Volume 1
CAPÍTULO QUATRO: O Prego que Se Destaca Leva Martelada…?
Na segunda-feira seguinte, cheguei à escola mais cedo que o normal. Depois de acompanhar Kenta nos seus exercícios diários de caminhada por um tempo, eu adquiri o hábito de acordar cedo.
Não me importaria de acordar cedo para encontrar uma garota fofa, mas era meio deprimente levantar ao amanhecer só para ser recebido pelo Kenta.
Bocejando muito, segui em direção à sala de aula. Foi quando percebi que ouvia vozes altas vindo de dentro.
"Por que você não nos conta, então? Somos seus colegas, não é? Por que alguém como você anda com o grupo do Chitose?"
"Uh… É que… o Rei veio à minha casa depois que o Sr. Iwanami pediu…"
"Rei? Rei? O que é isso? Que ridículo! É assim que você chama o Chitose?"
Essa breve troca foi o suficiente para eu entender imediatamente o que estava acontecendo. Espiei a sala pela janela da porta.
Sabia, era exatamente a cena que eu tinha imaginado. Kenta e Yua estavam cercados por outros cinco colegas e sendo interrogados. Havia três garotos e duas garotas. Os garotos eram os mesmos que me lançavam olhares de morte no primeiro dia de aula.
Parecia que os outros membros do nosso grupo ainda não haviam chegado à escola ou estavam ocupados com treinos matinais. Não via nenhum deles além da Yua.
"Vamos parar com o interrogatório… Por que não tentam conhecer ele primeiro?"
Yua colocou a mão no ombro de Kenta, tentando defendê-lo.
"Não queremos conhecer ele. Além disso, estamos falando com ele, não com você. Por que não se mete na sua vida, hein, Uchida?"
Yua piscou quando uma das garotas começou a ser sarcástica. A garota tinha uma aparência vulgar.
"Hum, mas Yamazaki e eu estávamos conversando antes de vocês chegarem…"
"Sim, eu sei. Mas nenhum de vocês dois realmente se encaixa no grupo do Chitose, pensando bem. Você é meio sem graça e chata, não é, Uchida?"
Yua encolheu os ombros e sorriu.
"Heh… Eu sei que sou um pouco sem graça. Acho que só faço parte do grupo para servir de alívio cômico…"
Kenta interferiu, mesmo com Yua tentando acalmar a situação.
"N-não! Quando você veio à minha casa pela primeira vez, eu pensei… ela definitivamente é uma das populares! Você é bonita e vivaz, Uchida!"
Um dos garotos zombou disso.
"Para um isoladão que fica trancado no quarto e não vem pra escola como você, qualquer mulher pareceria uma deusa. Mas espera, você está dizendo que Uchida foi à sua casa, Yamazaki? Então quer dizer que você voltou à escola depois de se apaixonar por ela, hmm?"
"N-não… Não foi assim…"
Yua olhou para um e para o outro.
"Foi o Saku que convenceu Yamazaki a voltar para a escola. Tudo o que eu fiz foi ajudar um pouco."
A garota de aparência vulgar respondeu a isso.
"Sabe, Uchida, as outras garotas te chamam pelo sobrenome. Chitose. Por que você chama ele de Saku? Você não percebe que tá óbvio?"
"Hum… Acho que nunca percebi que fazia isso… Acho que sou tipo a amante dele? Hee-hee."
Yua tentou descontrair o clima fazendo uma piada, mas a garota vulgar revirou os olhos. "Eca, nojento", disse, enrolando o lábio.
Ah, cara. Uma briga com esse tipo de gente pode ser difícil para eles sem reforços.
"Ok, Amigo A, Amante B, preciso da ajuda de vocês com algo."
Me virei para meus outros amigos, um deles estava grudado em mim, e o outro, que tinha um cheiro mais agradável, era quem eu queria que estivesse grudada em mim.
"Ah, sim, eu esperava que eles viessem causar problemas mais cedo ou mais tarde. Só não imaginei que seria por causa do Kenta. Mas, desde o primeiro dia, eu sabia que eles teriam problema com o nosso grupo. Dava para sentir."
…Disse o que ainda estava pendurado em mim, Kazuki.
"Capitão, se eu vou cumprir esse dever, quero uma promoção para Esposa A."
…Disse a de cheiro doce, Nanase. Por que ela não podia estar pressionada nas minhas costas agora?
"Hmm, vou considerar. Prontos para dar suporte, tropa?"
"Tudo bem. Não tem muito mais o que fazer, agora que eles começaram. Mas vamos manter as coisas amigáveis, ok? Senão, eles vão voltar para assediar o Kenta e a Ucchi quando não estivermos por perto."
"Certo, vamos tentar resolver isso sem derramamento de sangue."
[Mon: Ai perdeu a graça… akakakak.]
Então entramos na sala de aula.
"Bom dia, Kenta, Yua."
Ignorei os outros cinco por enquanto e cumprimentei meus amigos.
"...B-bom dia, Rei..."
"Saku... Mizushino... Yuzuki... Bom dia."
Tanto Kenta quanto Yua pareciam visivelmente aliviados.
Kenta instantaneamente tinha claramente identificado o perigo da situação. Não sabia há quanto tempo os valentões estavam perturbando, mas sabia que Yua teria ficado ao lado de Kenta o tempo todo.
A situação, porém, era extremamente irritante para mim.
Logo quando eu tinha conseguido fazer Kenta avançar na direção certa. Esse tipo de coisa poderia ser o suficiente para fazê-lo correr de volta para a segurança do seu quarto.
"Ei, Chitose, Mizushino, Nanase. Estávamos só batendo um papo com seu novo amigo aqui."
Um dos garotos falou primeiro. Parecia ser o líder desse grupinho. Eu tinha notado eles no primeiro dia de aula. Os cinco formavam um grupo bem destacado de alunos populares do primeiro ano.
Observei seus uniformes desabotoados, as barras das calças arregaçadas e a maquiagem pesada das garotas. Populares, hmm... Seria mais preciso dizer que eram um bando de desajustados. Fukui ainda tem aquela subcultura de jovens delinquentes do interior, então essa seria outra forma de descrevê-los. Mesmo em uma escola de elite como a nossa, sempre há um elemento desajustado. Mas, bem, moda é questão de gosto. Só porque eu achava que eles pareciam desajustados, não significava que eu tinha o direito de julgá-los.
"Um... Vocês são da nossa turma, se não me engano... Né?"
Uma pequena provocação, para começar. Só para deixar claro que eles mal estavam no meu radar, mesmo que já tivessem mostrado que sabiam meu nome completo. Com sorte, isso seria o suficiente para irritar — facilitando meu trabalho.
O líder do grupo afastou a franja longa com irritação. Ele havia raspado as sobrancelhas um pouco, e não dava exatamente para chamá-lo de bonito.
"Isso foi um golpe baixo, Chitose."
Entendi, entendi.
Eu não tinha falado com ele antes, então ele não estava realmente registrado na minha mente, mas estava claro que ele era um personagem mais significativo do que o papel de "Valentão Genérico A" que eu atribuí para ele. Parecia que eu teria que me esforçar mais se quisesse esmagar essa pequena rebelião dele.
"Ah, e a gente já jogou um contra o outro nas finais da província no ensino fundamental. Eu era arremessador no Fundamental 2 Youkou. Meu nome é Atomu Uemura."
[TMAS: Nome do cara é átomo / Mon: Ia fazer uma piada de física, mas prefiro me abster.]
Claro que eu lembrava que tinhamos jogado contra o Fundamental 2 Youkou. Mas foi há dois anos atrás. Eu não lembrava desse cara, nem mesmo do nome dele. Inclinei a cabeça para o lado e encolhi os ombros. Atomu continuou, parecendo irritado.
"Vocês, prodígios geniais, são todos iguais. Todo mundo via vocês como o padrão a ser superado, mas vocês só se importam consigo mesmos e com seu próprio desempenho. Eu imaginei que você entrou nessa escola só para ter uma chance no Koushien, mas não... Você largou o beisebol na hora e começou a andar com garotas."
N/T: Koushien é o campeonato escolar de baseball
"Desculpa, mas eu não costumo ficar muito preso ao passado. Aliás, Atomu, se você era tão bom no ensino fundamental, por que não entrou no time de beisebol ano passado?"
Afinal, eu acompanhei o beisebol, pelo menos no primeiro ano do ensino médio. E eu tinha quase certeza de que Atomu não tinha entrado no meio do ano. Sorri de forma provocadora. Atomu também sorriu, igualmente provocador.
"...Continuar com o beisebol no ensino médio parecia perda de tempo. Ninguém liga mais para tentar ir pro Koushien. É brega."
Kazuki interveio na hora, sorrindo como um tubarão.
"Bem, futebol é o esporte do momento agora, né? Koushien não é mais o sonho. Agora é o torneio intercolegial ou talvez tentar a seleção sub-17. Mas chega de esportes. Na verdade, eu sei o nome da gatinha do seu lado. Já conversamos antes, né? Nazuna Ayase?"
"Quê, você lembra de mim? Que fofo! Mizushino, Chitose... Vocês não têm vergonha de serem vistos com eles? Qualé, venha ser nosso amigo."
Nazuna pareceu ficar muito feliz de repente. E seu rosto já era visivelmente atraente. Ela lançou um olhar de desdém para Kenta e Yua.
Então alguém passou por mim, entrando mais na sala.
Mmm, alguém que cheirava bem.
"O quêê? Eu sou tão desagradável assim? Não fazia ideia! Será que focar demais nos esportes roubou minha feminilidade natural? Eca!"
Foi Nanase quem avançou, interpretando deliberadamente mal a provocação de Nazuna para incluir a si mesma — e reagindo de forma exagerada e teatral.
"Uh... não... Eu não quis dizer você..."
Bom, é claro que não. Nazuna era bonita, sim, mas não chegava nem perto do nível de garotas de elite como Yuuko e Nanase. Nanase usou ironia, e foi super eficaz. Além de ser bem compatível com a personagem dela.
"Deixa pra lá..."
Atomu avançou e colocou o braço em volta do ombro de Kenta. Kenta congelou na hora, os olhos saltando como se não tivesse certeza do que estava acontecendo.
"Chitose. Você tem andado com esse moleque ultimamente, né? Mas olha só pra ele. Ele não é o tipo de cara que você normalmente veria no seu grupo. O que é isso, pena? Ou foi Kura que te obrigou a ser amigo dele?"
"Não. Somos só amigos normais. No fim de semana passado, Yuuko, Kenta e eu até saímos juntos no Lpa."
Ok, sim, Kura tinha me dado o empurrão inicial, e eu tinha sentido pena dele. Mas tudo o que eu disse era verdade.
"Você tá de sacanagem. Quem iria querer ser visto no shopping com um otaku como ele? Do que vocês conversam?"
"Falamos das light novels que temos lido. Kenta me recomendou uma ótima: 'Sou um Otaku, Mas As Garotas Fáceis Estão Todas em Cima de Mim?!' Acabei de terminar, posso te emprestar se quiser?"
Atomu, Nazuna e os outros membros do grupo olharam para mim como se eu tivesse duas cabeças. Foi bem engraçado. Mas, infelizmente, parecia que eles não estavam dispostos a entrar na brincadeira.
"Ah cara, me poupe, Chitose. E escuta aqui. Seu grupo é bem respeitado nessa escola. Mas parem de deixar o lixo entrar. As outras garotas ficaram bem putas quando você deixou a Uchida entrar. Elas se sentiram desprezadas. Só saiba que você está diminuindo seu valor social com todas essas decisões ruins que anda tomando."
Atomu de repente colocou Kenta em uma chave de braço e começou a esfregar o punho em sua cabeça com força.
"Agh! Eu só sou um membro temporário..."
Levantei a mão para interromper Kenta.
"Se meu 'valor social' cair por algo tão simples quanto ser amigo do Kenta, então que seja. De qualquer forma, não ligamos pra hierarquia social. Só saímos com quem escolhemos sair. Isso é tudo que precisamos para aproveitar o ensino médio."
"Me poupe. Vocês andam pela escola com aquele sorriso besta de 'Somos tão populares'."
Nanase interviu. "Você está errado. Nós só saímos com pessoas de quem gostamos e com quem nos sentimos à vontade."
Então ela colocou uma mão no meu ombro e outra no de Kazuki.
"Acho Chitose, Mizushino — e, bem, Kaito, eu acho — muito mais atraentes e divertidos do que qualquer outro cara. E, de qualquer forma, se andar com Yamazaki diminui nosso valor social, então será uma boa oportunidade pro seu grupo, né, Uemura? Você pode subir a escada social direto pro topo, se isso importa tanto pra você."
Nanase virou para mim com um sorriso, depois para Kazuki. Era um movimento estratégico para deixar claro que Atomu não estava nem no radar dela como um cara interessante.
Por mais que Atomu tentasse parecer durão, ele ainda era um garoto do ensino médio. Ser ignorado e descrito como "só mais um" por uma gatinha como a Nanase... isso tinha que doer.
Como se fosse combinado, Atomu começou a franzir a testa de novo.
A forma como Nanase falou fez parecer que ela estava zombando do grupo por não ter conseguido ser o mais popular da escola. Mas ela fez isso de um jeito tão sutil, que se eles ficassem bravos eles iriam parecer babacas. Ela era boa.
"...Tanto faz, você só quer se cercar de caras gostosos. Você é tão vulgar", Nazuna cuspiu.
Em vez de recuar, parecia que ela estava pronta para enfrentar Nanase de igual para igual, tentando defender seu orgulho ferido.
"Sério? Mas eu não escolho meus amigos homens pela aparência. Acontece que eu simplesmente me dou bem com caras que têm rostos bonitos. Mas se você realmente quer ser amiga de caras gatos, por que não tenta falar com eles de um jeito normal, hein, Ayase?" Nanase sorriu, cheia de confiança.
"Eu nunca disse isso... Nem sei do que você está falando..."
Mas tudo o que Nanase disse era senso comum. Nazuna não tinha argumentos. Foi aí que Kazuki falou de novo.
"Por mim, tudo bem. E, Atomu, não tenho nada contra você. Somos todos da mesma turma, então devemos parar com essa brincadeira besta. E, Nazuna, eu também gostaria de ser seu amigo."
Não tinha como Kazuki realmente querer ser amigo de gente assim. Ele sempre foi o pacificador e odiava confusão. Na verdade, ele era o membro mais estável do nosso grupo. Mas ele sempre evitava se associar com pessoas que causavam drama ou poderiam manchar sua reputação.
Ele só estava defendendo Kenta. Como um favor a mim.
O plano de Kazuki era calculado. Ele sabia que o grupo rejeitaria sua oferta de amizade, mas continuar procurando briga conosco depois que Kazuki tinha sido tão generoso... Isso os faria parecer uns idiotas para toda a turma.
"Sabe, eu odeio gente como você, que nunca enfrentou dificuldades na vida. Prefiro andar com quem sabe como o mundo real é. E, sabe, tem emoções de verdade. Mas escuta, Yamazaki... Pode se agarrar ao Chitose o quanto quiser, mas lembre do seu lugar. Não vá arrastando ele para baixo com você."
Esse cara era decente ou não? Que cara complicado. Enquanto Atomu, Nazuna e os outros membros silenciosos do grupo se preparavam para sair, eu falei:
"Ei. Uma última coisa. Yua pode ser meio sem graça e chatinha, sim. Mas ela é chata do mesmo jeito que aquele material que usamos quando enviamos algo. Ela é tipo... plástico-bolha."
"...Saku, podemos conversar depois?"
Ignorei Yua e continuei:
"Você pode enviar algo super valioso e caro, mas se ele ficar arranhado ou quebrado, não valerá nada. Você precisa de um enchimento macio para mantê-lo seguro e preservar seu valor. E quando você precisa de entretenimento, pode tirá-lo e estourar todas as bolhinhas."
"Isso era um elogio...?"
Yua me olhava com exasperação.
O grupo de Atomu virou as costas e saiu em silêncio.
Depois da aula, levei Kenta ao Hachiban Ramen, a casa de lámen perto da nossa escola.
O Hachiban Ramen é uma franquia que surgiu originalmente ao longo da Rodovia 8, em Ishikawa, mas logo se espalhou por toda a região de Hokuriku. É considerado uma comida nostáligca para os fukuianos, junto com nosso icônico katsudon. Não é nada extraordinário, mas, por algum motivo, sempre acabo voltando lá. Sempre que chegam as férias e todo mundo volta para Fukui no Golden Week, Obon ou Ano Novo, os canais de TV ficam cheios de comerciais do Hachiban Ramen. Eles têm esse slogan: "Tem que ser Hachiban". Não entendo por que alguém que mora em Tóquio, com infinitas opções de lámen incríveis, iria querer comer Hachiban quando voltasse para Fukui. Mas eles vêm. Estranho, né?
Pedimos um combo de macarrão sem sopa (eu) e lámen de vegetais sem macarrão (Kenta, ou seja, só a sopa mesmo).
"Aquilo foi tenso, hein? Na sala hoje de manhã."
Despejei um monte de vinagre e molho de pimenta no meu lámen e misturei. A maioria pede o de vegetais, mas acho isso muito melhor.
"Os populares são assustadores pra caramba..."
Kenta parecia cabisbaixo. Ah, cara... Eu sabia que ele já tinha sido alvo de populares antes, mas provavelmente nunca tinha sido atacado tão diretamente.
Ainda assim, poderia ter sido pior. Se eu tivesse chegado alguns minutos mais tarde, ou se Yua não estivesse lá, poderia ter terminado em desastre. Kenta poderia ter ficado traumatizado com populares pra sempre.
"Bom, eu já imaginava que aquele grupo viria atrás da gente mais cedo ou mais tarde. Eles só estavam esperando o momento certo desde que nosso grupo dominou no primeiro dia de aula. Você foi só a desculpa que usaram para começar uma confusão. Não tinha nada a ver com você, sério. Esquece isso, essa é minha dica."
Dei uma sugada no macarrão.
Pra ser sincero, acho que a única razão pela qual não vieram atrás da gente antes foi porque fui eleito representante de turma no primeiro dia. Tomamos a iniciativa, e eles demoraram pra se recuperar.
Kazuki estava totalmente certo — eles só miraram no Kenta como desculpa pra implicar com a gente. Eu teria que ficar de olho mais aberto nos membros do Team Chitose. Normalmente, eles se viram bem, mas dessa vez deixei o grupo rival nos pegar desprevenidos.
Não queria dar muita importância, mas sabia muito bem que Kenta estava sofrendo por um problema nosso, não dele.
"Rei, lembro de você dizendo que ser popular é como jogar no modo difícil... Acho que tô começando a entender. Não são só os impopulares que têm inveja, mas outros grupos rivais também... Cara, se confrontos assim acontecessem comigo todo dia, eu piraria."
—"Mas não é como se todos os populares ficassem se enfrentando por supremacia."
"Ah, sim, percebi que vocês nem revidaram direito. Vocês meio que 'mataram com gentileza' e tomaram a posição moral."
Kenta comia sua sopa de vegetais com uma expressão de insatisfação.
"Tá, isso é um momento de aprendizado. Como eu disse, há vários tipos de populares. Tem os 'naturais', os 'self-made' e um híbrido entre os dois."
"Ok, e os do seu time são quais?"
"Por exemplo, Yuuko é 100% natural. Ela é do tipo que chega no topo só com a força da personalidade. Por outro lado, Yua é self-made. No primeiro ano, ela não se destacava, mas um dia puxou papo com nosso grupo e foi mudando, aos poucos, tanto na aparência quanto na personalidade. Esse é o exemplo que você deveria seguir, Kenta."
"Entendo. Mas eu achava que Uchida era uma popular natural..."
"Kaito e Haru são naturais também. Eles são da subdivisão dos atletas. Sabe, estrelas do esporte sempre ganham fama na escola, né? Já Kazuki, Nanase e eu somos os híbridos. Temos o talento natural, mas a diferença é que temos consciência disso. E cuidamos muito da nossa imagem."
Kenta parecia refletir sobre tudo com atenção.
"Bom, pra ser sincero, as linhas não são tão rígidas. Yua é self-made, sim, mas sempre teve potencial. Ela só cultivou. E Yuuko com certeza se esforça nas roupas e maquiagem. Tô só dando uma visão geral."
Enchi nossos copos vazios com água antes de continuar.
"O que eu quero que você entenda é que, entre os populares, também tem essa variante que vive tentando rebaixar os outros pra se elevar."
"...Tipo Atomu e seu grupo?"
"Exatamente. Naquele grupo, provavelmente tem uma mistura de naturais, self-made e híbridos, mas o que os une é essa ânsia por dominância. Eles sempre tentam provar que são superiores humilhando os outros."
Os hashis de Kenta pararam no ar enquanto ele me olhava fixamente.
"Como hoje. Eles atacam outros grupos populares, mirando especificamente no elo mais fraco. É assim que demonstram superioridade. Ou talvez só estejam checando se ainda são populares. No fundo, são um monte de inseguros."
"Eu sei... Já lidei bastante com isso na vida. Mas nunca tinha sido atacado tão diretamente como hoje..."
Kenta olhou para o nada, como se revivesse a cena da manhã. Parecia tão desolado que quase me deu vontade de pedir gyozas pra animá-lo.
"Mas nunca vi seu grupo tentando se impor ou mostrar dominância, Rei. Por que vocês não fazem isso?"
"Há duas razões principais. A diferença entre nosso grupo e os que buscam dominância é que nós não nos importamos em ser populares. Não é isso que nos define. Estar no topo da hierarquia escolar não é algo que pensamos conscientemente, nem buscamos."
"Impossível! Isso é mentira, Rei! Você vive se gabando de como é popular, o cara mais gato da escola, blá-blá-blá."
Kenta apontou pra mim com a colher de sopa. Ei, sua mãe não te ensinou a não apontar talheres pras pessoas?
"Claro que estar no topo é ótimo. Sempre temos nossa mesa no refeitório, e encontramos vários outros benefícios. Mas nunca buscamos essas coisas. Elas só vieram naturalmente. A gente só curte a vida escolar. Sendo sincero, não me importaria de ser popular ou não, contanto que pudesse continuar saindo com o mesmo grupo e me divertindo." Terminei meu lámen e limpei a boca. "Além do mais, popular ou não, eu ainda seria gato. Isso é fato."
"Então... você tá dizendo que os outros é que decidiram que você é popular, Rei, e você só tá vivendo sua vida?"
"Pode soar convencido, mas... basicamente, sim. Só que pra esses outros que desesperadamente querem subir na hierarquia, o ensino médio inteiro é sobre isso. Eles acham que ser popular significa que 'venceram', e que os impopulares são perdedores. Eles não sabem ser nada além de populares."
Na verdade, o grupo de Atomu era um ótimo retrato do que Kenta imaginava ser um popular.
"Então como vocês se avaliam?" Kenta se inclinou, interessado.
"Ou você se avalia pelo que os outros pensam de você, ou pelo que você pensa de si mesmo. Eu sou o segundo caso. Como eu disse, não importa o que os outros acham. Você deve tentar ser uma versão de si mesmo que você goste. Atomu e sua turma se avaliam totalmente pelas opiniões alheias. Sempre se comparando: 'Esse cara tá acima de mim, aquele tá abaixo'. Pensando besteiras assim."
"...E é por isso que eles desafiam os outros?"
"Sim. Sempre que podem, partem pro ataque, tentando rebaixar os outros e se elevar no processo. Esse é o único motivo."
"É, aquele Uemura ficou falando de 'valor social', mas você só falou de amizade."
Hmm, então Kenta tinha prestado atenção no diálogo. Achei que ele tivesse surtado demais pra processar. Ele continuou:
"Mas como eu devo lidar com esse tipo de popular? Eu devo revidar, né?"
"Você deve seguir o exemplo que demos. Não entre no jogo deles, mas tente nivelar o campo. Se você partir pra competição, vai ficar preso numa guerra sem fim, e eles adorariam isso. Considere eles uma tribo diferente, com a qual você quer coexistir em paz. E se eles passarem dos limites, não tenha medo de simplesmente sair de cena."
Além do mais, babacas assim nunca param. Claro que você tem que se impor quando invadem seu espaço, mas, se não tomar cuidado, vai gastar toda sua juventude lidando com eles.
E não há por que desperdiçar a juventude com coisas tão estúpidas.
"Mudando de assunto, Kenta... Ah, carboidratos são tão bons. Fazem você sentir que vale a pena estar vivo!"
"Ei! Você é um deles, afinal! Tá tentando se sobressair agora mesmo!"
Depois de levar Kenta para casa, segui pelo caminho à beira do rio num clima tranquilo.
Meus pensamentos voltaram aos eventos da manhã. Tive sorte de chegar a tempo de salvar o Kenta, mas se eu me atrasasse, ele poderia ter surtado com situações sociais de novo.
Fiquei aliviado de ver que ele tá bem. Mas isso me fez refletir sobre coisas que normalmente não penso.
Sair salvando os outros é bonito e tal, mas se eu não aprender a não carregar a responsabilidade pela vida dele, o peso vai ficar insuportável.
Depois de tudo que falei pro Kenta... agindo como um sábio mentor da vida dele... Tudo isso viraria pó se ele não conseguisse enfrentar seus velhos amigos no dia D. Se ele falhasse, depois de tudo que fiz pra prepará-lo, a culpa seria minha. Seria pior do que se eu simplesmente tivesse deixado ele em paz desde o começo.
Mas uma parte de mim sussurrava que não era tudo culpa minha, e não era justo me culpar. Não fui eu quem começou isso. O Kenta quis isso. E se ele falhasse no final, isso não mudaria o fato de que ambos demos nosso melhor. Eu precisava traçar um limite. Ele não era minha responsabilidade. Só estava ajudando um pouco. Não é?
Mas outra parte gritava que a culpa era minha mesmo. Fui eu quem aceitou a missão da Kura. Talvez devesse ter recusado desde o início. Só fui orgulhoso demais pra dizer não. Queria ser o Saku Chitose, o cara foda que resolve as paradas. Então os resultados, sejam quais forem... são meus. Todos eles.
Sentia que o sucesso ou fracasso do Kenta me definiria. E o que seria do Saku Chitose depois disso?
[TMAS: O Saku é muito gente boa véi, tô adorando o personagem. / Mon: No começo eu senti raiva, mas agora to mais confortável com ele. O maluco é gente boa!]
Soltei um suspiro profundo.
...Vrup.
Algo acertou minhas costas com força.
"E aí, Chitose! Por que tá indo pra casa só agora? Achei que você era do clube dos que vão embora cedo?"
Virei e vi a Haru, com uma mochila esportiva no ombro junto com a escolar. Seu sorriso fez todos meus pensamentos autodepreciativos sumirem instantaneamente.
"Acompanhei o Kenta no treino de caminhada dele. Levei ele até em casa. Aliás, isso doeu."
"Ah, para de frescura. Ficou mole desde que largou o beisebol?"
"Podia ter só dito 'oi' que nem uma garota normal. Bom, como foi o treino?"
O sol já estava baixo, mas ainda era cedo pra Haru estar saindo, já que os treinos de basquete costumam ir até as 19h, no limite permitido.
"O técnico tinha uns compromissos e saiu mais cedo, então fizemos só uns arremessos e encerramos. Odeio desperdiçar chance de treinar, então estava pensando em ir pro Parque Higashi fazer uns exercícios sozinha. Tá ocupado, Chitose? Bora ir junto?"
"Acabei de caminhar 11 km e agora você quer que eu malhe com você?"
"Só caminhar? Pff! Isso é nada. Aliás, se vai passar tanto tempo com o Yamazaki, me deve um tempinho de qualidade também."
"É tipo ir de bike pra escola todo dia e do nada ser forçado a competir no Tour de France."
"Ah, para de choramingar e sobe aqui, Chefão."
Haru montou de novo em sua bicicleta híbrida azul GIOS, gesticulando pra eu subir na garupa. Notei que não tinha aqueles descansos laterais de bikes de vó como a do Kaito. Então onde é que eu boto os pés?
"Deixa eu segurar nos seus ombros."
"Claro. Quero ver você se equilibrar sem segurar. Devia se juntar a acrobatas chineses se conseguir isso."
Segurei os ombros de Haru e cuidadosamente apoiei os pés no eixo da roda, tomando cuidado para não atrapalhar o giro. A bike balançou um pouco no início, mas Haru logo estabilizou.
"Você é mais leve do que pensei, Chitose. Bem mais fácil que quando levo o Kaito."
"Não sei se devo levar como elogio à minha figura esbelta por uma garota bonita ou como ofensa ao meu físico de ex-atleta..."
Haru pedalou suavemente enquanto seguíamos. Em apenas um mês, já tinha andado na garupa com Yua, Yuuko e agora Haru. Cara, eu realmente estava vivendo o sonho do colegial, hein?
Os ombros de Haru eram estreitos e femininos, mas também firmes e levemente musculosos. Claramente ela não tinha problema algum em carregar meu peso. A princípio me senti um pouco menos macho, mas estava seriamente tentado a me render aos seus encantos atléticos.
"Pode se apoiar mais em mim, Chitose, eu aguento o peso."
Ela parecia ler meus pensamentos.
"Não posso me apoiar numa garota. Teria que entregar meu Cartão de Homem."
"Sabe, você seria um possível namorado se não falasse essas coisas o tempo todo."
"Mas isso é parte do meu charme. É o que me torna um possível namorado, não é?"
[TMAS: Entendo bem, eu também tenho um charme desse tipo]
"Hmm, acho que depende da garota."
Me tornar namorado da Haru... Isso seria um desafio. Ela é difícil de fisgar, igual peixinho dourado na barraquinha de festival. O dourado brilhante é rápido demais, aí você acaba tentando pegar aqueles pretos e brancos de olho esbugalhado.
Depois de uns cinco minutos pedalando, chegamos ao Parque Higashi, que fica perto da Fuji. Descemos da bicicleta e Haru imediatamente arrancou a saia escolar. Quase tive um infarto.
Claro, ela estava usando shorts por baixo. E outra camiseta sob o uniforme.
Seria mentira dizer que não fiquei um pouco excitado mesmo assim.
[Mon: Mas olha só…]
"Vamos começar com um alongamento leve pra aquecer. Pode empurrar minhas costas?"
Haru sentou no chão e esticou as pernas à frente.
"Sim, mestra."
Fiquei atrás dela e empurrei suas costas com toda minha força. Suas costas já estavam bem quentes. Dava pra sentir o calor do corpo dela atravessando a camiseta.
"Mmn."
"Nossa, você é bem flexível."
Eu me esforçava pra não focar muito no rabo de cavalo balançando ou na nuca exposta. Percebi que estava tocando no fecho do sutiã e rapidamente mudei as mãos de posição.
"Ter músculos flexíveis é vital pra esportes. Por que tá franzindo a testa?" Haru virou pra me olhar.
"...Tô franzindo?"
"Você está ficando com essa cara de dor. Faz isso às vezes."
"Foi por isso que me chamou pra malhar? Pra me ajudar a relaxar?"
"Nada a ver. Prefiro malhar com gente que se esforça de verdade."
"Ah é mesmo?"
Haru abriu as pernas e eu empurrei suas costas enquanto ela alongava primeiro a perna direita, depois à esquerda. Ela desceu tanto que era quase cômico. Dava pra sentir o cheiro fresco do seu desodorante.
"Quando o técnico dá aquelas metas de pontos nos jogos da temporada, falando 'sei que vocês conseguem', como você se sente?"
Haru juntou as pernas e se curvou pra tocar os pés. Eu empurrei seus ombros com meu peso. Suas pernas eram tão longas, lisas e levemente brilhantes - tão diferentes das minhas peludas que pareciamos espécies diferentes.
E esses alongamentos... estava ficando perigoso.
"Me motiva, eu acho. Não gostaria de decepcionar o técnico. Hup!" Ela se levantou e apontou pro chão. "Sua vez."
"Mas e se falhasse? E se perdesse o jogo? Ai-ai-ai!"
"Nossa, Chitose, você tá travado! Relaxa aí! Se eu falhasse, seria por falta de esforço. Pediria desculpas e tentaria mais na próxima."
Ela não só pressionava minhas costas com as mãos, como também encostava o peito nas minhas costas. Será que fazia isso com as colegas de time? E com o Kaito... melhor não pensar nisso.
"Então continuaria tentando sem se sentir humilhada? Ai, para!"
"Você precisa relaxar! Cada um decide quanto esforço quer dedicar. Se me incomodasse, eu sairia. Por que você largou o beisebol?"
"...Cansei de ter que cortar o cabelo tão curto."
"Tá fugindo da pergunta."
[Mon: Eu igual ao Chitose, toda travada akakak]
Fizemos um alongamento de costas coladas, braços entrelaçados. Eu me curvei pra frente, levantando Haru nas minhas costas.
"Você jogava com tanto foco... não acredito que largou por algo tão superficial."
"Foi superficial mesmo."
Invertemos as posições e agora ela me levantou.
"Não quer falar sobre isso? Guhhh!"
"Você vai quebrar minhas costas! Pareço aqueles peixes dourados dos castelos!"
"...Pronto, acabou."
Haru pegou sua bola e foi para a quadra de concreto.
"Se não deu certo no beisebol, tem o basquete! Com treino, você entra pro time!"
"Penso no assunto, desde que alongue comigo todo dia."
"Desculpe, não me interesso por garotos piores que eu."
"Não subestime minhas habilidades."
"Vamos jogar? As crianças estão usando a cesta, então quem driblar o outro marca ponto. Primeiro a dez!"
"Só se o perdedor responder qualquer pergunta do vencedor."
"Quero saber por que largou o beisebol. Mas vou perguntar por que estava franzindo a testa."
"Já disse que não estava."
"Vi sim! Sempre leio meus oponentes!"
"Tá. Se eu ganhar, posso fazer uma pergunta indecente?"
"Que isso? Mas tudo bem, pode perguntar o que quiser. Se por algum milagre eu perder."
"E o perdedor paga um lanche do mercadinho."
"Beleza, Chefão. Mostre do que é capaz!"
Fiz um drible falso, ela caiu pro lado dominante e eu passei fácil...
"...Comprei o que você pediu, mestra Haru."
"Demorou hein! Cinco minutos esperando."
"Que saco! Me faz correr pra comprar lanche depois daquele jogo brutal? Tô morto."
Perdi feio. Haru era simplesmente melhor. Só consegui marcar cinco pontos - mesmo usando meu tamanho pra empurrá-la.
Agora entendia por que Haru, sendo baixa pro basquete, era tão valiosa pro time. Ela era rápida pra caramba. Claro, numa corrida reta eu ganhava. Mas ela era ágil - desviava, dava giros bruscos. Só consegui enganá-la àquela vez.
"Ahaha, você é hilário, Chitose! Baixou a guarda, me subestimou e deixei marcar cinco pontos! Seus talentos naturais não são lá essas coisas, hein? Kaito é muito mais desafiador. Agora, hora de aproveitar meus espólios!"
"Tsc. Só não estava no meu melhor hoje."
"Claro, claro, continue dizendo isso pra si mesmo!"
"...Aquele último ponto foi falta."
"Ah, para com isso."
Haru guardou a bola com habilidade, como se fosse parte dela.
"Não esqueceu a outra parte do nosso acordo, né?"
"Olha, eu tô bem. Não estava franzindo a testa, não tem nada errado. Só pensando em algumas coisas."
"Vem cá. Conta tudo pra tia Haru."
Parecia que Haru me enganou. Mas a culpa era minha por aceitar o desafio.
"...Lembra que te falei sobre ajudar o Kenta?"
"Sim, você tá deixando ele mais maneiro pra se virar com os antigos amigos, né?"
Assenti. "Pois é. Fiquei me achando, fazendo ele pensar que eu tinha todas as respostas, mas agora... e se o plano falhar? Logo quando ele está se reerguendo. Se ele acabar destruído de novo, a culpa será minha. Como eu lido com isso?"
"Ah, por isso perguntou sobre metas e tal..."
Odeio reclamar. Especialmente na frente de amigos.
"Fui eu que inventei esse plano. A responsabilidade é minha."
"Chitose... não sei bem o que você quer que eu diga..."
Ótimo, logo o que eu não queria - pena.
Não buscava conforto. Só queria que alguém entendesse como me sentia.
Parecia o preço por perder a aposta.
Melhor rir disso.
"Você é mesmo um idiota, hein? Relaxa!"
...Hã?
"O quê, acha que tem que ser perfeito o tempo todo? Pensei que fosse um problema sério! Para de choramingar!"
Pisquei pra Haru. Não esperava essa reação.
"...Mas eu sou perfeito."
Haru agarrou meu nariz.
"Quer que eu arranque seu nariz perfeito então? Olha, Chitose. Você é o técnico. Yamazaki é o jogador em campo. Entende?"
"Não 'entendi'. Isso dói."
"Se o craque do time erra em campo, o técnico se culpa? Até pode, mas não devia. Os erros do jogador são responsabilidade dele. Errar no jogo, em público, é o risco de quem compete. Entendeu?"
...Fazia sentido.
"Yamazaki te escolheu como técnico. E decidiu entrar nesse jogo! Sei que ele estava preparado. Se der certo ou errado, a vitória ou derrota é dele."
Haru soltou meu nariz.
"Dizer que a culpa é toda sua... desmerece o esforço dele. É desrespeitoso! Se você errasse no beisebol, ia gostar se o técnico dissesse 'Ah, a culpa é toda minha, Chitose!' Hein?"
"...É... Soaria como se meus fracassos - e sucessos - pertencessem ao técnico."
Haru sorriu.
"Exato. 'Poxa técnico, por que você não joga no meu lugar então?' O trabalho do técnico é guiar. Ter fé nos jogadores! Ajudar quando travam. E se falharem... ajudá-los a se reerguer!"
Comecei a me sentir envergonhado.
Sem perceber, comecei a ver Kenta como inferior. Tão focado no meu papel que esqueci o dele.
...Preguei pra ele sobre entender os outros, e fiz exatamente o oposto.
Haru beliscou minha bochecha com força.
"Desce do seu pedestal, Chitose!"
Seu sorriso era quase ofuscante.
Nós nos mudamos para os balanços do parque. Entreguei a Haru sua garrafa de Pocari Sweat e seu cachorro-quente no palito, então dei uma mordida no meu frango frito.
Depois, abri minha Royal Sawayaka - refrigerante típico de Fukui - e tomei um gole. Estava com sede, e o gosto era incrível. É um refrigerante doce de cor verde com um sabor que parece que alguém misturou xarope de melão com água gaseificada. Desde criança, sempre que quero algo com gás, pego uma Royal Sawayaka.
"Nossa, Chitose. Não bebo isso desde criança."
"Né? Lembra quando vinha em garrafa de vidro? Dava pra comprar naquela loja de doces."
"Ah sim! E você ganhava dinheiro de volta se devolvesse a garrafa."
Haru encharcou seu cachorro-quente com ketchup e mostarda antes de enfiar na boca.
...Cara, que cena erótica, vindo de uma garota que você não costuma ver assim. Por que ela não percebe as implicações? Não que eu vá apontar.
Olhei ao redor. O crepúsculo havia caído de repente. Fazia tempo que não me exercitava tanto, e a brisa fresca do rio era revigorante na pele suada. Haru parecia uma sombra irreconhecível no escuro. E eu provavelmente também.
Os balanços rangiam.
As crianças que brincavam no parque já tinham ido embora. Deviam estar em casa, esperando o jantar.
"Ei, Chitose... Esse parque era o campo de beisebol municipal, né?"
"Sim. Mas eu nunca joguei aqui. Transformaram em parque antes."
"É bonito, não é?"
"É."
Não sabia se Haru estava tentando dizer algo ou só comentando.
Era legal compartilhar o silêncio desse lugar e admirar sua beleza juntos.
"Haru, obrigado. Me sinto muito melhor agora."
"Não precisa inventar desculpas esfarrapadas por ter perdido nossa aposta. Você é tão neurótico."
"...Desculpa. Vou me redimir."
"Sabe, você fica ainda mais maneiro quando está focado na bola do que quando fica se exibindo como se soubesse de tudo."
"Sério?"
"Bem, é o que eu acho. Não posso falar pelos outros."
Haru ficou em pé no balanço e começou a balançar. Eu a imitei.
"...Quero uma revanche. Vamos ver quem pula mais longe."
"Acho que esse corrimão está aí justamente pra impedir isso?"
"Quem liga? Somos atletas. O perdedor tem que... revelar sua maior fraqueza. Não quero terminar o dia sendo o único que se abriu aqui."
"Combinado. Mas aviso: sou mais leve que você. Tenho vantagem."
Shick, shick. Balança, balança.
Pulamos dos balanços, voando pelo parque ao entardecer, nossas sombras saltando atrás de nós.
A primeira estrela da noite já cintilava no céu.
Eu queria alcançá-la.
Haru estava no ar ao meu lado, tingida de azul-indigo, sua saia esvoaçante revelando os shorts, rabo de cavalo esvoaçando.
Queria pular mais alto. Isso não era suficiente. Queria saltar até o céu, tão alto que ninguém pudesse me alcançar.
Queria chegar num lugar onde não precisasse da bondade dos amigos para me sustentar... onde não dependesse de ninguém.
Naquela noite, recebi uma ligação inesperada.
Era de Yuzuki Nanase.
Nos comunicamos bastante pelo LINE, mas esta seria nossa primeira conversa por telefone.
Apertei o botão para atender.
"Sim, sou eu."
"E sou eu. Qual é o status?"
"Exatamente como você previu. Mas tenho que dizer, esse trabalho não me cai bem. É abaixo do meu nível. Tipo se eu tivesse que abrir um sutiã em três segundos. Só preciso de um segundo e meio."
"Você fica descuidado quando está confiante demais - esse é seu problema. Sei que é bom, mas negligencia os detalhes. Achou que o fecho estava atrás, mas era um sutiã de fecho frontal. Nessa profissão, precisa considerar as variáveis."
"Vou checar as costas em meio segundo. No segundo restante, vou para a frente. Fácil. Quer me testar?"
"...Não, obrigada. Seria péssimo perder um homem valioso num momento crítico assim."
Nanase soltou uma risada, encerrando nosso role-play.
Eu interpretava o assassino profissional que baixou a guarda, precisando da intervenção da mulher voluptuosa que me contratou para matar o marido. Nanase manteve o personagem brilhantemente.
Depois das risadas, ela ficou séria.
"Ei, Chitose. Tá livre pra conversar?"
"Claro, Nanase. Bora lá."
Bom, não tínhamos combinado de conversar mais desde o primeiro dia de aula?
Havia uma estranha distância entre nós. Conversávamos desde o primeiro ano, mas nunca nos aproximamos como eu e Haru. Éramos amigos, claro. Mas era como se mostrássemos apenas nossas superfícies. Nada mais profundo.
Isso me lembrou - precisava agradecer pela ajuda hoje de manhã.
"Você salvou a situação hoje de manhã, Nanase."
"Sem problemas. Mas por que decidiu ajudar o Kenta Yamazaki?"
"...Kura me pediu. Temos um acordo de favores mútuos. Faço coisas por ele, e ele me dá carta branca."
Mentir para Nanase parecia má ideia. Ela iria me desmascarar em segundos.
Mas ela parecia ver através de mim mesmo assim.
"...Entendo. Soa plausível. É inteligente - quando não quer contar a verdade completa, se apresenta os fatos superficiais e se esconde os detalhes reais."
"O que você está dizendo é bem complexo, Nanase. Está sugerindo que tenho outro motivo?"
"Está me perguntando?"
"Todo bom romance clichê não envolve uma mulher ajudando um homem a descobrir seu verdadeiro eu?"
Nanase respondeu sem hesitar: "Você não é um protagonista de comédia romântica. Você é Saku Chitose."
"...E você é Yuzuki Nanase."
"Ah, bom. Então eu estava certa."
"...Não gosto quando tentam ler significados demais nas coisas."
"Bem, toda boa comédia romântica começa com um bad boy incompreendido."
Caramba, ela era difícil de enfrentar. Intensa demais, igual ao Kazuki. Os dois precisavam relaxar mais.
Nanase limpou a garganta.
"Pode pelo menos me dizer por que escolheu a Yuuko depois da Ucchi para convencer o Yamazaki a voltar à escola? Por que não eu?"
"Ah, está se sentindo deixada de fora?"
"Achei apenas... inesperado."
"Prefiro estar no controle, em vez de ser levado pela corrente, acho."
"Hmm, eu não me importaria de ser levada, sabia..."
"Ótimo, passo aí pra te pegar em breve!"
Nanase riu. "...Que pena. Eu realmente esperava te colocar em dívida comigo, Chitose."
"Você não precisa disso. Sempre ajudo uma garota bonita. Principalmente se for minha namorada."
"Que bom saber. Já que claramente sou uma delas, vou ter que pedir um favor especial em breve."
"Até a grande Nanase precisa de favores às vezes, hein?"
"Sim, tipo... ser meu namorado? Ou algo assim."
"Ah, adoro um ataque surpresa."
"Brincadeira. Difícil sair do personagem depois daquele role-play de qualidade."
A provocação havia sumido de sua voz. Parecia que a sessão de provocação mútua havia terminado.
Abaixei meu tom para acompanhar o dela.
"É. Vamos ficar envergonhados amanhã ao nos vermos e lembrar dessa conversa."
"Sem dúvida. Já estou me arrependendo."
Fingindo uma voz feminina, decidi provocá-la repetindo suas próprias palavras:
"Toda boa comédia romântica começa com um bad boy incompreendido."
"Ai meu Deus, paaaara." Ouvi suas pernas batendo no colchão. "Você que começou! O que foi mesmo? 'Todo bom romance clichê não envolve uma mulher ajudando um homem a descobrir seu verdadeiro eu'...?"
"Pelo amor de Deus, não!"
Me joguei na cama, enterrando o rosto no travesseiro.
Nanase ouviu pelo telefone e soltou uma risada típica de colegial.
"Que tal declararmos empate antes que piore?"
"Concordo. Não faz sentido nos machucarmos."
Conversar com Nanase... tinha a sensação de que nunca iria envelhecer.
Percebi que ela era do tipo que escondia muitas facetas.
Queria provocar uma última vez: "Então, é fecho frontal ou traseiro? Preciso saber, ou não vou dormir."
Ouvi o som de tecido se mexendo.
Então Nanase sussurrou, com uma voz sensual:
"Traseiro, claro. E é azul. Azul como o céu de abril."
"...Falou demais. Agora é que não vou dormir mesmo."
"Ótimo. Considere minha vingança."
"Então vou ter que pensar em mais maneiras de te deixar ainda mais brava."
"Boa noite, Chitose."
"Boa noite, Nanase."
Duas semanas se passaram. Era a última semana de abril, o dia antes do sábado em que Kenta enfrentaria seu antigo grupo. Estávamos nos trocando para a aula de educação física no quinto período. Enquanto as garotas usavam os vestiários, nós homens geralmente nos trocávamos na sala de aula mesmo.
Kazuki e Kaito já tinham saído para o campo esportivo.
"...Não sei se é impressão minha, mas essas últimas três semanas voaram, né, Rei?" Kenta parecia um pouco desanimado.
"Bem, sim. Fizemos tanto progresso desde aquele primeiro dia quando te dei aquelas tarefas. O tempo passa rápido quando você está ocupado."
"É, mas... eu imaginava mais derrotas, sendo encorajado por garotas fofas, aquelas cenas emocionantes..."
"Nunca faria um plano tão falho. Arrumei tudo para você ter sucesso sem precisar se esforçar demais. Mas se não gostou, pode seguir sozinho a partir de agora."
"Foi tudo ideia sua mesmo? Algumas das suas piadas de tiozão têm cara do Kura, sabe?"
"Ei, calma aí. Essa comparação me ofende."
Olhei para Kenta, que estava trocando de camiseta.
"Falando nisso, você emagreceu bastante. E ganhou músculos também."
"Ah, acho que sim."
Ele não estava com tanquinho, mas ninguém mais poderia chamá-lo de gordo.
"E já está totalmente à vontade conversando com os populares, certo?"
"Bem... só estou copiando você e Mizushino quando conversam com Nanase e as outras garotas... Tentei memorizar seu jeito de falar."
"Então qual é o problema?"
"É que não parece combinar com minha personalidade..."
"Olha, como eu já disse, essa é a minha história de harém romântico. Quem quer acompanhar a história do Personagem Coadjuvante? Por que não faz uma vaquinha e escreve seu próprio romance se é tão importante assim?"
"Agora você compara tudo com light novels, Rei."
Era verdade - eu tinha pego emprestado vários light novels e animes com Kenta nesse meio tempo.
"Bom, amanhã é o grande dia. Acha que consegue?"
"Bem... fizemos o que podíamos. Só preciso não estragar tudo. Acho que no final vai dar certo... Ah, quase me esqueci."
Kenta pegou o celular e me mostrou a tela de bloqueio.
"Pensei em sentar exatamente na mesma mesa. Acho que vai me ajudar a ficar calmo."
Ele tinha uma foto nossa com Yuuko no Starbucks como plano de fundo.
"Sei que é normal colocar fotos com amigos na tela de bloqueio, mas isso é meio assustador... Por que precisa ficar olhando pra minha cara toda vez que for usar o celular?"
"...Hm, Rei? Por que você está cobrindo o peito com a roupa de educação física...?"
Terminamos de trocar de roupa, calçamos nossos tênis de educação física e fomos para o campo. Aqui na Fukui, a gente chama os calçados esportivos de "tênis indoor" e "tênis outdoor", mas em outras províncias só chamam de "tênis" mesmo. Era vergonhoso quando alguém do time de beisebol soltava um "botina" durante jogos contra times de outras regiões.
N/T: No original aparece um termo estranho pra tênis, resolvi deixar outro semelhante no português
Na Fuji, as aulas de educação física geralmente juntam duas turmas e são separadas por gênero. As turmas Um a Cinco (de humanas) têm mais garotas, enquanto as Seis a Dez (de exatas) têm mais garotos. Por isso, no segundo ano eles misturam as turmas pra equilibrar. Nossa turma, a Cinco, foi agrupada com a Dez.
Hoje teríamos um jogo amistoso de futebol.
Me encontrei com Kazuki e Kaito e acenei de volta pra Yuuko, que estava na quadra de tênis próxima. Foi quando Atomu e mais dois caras se aproximaram - os mesmos que haviam importunado Kenta e Yua dias atrás.
Kazuki soltou um suspiro baixinho que só eu ouvi.
"Ei, Chitose", disse Atomu. "Um jogo normal é muito sem graça. Que tal colocarmos uma punição pra quem perder?"
Ele jogou o braço sobre os ombros de Kenta, sorrindo. Por que esses populares "ambiciosos" são sempre tão pegajosos?
"Por mim tudo bem. Gosto de uma boa aposta."
Kazuki e Kaito não se opuseram.
"Seu time será você, Mizushino, Asano e esse cara aqui. O meu será eu e esses dois. O de cabelo curto é Shuto Inaba, e o grandalhão é Kazuomi Inomata."
Os nomes pareceram significar algo para Kazuki.
"Ah sim, agora lembrei. Inaba, capitão da escola de fundamental dois Michiaki. E Inomata, você era o goleiro. Seus nomes me refrescaram a memória."
"Faz tempo, hein, Mizushino? Acho que nos vimos pela última vez no torneio dos distritos", disse Inaba, o de cabelo curto, com um sorriso que não chegava aos olhos.
Kazuki, duvido muito que você reconheceu esses caras só agora .
Inomata era alto e musculoso. E parecia irritado.
"Eu não esqueci como você fez quatro gols em mim num único jogo."
"Sério? Essas coisas mal ficam guardadas na minha cabeça. Não costumo lembrar detalhes de jogos antigos."
Então o grupo de Atomu tinha dois jogadores de futebol. Provavelmente por isso ele sugeriu esse jogo. Talvez até recrutasse outros membros do clube de futebol da turma Dez. Mas não tinha motivo para preocupação. Tínhamos Kazuki, e era só uma aula de educação física. Nada de equilibrar times com precisão.
Kaito já estava se alongando, totalmente animado.
"E qual será a punição? Vamos fazer algo bem humilhante."
"Os perdedores terão que pular como coelhinhos por todo o pátio da escola. Enquanto as garotas ainda estiverem nas aulas, claro."
Essa foi a sugestão de Atomu. Soava suficientemente vergonhoso. Mas eu tinha uma ressalva.
"Espera aí. Só nós três - eu, Kaito e Kazuki - e vocês três deveríam fazer a punição, né? Não temos motivos para envolver os outros. E duvido que Kenta tenha condicionamento físico para pular o pátio inteiro."
Atomu concordou com a cabeça. Como eu suspeitava: seu verdadeiro alvo sempre foi o meu grupo, não Kenta.
"E enquanto pulam, terão que gritar 'Macaco! Gorila! Chimpanzé!' o mais alto possível. Isso sim será uma punição de verdade."
"Ótima ideia, Chitose."
[TMAS: Cara, acho que uma brincadeira dessas não tiraria a popularidade de ninguém, parece mais zueira de amigos, se não fosse pelo contexto]
Assim que a aula de educação física começou, fomos divididos em quatro times. Primeiro, os outros dois times jogaram entre si enquanto o grupo do Atomu e o nosso assistiam.
Quando terminou, era a nossa vez.
Entramos no campo e nos enfrentamos. O professor de educação física aprovou nossa pequena aposta. "Ótimo, isso vai animar as coisas", ele disse sobre nossa sugestão.
Como eu tinha previsto, o time do Atomu era formado por membros do clube de futebol e outros atletas. Já o meu time era meio misto.
Kenta se virou para mim, com a voz trêmula.
"...Rei, tem certeza que quer fazer isso?"
"Não fique tão preocupado. É só diversão, então vamos curtir. E fica esperto, porque vamos passar a bola pra você também."
"Não, não! Eu não consigo! Sou horrível em jogos com bola! Na verdade, em qualquer esporte! Não consigo controlar meu corpo... fico todo desengonçado! E muito menos controlar uma bola! Não consigo nem jogar bola com as mãos direito. Então sei que não vou conseguir com os pés! Por que você está me pedindo isso?!"
"Relaxa. Não espero que você seja o melhor do time ou algo assim. E de qualquer forma, fomos nós que aceitamos o jogo e o risco de ter que cumprir a punição. Você não precisa se preocupar, ganhando ou perdendo. Então só relaxa e tenta se divertir com todo mundo!"
Kazuki se aproximou, me apoiando.
"Ele tá certo, Kenta. Se a bola vier pra você, só passe pro Saku, pro Kaito ou pra mim. Se for difícil demais, só chuta de qualquer jeito."
Kaito ficava pulando no lugar, impaciente.
"Kenta, fique longe da bola se estiver tão preocupado assim. Mas isso é aula de educação física! Você tem que participar. Não pensa demais nisso."
"Já falei, não consigo... Antes da minha avó morrer, ela me avisou para nunca colocar as mãos numa bola de futebol! Senão, é, eu cairia na maldição da família!"
Que desculpa maluca. Kenta realmente estava desesperado.
"Sua avó tá certa. Se colocar a mão, vai ser falta."
Ignorei Kenta, que ainda resmungava, e me concentrei no início do jogo. Atomu e eu fizemos pedra-papel-tesoura para decidir quem começaria. Eu ganhei.
Assim que o apito tocou, passei a bola para o Kazuki. Imediatamente, Inaba e os outros dois jogadores de futebol do time adversário se aproximaram. Parecia que os outros não estavam marcando ninguém em particular. Kazuki fez um drible sutil e chutou sem passar para outro jogador. Eu já tinha visto Kazuki jogar várias vezes, mas sempre me impressionava como a bola parecia obedecer à sua vontade.
"Kenta, vai pro gol e espera lá."
Gritei para Kenta, que só ficava parado. Relutantemente, ele começou a correr pelo campo.
Kazuki continuava olhando para cá. Corri para um espaço aberto e recebi um passe suave.
"Ótimo!"
Dominei a bola, driblei, e então Atomu aproveitou e se aproximou de mim. Ele era atlético e conseguiu me pressionar bastante. Evitei que ele roubasse a bola, graças a uma técnica que Kazuki me ensinou uma vez quando estávamos brincando, e passei para Kaito, que estava livre.
"Você não vai pro gol, cara?"
"Isso é só aula de educação física. Tô mais focado em me divertir com todo mundo e trabalhar em equipe."
"Pfft. Tanto faz."
O drible de Kaito era desleixado, mas ele avançou pelo lado direito. Ele basicamente chutava a bola pra frente e corria atrás, mas era rápido o suficiente para que não conseguissem acompanhar.
"Kazuki!"
Quando chegou na frente do gol, ele passou a bola sem levantá-la. Kazuki fingiu um chute e deixou a bola passar por ele em minha direção. Eu tinha corrido pelo seu lado esquerdo.
Nossa armadilha resultou em apenas Kazuki, Atomu, Kenta e eu estando perto do gol. Passei para Kenta, que mais uma vez só estava parado.
"Vai lá!"
Tentei passar a bola da forma mais suave e precisa possível. A propósito, isso era só um jogo de educação física, então não estávamos usando a regra do impedimento nem sendo muito rigorosos.
Meu passe foi quase perfeito, rolando direto para os pés do Kenta. Naturalmente, ele não estava marcado. Nem o goleiro estava prestando atenção nele.
A expressão de Kenta ficou séria de repente, e ele recuou a perna para chutar a bola direto pro gol... mas errou a bola completamente e caiu de costas de um jeito hilário.
Foi a queda mais desengonçada e engraçada que você já viu. A bola rolou lentamente para fora do gol, cambaleando pelo gramado.
"Ffff-HA-HA-HA!!!"
Todo mundo estava rindo. Kazuki, Kaito e eu também, é claro.
"Ei, Chitose, vocês estão mesmo tentando? Aquele otaku é um peso; coloca ele na defesa!" Atomu gritou pelo campo, alto o suficiente para todos ouvirem.
"Kenta-cchi, isso foi tão engraçado!"
Dá pra ouvir Yuuko gritando da quadra de tênis. Parece que ela estava assistindo.
Corri até Kenta e ajudei ele a se levantar.
"Isso foi incrível, Kenta! Muito engraçado! Você é um gênio. Nós dois devíamos formar uma dupla e ir pro palco mundial... o palco da comédia, quer dizer."
"Eu disse que não conseguiria..."
Kenta estava quase chorando enquanto Kazuki e Kaito corriam para se juntar a nós.
Kaito deu um tapinha nas costas de Kenta. "Relaxa, Kenta! Você foi corajoso. E cara, esporte é pra se divertir. Continua!"
Kazuki sorriu para Kenta e aproveitou para dar alguns conselhos de futebol.
"Falando sério, pelo que sei, é totalmente ok passar a bola para trás em vez de se atrapalhar quando está perto do gol. Além disso, é difícil chutar uma bola em movimento como iniciante, então é melhor dominar a bola primeiro, depois se reposicionar para o chute. E quando for chutar, use a parte de dentro do pé ou a parte da frente em vez dos dedos. Dá mais controle."
Kazuki sempre foi meio descolado e distante, mas quando o assunto era futebol, ele virava um esportista apaixonado. Dava pra ver que ele queria que Kenta curtisse o jogo tanto quanto ele.
Mas a expressão de Kenta estava sombria de vergonha, e ele parecia totalmente desanimado. Era claro que ele não tinha a menor ideia de como se divertir num jogo como aquele.
Depois disso, tivemos uma partida de futebol bem divertida. Até o Kenta conseguiu fazer alguns passes. Dava pra ver que o Kazuki tinha experiência com futebol, mas ele pareceu segurar o ritmo no resto do jogo. Já o grupo do Atomu deixou os jogadores menos atléticos na defesa e mandou os experientes para o ataque. Resultado: eles abriram uma vantagem fácil.
"Heh, você finge que é um jogador incrível, mas hoje foi só conversa. Que porra que você tá fazendo? Por que não joga direito? Tá morrendo de sono? ...Isso me irrita. Mas tanto faz. Se preparem para pular, coelhinhos."
"Calma aí. Hoje é só diversão."
Mesmo assim, o placar estava 8 a 1 para eles. E faltavam só cinco minutos. Íamos perder - e feio. Não dá pra virar um jogo de futebol nessas condições. Beisebol, talvez.
Mas e daí?
O grupo do Atomu claramente queria mostrar superioridade atlética vencendo. Mas Kazuki, Kaito e eu estávamos realmente só nos divertindo. Se levássemos a sério, teria sido bem mais disputado.
Mas que vantagem isso nos traria?
Eu já tinha saído dos esportes escolares. E se quisesse mostrar superioridade, seria num torneio de verdade. Não numa aula boba de educação física. Não havia motivo para esnobar num jogo amistoso. Um torneio seria a hora certa. Onde está a graça de dominar um jogo divertido e deixar os outros jogadores, menos talentosos, sem chance de tocar na bola ou se divertir?
Afinal, um jogo só é divertido quando todo o time joga junto. O grupo do Atomu e o meu enxergavam a punição do jogo de formas completamente diferentes. Para eles, era uma forma de nos humilhar e mostrar superioridade. Para nós, era só um jeito de deixar a aula mais divertida.
[Mon: Concordo plenamente com tudo que ele disse e mais um pouco. Ninguém precisa ser o melhor o tempo todo, preocupem-se em se divertir de vez em quando! ;)]
"Você precisa parar de andar com aquele otaku; ele te arrasta pra baixo." Atomu zombou de mim.
"Não seja babaca. O Kenta é legal. Melhor ficar de olho nele. Ele pode passar todo mundo aqui algum dia."
"Tá bom. Como se isso fosse acontecer."
Na verdade, eu falava sério. Sim, olhando para as habilidades básicas do Kenta, ele não chegava perto de nenhum de nós. Na verdade, ele era extremamente mediano.
Mas pouquíssimas pessoas por aí que decidem mudar e realmente seguem em frente. Eu certamente levei mais tempo para me virar.
Parece simples o suficiente, visto de fora. Basta tomar uma decisão e seguir em frente. Mas é muito mais difícil do que parece. É isso que torna tão bonito quando alguém realmente consegue.
Kenta continuou se esforçando durante o jogo. Toda vez que pegava a bola, dava pra ver ele tentando - e falhando - em seguir os conselhos do Kazuki.
"Saku, mostra algo bom pra gente!"
As garotas pareciam ter terminado a aula. Dava pra ouvir a Yuuko gritando de onde estavam guardando os equipamentos.
"Se você virar o jogo, eu te pago um lámen no Hachiban!"
Nanase, você sabe que isso é impossível, né?
"Coloquem as costas nisso, meninos! São uma vergonha!"
Desculpe, mestra Haru.
"Você consegue, Yamazaki!"
Yua é sempre tão doce.
Tá bom, talvez possamos nos esforçar nos últimos minutos. Fiz um sinal para o Kenta.
"Passa pro rei."
Kenta chutou a bola vagamente na minha direção, e eu tive que correr atrás. Atomu também, mas eu era mais rápido.
"Vamos, Atomu. Agora é pra valer."
"...Tsc."
Virei para o Kenta. Nossos olhos se encontraram.
Vamos, Kenta. Junte-se a nós. Faça do seu jeito; tudo bem. Só tenta. Tenta ficar ao nosso lado.
Driblei para a esquerda, então acelerei. Atomu estava colado em mim. Ele até agarrou a manga da minha camisa, mas me soltei e corri ainda mais rápido.
Kaito corria pelo meio-campo. Passei para ele com o peito do pé direito.
"Bom passe, Saku!"
Kaito fingiu chutar, mas foi um drible. Em vez disso, passou para o Kazuki na direita. Enquanto isso, eu achei um espaço e corri para o gol.
Kazuki estava marcado por três jogadores, mas conseguiu escapar, chutando na minha direção.
"...Vai pro gol, Saku!"
Atomu se aproximava de mim. Pensei em um voleio direto, mas Atomu estava do lado do meu pé direito. E o goleiro, Inomata, estava posicionado no caminho do meu possível chute.
Aproveitei a bola no peito, então a mantive no joelho. Atomu se aproximava, me pressionando. Tive que virar as costas para o gol para evitá-lo.
"Oh, isso vai ser bom."
Levantando a bola com o joelho no ar, joguei a perna para trás e chutei às cegas a bola direto para o campo atrás de mim.
PWHOOSH!
Inomata tentou alcançá-la, mas a bola bateu no fundo da rede.
Yuuko, Nanase, Haru e Yua gritaram de alegria.
"Saku!!! Isso foi tão legal!!!!"
"Belo chute, Chitose!"
"Isso!!!"
"Belo passe, Yamazaki!"
Caí de bunda no chão, e doeu um pouco. Na verdade, doeu muito. Mas tive que fingir que não. Tinha que ser descolado.
Não tentem isso em casa, crianças!
"Onde você aprendeu a fazer uma bicicleta dessas? Não foi no clube de beisebol, com certeza."
O goleiro, Inomata, chegou perto, franzindo a testa.
"Posso não ser um jogador de futebol experiente, mas você não devia ter me subestimado. Ponte, mortal, enterrada, duplo-clutch, levantamento de calcanhar, bicicleta. Pratiquei todo tipo de técnica esportiva chamativa no ensino fundamental. Eu era atleta, sabia."
N/T: Duplo clutch é uma coisa de corrida de carros, uma troca de marcha em duas etapas, clutch é embreagem em inglês, pesquisei mas não encontrei o termo dupla-embreagem ou algo do gênero, porém achei duplo-clutch
"...Cara, você é um baita de um babaca, sabia disso?"
Olhei para cima. O céu era vasto e azul, como o oceano.
O apito final soou, marcando nossa derrota.
"Beleza, Kazuki. Beleza, Kaito. Vamos manter o ânimo lá em cima, beleza?"
Meus dois amigos responderam em uníssono, um de cada lado: "Sim, senhor!" Então assumimos a formação.
"Macaco!"
"Gorila!"
"Chimpanzé!!"
Pulo, pulo. Começamos nossos saltos de coelhinho.
"Macaco!"
"Gorila!"
"Chimpanzé!!"
Yuuko, Nanase, Haru, Yua e as outras garotas nos observavam, morrendo de rir.
"Ai meu Deus, tô quase me mijando!"
"Eles são tão fofos! Olha como pulam!"
"Alguém filma isso, rápido!!!"
Inaba, Inomata e o seu grupo começaram a zombar, mas logo também caíram na gargalhada ao perceber o quanto era ridículo levar algo assim a sério. Pelo canto do olho, vi Atomu falando com Kenta de novo — com certeza estava importunando ele mais uma vez.
Mas tudo bem.
Isso era bom.
Aula de educação física é sem graça se não for divertida. E dessa vez, foi. Além disso, um jogo com punição tem aquele risco extra que deixa tudo mais engraçado. Em vez de destroçar os outros para evitar a humilhação, por que não curtir juntos a adrenalina da vitória e a zoeira da derrota?
Sabíamos que nosso "valor social" não seria afetado por perder o jogo ou pela punição. Enquanto todo mundo estivesse rindo, ainda sairíamos por cima.
"Mais alto, mais alto! Agora todo mundo repete com a gente: MACACO!"
"GORILA!!!"
"CHIMPANZÉ!!!"
Nossas vozes — e as da plateia — ecoaram pelo campo de terra batida e se perderam no vento.
Depois da aula, Yuuko e eu estávamos esperando Kenta na sala. Tínhamos combinado de voltar juntos para discutir estratégias para o grande encontro de amanhã. Mas Kenta tinha sido chamado na sala dos professores — aparentemente, ele estava atrasado no trabalho que perdeu, e Kura tinha dado um monte de lição extra. O resto do grupo já tinha ido para os treinos dos clubes.
"Poxa, a aula de educação física hoje foi hilária. Vocês pulando pareciam tão fofos, Saku."
"Heh. Cara, até pulando que nem coelhinhos eu consegui fazer as garotas suspirarem."
"Ah, bobagem. Você foi um pateta o jogo inteiro. Exceto aquele chute final. Aqueles caras te esmagaram."
"...Culpa do Kenta."
Yuuko deu uma risadinha. "Tá bom," ela disse. "...Mas o Kenta-cchi também foi engraçado, né? Vi ele tentar chutar a bola, errar e cair de bunda umas cinco vezes."
"O cara tem a coordenação de um cabritinho. Não confiaria nele nem pra andar de bicicleta. Perdemos umas dez chances de gol por causa dele."
"Uemura, Inaba e o grupo deles estavam zoando você pra valer. Disseram que você é só conversa."
"Hmm... Acho que cansei das palhaçadas do Kenta. Talvez seja hora de cortar ele do Time Chitose."
"Mas ele tá bem normal agora, né? Perdeu aquele ar cômico que tinha no começo."
Enquanto Yuuko e eu brincávamos, comecei a refletir. Kenta realmente tinha evoluído muito. Yuuko chamando ele de "normal" era um elogio e tanto, considerando o nível inicial dele.
Amanhã seria um novo capítulo na vida dele — eu tinha certeza. Ou pelo menos torcia muito por isso.
"Ah, Kentacchi!" Yuuko chamou.
Me virei e vi Kenta parado na porta da sala.
"Levou uma bronca da Kura?"
Falei com ele, mas Kenta só ficou ali, com os punhos cerrados. Poxa, deve ter levado uma pilha de tarefas.
"Ei, a gente esperou por você. O mínimo que podia fazer era nos pagar um café no caminho—"
"...Vocês estão mesmo fingindo que nada aconteceu?"
A voz de Kenta saiu estrangulada.
Yuuko e eu trocamos olhares. Parecíamos personagens de anime com pontos de interrogação flutuando sobre as cabeças.
"...Tipo, o que aconteceu?"
"Não vem com essa!!!"
"...Mas o que—"
"CALA A BOCA!!!"
Kenta estava gritando. Aí percebi: ele estava realmente furioso.
"Você e Yuuko estavam falando mal de mim e rindo às minhas custas, não estavam?! É exatamente o que Uemura me disse depois do jogo! Ele falou que vocês só me incluíram pra zoar comigo desde o começo!"
Não dava pra negar que já rimos com o Kenta — isso é fato. Mas nunca foi nas costas dele ou de forma maldosa. E certamente não foi nada que não dissemos na cara dele.
"Kenta-cchi, você entendeu errado. Nós não—"
"Yuuko." Balancei a cabeça, interrompendo-a.
Levantei da cadeira e fui até a porta, encarando Kenta diretamente.
"Continua. E daí? Vai puxar de novo o trauma do seu grupo de otakus?"
"...Eu sabia que tinha coisa desde o começo da aula! Você sabe que eu não tenho habilidade esportiva, mas mesmo assim ficou passando a bola pra mim e pros outros que são ruins também! Queria que a gente errasse pra vocês rirem da nossa cara!"
"Passei pra você porque é assim que um jogo funciona. Chama-se trabalho em equipe. Não seria divertido se só os bons ficassem com a bola. E rimos porque somos seus amigos. Além disso, todo mundo riu da gente no pula-pula, lembra? Eu falei que aula de educação física é pra ser divertida. Só queria que todos curtissem."
"Não minta pra mim!" Kenta tremia, claramente não acostumado a confrontos. "Se era isso mesmo, não devia ter quebrado o personagem no final! Fala que queria diversão pra todos, mas aí abandona a gente pra fazer seu golzinho bonito! Aquele chute de bicicleta foi só pra aparecer — você é igual ao Uemura! Igualzinho!"
"...Não vou negar. Queríamos nos divertir tanto quanto você. E por que nós três não entramos no seu 'todos'? Quer que escondemos nossa habilidade o tempo todo só pra carregar os não-atletas?"
Kenta bateu o punho na porta.
"Não devia ter me envolvido desde o começo! Você não tem ideia do pavor que a aula de educação física é pra quem é impopular! A gente só reza pra bola não vir! É muito mais fácil ficar no cantinho e não atrapalhar! Só os atléticos metidos que nem você acham divertido ter a responsabilidade da bola!"
"...Eu tentei te ajudar. Kazuki e Kaito também. Olha o quanto você melhorou do começo pro fim do jogo. Não acha legal aprender coisas novas...?"
"..."
Kenta parecia lutar com as palavras. Talvez parte do que eu disse tenha atingido ele. Mas ele já estava com raiva demais para recuar.
"Melhorei um pouco, e daí?! Ainda sou só o alívio cômico de vocês! Fala como se fosse tão generoso, mas é só mais um popular falso que pisa nos outros pra se destacar! Você não tem ideia do que é ser impopular! 'Ah, vamos passar pro coitado, deixar ele se sentir incluído' — a existência de vocês inteira é esfregar na cara dos outros que são inferiores!!!"
"Eu... sinto muito."
Baixei a cabeça, genuinamente arrependido. Talvez Kenta estivesse certo. Talvez a gente tenha projetado nossos sentimentos nos outros. Achamos que um jogo em que só alguns tocam na bola é sem graça. Acreditamos que aprender é divertido. Por isso, demos aqueles conselhos.
Nenhum de nós imaginou como isso poderia magoar. Quantas pessoas eu já machuquei assim, sem perceber? Dessa vez, eu estava errado. Sem discussão.
Mas Yuuko balançou a cabeça, falando com Kenta em vez de mim:
"Kenta-cchi, chega. Você realmente acha que o Saku é assim? Depois de todo esse tempo? Acha que ele ri das suas falhas pelas costas? Que passou a bola só pra ver você se humilhar?"
Achei Yuuko um pouco dura. Ela respirou fundo e continuou, mais suave:
"Olha. O Saku fez tudo isso querendo te ajudar. Ele ficou do seu lado até agora, não ficou? Não consegue ver isso?"
Kenta fez uma careta, emoções brigando no rosto dele.
Ele tinha tanto acumulado: Atomu perturbando ele, o trauma do grupo de otakus, a insegurança de uma vida inteira como impopular, a ansiedade do encontro de amanhã... Tudo isso transbordou de uma vez.
Eu me senti mal por não ter previsto isso e dado mais apoio antes.
"Tudo bem, Yuuko. Eu tentei explicar pra ele. Como a diferença entre zoação e bullying está no nível de intimidade. Acho que ele ainda não estava à vontade comigo. Eu devia ter percebido... Me desculpa, Kenta."
Os olhos de Kenta se encheram de lágrimas. Ele foi até a carteira, pegou a mochila com força e marchou até a porta. Eu gritei:
— Mesmo falhando como "mentor", ainda queria que ele soubesse que torcia por ele.
"Kenta! Dê seu melhor amanhã. Espero que dê tudo certo."
Mas Kenta não se virou. Ele só foi embora.
[TMAS: Lidar com trauma é difícil mesmo]
"...Tem certeza que quer deixar as coisas assim, Saku? O Kenta-cchi entendeu tudo errado!"
Depois disso, decidi acompanhar Yuuko até em casa. Ela morava a uns quinze minutos a pé do Lpa. Era bem longe da escola, mas, por algum motivo, eu não queria ficar sozinho.
"...Tá tudo bem. Era pra ser só por três semanas, afinal."
"O que você vai fazer amanhã? Vai lá dar apoio a ele?"
"Não. Duvido que ele queira minha presença. Começamos a sair por acaso. Parece um bom momento pra encerrar. Está tudo bem assim. A partir de amanhã, cada um segue seu caminho."
"Se você diz, não vou insistir..."
A Rodovia Nacional 8 cortava essa região, então era meio que o centro industrial de Fukui. Mas bastava desviar algumas ruas da estrada para só ver arrozais até onde a vista alcançava. Optamos por um caminho de terra entre os campos para fugir do trânsito pesado, mesmo que isso aumentasse um pouco o trajeto.
Uma lata vazia rolou pelo chão.
Enquanto caminhávamos, éramos as únicas pessoas à vista.
Os arrozais estavam alagados, refletindo o pôr do sol. Uma brisa de abril criava pequenas ondinhas na superfície da água.
Um corvo grasnou ao longe. Um senhor de botas longas passou por nós numa scooter surrada.
"Ei, Saku... Essas três semanas foram divertidas, né? Normalmente, convencer um colega aleatório a voltar pra escola não seria lá muito empolgante, mas isso me fez pensar que... são esses os dias que vamos lembrar quando formos adultos, sabe?"
"É. Acho que isso vai acabar sendo um daqueles eventos marcantes que a gente nunca esquece. Algo único."
"Mas acho que acabou agora. Espero que a reunião do Kenta-cchi com os amigos antigos dê certo."
Havia uma serenidade na voz de Yuuko que combinava perfeitamente com a calma do entardecer.
"Vai dar certo. Nós ensinamos ele bem nessas três semanas."
"Bem, você ensinou ele, Saku. Não precisa ficar modesto e agir como se fosse um esforço coletivo."
"Foi. Você ajudou muito, Yuuko."
"Sim. Fui sua parceira até o fim. No começo, era só porque queria ficar perto de você. Mas, no meio do caminho, comecei a torcer pelo Kenta-cchi de verdade. Agora vejo ele como um amigo. Mas se você não tivesse começado essa transformação, eu nunca teria me envolvido. Quer dizer, eu estava convencida de que ele nunca mudaria..."
Yuuko sorriu suavemente.
"Mas essa é a diferença entre você e eu, Saku. Acho que é isso que faz um herói, né?"
Parece que o crepúsculo deixa todo mundo sentimental.
Eu esperava que, daqui a dez anos, ao lembrar desse momento e das palavras de Yuuko, eu pudesse sorrir.
"Você me faz parecer muito melhor do que realmente sou. Só queria parecer descolado aos olhos de pessoas como você, Yua e o resto do grupo. Queria que pensassem: 'Nossa, o Saku é incrível'. Mas foi assim que acabei magoando o Kenta. Não sou herói nenhum. Só um popular de uma cidadezinha do interior que queria bancar o legal."
"Bom, eu não quero heróis que se acham heróis. As pessoas realmente boas são aquelas que nunca têm certeza do quão boas são."
"Não. Não me coloque num pedestal assim. Não aguento a pressão. Se eu cair, você vai perder toda a fé em mim num segundo, sabe?"
"Você não vai cair, Saku. Você é forte, é bom, e eu gosto de você. Muito."
"...Hmm, não sei se posso confiar no seu gosto por homens."
"Ai, isso doeu. Eu tenho um ótimo gosto! Já convivi com muita gente desde pequena."
Não era comum Yuuko ficar tão filosófica.
"Bom, vou tentar acreditar em você, então. Na medida do possível."
"Ótimo. Porque meus sentimentos não vão mudar. Talvez nunca."
Chegamos à casa de Yuuko. Ela se virou para mim, sorrindo.
"Quer entrar para um chá? Acho que meus pais não chegaram ainda..."
"Talvez outro dia. Quando o momento for... especial."
“Tchau. Até mais.”
Acenamos nosso adeus enquanto o crepúsculo se aprofundava.
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