flecha veio cortando o ar; com um movimento ágil, Bale a defletiu sem muito esforço. Ela… ele me encarou e logo em seguida teve sua atenção roubada pelo Pesadelo que se aproximava. Ficamos lado a lado enquanto Kron corria logo à frente, as flechas vinham cada vez mais rápido; a última passou por nós e acertou Kron nas costas, porém ela apenas caiu sem nem mesmo perfurar.

O Urso-coruja disparou várias penas em nossa direção; rolei para as árvores na tentativa de me proteger, mas mesmo assim uma das penas acertou minha perna. A dor não era nada comparada ao ferrão do primeiro Pesadelo que enfrentamos nesse lugar; arranquei a pena e voltei a correr, Kron e Bale já haviam desaparecido em meio à escuridão.

Somente essa aberração da natureza que continuava em meu rastro de sangue, atirando penas e se aproximando cada vez mais; minha visão afiada avistou a ravina, agora meu plano era pensar em como jogar essa coisa lá. Talvez eu devesse ter pensado melhor antes de sugerir algo… Derrapei na terra úmida quando algumas penas acertaram minhas pernas.

O encarei olho a olho; ele ergueu suas garras. A dor nunca veio, e no lugar dela um grande macaco com um casco saltou sobre o Pesadelo, e atrás dele um elfo de sobretudo vermelho. Arrastei-me para longe e dei espaço para as duas feras se enfrentarem, suspirei aliviado enquanto Kron socava o Pesadelo com um ódio assustador. Agora era só jogá-lo e encontrar os outros.

Um estrondo abalou tudo; a beirada em que estávamos desabou para dentro da ravina. Tentei saltar para fora, mas minhas pernas falharam por um instante, suei frio e tudo se apagou.

(…)

Tudo era apenas a mais profunda escuridão; senti meu braço amaldiçoado arder. Com dificuldade, forcei-me para abrir meus olhos e me deparei com um rosto de coruja. Em desespero, tentei correr; contudo, apenas uma dor aguda percorreu meu corpo. Soquei e golpei com meu machado até que notei que o Pesadelo estava morto.

Suspirei de alívio quando vi um rosto familiar emergir de um monte de rochas próximas; Kron, com o rosto sujo de poeira, e logo ao seu lado Bale, ambos nem pareciam ter um arranhão. Estendi minha mão, pedindo por ajuda; o corpo nojento do Pesadelo me esmagava. Diferente dos outros, esse não havia sumido; ambos o rolaram para o lado.

O que vi poderia ter permanecido escondido; minhas pernas estavam quebradas, osso exposto, e sangue pulsava para fora. Apenas a adrenalina era capaz de me segurar.

— Merda! Merda! Kron? Vo-você consegue dar um jeito nisso? — Comecei a tremer loucamente.

— Eu… vou tentar! — Prontamente, Kron se colocou aos meus pés e começou a entoar um cântico no antigo idioma élfico — Mae'r ysbrydion yn dawnsio [bom espírito].

Senti meus ossos se mexerem e se conectarem, à medida que uma luz verde preenchia o lugar. Conforme o tempo passava, eu mordia minha língua e segurava meu machado com força, me esforçando para não gritar. Quando a luz verde sumiu, pude sentir o suor frio e a sujeira descerem pelo meu corpo. Suspirei de alívio e tentei me levantar; minhas pernas ainda doíam, quase cai se não fosse Kron me fornecendo apoio para permanecer de pé.

— Como você está se sentindo? — Com as orelhas abaixadas, Kron falou com sua voz suave.

— Dói em todo lugar… — Disse, apoiando-me na parede.

— Vou vasculhar o lado direito da ravina. — Bale caminhou lentamente para a névoa.

— Cuida… — uma tosse interrompeu Kron.

— Você tá bem? — Notei um pouco de sangue em seus lábios e em suas mãos.

— To sim… só preciso… descansar — ele falou entre tosses de sangue.

— Você queimou mais sonho do que deveria… Por quê?

— Eu preciso realmente de um motivo para ajudar?

— Olhe, Kenshu, quantos mais vão se machucar por sua causa? — Uma voz gélida e familiar sussurrou em meu ouvido.

— Pare de falar aberração! — Coloquei as mãos na cabeça e berrei.

Os olhos de Kron se encheram de lágrimas. Assim que entendi o que eu havia falado, minha mente se encheu de pedidos de desculpa, porém ele se levantou e correu, com as lágrimas chovendo atrás dele.

Forcei minhas pernas e quase pude sentir meus ossos se partirem. Busquei apoio nas pedras úmidas e frias da ravina, forçando minhas pernas para não cederem, e comecei a me arrastar, sendo guiado pelos soluços de Kron. Tropecei em uma pedra e pude sentir a sensação desconfortável da lama fria em minhas roupas. Tive a sensação de que meu osso saiu do lugar; uma ilusão causada por magias de cura. Puxei-me para cima, apenas pensando no que Bale

Falaria caso algo acontecesse comigo, me degolaria após despedaçar meu espírito com palavras. Caí novamente, dando de cara com outra passagem na ravina, um arco esculpido em pedra negra. Uma aura esmagadora se alastrava como uma névoa sufocante. Puxei a gola da minha camisa e tentei seguir em frente, até que ouvi o eco de um soluçar.

Isso poderia ser muitas coisas, porém pensamentos lógicos ficariam para depois. Forcei minhas mãos a se segurar nas paredes enquanto me arrastava lentamente. A aura sufocante ameaçou me engolir; eu rosnei e a ignorei, pois essa sensação não seria nada quando comparada com Bale. Ao longe, avistei Kron… e em sua frente uma imponente figura sombria trajando uma armadura negra e empunhando uma lança.

— Kron!



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