— Mas… com esse monstro que falava, não é perigoso lá fora? Um Pesadelo que podia falar, esses são os mais perigosos. Cocei meu ombro e lembrei da aberração que nos derrotou. Se existe algo mais forte que esse monstro…
A voz poderosa de Erwan quebrou meus pensamentos e fez com que as crianças parassem imediatamente. Em minha frente, o elfo loiro e de vestes verdes me olhou com uma expressão indiferente.
— Corina quer saber se dormiu bem — Ele falou, olhando para as crianças.
— Claro, minha pedra era a mais macia entre os reinos — forcei um sorriso.
— Vamos nos mover logo, estejam prontos — Disse com sua voz imponente.
Erwan voltou para o velho Noah que desmontava o acampamento. Eles riam, provavelmente de uma piada sem graça. Senti uma pontada de confusão e inveja.
Do outro lado da caverna, Corina e Kron pareciam recolher alguns cogumelos roxos, semelhantes a jarros. O olhar de Kron sempre me animava, tão… inocente.
As crianças conversavam sobre o quanto Erwan era incrível ou discutiam sobre a tropa do valor, o que quase sempre acabava com eles gritando um com o outro, menos Ivo, que sempre tentava acalmá-los.
— Isso me lembra, onde está a Bale?
— O esquisitão foi vigiar a entrada.
— Não deveria chamá-la assim.
— Ela? — Os três se olharam confusos.
— Sim? A mulher alta e de vermelho? Deveria imaginar que crianças teriam essa dificuldade — Falei confuso.
— Mas, senhor Kenshu, ela, na verdade, é homem — O pequeno Ivo falou com firmeza na voz.
— Agora que ele falou, ele tem uma aparência meio estranha — Jewel falou com um olhar pensativo.
Se eles estão falando a verdade, eu vou precisar me desculpar seriamente com Bale, mas que seja. Agora preciso aproveitar minha situação e juntar algumas informações.
Erwan me encarava do outro lado da caverna, com as orelhas agitadas, apontadas para mim, quanta confiança. Cocei meu rosto e apertei meus olhos.
— Bem, depois vou ter que me desculpar com nossa senhorita — Falei ainda confuso — Mas aproveitando isso, Ivo, quantos anos você tem?
— Eu? Bem… 52.
— Nunca vou me acostumar com ele sendo quase tão velho quanto Noah e Corina — Jewel falou e logo após mordeu um cogumelo roxo.
— Vocês podem comer isso?
— Todos os cogumelos aqui são comestíveis, por isso escolhemos essa caverna.
— Uma boa tática — Falei, enchendo meu cantil de água — Garotos… sei que foi um evento traumático, mas o que aconteceu com a vila de vocês?
— Nós não vimos muita coisa — disse Jewel serrando os punhos.
— Se pudéssemos ter lutado — Gael falou batendo na pedra.
— Névoa… vi uma fumaça escura vindo do rio — a voz de Ivo tremeu por alguns instantes.
— Venham! — A imponente voz de Erwan ecoou pela caverna — Peguem suas coisas, hora de sair daqui.
(...)
Meu corpo ainda doía levemente; dormir na pedra não era tão ruim quanto eu pensava. Erwan guiou o caminho pelo labirinto de rochas, seguindo Noah, Corina, Kron, as crianças e eu no final. As malditas partes afiadas ainda me cortavam a cada passo, contudo não senti minha maldição queimar, mesmo quando meu braço foi acertado diretamente. Era de certa forma gratificante e estranho, pois já havia me acostumado com tal sensação. Mesmo com minha visão superior, eu não conseguia me manter afastado dessas lâminas rochosas.
Em minha frente, as crianças e Corina se moviam perfeitamente, mesmo quase sem luz ou destreza élfica. Suspirei e continuei firme, ouvindo Kron falar sobre receitas usando cogumelos.
— Como vocês conseguem? — minha voz ecoou infinitamente.
— O que foi, meu filho? — Corina disse se virando para trás.
— Andar por aí sem se machucar nessas pedras afiadas — Perguntei, sentindo os pequenos cortes.
— Afiadas? Eu nunca havia notado serem perigosas — Sua voz ecoava pelo labirinto.
— Mas são! E muito irritantes — Algumas acertaram novamente meus braços.
— Talvez deveria tentar se mover com mais calma, em vez de força bruta — Erwan falou.
Cerrei meus punhos com força, e mal pude sentir minha maldição. Esse elfo andando com humanos assim, eu deveria sentir ódio dele, mas… não sinto. Respirei profundamente e esqueci de tudo, a conversa de Kron e as crianças sobre quem era mais forte, Corina e suas novas receitas sem carne; eu apenas me esgueirei pelas pedras, sem me cortar.
Chegamos à nossa saída e, ao entrar, Bale estava sentada… sentado no canto, com suas espadas em mãos, e sua expressão quase morta em seu rosto, uma linha solitária e um olhar vazio.
— Para onde vamos? — Bale se levantou e esticou suas pernas.
— Vamos tentar sair dessa floresta — Noah abriu um mapa e se aproximou de nós.
— Vamos levar as crianças? — Encarei o labirinto e meus braços logo em seguida.
— Não pretendemos voltar, então é nossa melhor opção, além disso, com dois conjuradores não será problema — Noah falou, olhando para Kron e Erwan.
— Vamos seguir para a ravina do eco e depois vamos continuar pelo rio, até sairmos da floresta — O rosto de Noah ficou sombrio — em uns 2 dias de viagem devemos achar uma vila com pessoas.
— As crianças ficaram no centro comigo enquanto conjuro minha camuflagem. Noah, Corina e Bale vão à frente, e Kron e Kenshu atrás, tomando cuidado com inimigos, certo? — Erwan falou liderando como um verdadeiro comandante.
— Certo — todos falaram, tomando suas posições.
(...)
Saímos da caverna pelo pequeno buraco, coberto por uma placa de madeira camuflada por gramas e folhas. As orelhas de Erwan se moveram freneticamente, tentando buscar qualquer sinal de perigo.