Volume 1
CAPÍTULO TRÊS: Que Comece o Entendimento Mútuo
No dia seguinte em que consegui convencer Kenta a voltar ao mundo real, cheguei na casa dos Yamazaki às sete da manhã em ponto. O próprio Kenta estava andando de um lado para o outro na sala, já vestido com seu uniforme escolar. Parecia que ele estava totalmente pronto para ir. Seus olhos estavam vermelhos, como se tivesse ficado nervoso demais para dormir na noite passada. Ou talvez não tenha nem dormido.
"E aí? Parece que você não dormiu muito, hein?"
Kenta se virou para me olhar. Ele realmente estava com aquela expressão de "Aquela vez em que reencarnei como um hipopótamo" – pânico total.
"B-bom dia, Rei... Não consegui dormir, pensando no dia de hoje..."
"Estou vendo. Ah, bem. Se estivesse no seu lugar, com certeza estaria nervoso também. Mas temos uma hora inteira até chegar à escola. Vamos conversar e ver se conseguimos te preparar psicologicamente."
"Hã? Mas leva só vinte minutos para chegar à escola."
"Sim, de bicicleta. Mas, a partir de hoje, você vai a pé. São só uns seis quilômetros. Deve levar cerca de uma hora. Na verdade, eu preferiria que você corresse, mas você está tão fora de forma que é capaz de estragar um joelho. Agora me dá seu celular."
Kenta entregou o aparelho obedientemente. Peguei e comecei a mexer.
"Estou baixando um aplicativo de corrida que eu mesmo uso. Dá para configurar para caminhada também. Ele estabelece metas de distância e tempo, então use para controlar seu ritmo. Também registra seus movimentos. Você vai me mandar um print da página de resultados todo dia. Nada de preguiça, entendeu?"
"...Uma hora? I-isso é um caminho e tanto..."
"É um bom ritmo para queimar gordura. Logo você se acostuma. Além disso, é só caminhar. Se você caminhar uns doze quilômetros por dia, vai melhorar seu condicionamento fácil. Ah, e só pra constar: eu já caminhei uns dez quilômetros até aqui só para te levar à escola, e agora tenho que caminhar mais seis de volta. Então para de reclamar."
"...Vou pegar minhas coisas, Rei."
Depois que cumprimentei Yumiko, saímos de casa juntos.
O caminho pelos campos de arroz não tinha a mesma vibe de primavera de "Ah, as alegrias da juventude" com o Kenta como tinha com a Yua e a Yuuko. Mas, bom, é o que temos.
“Ontem à noite você me deixou todo animado com aquela conversa sobre peitos tridimensionais, mas acho que esfriei um pouco… E agora fico pensando se eu não estava certo, se vai ser difícil demais pra mim…”
Enquanto caminhávamos, Kenta começou a resmungar.
“Ah, e dei uma olhada no plano de treino que você me mandou ontem… Parece tortura, mas acho que posso tentar… É só que…”
O plano básico que elaborei para Kenta era o seguinte: musculação de manhã, seguida de um shake de proteína. Almoço e jantar seriam macarrão de tofu, além de sopa de frango com muitos legumes. Nada mais. E, para beber, apenas água, chá, café puro e chá preto sem leite ou açúcar.
[Mon: Maluco virou nutricionista do nada!]
Aliás, macarrão de tofu é um ótimo alimento para dieta; dá pra comprar em qualquer loja de conveniência. Como o nome sugere, é feito principalmente de tofu, então é low-carb e ainda sacia. E te dá uma boa dose de proteína por apenas umas cem calorias por refeição. Perfeito. O resto dos nutrientes viria dos legumes na sopa. Dei instruções bem detalhadas por escrito para a Yumiko, para que ela soubesse o que preparar.
Quanto ao treino de força, eu faria o Kenta encarar um desafio fitness de trinta minutos, voltado para iniciantes. Se eu jogasse ele direto em um treino pesado, ele provavelmente se machucaria. Um curso para iniciantes já seria mais que suficiente para alguém que costuma fugir de qualquer atividade física.
“Relaxa. Calculei tudo com base na sua altura e peso inicial. Faça só o que eu mandar, e a perda de peso é garantida. Mas olha, não tô tentando te deixar magro. Só precisamos te levar de volta ao que você era antes de começar a faltar às aulas. O que eu realmente quero que você foque são suas habilidades sociais e de comunicação.”
Kenta assentiu obedientemente.
“Mas eu não vou à escola há três meses. Nem sei como vou conseguir entrar na sala de novo…”
“Bom, não precisa se preocupar com isso, porque quase ninguém nem sabe quem você é. Olha, pra ser sincero, você nem aparece no radar de ninguém. Você tem sorte de que o ano letivo começou agora, e você já foi colocado em uma turma totalmente nova. Assim, ninguém sentiu sua falta, e posso garantir que não tem nenhuma fofoca sobre você ter sumido.”
“Eu… meio que sabia disso, mas ouvir você falando assim me deixa pra baixo…”
“Dito isso, tem alguns alunos que notaram que tem uma cadeira vazia na sala. Então tecnicamente, isso conta como um boato, mas nada sério. Acho que tem alguns que estavam na sua turma no ano passado também. Mas não é problema. Vamos improvisar. Hoje, de qualquer forma, você vai ficar comigo, Yuuko, Yua, Kaito Asano, Kazuki Mizushino, Haru Aomi e Yuzuki Nanase. Todos os membros do Team Chitose. Então você pode tentar desenvolver suas habilidades sociais com a gente.”
“Nossa, esses são todos os alunos mais populares do nosso ano. Todo mundo na escola conhece os nomes deles… Você realmente é o rei, Rei. Mas, pra ser sincero, não tô confiante de que vou conseguir conversar com gente assim…”
“Você entendeu errado. Esses são todos os populares que eu posso garantir pessoalmente. Não importa o quão estranho ou nerdola você seja, eles vão te tratar bem. Nenhum deles vai te humilhar ou te olhar com desdém. Não tem um valentão ou babaca no meio. Pense nisso como uma fase de treino. Sem game over. Só relaxa e dá o seu melhor.”
“ …Parece mais que tô sendo jogado direto no chefão final.”
“Ótimo. Depois que você derrota o chefão, os slimes e goblins ficam fáceis.”
Estávamos caminhando. Eu estava tranquilo, mas o Kenta já começava a ficar um pouco ofegante.
“E-então acho que eu não devo falar de anime ou light novels, né? Senão vão me achar nojento.”
Fiquei um pouco impressionado — nem todo mundo consegue manter uma voz tão baixa enquanto fica sem fôlego.
“Você é mesmo um idiota. Por que você teria que esconder seus interesses? Pessoas populares e otakus não são tão diferentes, sabia? Além do mais, sobre o que mais você teria pra conversar, hein?”
“Mas… não tô confiante em ler o clima… E se eu disser algo errado?
“Odeio essa expressão. Ler a clima. É só um jeito que as pessoas usam para suprimir expressões individuais.”
“É, mas é verdade… Se eu quiser ser popular, preciso saber medir o clima do grupo, certo? E me encaixar?”
Kenta me olhava com uma expressão confusa.
“Esquece isso de ler o clima completamente. É um conceito muito vago para ser útil. Eu te falei que existem tipos diferentes de pessoas populares. Pare de fazer suposições. Não olhe pra todos nós e pense que somos um bando de metidos com uma mentalidade de colmeia. Use seu próprio julgamento; não dependa só dos seus preconceitos.”
Não sei como é na sociedade adulta hoje em dia, mas na nossa escola tem uma quantidade absurda de rotulagem e categorização. Tudo muito cínico e negativo.
Por exemplo, metido. Essa palavra surgiu para criticar quem age como se fosse melhor que os outros, mas hoje é usada contra qualquer um que realmente se esforça para melhorar.
Não estou aqui pra defender quem zomba do primeiro grupo, mas atacar o segundo grupo me incomoda especialmente. É pura inveja, mentalidade de caranguejo no balde. Você coloca um rótulo em alguém pra poder zoar e tentar puxá-lo de volta pro seu nível. Tudo pra se sentir melhor consigo mesmo, mesmo sem fazer nada para melhorar a sua própria vida. Acho que é um jeito bem patético e sem sentido de viver.
[TMAS: Concordo com o protagonista]
Continuei:
“Por exemplo, é importante tomar cuidado para não dizer coisas que possam magoar alguém que esteja pra baixo ou sensível sobre algo. Mas segurar suas opiniões só porque são diferentes da maioria, ou esconder o que você gosta porque não é mainstream, ou levar muito a sério aquele ditado de que o prego que se destaca leva martelada… Acho que isso é um erro enorme. Todo mundo é um indivíduo e deveria se sentir livre para ser quem é. É muito mais interessante se todo mundo se permitir ser único, né? Então se imponha. Diga o que acredita, fale sobre o que te anima e assuma isso.”
Fiz uma pausa e olhei pro Kenta.
“Pessoas que interpretam isso errado e focam só em se misturar… no fim, vão se misturar tanto que podem muito bem nem existir.”
Bom, no meu caso, eu leio o clima primeiro e depois decido como me apresentar. Mas esse conceito parecia um pouco avançado pro Kenta.
“Ser consciente dos outros e viver do seu jeito… São duas coisas separadas. É isso?”
“É, mais ou menos.”
“Bom, você não pode me ensinar umas técnicas básicas de conversação?”
“Se eu te ensinar agora, você só vai entrar em pânico e errar na hora, e eu teria que te lembrar de qualquer jeito. Então é melhor esperar.”
“Você que sabe, Rei.”
8h10 da manhã. Kenta e eu estávamos em frente à sala da Turma 2 do 2º ano. Pela janela da porta, dava para ver que os outros membros do Time Chitose já estavam todos lá. A aula começava às 8h30, mas o Kura sempre se atrasava, então na prática só começava mesmo lá para as 8h35. Nos vinte e cinco minutos que tínhamos, o destino do Kenta seria decidido.
“R-Rei… Desculpa, mas de repente ficou doendo o meu estômago. Posso ir à enfermaria?”
“Ah, para de frescura e se concentra.”
“É o primeiro dia, então talvez eu devesse só dar uma olhadinha e ir embora… voltar amanhã…”
“Escuta aqui, Kenta. Se você realmente quer mudar, esse é o momento. É tudo um jogo mental. Tudo que você precisa é decidir e dar o primeiro passo. Aí sua vida vai começar a mudar de verdade.”
Kenta parecia refletir sobre o que eu tinha dito.
“Mas as pessoas que ficam pensando: ‘Eu vou mudar quando isso acontecer’ ou ‘quando for a hora certa…’ Elas estão só se enganando. A hora certa nunca vai chegar. Você só vai ficar inventando novas desculpas. E aquela animação inicial vai desaparecer. Você vai adiando até o dia que morrer. Mas se é assim que você quer viver, então vai em frente.”
“Então se eu decidir mudar agora… só de tomar essa decisão, já significa que comecei a mudar?”
Eu sorri. “Exatamente. Vamos lá, é hora.”
Enrolei o braço no ombro do Kenta e abri a porta.
“Bom dia, galera!”
Kaito, Kazuki, Haru e os outros se viraram para nós. Imediatamente, pontos de interrogação surgiram acima da cabeça de cada um.
“Esse é Kenta Yamazaki — ele não vem à escola desde janeiro. Eu, Saku Chitose, convenci ele a finalmente voltar para nossa turma. Uma salva de palmas, pessoal!”
…Clap, clap, clap.
Alguns bateram palmas hesitantes, levados pelo meu entusiasmo. Mas dava pra ver que não sabiam o que fazer com a dupla estranha que tinha acabado de entrar. Todos trocavam olhares que claramente diziam: "Quem que é esse cara?"
Nem preciso dizer que o Kenta estava mais perdido que cego em tiroteio. E apavorado. Os lábios dele se mexiam sem emitir som. Era como se ele quisesse dizer: "REI! Tem certeza que era pra falar ISSO agora?!"
Ignorando ele, continuei:
“E só pra constar, o motivo dele ter sumido é que a princesa do grupo otaku dele — o objeto de sua paixão — ficou com o príncipe do grupo em vez do nosso querido Kenta. Eita. Sei que eu não teria coragem de voltar pra escola se meus colegas descobrissem uma coisa dessas. Então sejam bem legais com ele, ok? Ele ainda tá mentalmente frágil.”
[TMAS: O cara é meio canalha mesmo, sacanagem ⁄ Goki: se fosse comigo provavelmente mudava de escola kkkkkkk / Mon: Eu me desvivia ali mesmo…]
Kenta ficou branco que nem papel. Ele me olhava com horror absoluto.
“R-REI?!” ele sussurrou. “Você tá no modo demônio agora?! Precisava mesmo contar TUDO? Ninguém sabia da minha situação, e agora que você falou, eu vou virar a piada da sala!”
“Exatamente. Relaxa e vê no que dá.”
…
…
“Ai, Chitose, você não devia ter contado tudo isso. Não se preocupe, como turma, a gente combina de fingir que nunca ouviu. Vamos voltar dois minutos no tempo, ok?”
Foi a Nanase que quebrou o silêncio constrangedor.
Aí a sala toda começou a rir.
Como se combinado, Kazuki se inclinou e falou com o Kenta como se fossem velhos amigos:
“O Saku, nosso cabeça oca, às vezes fala sem pensar, né? Acontece mais do que você imagina. Kenta, melhor você entrar e sentar antes que ele revele mais segredos seus.”
Kaito sorriu e começou a zoar pra manter o clima leve:
“Falando nessa princesa otaku… Ela existe mesmo? Tipo, uma garota fofa que gosta de anime e tal? Ela faz cosplay pra vocês? Tem fotos? Preciso de fotos, mano.”
Haru riu e entrou na brincadeira:
“Nossa! Ignora eles, Yamazaki. Mas falando sério, que fofo! Você faltou à escola porque ficou com o coração partido? Aw! Se o Kaito fosse faltar toda vez que levasse um fora, ele nunca mais botava o pé aqui! Ele dá em cima de qualquer rabo de saia e toma toco toda vez!”
O sorriso brilhante e o tom provocador da Haru deixaram o clima ainda mais descontraído.
“Rei, o que tá acontecendo…?” Kenta piscou pra mim, confuso.
“Eu te falei — você vai virar piada. E isso vai fazer todo mundo gostar mais de você do que se você tentasse esconder a verdade e agisse de modo suspeito. É melhor rir de si mesmo e deixar os outros entrarem na brincadeira. Mostre suas fraquezas com orgulho, e todo mundo vai se sentir mais à vontade com você.”
Dei um tapa nas costas dele enquanto sussurrava isso.
“Mas não fica tenso. Age como se não fosse grande coisa. Naturalidade. Vai lá.”
Kenta respirou fundo e, com uma voz trêmula mas determinada, deu um passo à frente:
“É, mas ela era bem fofa, viu? Sempre dividia nuggets e batata no McDonald’s. E deixava você dar um gole no refrigerante dela. Ela me emprestou um lenço no Comiket de verão e ainda disse que eu nem precisava devolver. Era super gentil. Por isso que eu me apaixonei.”
Kaito reagiu na hora:
“Ah, eu super entendo! Ela parece mesmo um amor. Qualquer cara cairia por uma assim. O que você acha, Haru?”
“Ué, o quê? Vocês são tão ingênuos. Quer dizer, talvez ela dividia batata e refri porque estava de dieta. E o lenço… Se eu te empresto uma toalha, Kaito, com certeza não ia querer de volta!”
“O QUÊ?!”
“Porque ia ficar tudo suado e fedido! Prefiro que você me compre uma nova!”
“Mas achei que garotas gostavam do cheiro do suor masculino?!”
[TMAS: Será que as garotas gostam desse cheiro, preciso da opinião de uma. / Mon: Como uma mulher eu digo, depende muito. Tem gente que gosta, mas no geral, se o homem for trabalhador e atencioso, a gente não se importa.]
Kaito e Haru pegaram a deixa e saíram jogando a conversa fora. E o Kenta ficou com uma cara de derrotado.
“Qual é?”
Kenta resmungou, triste, enquanto via Kaito e Haru continuarem a zoar:
“Eu… acho que eu realmente pareço fedido…”
Ah, entendi. Então ele interpretou dessa forma.
“A Haru não é do tipo que humilha os outros pela aparência. Além do mais, ela falou pro Kaito, não pra você. Zoar ele, pra ela, é tipo dizer ‘bom dia’. É o jeito dela de ser amigável. Mostra intimidade. Você não ia querer ficar com alguém que não consegue brincar ou fazer piadinhas, né?”
“No meu grupo otaku não tinha nem brincadeiras nem piadas internas…”
“Isso só significa que todo mundo tinha medo de ofender os outros. E ninguém tinha confiança suficiente para achar que os outros não iam virar as costas. Leva tempo para conhecer as pessoas, mas umas provocações bem-humoradas aproximam. A Haru e o Kaito parecem com medo de se ofender?”
“Não… Parecem bons amigos.”
“Exatamente. Brincadeiras criam laços fortes. Mostram que o que há entre vocês é forte o suficiente pra aguentar um teste. É comunicação de verdade, sem pisar em ovos ou ficar enchendo linguiça.”
Kenta ainda não parecia convencido, então continuei:
“Você quer amigos que ficam vermelhos e ofendidos porque você zoou um pouco? Que só falam clichês? Isso parece um bom relacionamento pra você?”
Claro, existe uma linha tênue entre brincadeira e bullying. Uma piada leve, vinda de um popular, pode ser interpretada como um ataque por alguém de fora.
E também, você tem que tomar cuidado. Mas se você ficar paranoico demais com os sentimentos alheios, nunca vai chegar a lugar nenhum. Tem que pensar na intenção por trás das palavras. É gentil ou maldosa? É bom desenvolver a habilidade de diferenciar.
“Você ouviu o Kazuki me chamar de cabeça oca antes, né? Se eu ficasse todo ofendido e gritasse ‘TÁ ME CHAMANDO DE BURRO, SEU BABACA?!’, isso faria o Kazuki ser um babaca? Só porque eu interpretei mal?”
Kenta coçou o queixo, pensativo.
“…Não, eu ia achar que você não soube levar na brincadeira.”
“Viu? Pessoas impopulares tendem a deixar suas inseguranças colorirem todas as interações. Quer dizer, bullying sempre é escroto, mas às vezes a pessoa só tá brincando, e a outra interpreta errado e faz tempestade em copo d’água. Lembra o que eu falei sobre o básico da conversação?”
“Você disse que é sobre tentar conhecer o outro… e querer ser conhecido.”
“Exato. Se você conhecer bem alguém, vai saber se a pessoa tá te menosprezando ou só brincando. É uma questão de confiança. Quando for brincadeira, o melhor é revidar na mesma moeda.”
“Mas… e se for maldade mesmo?”
“Aí você esmaga. Relaxa, eu te cubro se acontecer.” Dei outro tapa nas costas dele, mais forte dessa vez. “Vai lá, tenta zoar o Kaito e a turma. Mas pensa em brincadeira carinhosa. Brincadeira carinhosa.”
Piscando rápido, Kenta deu um passo em direção ao Time Chitose.
“Eu… acho que meu suor deve feder menos que o do Asano, pelo menos.”
“Ah, qual é! Meu suor tem notas florais! É um buquê complexo!”
Haru pegou a bola e devolveu, rindo:
“O Chitose e o Mizushino até podem se salvar, mas você, Kaito? É o típico atleta suadão fedorento!”
Kenta parecia ter juntado um pouco de coragem.
“Na verdade, eu tenho um perfume que imita o cheiro de garotas adolescentes…”
“Sério, Kenta? Depois me deixa dar uma cheirada!”
“Eca, vocês são demais! Se usarem esse perfume na escola, eu lavo vocês com mangueira no pátio!!!”
Pronto, estavam jogando bem. Os dois naturalmente abriram espaço no círculo do Time Chitose pro Kenta.
Yuuko cutucou o peito do Kenta.
“Kenta-cchi, depois eu te ensino a passar gel no cabelo.”
Yua também sorriu, gentil:
“Yamazaki, desculpa não ter ido ontem por causa do clube. Que bom finalmente te ver pessoalmente! Me empresta uma light novel boa depois, hein?”
“Obrigado, eu...”
“Ah, não precisa agradecer! Bem-vindo à Turma 2 do 2º ano! Bem-vindo aos Anjos da Yuuko Hiiragi!”
“Isso! Bem-vindo à turma!”
Kenta piscou, corando enquanto as duas garotas lindas o recebiam.
Eu pensei em dar um chute naquela bundinha nojenta, mas me controlei.
"Tá certo, pessoal, sentem-se nos seus lugares."
Eram 8h35, e o Kura entrou na sala como se tivesse seguindo um script. Seu olhar pousou rapidamente em mim e no Kenta. Depois de me dar aquele olhar de "Parece que você conseguiu, então", ele foi para a frente e ficou atrás da mesa do professor.
"Vou fazer a chamada."
Todo mundo se sentou, respondendo "Presente!" quando seus nomes foram chamados.
Haru Aomi, Kaito Asano, Saku Chitose, Yuuko Hiiragi, Kazuki Mizushino, Yuzuki Nanase, Yua Uchida…
"Kenta Yamazaki."
"P-presente! Eu não vinha pra escola desde o último semestre, mas voltei agora. Eu, uh, sou o Kenta Yamazaki. A Yuuko cortou meu cabelo assim pra mim. E o Re… quer dizer, o Chitose disse que eu pareço um hipopótamo saindo de um lago com algas na cabeça. É um prazer finalmente conhecê-los!"
Kenta decidiu se levantar e se apresentar para a turma inteira.
Eu sorri sozinho.
Nada mal, Kenta. Você aprende rápido.
Houve uma pausa constrangedora de uns três segundos antes da sala toda explodir em risadas.
Levantar no meio da chamada para se apresentar foi uma atitude meio esquisita, do tipo que mostra que a pessoa não sabe "ler o clima". Mas, ao mesmo tempo, ele citou tanto a Yuuko quanto a mim — e ainda fez uma piada. Isso fez com que a turma se sentisse à vontade para dar a risada que ele queria. Não que eu goste muito, mas não dá pra negar que citar o nome de alguém popular sempre funciona. Ao deixar claro que a Yuuko tinha cortado o cabelo dele e que eu tinha visto, ele deixou de ser visto como um isolado esquisitão e virou o bobo engraçado da turma. Em um instante, todo mundo já tinha decidido que ele era um deles.
Depois de passar tanto tempo com inveja e rancor dos populares, o Kenta parecia entender melhor do que ninguém o quão útil era se aproveitar da popularidade alheia. No geral, sua ousadia deu certo e ainda fez com que ele parecesse seguro de si — até mesmo másculo — pros outros.
"Ah, entendi. Então vá com calma até se acostumar. E se tiver alguma dúvida, fale com o presidente da turma. Ele resolve."
"KURA! O que eu já falei sobre você negligenciar seus deveres como educador, hein?!"
Na hora do almoço, nos sentamos na mesa de sempre. Ao longo da semana, ela tinha virado "nossa" mesa. E claro, o Kenta foi convidado para almoçar com a gente.
"Rei, todo mundo tá me encarando..."
"Para de olhar pros lados. Só aja naturalmente. Finja que você pertence aqui. Sei que somos todos bonitões, mas tem um monte de populares que não são exatamente padrão. Finja que é um deles."
"Mas eu não consigo comer com todo mundo me olhando assim..."
"Quem liga pra eles? Eles não importam. Não podem fazer nada por você, nem tirar nada de você. Eles não têm nada a ver com isso. Foca nas pessoas que estão dispostas a dividir seu tempo precioso com você aqui e agora."
Trêmulo, Kenta tirou o lanche da mochila. Os olhos da Yuuko arregalaram.
"O que é isso, Kentacchi?"
"É... macarrão de tofu e sopa de frango com legumes..."
Haru se virou rapidamente: "O quê?! Pelo seu tamanho, você precisa comer mais que isso, Yamazaki! Precisa de carboidratos, senão não vai ter energia!"
"Er, na verdade tô de dieta. O Rei disse que eu só posso comer isso."
"Rei? Ah, você quer dizer Chitose. Tá fazendo déficit calórico? Tem que malhar também, sabia!"
"O Rei montou um plano de treino pra mim. Eu nunca fiz exercício, mas ele disse que levou isso em conta."
Kenta mostrou pra Haru o plano de dieta e treino que eu mandei pra ele no LINE. Haru se inclinou para ver, sem perceber o quão perto ficou do Kenta. Ele, por sua vez, ficou todo corado.
"Nossa. Chitose, isso é diabólico. O coitado não tem histórico esportivo, ficou trancado em casa sabe-se lá por quanto tempo, e você mete um treino pesado desses?"
Ergui o queixo e coloquei as mãos na cintura, tentando parecer majestoso.
"Súdita Haru. Neste mundo, há muita felicidade na ignorância. Simplesmente confie nas palavras do rei, e o caminho se revelará."
Mas era de boa. Claro, se eu mandasse o Kenta nadar três voltas de borboleta no Rio Sanzu, o lendário limite entre a vida e a morte, ele iria surtar. Mas eu não era tão cruel. Na verdade, tinha passado um tempão equilibrando a dieta e o treino dele. Ele sobreviveria.
Nessa hora, Nanase e Yua também tinham se interessado pelo lanche do Kenta.
"Dieta!"
"Que legal!"
"Arre égua, sô! Pra mim já tá osso pra mantê o peso, e ocê aí querendo emagrecê um caminhão de quilo! Ce tá é sofrendo horrores, uai!" (Tradução: É difícil o bastante pra mim só não ganhar peso, e você aí tentando perder um monte! Deve estar sofrendo horrores!)
N/T: Estão usando o jeito de falar de Fukui, adotei um sotaque caipira pois pesquisando, vi que é uma região bem próxima de Kyoto, na ilha principal japonesa, não é muito povoada, ai refleti um pouco e decidi adotar o sotaque caipira brasileiro para representar a região.
"Oxente, mermo! Faze dieta escondido e do nada aparecê fininho que nem graveto — isso é manha, sô! Tem que avisá a freguesia antes! Bora nós também se toca e se cuida, mainha!" (Tradução: É verdade, Yuzuki. Mas pra mim, acho que fazer dieta escondido e do nada aparecer magro... Tem algo desonesto nisso. É melhor ser sincero antes! Melhor darmos um gás também!)
Ah, elas estavam falando com aquele sotaque exagerado de Fukui de novo hoje. A versão retrô.
"Mas o que te fez querer começar a fazer dieta, Kenta?" Kaito se inclinou, curioso.
"Ah... quero mostrar pra garota que me rejeitou o que ela perdeu, eu acho."
"Ooh, vamos falar de vida amorosa?" eu disse. "Isso! Conta tudo, do começo ao fim, vamos lá!"
Kenta me deu um olhar. Eu respondi com um aceno de "Manda ver".
"Er... Bem... Eu estava nesse grupo de otakus. A gente se conheceu pelas redes sociais. Nos encontrávamos nos fins de semana pra falar de anime, light novels, essas coisas... e íamos pro Comiket juntos e outros eventos. Eram três caras, incluindo eu, e uma garota."
"Não é muita gente... Imaginei um grupo maior."
"Acho que nas grandes cidades tem grupos maiores, mas aqui no interior de Fukui tem menos gente no geral."
"Então você se apaixonou por essa garota?"
Kenta assentiu. Kaito e os outros estavam ouvindo atentamente.
"O nome dela é Miki. Escreve com os kanjis de 'beleza' e 'princesa'. E ela era mesmo a princesa do nosso grupo. Claro, não chega aos pés de nenhuma das garotas dessa mesa... Mas as garotas otakus minimamente bonitas são super raras. A gente tratava ela como uma ídolo."
"Ela faz cosplay?" Kaito parecia bem interessado nisso, por algum motivo.
"Ah, sim. Ela sempre estava de cosplay quando a gente se encontrava."
Kenta sorriu e começou a citar personagens femininas de anime. Até eu conhecia algumas.
Kaito se inclinou, olhos arregalados.
"Sério?! Tá, tá, tô imaginando... só que na minha cabeça, tô vendo a Yuzuki e a Ucchi de cosplay no lugar..."
"Para com essa mulecagem, sô!!! (Em dialeto de Fukui. Se era pra encorajar o Kenta a continuar ou pra mandar o Kaito parar com as imagens mentais, não sei dizer.)"
Aquelas duas eram mesmo um caso.
"Bem, a gente não era tão próximo no começo. Obviamente eu era o mais feio dos três caras, mas um deles, que era mais ou menos, tipo a Miki, virou o líder do grupo. Então ela conversava mais com ele."
Kenta tomou um gole d'água antes de continuar.
"Mas do nada, parecia que a gente estava conversando mais. Não sozinhos, mas no grupo, ela começou a falar comigo, e como eu disse, oferecia um pouco do refrigerante ou batata frita dela... E começou a responder minhas mensagens no grupo do LINE..."
"Nossa, parece mesmo que ela tava afim de você. Então você chamou ela pra sair?"
"Comecei a pensar que... talvez houvesse uma chance. E eu já sabia que gostava dela. Então me joguei e chamei ela pra um café... e disse que queria que ela fosse minha namorada. Mas..."
Kenta engoliu seco e hesitou, e eu entrei.
"Ela disse: 'Tá maluco? Nunca namoraria alguém como você. Não sabe qual é o seu lugar? Perdedor!'..."
Kaito e os outros deram um suspiro de indignação horrorizada.
"O quê?! Ela é louca?! Que papo é esse de 'lugar'? Ela estava no mesmo grupo nerd que você! E quem liga pra status social em romance? Essa vaca nunca ouviu falar de Romeu e Julieta?!"
[Mon: Curiosidade Shakesperiana: Romeu e Julieta não foi escrito para ser um romance, e sim para demonstrar a loucura e o drama dos jovens com o amor!]
Kaito bateu o punho na mesa enquanto Haru revirava os olhos.
"Concordo, Kaito, mas quando um marombado como você cita Romeu e Julieta, fica óbvio que nunca leu Shakespeare."
Romeu e Julieta eram "de duas casas, ambas iguais em dignidade", mas tanto faz.
Kenta riu baixinho. "Mas não foi só isso", ele disse. "Ela já tava namorando o cara que era o líder do nosso grupo. Ela me usou pra deixá-lo com ciúmes, porque as outras tentativas não tinham funcionado. Por isso ela tava puxando assunto comigo. Acho que funcionou..."
Kenta parou, claramente revivendo as memórias dolorosas.
"...Depois disso, criaram um novo grupo no LINE sem mim e zoaram minha reação lá. Na verdade, logo depois que eu chamei a Miki pra sair, o líder e o outro cara apareceram do nada e começaram a falar tipo 'Já se olhou no espelho, perdedor?' e tal... Acho que foi culpa minha ter entendido errado, mas..."
"Não foi não!"
Kaito bateu na mesa de novo, furioso. Agora todo o refeitório estava olhando pra gente.
"Você foi sincero! Como ousam cagar nas suas emoções?! Que bando de babacas! Ei, Kenta... Chama eles esse fim de semana! Eu acabo com todos!"
Kaito parecia pronto para pegar o celular do Kenta e ligar pros ex-colegas otakus na hora.
Kazuki pôs uma mão calmante no ombro dele. "Calma", ele disse. "...Bora parar de ser machão aqui e pensar direito, ok? Pra mim, a única coisa a fazer é se tornar o melhor homem possível e fazer essa garota engolir as palavras. Afinal, não é por isso que o Saku tá te ajudando, Kenta?"
"Sim. Sei que fui um perdedor fraco... mas estou disposto a tentar."
Kenta sorriu timidamente, e foi aí que eu soube que ele ficaria bem. Ele ficaria mais forte, agora que tinha admitido o quão fraco tinha sido.
Haru interveio, colocando a mão no meio da mesa.
"Você não é um perdedor fraco, Yamazaki! Eles é que são os perdedores."
Nanase concordou, colocando a mão sobre a de Haru. "Pela primeira vez, concordo com a Haru. Se seguir as instruções do Chitose e se esforçar, você com certeza vai se tornar o seu melhor. Aí pode mostrar pra eles. Ok?"
Kazuki e Kaito também colocaram as mãos na pilha.
"Sim, você tem que se elevar acima desses idiotas e se tornar um homem melhor. Se precisar de ajuda no treino, pode contar comigo, Kenta."
"Comigo também. Deixa os detalhes com o Saku, mas se precisar de algo, é só pedir. Em troca, você me empresta alguns dos seus melhores títulos otakus..."
Haru revirou os olhos e deu um tapa na mão dele.
Yuuko e Yua também puseram as mãos na pilha.
"Você vai ficar bem se seguir as instruções do Saku", disse Yuuko.
"O Saku nunca vai te decepcionar, Kenta-cchi."
"Mas talvez evite aquele negócio de 'vadia de harém'. Quanto antes, melhor", Yua acrescentou.
As duas sorriram. Notei que a outra mão da Yua estava cerrada. Espero que ela não planeje usá-la. Enquanto isso, Kenta parecia ter realizado todos os sonhos.
"...Pronto. Fase de treino concluída. Foi fácil, não foi?"
Eu fui o último a colocar minha mão na pilha. Depois de hesitar um segundo, Kenta finalmente pôs a sua por cima.
"Obrigado por me apoiarem, pessoal... Falei certo, Rei?"
Eu sorri.
Então levantamos as mãos juntos, comemorando em uníssono.
Pronto, agora era oficial. Ele tinha o aval do Time Chitose.
"…Então o que que tá pegando pra fazer toda essa encenação?"
"Ah, você me pegou."
Depois do almoço, estávamos voltando para a sala quando Kazuki me puxou de lado. Igual a Nanase tinha feito na semana passada. Parece que minha sorte estava uma loucura.
"Você não estava exatamente sendo sutil. Olha, eu não discrimino, mas faço distinções. Aquele garoto simplesmente não é do tipo que se encaixa num grupo como o nosso. Mais cedo ou mais tarde, ele vai perceber isso também, desenvolver um complexo de inferioridade enorme e então ter um colapso."
"Olha, só esqueci de explicar as coisas pra você antes. Não estava tentando te enganar. Não tenho energia pra isso."
Dei a Kazuki uma explicação rápida da situação.
"Sinceramente, tinha um monte de outras opções que não envolviam ele ter que conviver com a gente. Você podia ter feito ele ficar obcecado pela Ucchi ou pela Yuuko, usado elas como isca para trazê-lo de volta. Ou podia ter simplesmente envergonhado ele e dado um sermão até ele voltar pra escola. Do jeito que você tá fazendo… só vai causar mais incômodo pra todo mundo, Saku."
Kazuki parecia quase irritado comigo.
"Cara, eu pensei em tudo isso. Mas não parecia certo. Não combinava com meu estilo."
"Seu estilo de 'eu sou tão incrível e todo mundo me ama'?"
"Isso. Mas não soa tão legal quando você fala assim…"
Kazuki suspirou profundamente. "Tá bom, tá bom. Que seja. Se é isso que você precisa fazer para se sentir bem, então beleza. Você podia ter só dito que sentiu pena dele e quis ajudar por bondade."
"Bom, eu não senti. Só quero fazer isso para melhorar minha imagem. Não aparece uma oportunidade dessas todo dia. Quero ser Saku Chitose, o presidente que resolve as paradas e ajuda o professor com o aluno problemático."
"Certo, mas ninguém da sala, nem do nosso grupo, sabia o que você estava fazendo. Quer mostrar como é superior? Pelo menos garanta que as pessoas entendam o que tá rolando. Senão, qual o sentido? Suas ações são completamente ilógicas, sabe."
Kazuki parou e deu de ombros. O sorriso dele dizia que estava disposto a deixar pra lá.
"Você já recusou ajudar alguém que te pediu, Cumpadi?"
Cara, ele estava me irritando. Não me chama de "Cumpadi". Você é um caipira de Fukui como todo mundo aqui.
Eu esperava que uma das fãs dele roubasse sua roupa de treino pra ele ter que voltar pra casa fedendo.
"Eu não ajudo todo mundo que vejo em apuros. Só quem vem diretamente até mim."
"Então significa que você ajuda todo mundo que te pede. Age como se fosse o cara mais descolado, mas no fundo é só um bom samaritano. E ainda faz tudo escondido. Por que não pode ser mais honesto? Para com esse papo de durão. Talvez tivesse menos inimigos se fizesse isso."
"Ah, cala a boca, babaca. Não tenta me definir! Aliás, você também vive se esforçando pra todo mundo gostar de você. Não vê a ironia?"
Eu estava ficando irritado com essa conversa e queria mudar de assunto.
"Eu sou legal quando me convém. Mas você parece ter enganado aquele garoto, o Kenta. Não importa o quão bem a gente trate ele, a hierarquia social ainda existe. Acha que ele pode mudar isso só com tom de voz, habilidades de conversação ou o lugar onde senta no refeitório? Que pena, a estrutura social já está consolidada. Segundo ano é tarde demais pra mudar isso."
"…É, provavelmente."
Estrutura social isso, hierarquia social aquilo.
Eu tô tão cansado disso tudo.
Eu sabia que o próprio Kazuki não ligava muito pra essas coisas. Ele só estava falando de modo geral. Mas a hierarquia escolar nessa cidadezinha de Fukui… tinha raízes profundas.
Kazuki continuou insistindo. "Se ele tivesse algum talento pra isso, teria resolvido os problemas sozinho. Se trancar no quarto, evitar a escola e dar desculpas… Esse tipo de coisa só prova qual deveria ser o lugar dele na sociedade."
"Não tô discutindo com você nisso." E eu realmente não estava. "Mas o que você acha do Kenta como pessoa, Kazuki?"
"Sinceramente? Não me importo com ele. Ele é até engraçado. Não me importaria de ser colega casual dele."
Eu sabia que vinha um "mas", então fiquei quieto esperando.
Kazuki suspirou.
"Mas… não quero sair com ele todo dia, como faço com você, Kaito, Yuuko, Ucchi, Yuzuki e Haru. Ele não tem aquela centelha. Pode ser novidade e fonte de diversão agora, mas logo vai ficar chato."
"Sim, eu sei. Concordo totalmente."
Eu deixei isso claro pro próprio Kenta.
"Mas só escolher algo e se dedicar a fazer… Não acha que é meio… foda e 'endurecido' da minha parte?"
N/T: Ele usa endurecido aqui com um termo de ovo duro, não tem como traduzir bem para o português o termo.
"Não faço ideia do que você tá falando. Nunca faço. Aliás, eu prefiro ovos cozidos moles."
"Ok, vamos usar sua metáfora então. Você tem esse ovo mole na sua frente… Não quer jogar um pouco de shoyu nesse bad boy? Melhorar ele?"
"Eu geralmente corto a ponta e coloco um pouco de sal."
"Vamos tentar outro exemplo. Se eu e a Yuuko estivéssemos nos afogando no mar, quem você salvaria?"
"Yuuko, obviamente."
"Mesmo se a água estivesse cheia de crocodilos e piranhas?"
"Se a água tiver crocodilos e piranhas, vocês tão por conta própria. Acendo uma vela pra vocês algum dia. Se eu lembrar."
"…Então é desse jeito que você se posiciona, hein?"
Depois da aula naquele dia, eu dei ao Kura um relatório básico de progresso no telhado. Kura só tinha me pedido para trazer Kenta de volta à escola, então tecnicamente era mais um relatório final. Tudo que eu fizesse a partir de agora seria opcional.
Depois de me ouvir, Kura disse:
"Você definitivamente fez isso do jeito Saku Chitose, não foi?"
"O que você quer dizer com isso?"
"Exagerado e dramático. Fazendo tudo pela aparência. Você é igual a uma garçonete de boate de strip com trinta e poucos anos, vestindo um blazer escolar e fingindo que tem dezessete."
"O senhor está tentando arrumar briga comigo?"
Kura deu uma risada e soltou uma baforada de cigarro Lucky Strike pelas narinas.
"Deus me livre. Mas eu prefiro uma garçonete de boate safada de trinta anos que finge ser adolescente pela zoeira, do que uma de vinte que parece quase envergonhada por não ser mais uma adolescente. Ser considerado um herói é na maioria das vezes besteira, só uma fachada sem significado. A menos que você tenha habilidades para lançar um ataque surpresa poderoso quando for necessário."
"Fachada sem significado?"
Kura estreitou os olhos. Talvez a fumaça tivesse entrado. Eu não conseguia ler sua expressão.
"Não que eu esteja criticando seu método. Se perder e pegar o caminho mais longo é onde está o verdadeiro tempero da vida. Afinal, às vezes temos que avançar mais rápido do que gostaríamos. Enquanto você é jovem, deveria aproveitar os desvios. Se focar demais em chegar à vida adulta da forma mais eficiente, você vai acabar sendo um adulto eficiente, mas sem nenhuma personalidade. Vai se tornar versátil, funcional e completamente substituível."
"Quem me dera o Kazuki estivesse aqui para ouvir isso."
"Deixa ele pra lá. Ele é diferente de você. Ele é do tipo que considera seriamente se um desvio significaria algo para ele ou se seria apenas perda de tempo. Se é a decisão certa ou não, não importa. Ele vai acabar como um produto de massa, descartável."
"Eca, imagina um mundo cheio de Kazukis fabricados em série."
Eu tomei um gole do café gelado que tinha comprado no mercadinho. Relembrando minha discussão com Kazuki mais cedo, decidi pedir a opinião de Kura.
"Posso te perguntar uma coisa, Kura?"
"Faltam ainda quatro dias para o pagamento. Só tenho doze contos no bolso. Não posso te emprestar o que não tenho, garoto."
Kura tirou uma nota amassada e duas moedas do bolso do paletó para me mostrar.
"Poxa, no próximo passo você vai estar pedindo dinheiro emprestado pra gente. Mas escuta, Kura. O que você acha da hierarquia social?"
"Hmm, essa é uma pergunta estranhamente abstrata vindo de você."
Kura ficou em silêncio, tragando o cigarro por um tempo antes de continuar.
"Para responder em termos igualmente abstratos... A hierarquia social é inevitável. É a cruz que nós, humanos, carregamos."
"Nossa cruz, huh?"
"Viver a vida do seu próprio jeito é um discurso bonito, mas poucos conseguem realmente seguir seu próprio caminho na sociedade e nos tempos em que vivemos, com as origens que temos e as oportunidades disponíveis. A maioria nunca se esforça para recalibrar sua bússola moral e seu altímetro social para tentar entender como realmente são as paisagens internas dos outros."
A ponta do cigarro dele crepitou enquanto queimava.
"Então, em vez disso, simplesmente observamos os outros e nos perguntamos se o que eles estão fazendo é o que todos deveriam fazer ou não. Queremos puxar todo mundo para o nosso nível para nos assegurarmos de que estamos certos. Não conseguimos relaxar sem isso. Em vez de arriscar falhar sozinhos, é melhor falhar em grupo, confiando na segurança do rebanho. É assim que vivemos, como animais de manada."
Kura apagou a ponta do cigarro no cinzeiro de bolso e acendeu outro na hora.
"Mas de vez em quando, você encontra pessoas que estão criando seu próprio caminho, que nunca param para se perguntar se o que estão fazendo é normal ou certo. Pessoas como você, e o Mizushino também."
Parecia que Kura estava escolhendo suas palavras com cuidado nessa vez.
"Mas pessoas que estão criando seu próprio caminho, sem se perguntar se estão certas... Isso não significa que elas realmente estejam certas, não é?"
Eu fiquei em silêncio, esperando o resto.
"Quando as pessoas encontram alguém assim, há várias reações possíveis. Se sentirem que a pessoa vem do mesmo lugar que elas, vão segui-la. Tem também as ovelhas cegas que seguem qualquer um que pareça confiante. Mas há também os que apenas observam e os que tentam se distanciar o máximo possível, dizendo que a pessoa está simplesmente errada. Essas diferenças levam à construção de uma hierarquia social. Só os que estão na frente podem definir o padrão que todos os outros devem alcançar."
"...De alguma forma, sinto que sua bússola moral é mais justa que a de qualquer outro adulto que eu conheça."
"Ninguém tem uma bússola moral completamente justa. Certamente não vocês, jovens. Temos que decidir por nós mesmos o que a moralidade significa. É tudo que temos."
Como eu cheguei a esse ponto, mesmo?
O pensamento pareceu vir do nada.
Minha bússola provavelmente estava apontando para o céu.
Em direção à lua... A lua que eu tentei alcançar naquele dia...
Kura bocejou, me distraindo dos meus pensamentos nebulosos.
"Aliás, eu não ligo muito se estou certo ou não. Não estou indo em nenhuma direção específica mesmo. Só vou no fluxo, pra onde a maré me levar. Desde que tenha bebida, cigarro e boates de strip no caminho, tá ótimo pra mim."
"Troque 'boates de strip' por 'mulheres' e você soará 50% menos babaca."
Decidi parar de pensar em coisas pesadas.
"Bom trabalho, e, parece que você planeja continuar com o Yamazaki por mais um tempo. Mas daqui pra frente, você está por sua conta, ok?"
Kura se levantou com um "Opa!"
"Você nem me deu diretrizes ou conselhos pra começar."
"Eu te apontei na direção do garoto e dei uma instrução simples. Achei que fosse suficiente. E foi."
Eu também me levantei, tirando o pó da calça.
"Você faz de tudo pra empurrar responsabilidade pros outros, não é? Acho um escândalo para um suposto educador. Quando seu salário cair, você devia levar eu e o Kenta para almoçar como agradecimento—"
"Opa! Quase na hora da minha sessão privada no clube de cavalheiros!"
"Volta aqui, velho. Nem escureceu ainda. E você só tem doze contos."
"Olha, Chitose. Você tem algo muito mais precioso, muito mais valioso que dinheiro. Pode não entender agora, mas um dia... com a sabedoria da idade..."
"Não pense que pode me distrair com esse papo sentimental de 'Juventude vale mais que dinheiro'."
"...Alô? Sim, gostaria de reservar uma sala privada com a Hitomi hoje às nove da noite..."
"Ei! Você tá mesmo marcando com uma acompanhante AGORA?!!!"
[TMAS: Imagino a acompanhante que aceita receber 12 reais pelo serviço, professor parece ser o flash.]
Mandei uma mensagem rápida pro Kenta: "Terminei aqui" e ele respondeu na hora: "Tô no portão da escola".
Dei uma checada pra ver se não esqueci nada e saí do prédio. Lá estava o Kenta, de costas pra mim, plantado no portão. Já tinha combinado de voltar com ele hoje para avaliar seu progresso.
"Qual foi, véi? O portão? Não podia esperar na sala? Combinar de se encontrar no portão… Você por acaso é uma mina que tá me dando mole, é?"
"Ah, é que pensei que seria o ponto mais fácil... Assim, se você esquecesse e tentasse ir embora sem mim..."
"Pior que stalker, hein. Podia ter me ligado, ué."
Os olhos do Kenta arregalaram, como se nunca tivesse pensado nisso. Balançando a cabeça, comecei a andar.
"E aí? Como foi seu primeiro dia de volta?"
"Bom... pode parecer dramático, mas foi o tipo de dia que faz a gente repensar a vida toda, saca?"
"Cara, você não tava num retiro espiritual no Himalaia. Falando assim, qualquer seita te recruta fácil."
"Não, sério. É tipo... nossa, em que mundo minúsculo eu estava vivendo até agora?"
"Ah é? Explica melhor."
"Na moral... Os populares são gente boa. Ninguém me humilhou, nem ficou falando mal dos outros pelas costas. Me acolheram super bem mesmo eu chegando do nada e com essa cara aqui. Todo mundo é tão... mente aberta, e ainda ficaram do meu lado quando contei meu problema. Um dia com eles já foi mais legal que todos os anos com meu grupo de otakus..."
Ouvir isso me deixou feliz por ter arrastado ele pra fora da toca.
Até tinha ficado preocupado pensando que por ele pra conviver com os populares pudesse piorar o seu complexo de inferioridade, mas parece que ele se adaptou bem. Ótimo - significa que eu posso soltá-lo mais cedo. A chance dele querer fugir de volta pro quarto diminuiu bastante.
"E as habilidades de conversação? Estava preocupado com isso."
"Não foi perfeito, mas consegui! Fiz perguntas como você disse. Tentei me abrir também, achar coisas em comum. Conversar... é uma habilidade de verdade, né?"
"...Traduzindo?"
"Você sempre falou que é sobre querer conhecer a pessoa... Quando coloquei em prática, as palavras simplesmente fluíram. Acho que só preciso praticar! O problema era que antes eu só pensava nas minhas inseguranças... Não queria conhecer os outros e tinha medo deles me rejeitarem..."
"Exato. Se você só finge interesse, é como construir um castelo de papel. O objetivo não é a conversa, e sim melhorar relações. Se não for sincero, a pessoa percebe."
"...Antes de te conhecer, nem pensava em sinceridade. Só em como parecer sincero."
"Bom, pelo menos questionava."
Kenta assentiu sorrindo. Parecia mais leve depois desse dia.
"Acho que entendi que ficar reclamando e dando desculpas nunca vai me fazer crescer..."
Em um único dia, a mentalidade dele tinha evoluído tanto. Fiquei genuinamente satisfeito.
"...Esse é um dos seus pontos fortes, Kenta." Disse casualmente.
"...Meus pontos fortes? Por que diz isso?"
"Você reconhece onde errou e tenta melhorar. Até agora, você vivia mergulhado na cultura otaku. Não que precise abandonar completamente. É uma forma de ver o mundo. E nem todo popular está sempre certo."
Kenta não percebeu que eu estava elogiando.
Mas tudo bem.
Um dia, ele vai olhar pra trás e se orgulhar do quanto cresceu.
Mudando de assunto:
"Aproveitando... O que achou do resto do Time Chitose? Quem você namoraria se pudesse?"
Kenta ficou vermelho. "O quê? P...por que pergunta isso do nada...?"
"Relaxa. É um papo normal entre a gente. Te apoio, desde que não seja alguém que eu queira também."
"S...sim, mas... então. Se eu tivesse que escolher... você não vai contar, né? Bom, se fosse pra escolher alguém... seria—"
"Ah, só avisando que Yuuko e Yua já tão na minha lista. Fica a dica."
"...E... a Nanase?"
"Puts..."
"A Aomi...?"
"Que pena..."
"Então não sobrou ninguém pra você me apoiar!"
"Mentira! Ainda tem Kazuki e Kaito. Sortudo!"
"Ah, véi..."
[TMAS: Cara quer ver romance Yaoi, já fez piada de ser corno, lenda]
Naquele final de semana, numa tarde ensolarada de sábado, eu, Yuuko e Kenta nos encontramos na entrada do shopping Lpa. Kenta estava de uniforme escolar como instruído, enquanto eu e Yuuko estávamos com roupas casuais.
"Rei, Yuuko... obrigado por sacrificarem o final de semana por mim." Os olhos de Kenta não paravam de se mover, nervoso.
"Relaxa. Na verdade, isso aqui é um encontro meu com a Yuuko, e te ajudar a escolher roupas é tipo a gente ir num parque de diversões e decidir entrar na casa mal-assombrada."
"Isso mesmo!"
"...Ver eu tentando melhorar minha aparência é realmente algo tão monstruoso assim pra vocês?"
O Lpa estava cheio de crianças com os pais, estudantes do ensino médio, universitários, adultos, idosos — todo tipo de gente. Deve ser porque era final de semana, mas será que não tinham outro lugar pra ir?
"Ah, Kenta-cchi, você emagreceu um pouco?" Yuuko cutucou o peito e a barriga de Kenta enquanto falava.
[TMAS: Kenta já tá seduzindo a garota, não tem como, esportes devem fazer milagre]
"Ah, s-sim. Tenho me pesado todo dia e perdi quase dois quilos."
Kenta estava tão agitado e nervoso como sempre, mas hoje eu podia dar um desconto.
"Nossa, você realmente deve ter sentido os efeitos de ficar trancado o dia todo. Dois quilos em uma semana — que incrível! E ainda aprendeu a passar gel no cabelo direitinho, como eu te mostrei na escola! Mandou bem!"
...Retiro o que eu disse.
Yuuko estava usando uma blusa leve tomara-que-caia com shorts curtíssimos. Era o tipo de look que poderia parecer vulgar, mas ela deixou elegante com seu colar dourado-rosado e anel no mindinho — além da bolsinha de couro no ombro. O decote da blusa dava aquela leve insinuação da região entre os seios, especialmente se ela se inclinasse para frente. Um visual projetado para matar qualquer virgem instantaneamente.
Me aproximei e sussurrei no ouvido do Kenta:
"Olha só, Kenta. Às vezes um homem tem que se levantar à ocasião, saca? E outras vezes, ele precisa mostrar um bom autocontrole. Entendeu?"
"P-p-para com isso! Você só tá me deixando ainda mais consciente! Eu estava tentando focar e contar de trás pra frente de cem, mas agora você me distraiu!"
[TMAS: Roupa vulgar uma ova, isso daí tá normal pra gente, bem estilosa ⁄ Goki: poisé, se isso é roupa vulgar lá no Japão é melhor eles não descobrirem as roupas vulgar do Brasil kkk]
Kenta sussurrou de volta, com o rosto todo contraído.
Eu dei um sorriso malandro e continuei no cochicho:
"Se você deixar a carteira cair no chão, quem sabe ela não abaixa e te dá uma vista aérea..."
"Para, Rei! Não fala essas coisas!"
Yuuko inclinou a cabeça, curiosa, observando a gente. "O que foi?"
"Aham!"
Franzindo a testa, Yuuko continuou o que ia dizer:
"Bem, eu ia comentar que se você mudar muito mais, Kenta-cchi, vai perder toda essa 'essência Kenta'! Não vou te reconhecer na multidão!"
"Hã?"
Dei um tapa nas costas do Kenta. "Mas é pra isso que a gente veio. Pra dar um novo visual pro Kenta. E com a dieta começando a fazer efeito, vai ser fácil pelo menos deixar ele apresentável."
"Pra mim, me vestir é tão difícil quanto conversar... Mas hoje eu trouxe todas minhas economias! Não gastei nada do dinheiro que ganhei no Ano Novo, já que fiquei trancado em casa."
Kenta puxou a carteira, que estava presa na calça por uma corrente. Era cheia de rebites, com o que parecia ser um desenho de cruz. Como tempo (e dinheiro) eram essenciais hoje, decidi simplesmente fingir que não tinha visto aquilo.
"Hoje a gente vai comprar óculos novos, algumas camisetas, calças, sapatos e uma mochila... O pacote completo, da cabeça aos pés. Yuuko, por onde a gente começa?"
"Hmm, acho que pelos óculos. Leva tempo pra fazer as lentes, e quando a gente achar o modelo certo pro rosto dele, fica mais fácil escolher o resto das roupas!"
"Beleza, vamos começar por aí."
Entramos na JINS, a ótica, e começamos a procurar óculos que combinassem com o Kenta.
"Pessoalmente, me sinto mais confortável com esse estilo de armação..."
"Não."
Yuuko e eu fomos unânimes. Os óculos que Kenta escolheu eram parecidos com os que ele já usava - armação metálica fina.
"Esse tipo de óculos é o padrão, mas pouca gente realmente fica bem com eles. Talvez um ator bonitão ou um executivo de terno consiga puxar esse estilo, mas é muito sério pro seu rosto. Só te deixa com cara de nerd. Olha, experimenta."
Kenta colocou os óculos e se olhou no espelho da loja. "Ah é, entendi o que vocês querem dizer", murmurou.
"Viu? Óbvio, né?"
Então tirei os óculos do Kenta e coloquei no meu rosto.
"...Cara, eu sou gato mesmo. Fico com ar intelectual e estiloso com isso aqui."
Tirei e passei para Yuuko.
"Nossa, eu fico tão fofa! Pareço uma professora gostosa!"
"Vocês estão zoando comigo."
Kenta devolveu sua escolha e aceitou o par que Yuuko estava segurando.
"Se quer parecer descolado, acho que deveria optar por uma armação preta mais grossa! Experimenta esse modelo Wellington."
[TMAS: fui pesquisar na net pra ver como é esse modelo, e eu descobri que eu uso esse modelo Wellington]
"Hmm, sei não... Até ficam legais, mas acho que combinam mais com caras de traços mais marcantes... tipo, com barba por fazer. O Kenta tem traços mais suaves, então esses podem chamar atenção demais. Acho que o modelo Boston seria melhor."
"Rei, o que é Wellington? O que é Boston?"
"Em termos leigos, os mais quadrados são os Wellington. Os mais arredondados são os Boston. Seus óculos antigos são mais quadrados. Enfim, experimenta os que a Yuuko escolheu."
"Não..."
"Nossa, que rejeição rápida!"
Kenta tentou os Boston também, mas esses também não deram certo.
"Você tem razão, Saku, esses óculos chamam atenção demais. Parece que eu estou tentando parar de ser otaku e só comprei armação preta pra parecer mais descolado."
"Né? Bem, tem limites pro que dá pra fazer. Mas esses também não ficariam bem em mim. Meus traços são delicados demais."
Peguei os óculos do Kenta e os coloquei enquanto falava.
"...Retiro o que disse. Ficam bons. Droga, sou tão gato que fico bem em qualquer coisa. Pareço um artista genial e atormentado."
Tirei os óculos e entreguei para Yuuko. "Ooh! Ficam fofos em mim também! Pareço uma atriz jovem tendo um caso secreto com você, Saku!"
"Por favor, podem parar com isso?!" Kenta suspirou, pegando os óculos que Yuuko escolheu." Olha, queria perguntar... Por que não posso usar lentes de contato? Normalmente caras tentando deixar o passado otaku para trás só mudam para lentes..."
Kenta tirou os óculos antigos e nos olhou com o rosto descoberto.
"Pensei nisso também, mas seu rosto precisa de um destaque. Óculos na verdade te ajudam. São um item fashion indispensável no seu caso. Eles atraem o olhar, e a armação certa pode deixar seu rosto sem graça dez vezes mais interessante. Mas você tem sorte. Não precisa mudar o uniforme para parecer descolado - pode conseguir o mesmo efeito com um único acessório."
"...Entendo. Uso óculos desde o fundamental, mas sempre odiei justo por serem um sinal de que minha visão é ruim..."
"Então é mais motivo pra continuar com eles. Já são parte do seu visual. Aposto que você nunca pensou neles como acessório fashion antes, né?"
Enquanto falava, peguei um par de óculos que tinha notado antes.
"Esses são os que recomendo. Armação redonda. Viu como são circulares?"
"O quê? Nem pensar! Isso está totalmente fora do alcance dele! Parece que está tentando demais ser fashion!"
A reação imediata de Yuuko afetou Kenta.
"Er, isso é mesmo fashion? Parecem os óculos que mestres literários idosos usam..."
"Não, ao contrário da sua fantasia de caubói com jeans xadrez estranho, isso é o que gente com bom gosto usa. Você não é um cara gato e descolado, infelizmente. Não é nem gato nem descolado."
"Não precisa repetir!"
"Mas você já arrumou o cabelo e está emagrecendo, então ainda há esperança. Seu rosto é meio sem graça, mas não é desagradável. E tenho mais boas notícias: hoje em dia existe o conceito de 'aura de cara gato'."
"Achei que isso fosse irônico. Tipo piada."
"Hmm, às vezes pode ser usado como insulto. Mas você vê direto... Um cara com rosto 'meh' que por algum motivo deixa as garotas loucas. Tipo aqueles atores e músicos que outros caras acham medianos, mas têm fãs obcecadas. Deixa eu dar uns exemplos..."
Citei algumas celebridades masculinas populares no momento.
"...Ah é, sempre me perguntei por que algumas são populares. Tipo, com aquele rosto? Sério?... Parece que com um corte de cabelo ruim, virariam uns nerds completos."
Yuuko ficou ofendida. "Ei! Eu gosto de todos eles! Não sei do que você está falando! Cada um é bonito!"
"Viu? Até uma garota do nível da Yuuko curte eles. Não entendo, mas enfim. O ponto é que precisamos trabalhar na sua 'aura de cara gato'."
Kenta ainda não parecia convencido.
"...E preciso de óculos redondos? Para uma 'aura de cara gato'?"
"Exato. Se eu ou Yuuko, com nossos rostos maravilhosos, usássemos esses óculos, seria quase irritante. Tipo 'olha pra gente, somos lindos e usamos óculos nerds por diversão!'. Mas num rosto comum como o seu, fica charmoso. É por isso que escolhi esse penteado pra você também, com os cachos bagunçados no topo."
Coloquei os óculos redondos.
"...Ah, droga! Ficam bons em mim também! Pareço um mestre literário old-school! Deviam me pagar para modelar isso!"
Passei os óculos para Yuuko.
"...Uau! Por que essa loja não nos contrata para os pôsteres? Se fôssemos os modelos, os lucros disparariam!"
"Vocês estavam certos sobre ser insuportáveis. Acho que já deu, obrigado!"
De brincadeira à parte, devolvi os óculos a Kenta. "Vai, experimenta."
Nervoso, Kenta colocou os óculos. Notei as sobrancelhas de Yuuko se erguendo.
"Hmm... Não tenho certeza sobre isso, gente..."
Ignorei ele e perguntei a Yuuko: "Qual o veredito?"
"...Combina! Combina muito com você, Kenta-cchi! Até dei uma segunda olhada! Nossa, Saku, você tem um ótimo olho para isso!"
[Mon: Quem não tem um bom olho é o Kenta mesmo akakaka parei, coitado, já sofreu humilhação demais, vou falar da visão dele não!]
Bem, é claro. Eu já tinha visitado o site da loja antes para conhecer o catálogo. Armação redonda e fina para não apagar seus traços neutros, mas com um leve padrão tartaruga para dar um toque de estilo.
Como Kenta não ficaria convencido depois de ser elogiado pela garota mais bonita da escola? Ainda assim, ele hesitava, balançando.
"Rei... esses são mesmo ok?"
"Sim. Melhores que os antigos, pelo menos."
Dei a ele meu melhor sorriso de "sou gostoso e sei disso".
"Sério mesmo? Você pegou gosto por caminhar e agora quer começar a correr à noite? E escolheu um modelo neon arco-íris? Quer mesmo se destacar no escuro? Tá bom, Rodolfo, por que você não guia o trenó hoje à noite então? Os outros renas não vão te zoar agora! Vai ficar na praia para navios usarem seu brilho como farol? Vai ser a estrela que todo mundo vai pedir desejo!"
N/T: Rodolfo é uma rena do papai noel, é aquela que lidera o trenó na noite de Natal e tem um nariz vermelho brilhante que ilumina o caminho.
"Rei... por favor, se acalme..."
Depois de fazer o pedido na JINS, nos disseram que tivemos sorte - tinham o modelo em estoque e só precisaríamos esperar uma hora para as lentes ficarem prontas. Enquanto isso, fomos para uma loja de calçados escolher tênis novos pro Kenta.
Dessa vez, Yuuko e eu ficamos quietos de início, deixando o Kenta escolher o que achasse mais legal. Mas quando vimos as aberrações que ele tinha pegado, não consegui me segurar e dei uma esculachada:
"Nem pense em comprar uma coisa dessas se não tiver estilo natural pra puxar esse look! Não! Errado!"
"Mas eu achei que... daria um toque especial... Misturar um pouco as coisas..." Kenta olhou pros tênis nas mãos, desanimado.
"Isso é demais pra um iniciante total em moda como você. Vou explicar melhor quando formos escolher roupas, mas não caia nessa armadilha de achar que chamativo é igual à estiloso. Você precisa pegar leve, cara. Muito leve."
"Mas se for muito básico, não vou continuar com cara de nerd?"
"Não. Básico é bom. Para tênis, deveria pegar um Adidas Stan Smith, como o que eu tô usando. Ou os Superstars. Também pode ser um Nike Air Force 1, Converse All Star ou One Star. Ou um New Balance 996 ou Vans Authentic... Todos esses são clássicos - tem razão para estarem na moda há décadas. As pessoas usam há anos não só pela marca, mas porque são atemporais. Tenta decorar isso. Vale para calçados, roupas, mochilas, carteiras, relógios e todos os acessórios. Sempre vá pro clássico."
"Eu tenho vários All Stars em cores diferentes! O modelo é o mesmo, só mudam cores e estampas. Hoje meu look tá meio chamativo, então fui neutra nos tênis. Viu? Cano alto em off-white!"
Yuuko levantou a perna para mostrar seus tênis pro Kenta.
"Pois é, e esse já é meu terceiro par seguido de Stan Smiths. E tenho alguns Authentics também, em cores e estampas diferentes."
Kenta olhou pros nossos pés com expressão séria.
"Ah, entendi. É, agora que vocês mencionaram, Rei, Yuuko, todas as coisas de vocês parecem ser básicas de marca... Posso ter mais uns minutos pra olhar?"
Kenta saiu e voltou com um par de New Balance M996 em azul marinho.
Eu aprovei com um aceno de cabeça.
Kenta trocou de tênis na hora, e pegamos seus óculos prontos. Em seguida, fomos para a MUJI escolher algumas camisas e calças.
"Tem certeza que a MUJI é o lugar certo para roupas? Nunca a vi como uma loja de moda..."
"A Uniqlo até serviria, mas tem muita coisa com estampas e mascotes. Não quero ter que te esculachar de novo, cara. A MUJI é mais segura."
"Isso tem a ver com o que você disse antes, sobre coisas chamativas nem sempre serem elegantes?"
"Tá pegando o jeito." Peguei uma camisa de linho branca lisa. "Kenta, o que você acha disso?"
"Parece uma camisa de algodão orgânico branca."
"E o que acha dela?"
"Ah... é legal. Simples. Não é super estilosa, mas com certeza não parece brega."
"Então por que não usar algo assim? Já é um milhão de vezes melhor que suas roupas nerds."
"É, eu sei... Mas tem certeza que é isso que eu preciso?"
"Esse seu pensamento vem do medo. Medo da moda de verdade."
Devolvi a camisa e fui sentar em um dos sofás de exibição da loja. Yuuko sentou à minha direita, e Kenta à minha esquerda.
"Moda é só outro hobby, como montanhismo, ciclismo, leitura ou videogames. Mas se não te atrai, não tem jeito. Você consegue se imaginar ficando animado com roupas do mesmo jeito que com light novels ou anime? Não. Ouvir um montanhista falar das maravilhas das montanhas faz você querer virar um? Não."
"É verdade. Não me vejo entrando nesse mundo tão cedo."
"Já a Yuuko e o Kazuki vivem pra moda. É onde gastam dinheiro e tempo acompanhando as últimas tendências. Yuuko, você se vê gastando com jogos mobile ou produtos de anime como o Kenta?"
"Nem pensar!"
"...Viu? Seus light novels fazem parecer que você precisa virar um maníaco por moda para chamar atenção, mas não é nada disso. Quer dizer, sim, caras estilosos ganham pontos extras. Mas é só um fator, como ser bom em esportes ou culto. Sinceramente, se não é um hobby pra você, não precisa focar tanto nisso."
"M-mas espera... Tô confuso. Você não me trouxe pra comprar roupas justamente pra me deixar estiloso?"
Levantei do sofá e virei para o Kenta. Apontei meu dedo entre seus olhos, como um tutor ensinando uma lição importante.
"Vamos por partes. No mundo, tem as Yuukos, que amam acompanhar as roupas e acessórios mais tops e planejar combinações. E tem os Kentas, que se vestem mal porque não ligam e não pensam em combinações ou caimento."
Kenta assentiu obedientemente.
"Não dá pra transformar um no outro. Mas podemos chegar num meio-termo. Alguém que se importa com a aparência e quer mostrar personalidade sem virar escravo da moda ou gastar muito tempo/dinheiro. Agora, Kenta, olha bem pro que eu tô vestindo e me diz o que vê."
Kenta me olhou de cima a baixo. Mesmo tendo pedido, foi meio estranho ser analisado assim.
"Huh. Você não é tão fashion quanto eu pensava...?"
"...Cuidado, Kenta. Por um segundo, sua cabeça pareceu uma bola de futebol pedindo pra ser chutada. Mas você tá certo. A verdade é: eu não ligo para roupas ou moda."
Yuuko franziu a testa. "É verdade! O Saku nunca topa ir comprar roupas comigo. Sempre fala: 'Você fica fofa em qualquer coisa, então pega o que quiser'. Zero interesse!"
[TMAS: Resumiu quase todos os homens aí]
...É, ela me conhece bem.
Vamos falar do meu look hoje: Adidas Stan Smiths, jeans Gramicci, camiseta branca Champion com bolso, relógio G-SHOCK GWM5610 em preto e branco, mais minha corrente de prata e anel de sempre. E minha mochila Gregory preta, a mesma da escola. Só.
"E não me vestir assim hoje por sua causa, Kenta. É o que eu sempre visto, o ano todo. Qualquer estação, geralmente calças de escalada com camisetas ou polos básicos, talvez um parka por cima. Meu relógio e joias são os únicos que tenho. E não escolhi para parecer descolado - só gosto de acessórios de prata. Mesmo com ouro estando na moda. Entendeu?"
"Huh. Você veste suas roupas como se fossem super estilosas, então achei que eram... Então quer dizer que eu poderia me vestir como você?"
"Sim. Só precisa escolher calças e camisas básicas. Olha pra mim. Pareço nerd pra você?"
"Não, parece um rei... Na verdade, você é tão confiante que só parece super bem-vestido..."
"Boa resposta, Kenta! Resumiu bem minha estética. Meu objetivo é fazer qualquer roupa parecer boa, em vez de depender dela pra isso. Entende?"
Coloquei as mãos nos quadris e inflei o peito.
"Então não precisa se preocupar em escolher peças 'maneiras' ou 'estilosas'. Fique com um visual que goste. E como montar looks não te anima, escolha peças básicas que combinem entre si. Se pegar clássicos, pode sempre repor quando desgastarem, e as lojas dificilmente deixarão de vender. Recomendo também acessórios de qualidade que durem e virem sua marca pessoal. Por isso é melhor economizar para uma mochila, carteira etc. decentes."
"Gostei! Então posso parecer um homem de bom gosto, né?"
"Isso. O que acha, Yuuko?"
"Bem, eu não sou nada assim, Saku. Sempre quero algo diferente. Ser a primeira nas tendências! Cada bolsa ou sapato novo me faz descobrir um lado novo. Adoro passar horas me arrumando pra te ver, Saku... Escolhendo algo fofo e sexy, sabe? Mas também amo estilos mais masculinos e casuais quando saio com a Ucchi!"
Bem a cara da Yuuko.
"É, moda é isso. Como a Yuuko disse, conta uma história sobre quem você é e como quer ser visto. Tem um estilo super popular hoje chamado normcore."
Kenta franziu a testa. "Normcore?"
"Sim. Sabe como o Steve Jobs sempre usava a mesma roupa? New Balance M992s, Levi's 501s e turtleneck preto da Issey Miyake. E o Mark Zuckerberg, sempre de camiseta cinza. Eles não queriam pensar no que vestir, então criaram um uniforme para focar em coisas importantes. Maneiro, né?"
"...É, parece legal."
"Normcore vem de 'normal' e 'hardcore'. É escolher conscientemente roupas funcionais e sem destaque. Não estou dizendo que você deve perseguir o que é 'normal'..."
Tipo, às vezes a maioria concorda em algo, mas se perguntar o que é normal, você ouve mil respostas.
"Eu prefiro peças básicas, mas misturo com roupas esportivas confortáveis e acessórios legais. E o estilo da Yuuko reflete sua personalidade. Indo além, se você se identifica com o punk, Kenta, tudo bem. Você decide o que parece mais natural."
"Entendo..."
"Mas não precisa ter tudo definido agora. Só me diz: que tipo de roupa você gostaria de usar?"
Kenta olhou alternadamente entre Yuuko e eu em silêncio. Dava pra ver os pensamentos rodando.
"Sinceramente, não quero me destacar. Prefiro parecer arrumado, não desleixado. Só não quero que pareça que entrei na loja e peguei só camisas brancas e calças cáqui."
"Beleza, Yuuko. Vamos nessa?"
Yuuko saltou do sofá.
"Vamos! Já sei mais ou menos o que fazer! Pode deixar com a gente?"
"S-sim. Obrigado..."
Kenta se levantou, acenando educadamente para Yuuko.
"Vamos de camisas sociais. Combinam com os óculos redondos que o Saku escolheu. Vão te dar um ar intelectual, de estudante de humanas! Mas nada que amasse fácil ou pareça sintético. Vamos de camisas de algodão orgânico. Talvez azul marinho, pra combinar com seus tênis."
"Ah, queria perguntar... como escolher cores?"
"Bem, se ficar com cores complementares, tá seguro. Não gosta de nada muito berrante, né?"
"Não. Não me vejo usando vermelho ou amarelo..."
"Então vamos de preto, branco e azul marinho. Qualquer combinação fica boa! Não tem erro. Ah, mas calça branca não - vai parecer um galã. Kenta-cchi, como seus tênis são azuis, não podemos usar calça azul. Precisa de equilíbrio. Que tal preta?"
"Espera aí", disse Kenta, anotando tudo no celular.
"Só lembra de não usar a mesma cor em cima e embaixo. Se comprar camisas pretas, azuis e brancas, as calças devem ser marrons ou cáqui. Melhor começar pelas calças, já que as opções são limitadas."
"Deixo a ordem com você, Yuuko, mas devo escolher calças justas ou largas?"
"Hmm... Acho umas mais soltas, com camisas mais ajustadas? Algo com elastano, pra movimento fácil e um visual discreto. Se não tem preferência, recomendo calças afuniladas no tornozelo. Vamos ver se achamos?"
Yuuko levou Kenta até as calças. Eu segui atrás.
"E essas aqui?"
Yuuko pegou várias calças e entregou a Kenta.
"Acho que gosto... da marrom, da preta ou da cinza..."
"Cinza seria ótimo! Combina com seus tênis azuis. E é muito mais tranquilo que branco. Pouca gente usa calça cinza, então vai parecer uma escolha consciente! E as camisas?"
Kenta conferiu suas anotações.
"Er... aquelas camisas de algodão orgânico que você mencionou? Em azul!"
Yuuko acenou e foi pegar algumas.
"Ok, hora de provar!"
"O quê? Não, acho que não preciso. É meio constrangedor."
"Que isso! Até dá pra comprar camisas sem provar, mas calças nunca! Vamos lá!"
Yuuko pegou a mão de Kenta e o arrastou para os provadores. Kenta parecia estar pensando: Nunca mais lavo essa mão!
[TMAS: Imagina um garoto nerdão e uma garota hiper linda indo juntos pro provador da loja, imagina a inveja dos outros sem saber todo o contexto]
"Uau!"
Yuuko e eu demos um suspiro sincronizado quando Kenta saiu do provador.
"O que vocês acham?"
Kenta estava com a energia nervosa de um hamster retirado da gaiola. Se olhava no espelho, mordendo o lábio.
"Antes da nossa opinião, o que você acha?"
"Me sinto... estranho. Mas acho que fiquei meio estiloso? Tipo, daria pra ir num Starbucks com essa roupa."
"Isso. Só precisa perder mais uns quilos, e você chega naquela 'aura de cara gato' que queremos."
"Nossa, Kenta-cchi! Você ficou super descolado! E não é só da boca pra fora! Com certeza vai arrumar uma namorada legal agora!"
Yuuko parecia inexplicavelmente empolgada.
"Ah, você tem que ir embora com a roupa! Moço! Ele quer sair vestido! Pode fechar a conta? Ah, e uma sacola pro uniforme escolar, por favor!"
Ela marchou até o caixa, ignorando Kenta, que ainda estava parado, constrangido.
"Beleza, só falta a mochila. Você ainda tá usando aquela bolsa de adolescente com alça comprida que fica batendo na bunda. Ainda tem dinheiro?"
"Eu esperava que as coisas fossem mais caras, então ainda tenho uns mil reais."
N/T: Resolvi adaptar o dinheiro em reais com um número próximo do valor usado no livro, que é 30 mil ienes (algo em torno de 1200 reais), mas deixei impreciso pois ele não deve ter ideia do quanto dinheiro sobrou pois ainda nem pagou pela roupa e tudo.
"Dá sim. Se prefere bolsa de ombro, recomendo algo de lona. Combinaria com o estilo 'aura de cara gato' que você quer."
Naveguei no celular e mostrei algumas imagens para Kenta.
"São bonitas, mas eu queria variar um pouco..."
"Nesse caso, por que não pegar algo esportivo, como eu? Não fica muito formal, então combina com seu estilo casual. Além disso, são práticos e duram bastante. Para mochilas, recomendo a Arro da Arc'teryx, e se quiser um modelo híbrido, a Invader ou Outsider da Mystery Ranch."
Mostrei mais fotos.
"Hmm. Todas são legais... Mas o que é essa com o logotipo de passarinho?"
"Esse é o símbolo da Arc'teryx, o archaeopteryx. Gostou desta? Então vamos comprar depois."
Enquanto conversávamos, Yuuko terminou de pagar com a carteira ridícula do Kenta. De algum jeito, ela fazia aquela coisa horrorosa parecer estilosa na mão dela, como uma bolsa Gucci cravejada.
Ela devolveu a carteira a Kenta e entrou na conversa como se estivesse ouvindo tudo:
"Ei, vamos pro Starbucks antes! Que tal? É onde você vai reencontrar seus velhos amigos, né? Vamos fazer um teste!"
"Boa ideia. Podemos simular como seria."
(Falando nisso, sei que Starbucks é só mais uma cafeteria nas grandes cidades, mas em Fukui é o lugar dos adolescentes pra se exibir. As coisas relaxaram ultimamente, mas até pouco tempo atrás, era o tipo de lugar onde só os populares tinham status suficiente para serem vistos tomando café.)
"Ah, então me deixem pagar os cafés, como agradecimento." Kenta se ofereceu na hora.
"Não precisa nos agradecer. Eu tô fazendo isso pelo meu marketing de bonzinho."
"Ele tá certo, Kenta-cchi. Hoje foi divertido! Não precisa compensar nada!"
"Ah... vocês..."
"Mas já que se ofereceu, vou querer um Frappuccino de matcha com chips de chocolate extra e chantilly extra. E uma torta de maçã."
"E pra mim, um latte com shot extra e um club sandwich. Ainda tem grana pra isso, Kenta?"
"...Dá pra voltar atrás no que eu disse?"
"Ei, você queria nos agradecer, né? Considere-nos agradecidos!"
"Isso mesmo!"
"Vocês nunca perdem a chance de me sacanear!!!"
No balcão, Kenta engasgou nas palavras e pediu um grade latte em vez de um grande. Eu me ofereci para fazer o pedido no lugar dele, mas ele ficou pálido com a ideia. No final, conseguimos chegar a uma mesa com nossas comidas e cafés.
"Então, já marcou de encontrar seus antigos amigos?"
"Sim. Sábado, daqui duas semanas. O primeiro dia das férias do Golden Week. Mas... pra ser sincero... tô com medo. Antes de conhecer vocês, eles eram as pessoas mais populares com quem eu já convivi. Olha, foi isso que aconteceu quando mandei mensagem pra Miki no LINE..."
Kenta abriu o chat no LINE para nos mostrar.
"Huh? Achei que você tinha saído do grupo quando eu te dei um fora? Então não conseguiu fazer outros amigos e voltou rastejando, é? Mas tanto faz, parece divertido. Vou chamar o Ren e o Hayato também."
"Entendi, entendi. Não foi uma resposta muito legal, né?"
"Já tô desanimado só de pensar em encontrá-los... Ah, Ren é o namorado da Miki. E Hayato é o outro cara do grupo. Eu preferia encontrar só a Miki, mas acho que eles querem mesmo é rir de mim..."
Ren e Hayato. Já pareciam caras bonitos. Imaginei-os superando Kenta em tudo.
Yuuko tomou um gole do seu Frappuccino de matcha.
"Não conheço bem a situação, mas o que você quer fazer, Kenta-cchi? Quer entrar lá e dar uns bons tapas neles?"
"Claro que não! Nada tão dramático. Só quero que a Miki pense... sabe... 'Talvez eu tenha cometido um erro.' Só isso. Se eu conseguir fazer ela se arrepender de como me tratou, já está ótimo..."
"Ah é? Achei que você ia chamar a Miki pra um duelo na beira do rio. Mano a mano, saca?"
Lembrei de alguém dizendo algo assim recentemente...
"Se só quer fazer a Miki se arrepender, então é fácil! Com licença! Barista? Poderia tirar uma foto nossa?"
Yuuko chamou um barista e entregou seu celular. Foi ficar atrás de Kenta, do outro lado da mesa. Eu me sentei ao lado dele, já sacando o que ela estava planejando.
Me inclinei um pouco e coloquei o braço em volta de Kenta, enquanto Yuuko colocou as mãos na cabeça dele e apoiou o queixo em cima.
"...O-oopa! Uma foto?" Kenta estava surpreso e ainda não tinha processado o que estava acontecendo.
"Relaxa! Prontos!"
Flash, flash.
Yuuko pediu duas fotos, por garantia. Depois pegou o celular e examinou as imagens. "Tudo certo. Muito obrigada!" O barista sorriu e foi embora.
"Olha, olha, Kenta-cchi!"
Yuuko abraçou a cabeça de Kenta por trás para mostrar a tela do celular.
Eu estava pronto para enfiar meu canudo na narina dele se ele ousasse aproveitar a situação e recostar a cabeça.
"Isso... sou eu mesmo?"
"Sim, é você, Kenta-cchi! O que acha?"
"Espero que não se ofendam, mas... parece que eu realmente... Combino? Com vocês?"
"Sabe, quando te conhecemos, você foi tão metido e malvado com a gente! Achei que você era uma mancha na sociedade, um porco preguiçoso que—"
"Yuuko, para. Eu sei, eu sei. Admito tudo. Mas por favor, não continue... Vou ficar arrasado."
"Mas agora... você realmente parece parte do nosso grupo. Precisa trabalhar no seu sorriso, claro, e manter a dieta. Mas você poderia ser aquele cara comum do grupo popular que tem uma aura de cara gato!"
Yuuko fez um V de vitória.
"Enfim, sim, você realmente parece pertencer ao lado do Saku e meu! Sem problemas. Mas sabe, nosso apoio só vai até certo ponto. O resto é com você."
Então Yuuko afagou a cabeça de Kenta.
"Mas... não tinha ideia que mudar seria tão fácil. Quase não fiz nada além de voltar pra escola..."
"Isso não é verdade." Eu balancei a cabeça. "Você decidiu voltar pra escola, se esforçou para se dar bem com todo mundo e manter a dieta. Agora até tem um novo visual e guarda-roupa. Claro, isso não é suficiente pra ficar realmente popular. Mas você deu grandes passos, Kenta. O futuro parece promissor."
"Você... realmente acha?"
Eu sorri. "Olha, Kenta. Qual é a coisa mais importante pra fazer uma mudança?"
"Er... ter amigos pra contar, como você e a Yuuko?"
"Isso é só parte. A resposta que eu queria é: 'força de vontade.' Você tem que ter essa determinação, não importa os obstáculos. E nunca desistir. Se agir assim, o sucesso é garantido, não importa quanto tempo leve. Habilidades vêm com prática, mas motivação você tem que encontrar por si mesmo."
"Acho que tô começando a entender. Então só tenho que continuar dando meu melhor, né?"
Meu sorriso aumentou.
"Isso. Se continuar, vai se tornar quem quer ser em algum momento. É simples assim... Fácil, né?"
Kenta acenou vigorosamente.
"Vou continuar correndo todo dia, pelas próximas duas semanas! Vou me tornar alguém bem superior àqueles babacas do meu grupo otaku! Vou fazer isso por você, Rei... e por você, Yuuko... e pela Uchida, e pelo Mizushino, e pelo Asano, e pela Nanase, e pela Aomi... para honrar a ajuda de vocês! E porque... porque..."
Kenta hesitou, aparentemente com dificuldade para continuar. Respirou fundo e sussurrou:
"Porque vocês são meus amigos."
"Se vai dizer, diz logo. Senão fica estranho."
"É, foi bem brega da sua parte, Kenta-cchi!"
"Desculpa, desculpa, esquece o que eu disse!"
Ah, eu tô adorando zoar com a cara dele.
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