Volume 1
CAPÍTULO DOIS: Kenta Está em Seu Quarto
No dia seguinte em que Kura me enfiou aquela tarefa, eu estava indo para o refeitório na hora do almoço com Yuuko, Yua, Kazuki, Kaito, Haru e Nanase. Em outras palavras, todos os populares da Turma 5 do segundo ano.
Quando olhei ao redor, vi vários alunos do segundo ano que eu não conhecia ocupando mesas barulhentas. Como o refeitório da nossa escola é pequeno, existia uma regra não escrita de que calouros não podiam sentar para comer, a menos que fossem superpopulares. Não havia punição por quebrar a regra, é claro, mas os calouros costumavam seguir por reconhecer a hierarquia escolar. A maioria levava o almoço para o pátio ou para a sala de aula. Desde que devolvessem os pratos e talheres, os funcionários não se importavam.
[TMAS: O regrinha chata, mas melhor que a da minha faculdade onde depois da primeira semana de provas você não sorri pq a facul roubou sua felicidade.]
Então o privilégio de comer no refeitório era algo novo e empolgante para muitos que até duas semanas atrás ainda eram calouros.
Quanto ao meu grupo, obviamente já comíamos no refeitório o tempo todo, e ficamos um pouco surpresos ao lembrar como era um ano atrás. O refeitório ficava lotado em abril, mas o número de alunos diminuía no segundo semestre. No terceiro semestre, muitas mesas ficavam vazias. Havíamos vindo direto da aula, mas a maioria das mesas já estava ocupada. A única vazia ficava no canto mais distante - todos sabiam que era basicamente reservada para o grupo mais popular do terceiro ano. Mas isso era ano passado. Eles já tinham se formado.
"Nossa, tá cheio. Acho que muitos calouros quiseram almoçar no refeitório hoje."
Yuuko tinha se sentado no refeitório o primeiro ano inteiro sem perceber que isso era incomum. Típico dela.
Kazuki revirou os olhos. “Não, são principalmente alunos do segundo ano como nós. Não peço que lembre nomes, mas podia ao menos reconhecer rostos. Vai fazer os garotos chorarem. Eles não tiram os olhos de você desde que entrou. Você fala com estranhos como se fossem seus melhores amigos; podia tentar lembrar de alguns.”
"O quê? Mas você também é gentil com todas as garotas, Kazuki."
"Não, quem fala bonito com todo mundo é o Saku. Eu escolho."
"Nossa, isso é... meio horrível."
"Pode ver assim. Mas às vezes nesse mundo você precisa ser cruel para ser gentil."
"Sabe, Kazuki, às vezes eu não entendo o que você fala."
Aquela mesa está livre, então vamos sentar ali.
Kazuki e Yuuko se sentaram na mesa do fundo seguindo a lógica básica. Os outros se juntaram a eles, ocupando a mesa com naturalidade.
Enquanto estávamos nos acomodando na mesa sagrada - cuja localização identificava seus ocupantes como os escolhidos - um murmúrio percorreu o refeitório. Como se todos pensassem: Ah sim, faz sentido. Nosso grupo se sentou sem alarde, mas eu sabia que a partir de amanhã aquela mesa sempre ficaria vazia esperando por nós. E que sempre a escolheríamos. Era uma boa. Não havia necessidade de procurar outro lugar. Assim, os privilégios de uma regra não escrita do ensino médio acabavam de ser herdados pelo nosso grupo.
"O que vocês vão pedir? Eu vou de katsudon, tamanho extra grande, claro!"
O prato que Haru mencionou era popular entre os garotos dos times esportivos. Bem calórico. Uma montanha de arroz branco encharcado no molho especial, coberto com dois grandes pedaços de porco empanado e frito banhados no mesmo molho. A menos que você pedisse o extra grande - aí vinham três pedaços.
Aliás, se pedir katsudon em Fukui, sempre virá com molho. Acho que em outras províncias é normal vir com ovo, mas em Fukui, se quiser ovo tem que pedir "katsudon com ovo", senão você vai se decepcionar. Mas nós raramente pedimos assim.
Eu adoro. Com certeza pediria como minha última refeição. Quando era criança, fui a Tóquio com minha família e pedi num posto de descanso na estrada. Levei um susto quando chegou com ovo.
Yua piscou rapidamente ao comentário de Haru enquanto distribuía os copos de água que pegou para todos.
"Haru, você come muito para alguém tão magra. Pedi isso no tamanho normal ano passado e não consegui terminar. O Asano teve que acabar pra mim."
"Eba! Valeu pela água, Ucchi! Mas é, eu como mesmo. Tomo café da manhã, depois do treino matinal sempre como um bolinho de arroz. Quando o treino da tarde acaba, sempre pego um pãozinho de carne ou um cachorro-quente na lojinha. Ah, e tem o jantar quando chego em casa. Mas isso é normal pra quem faz esporte, né?"
Nanase fez uma careta.
"Eh, não, você é a única. Garotas normais temem as consequências disso. Vou pedir o prato Fuji, acho. Com uma porção pequena de arroz e salada extra."
Yua entregou o copo de água a Nanase. "Acho que vou pedir o mesmo", murmurou.
O prato do dia era bife de hambúrguer com rabanete ralado e molho ponzu. Por pressão das garotas, a escola oferece salada extra para quem pede menos arroz. Infelizmente, rejeitaram o pedido dos garotos que queriam "menos salada, mais arroz".
Yuuko, enquanto isso, sempre teve bom apetite.
"Ah, você não vai ficar com fome depois? Vou pedir katsudon também. Mas a porção padrão."
Nanase ergueu a sobrancelha.
"O quê?! Achei que você fosse do tipo super controlada com calorias, Yuuko. O tênis é tão puxado assim?"
"Ah, nem tanto. Claro que tem os malucos por medalhas, mas muitos jogam por diversão! Eu sou uma delas. Bom, não levo minha atividade física em conta na hora de comer. Como o que quero, quando quero. Não gosto de complicar!"
"Meu Deus. Ucchi, podemos bater nela?"
Por algum motivo, Nanase cutucou Yua, que tinha acabado de distribuir as águas.
"Ah, entendo como se sente, Yuzuki-chan! Mas não podemos ficar com raiva, mon! Temos que nos elevar, mon!"
[TMAS: Literalmente quebraram a quarta parede e falaram com a revisora, ela é bem raivosa e deveria seguir o conselho. / Mon: Eu não sou raivosa não! Aliás, comam saudavelmente, é benéfico. :D]
Quem você acha que é, Kumamon?
Observei Nanase e Yua se abraçando em solidariedade contra alguma injustiça. Amizades femininas são mesmo uma coisa linda.
Compramos os tickets do almoço, pegamos nossos pedidos no balcão e voltamos para a mesa. Kazuki e eu pedimos um prato tão popular quanto o katsudon: lámen gelado. Tamanho extra grande, é claro. Para ser honesto, é só lámen com molho shoyu servido frio, e nem é tão bom assim. Mesmo assim, eu era viciado. Esse vício atingia muitos alunos, mas por alguma razão as garotas nunca pediam. Só mais um mistério da Fuji.
"Um brinde à nossa nova turma!"
Yuuko liderou o brinde, e todos batemos nossos copos. Copos com água, é claro.
Então, entre garfadas de seu arroz com carne, Kaito falou com a boca cheia:
"Então, Yuzuki, Haru, o que acharam da nova turma? Pra gente é tudo igual, mas vocês vieram da Turma 3, né?"
Haru também estava devorando seu prato.
"É só o segundo dia, cara. Enfim, me adapto a qualquer coisa, então, sim, tô me divertindo! Além disso, já conhecia Chitose e Mizushino antes. E Ucchi e Yuuko são fáceis de lidar. E aposto que vamos arrasar nos torneios esportivos entre as turmas!"
Enquanto isso, Nanase terminou de engolir delicadamente um pedaço de seu hambúrguer e colocou os hashis na mesa antes de falar:
"Me sinto assim também. Mas também é intimidador. Tem tanta gente nova com quem nunca falei."
"Ah é. Tem tanta gente que eu nem lembro de ter visto antes!", comentou Yuuko despreocupadamente.
Kazuki revirou os olhos.
"Isso não é a mesma coisa. Você só tem amnésia seletiva para rostos. Como já discutimos."
"Ah, cala a boca, Kazuki. Essa tarde temos matemática, biologia e inglês, né? Aff, já tô com dor de cabeça. Já pode ir pra casa?"
Entrei na conversa, pegando o ritmo naturalmente. "Bem, isso é o que esperar de uma escola de elite." Fiz uma pausa antes de continuar. "Por falar nisso... Alguém aqui já pensou em simplesmente não vir pra escola?"
"Por quê? Todos os esportes estão aqui", Haru e Kaito responderam em uníssono.
"Todas as garotas bonitas estão aqui", acrescentou Kazuki.
"Você está bem, Saku?", perguntou Yuuko. "Você por acaso está tendo uma crise existencial?"
"Beleza, acho que me expressei mal."
Quase bati a mão na própria testa. Estava tentando sondar discretamente minhas opiniões sobre o caso do Kenta Yamazaki, mas qual era o sentido de perguntar a alunos populares sobre algo assim? Eles eram populares demais para entender.
Ah, mas talvez eu só tenha superestimado a inteligência deles. Se eu simplificar a pergunta, talvez eles lidem melhor.
"Ok, digamos que tem alguém que não quer vir pra escola. Alguém poderia dar alguns motivos?"
Kaito e Haru responderam primeiro.
"Quer dizer um aluno que falta? Não sei bem, mas talvez bullying?"
"Talvez não esteja indo bem no clube. Sabe, alguns veteranos podem ser muito rígidos. Não chega a ser bullying, mas às vezes os alunos não se dão bem com os colegas."
Ambos deram argumentos surpreendentemente sensatos. E pelo jeito, comuns também.
Kazuki ofereceu sua própria ideia, com os olhos semicerrados:
"Bem, esta é uma escola de elite, então talvez não consiga acompanhar as aulas? O estresse do cursinho para o vestibular pode ter quebrado eles? Esta escola está cheia de alunos que eram os melhores no fundamental, mas chegaram aqui e descobriram serem apenas medianos em comparação com o resto. O que você acha, Yuuko?"
[TMAS: Passei pelo mesmo e se preparem aqueles que não passaram. / Mon: O importante não é ser o mais inteligente, é aprender a matéria. Estude para ser o melhor para si próprio que o resto virá eventualmente!]
Pelas informações do Kura, não parecia ser o caso. Mas talvez o próprio Yamazaki não estivesse satisfeito com notas medianas. Era possível.
"Acho que deve ser relacionado a romance! Sabe, é super triste quando a pessoa que você gosta não corresponde. Ou pior, te rejeita! Ou ainda pior - começa a namorar outra pessoa! Sei que eu não iria querer vir pra escola."
Uma resposta bem típica da Yuuko. Não que eu esperasse que ela realmente entendesse por que alguém se recusaria a vir para a escola, é claro. Mas seria geralmente por problemas de amizade, dificuldades escolares ou um clube extracurricular, certo? As três grandes coisas que atormentam todo estudante do ensino médio em algum momento.
"Mesmo se estiverem faltando, não significa necessariamente que a escola seja a origem do problema."
Esta hipótese veio de Nanase.
"Quero dizer, se algo ruim acontecer na vida familiar, por exemplo, você pode não ter forças para vir pra escola. Pode ficar com medo de interagir com qualquer pessoa, seja na escola ou fora."
Achei o conceito interessante. Nós, populares, tendíamos a ver a escola como o centro do universo, mas acho que alguns alunos tinham outros problemas.
Mas Yuuko assumiu a posição oposta.
"Mas isso é estranho. Se tivesse problemas em casa, eu iria querer vir ainda mais pra escola para ver meus amigos."
"Isso porque a escola é um lugar seguro para você. Mas algumas pessoas não gostam muito da escola para começar, então focam na vida familiar. E se algo der errado nessas relações, pode ter um efeito cascata que faz com que elas não queiram interagir com ninguém na escola também."
"Entendi", disse Yuuko. "É como quando seu rímel favorito está esgotado na farmácia. Você não pode simplesmente comprar outra marca assim. E se disserem que sua maquiagem está ruim, você começa a questionar toda sua rotina, e vira um complexo enorme!"
"...Acho que a analogia funciona, tecnicamente", respondeu Nanase. "Vou aceitar essa."
Suas contribuições distraíram tanto os outros que ninguém perguntou por que eu tinha trazido esse assunto. Ótimo.
Ainda assim, toda essa especulação não estava me levando a lugar nenhum. Eu teria que ouvir direto da fonte. Enquanto isso, me concentrei em meu lámen gelado.
Pois é. O mesmo gosto de sempre. Era só lámen com shoyu. Só que gelado.
"Chitose!"
Depois do almoço, estávamos voltando para a sala quando Nanase chamou meu nome.
Paramos no corredor. Como estávamos atrás do grupo, ninguém percebeu e continuou andando.
"O que foi?" perguntei. "Queria me separar da Yuuko e da Yua para me convidar para um encontro?"
"Ah é? Um ataque surpresa assim até que seria bom, hein."
Nanase riu, cobrindo a boca com a mão. Não parecia nem um pouco constrangida ou indignada. Seu cabelo caía em frente às orelhas de maneira delicada, como um duende de conto de fadas. Nossa, como ela é fofa.
"Mas agora quero falar de outra coisa. Aquilo que você mencionou no almoço... Você está com algum problema, Chitose?"
Então ela percebeu.
Quer dizer, é estranho, né? Por que um popular como eu traria o assunto de alunos que faltam à escola? Ainda assim, mesmo que essa missão do Kura não fosse algo que eu quisesse espalhar, também não precisava esconder desesperadamente dos meus amigos. Além disso, Kura não me pediu sigilo. Então devia estar tudo bem falar sobre, não é?
"O Kura me pediu um favor. Você percebeu que um aluno faltou hoje - e ontem também? Se chama Kenta Yamazaki. Pelo jeito, ele parou de vir no final do semestre passado."
"Então ele quer que você convença o garoto a voltar? Nossa, é difícil ser o ‘popularzão’, hein?"
"Nem me fala. Bom, não vou conseguir ajudar se não descobrir qual é o problema dele, então vou visitar ele depois da aula. Mas não vejo como um presidente de turma que ele nem conhece vai convencê-lo."
"Hmm..."
Nanase franziu a testa pensativa, batendo um dedo no queixo. Era um gesto meio teatral, mas de alguma forma combinava com ela e a deixava ainda mais bonita. Estranho.
"Posso ir com você, se você quiser? Posso pedir para o pessoal do clube cobrir por mim. Pode ser melhor se você levar alguém junto."
Sabia que Nanase e eu éramos farinha do mesmo saco.
Eu nem tinha contado muito, mas ela chegou à mesma conclusão que eu.
"Obrigado, Nanase. Mas acho que você e eu somos parecidos demais. Ainda está no começo, e quero juntar mais informações. Já chamei outra pessoa."
"Entendo. Melhor eu não me intrometer então. Se você está certo, então tudo bem. Mas saiba que pode me chamar quando quiser."
Nanase deu um sorriso malicioso. "Eu me esforço mais pelos caras de quem gosto."
"...Posso interpretar isso como eu quiser?"
"Não!"
"Droga, você é boa!"
Ela fez um X com os dedos e então, com um sorrisinho, foi embora levando seus seios taça C com ela.
Depois da sétima aula, eu estava esperando no estacionamento de bicicletas quando Yua chegou correndo, uns cinco minutos atrasada. Ela não pareceu ter me notado no começo, parando por um instante para pegar um espelho e arrumar o cabelo. Eu sorri levemente.
"Desculpa, esperou muito?"
"...Ah não, acabei de chegar. Mentira, na verdade, estou aqui faz meia hora, morrendo de vontade de te ver. Hehehe!"
"Nossa, agora nem me sinto mais culpada." Yua fez uma careta falsamente irritada, abanando o rosto com a mão.
"Tudo certo com o clube de música?"
"Sim. Era dia de prática livre mesmo. Só disse que tinha coisas pra resolver."
Na noite anterior, meu telefonema tinha sido para Yua. Contei sobre a situação e pedi que viesse comigo até a casa do Yamazaki. Quer dizer, eu poderia ter ido sozinho, mas por razões boas e ruins, eu acabo chamando atenção. E tem muitos alunos que torcem o nariz só de ouvir o nome Saku Chitose. Principalmente outros garotos.
...Snif.
Enfim, se Yamazaki fosse um desses, havia grande chance de eu ser recebido com um "O que você quer, canalha?". Acho que Nanase se ofereceu para vir justamente para evitar algo assim.
Porém, Nanase também era da realeza escolar. Se Yamazaki fosse do tipo "Morram, padrãozinhos!", ir com ela seria contraprodutivo. No pior caso, ele diria: "Ah, entendi, os dois padrãozinhos nojentos querem mostrar para todo mundo que são boas pessoas, não é? Vão se ferrar!"
...Espera aí, quem disse que eu preciso ajudar esse cara mesmo?
De qualquer forma, por motivos similares, eu não podia levar Yuuko. Além do fato dela não ter filtro nenhum.
O que nos traz à Yua. Ela era a menos marcante do nosso grupo, e não passava aquela vibe de popular padrão. Ela se dava bem até com as garotas mais tímidas e sabia como não se aproximar rápido demais sem parecer fria. Até desconhecidos tendiam a gostar dela logo de cara. E eu tinha outro motivo astuto para levar uma garota.similares,
Quer dizer, pensa bem. Nenhum homem quer mostrar seu lado ruim na frente de uma garota bonita, né?
"Saku?"
"...É um elogio, sério, quando você pensa sobre, Yua. Ser uma garota um pouco comum, digo."
"Er, não tenho ideia no que você estava pensando, mas sei que foi algo rude. De qualquer jeito, a casa do Yamazaki é meio longe. Como vamos chegar lá?"
"Deixa comigo. Peguei a bicicleta do Kaito emprestada. Ele disse que tudo bem, desde que devolvamos antes do treino acabar."
Yua e eu íamos a pé para a escola por gostarmos do caminho do rio, mas a maioria dos alunos - na verdade, a maioria em Fukui - vai de bicicleta. Só não vai quem mora muito perto ou tão longe que precisa pegar trem.
E digo mais, a escolha do Kaito por uma bicicleta de senhora não o tornava brega. Por alguma razão, todo mundo em Fukui prefere bicicletas assim em vez de mountain bikes ou híbridas. Outra curiosidade: todo garoto em Fukui, não importa a altura, ajusta o banco no nível mais baixo possível.
"Mas eu não tenho bicicleta."
"Vamos de carona. É uma bicicleta de senhora, então tem bastante espaço."
Destranquei a bicicleta enquanto ajustava o banco.
"E se um policial nos vir? Ele vai mandar descer."
"Olha só, Yua. Andar de carona com uma garota é um rito de passagem pra todo garoto do ensino médio. Eu sei, é perigoso, malvisto, tecnicamente ilegal e as pessoas enchem o saco sobre isso em fóruns online. Mas não acha chato criticar os outros onde não podem se defender? O Kura disse algo super filosófico sobre isso outro dia."
"É, e todos sabemos que a vida pessoal do Professor Iwanami é um desastre colossal..."
Hmm, ela tinha razão. Mas não era motivo para desistir.
"Bem, eu acho triste nos formarmos sem participar dessa grande tradição escolar. Enfim, se alguém reclamar, só precisamos nos desculpar."
"Bem, não é com isso que eu tô preocupada..."
"Na verdade, pensando bem, o peso de duas pessoas na bike te obriga a ir mais devagar, então é muito mais seguro. E os freios estão revisados. Se mantivermos um ritmo constante, será bem mais seguro que numa bicicleta de corrida. Podemos descer e empurrar onde tiver muita gente."
"Não será tão pesado. Não almocei muito hoje."
Yua fez bico e sentou no bagageiro, com as pernas para um lado.
"A bike do Kaito tem aqueles apoios que saem da roda traseira, viu? Fica mais confortável se colocar os pés ali, um de cada lado. Assim também fica mais fácil sentar no bagageiro."
Adicionar esses apoios era uma customização simples que deixava muito mais confortável para o passageiro. Os populares de Fukui sempre fizeram isso, e recentemente a moda voltou com força.
"Não vou fazer isso com essa saia."
"Bem, você que sabe. Mas é melhor segurar firme nos meus ombros ou cintura, senão é perigoso."
"Quê?"
Yua pareceu hesitar por alguns instantes, então esticou relutantemente as mãos e agarrou meus ombros com as pontas dos dedos.
"Não precisa me tocar como se eu fosse um pano de prato sujo."
Tanta enrolação não ia nos levar a lugar nenhum. Peguei as mãos de Yua e as coloquei para segurar meus ombros com mais firmeza. Seus dedos eram mais finos do que imaginava e frescos ao toque. Seu aperto agora era surpreendentemente forte. Até doía um pouco.
Comecei a pedalar devagar. Seguimos por uma rua estreita na direção oposta ao caminho do rio. Não havia outros alunos por perto. Nem estava perto de escurecer, mas por algum motivo o lugar estava vazio.
Pedalamos por uns dez minutos até sair numa avenida mais larga, onde a cidade desaparecia. Dos dois lados, só se via campos de arroz. A cena mais típica do interior de Fukui que se possa imaginar. Os campos ainda estavam marrons e meio tristes, mas no próximo mês estariam alagados, ondulando suavemente com os ventos de maio.
"Suas costas..."
Yua afrouxou finalmente o aperto mortal e disse algo.
"Suas costas, Saku... São muito mais largas e musculosas do que imaginei... Bem masculinas."
"Bem, eu fui o melhor jogador de beisebol da província, sabia. Pode não acreditar, mas sempre fiquei em primeiro nos testes físicos da escola, desde o fundamental. Até superei Kaito e Kazuki."
"Eu sei. Vi um dos seus jogos no campo esportivo no verão passado, da janela da sala. Estávamos em ensaio."
"Antes de nos tornarmos os grandes amigos que somos agora? Então você sempre foi minha fã secreta, Yua?"
"...Hmm, talvez tenha sido."
Então, hesitante, como se estivesse tentando se mover no escuro, Yua mudou o aperto dos meus ombros para minha cintura. Senti um pouco de cócegas, mas continuei pedalando no mesmo ritmo, sem demonstrar.
"Está pensando em algo, Saku?"
"Sim. Estou planejando como executar uma freada tática repentina para conseguir um contato peito-costas."
[TMAS: Cara é um gênio, não tem como.]
"..."
"Desculpa, desculpa. Pode parar de apertar meu pescoço?"
"Você é tão babaca."
Bufando, Yua colocou os braços em volta da minha cintura novamente.
"Sei, sei, mas deixa isso. Estamos aqui para ajudar o Kenta Yamazaki. Teve alguma ideia durante a discussão no almoço?"
"Hmm, pensei sobre, mas sem pistas é impossível adivinhar o problema. Acho que nós vamos ter que ir lá e eu vou perguntar pra ele diretamente."
"Acho que você quis dizer 'nós perguntarmos diretamente'."
Chegamos à casa de Yamazaki com a ajuda do GPS do meu celular. Era apenas uma casa comum e sem graça com telhado de telhas. Não era particularmente nova, mas também não era velha. Provavelmente construída nos anos 80. Você não anda cinquenta metros em Fukui sem ver pelo menos uma casa assim (pelo menos nos subúrbios). Havia uma placa de madeira desbotada no portão escrito "YAMAZAKI".
Deixei Yua descer em frente à casa e estacionei a bicicleta no suporte. Yua me lançou um olhar de "E agora?". Sem hesitar, fui até a porta e toquei a campainha.
Ding-dong.
Ouvi o som ecoando dentro de casa. Rapidamente abotoei o colarinho da camisa e ajustei a gravata. Então peguei a mão de Yua e a posicionei ao meu lado. Ficamos ali por uns dez segundos até ouvirmos uma voz de dentro.
"...Alô?", perguntou uma voz desconfiada.
"Boa tarde! Sou Saku Chitose, colega de classe do Kenta no segundo ano. Como serei presidente de turma este ano, trouxe os materiais da aula para ele!"
Fui educado, mas não a ponto de soar falso. Olhei direto para a câmera de segurança com meu melhor sorriso de "Confie em mim".
Ao mesmo tempo, dei um leve tapinha nas costas de Yua, onde a câmera não via, sinalizando para ela falar também.
"Boa tarde, sou Yua Uchida. Como o Kenta não está indo à escola ultimamente, ficamos preocupados e queríamos saber se ele está bem!"
Boa Yua.
Um pouco mais reservada e educada que eu, mas com um ar amigável e atencioso. Sim, sim, era por isso que a trouxe, Yua!
"Nossa, que gentileza...! Um momento, por favor!"
Ouvimos um alvoroço dentro de casa, com muito barulho de coisas sendo arrumadas. Depois passos correndo até a porta. Parecia que a mãe de Yamazaki estava fazendo uma limpeza rápida.
"Obrigada por esperarem! Sou a mãe do Kenta."
A mulher que apareceu na porta devia ter uns quarenta e poucos anos. Era magra, quase ossuda. A pele do rosto e das mãos parecia cansada, e os cabelos entremeados de fios grisalhos estavam penteados às pressas. Ela nos avaliou rapidamente antes de focar em nossos rostos.
"Pedimos desculpas por vir aqui sem avisar. Chegamos numa hora ruim?"
Me enclinei educadamente para a Sra. Yamazaki com meu sorriso vencedor. Ao meu lado, Yua também baixou a cabeça.
"Ah, imagina! Desculpe a bagunça, mas por favor, entrem."
A voz da Sra. Yamazaki subiu duas oitavas enquanto nos guiava e oferecia chinelos. Imagino que uma oitava foi por descobrir que seu filho realmente tinha amigos que se importavam, e a outra por ser óbvio que Yua e eu éramos dois dos alunos mais bonitos da escola.
Ser bonito tem suas vantagens nessas horas. Você pula toda a parte de conquistar a confiança das pessoas - elas simplesmente te dão. E enquanto pais costumam recuar diante de visitas de professores, os amigos dos filhos não causam o mesmo efeito. Por isso não a recepção calorosa não me surpreendia. Acho que foi outro motivo pelo qual Kura me escalou para isso.
Ela nos levou à sala de estar e nos sentamos no sofá. A Sra. Yamazaki serviu chá-preto de saquinho. Yua pediu leite no dela, mas tomei o meu puro.
"Ah, antes que eu me esqueça. Aqui estão os materiais que distribuímos hoje."
Entreguei uma pilha de folhas que Kura tinha me dado. A Sra. Yamazaki as pegou, suspirando ao folheá-las.
"Sinto muito pelo incômodo que meu filho está causando..."
Ignorei o comentário, cruzando as mãos solenemente no colo e limpando a garganta hesitante.
"Como está o Kenta? Estamos todos preocupados. Não sabíamos como entrar em contato, e o tempo foi passando... Nós queríamos muito ter vindo antes."
"São tão doces por se preocuparem. Mas honestamente, nem eu sei mais o que dizer a ele."
A Sra. Yamazaki ergueu o olhar para mim.
"Mas o importante é que Kenta tem amigos como vocês que se importam. Como mãe, isso me deixa tão feliz. Sempre me preocupei de que ele estivesse sozinho na escola."
Eu sabia que ele tinha "amigos com interesses em comum", então solidão não parecia ser o problema. Aposto que esses supostos amigos não chamavam atenção nos corredores como nós, porém.
"Então o Kenta não fala nem com a senhora? Sobre... O motivo de não ir à escola?", perguntou Yua hesitante.
"É vergonhoso admitir, mas ele nunca me conta nada. Simplesmente anunciou em janeiro que não queria mais ir e se trancou no quarto. Deixo bandejas de comida na porta nas refeições, e ele come, então pelo menos isso. E percebo que ele anda pela casa quando saio para compras - ou tarde da noite enquanto estamos dormindo."
"É um alívio saber que ele está se alimentando."
O clima ficava cada vez mais pesado, mas Yua tentava aliviar.
"Sinto muito... Oh, uma jovem tão fofa como você ter que se preocupar com isso..."
Yua pareceu culpada de repente, então eu intervim rapidamente.
"Mas sabe, para jovens da nossa idade, não há nada mais constrangedor que contar problemas aos pais. Faz sentido ele não confiar na senhora. Ficaria mais preocupado se ele desabafasse tudo com a senhora todo dia."
Mantive meu tom leve e descontraído.
"Você… Pode ter razão. Ele é meu filho, mas eu não entendo..."
"Bem, isso é normal. Nem nós mesmos nos entendemos nessa idade, sabe? Mas nos permitiria tentar falar com o Kenta? Se possível, só nós dois. Se a senhora estiver por perto, ele pode não querer conversar."
"Oh, eu ia justamente pedir isso. Mas deixo avisado que ele pode ser muito rude. Quando o professor veio outro dia, ele gritou 'Não estou interessado! Manda embora!'..."
"Me desculpa por dizer isso, mas professor é como um pai. Há coisas que só podemos admitir para outros jovens, sabe? Ele pode ser rude conosco também, mas não desistiremos. Voltaremos quantas vezes for preciso. Quero me formar junto com o Kenta, todos juntos. Então a senhora nos deixaria lidar com isso sem interferir?"
A Sra. Yamazaki suspirou e assentiu, com os olhos marejados.
… Ela caiu, maravilha.
"...Você poderia ser um golpista."
Enquanto subíamos as escadas para o quarto de Yamazaki no segundo andar, Yua sussurrou para mim.
"Nossa, que maldade. Eu não menti nem uma vez."
"Você disse que somos amigos dele."
"Isso foi só senso comum para conquistar a confiança dela."
"Você disse que estávamos preocupados com ele."
"Eu estive. Desde o almoço de ontem. Na verdade, queria ter vindo antes. A situação parece bem grave."
"Você disse que voltaríamos! Disse que queria se formar com ele!"
"Eu quero. Porque, senão, o Kura nunca vai me deixar em paz."
"Saku, sua mãe nunca te ensinou que você não deve responder assim?"
Chegamos ao segundo andar e paramos em frente à porta no final do corredor curto. Yua me deu outro olhar de "E agora?", mas eu só bati na porta.
Toc, toc, toc.
Três batidas lentas. Eu tinha perguntado à mãe dele que tipo de batida ela costumava usar. Duas vozes desconhecidas gritando do nada poderiam dar um ataque no cara.
Toc, toc, toc.
Toc, toc, toc.
Esperei alguns segundos antes de repetir as batidas.
Toc, toc, toc.
"Cala a boca! Já ouvi! O que vocês querem?!"
Uma resposta finalmente veio depois da quarta batida.
"Ei, cara. Aqui é o Saku Chitose do segundo ano, turma cinco. A gente está na mesma classe, né, Yamazaki? E aí, colega? O nosso novo professor, o Sr. Iwanami, pediu para eu trazer umas apostilas. Mas já que estou aqui, você quer conversar?"
Comecei de forma leve e casual. Depois de alguns segundos, a voz do quarto respondeu com um confuso "O quê?!"
"Saku... Chitose?"
Ele parecia ainda estar tentando processar o que estava acontecendo. Nós nunca havíamos conversado, então isso devia ter sido completamente inesperado para ele.
"O quê? Por quê? Por que você está aqui, seu cafajeste vagabundo?"
Bem... Hora de matar ele.
Levantei o pé para chutar a porta, mas Yua me segurou.
"Se acalme."
Ela sussurrou no meu ouvido, pressionando os peitos nas minhas costas como eu tinha brincado na bicicleta. Eu baixei o pé rapidamente.
"Yamazaki, oi," ela disse. "Eu sou a Yua Uchida, também estou na turma cinco com você este ano. Desculpe aparecer assim do nada. Quando ouvimos que você não estava indo para a escola, nós dois ficamos preocupados..."
"Uchida...? Você não é uma das vadias do harém do Chitose?"
[TMAS: Saku, você se esqueceu que quem não tem reputação pra perder com as mulheres não se importa de ser cuzão com elas]
Ei, Yua? Aquele saxofone seu é um instrumento bonito, feito para trazer alegria aos amantes da música com seu som sofisticado. Não é uma arma para espancar até a morte um certo recluso de boca suja. Tá bom?
"Se acalme," eu sussurrei no ouvido dela, segurando ela.
"Não concordo com a sua descrição da gente, mas sim, somos o Chitose e a Uchida que você está pensando. Enfim, em vez de gritar pela porta, por que você não abre? Relaxa, a gente não veio para te encher sobre voltar para a escola nem nada disso."
"O quê? Eu não tenho nada a dizer para um casal de padrãozinhos nojentos como vocês. Cês tão zoando? Chitose, você trouxe uma garota aqui para ganhar pontos com ela fingindo que se importa comigo, o pobre coitado? Aposto que o professor obrigou você a vir, e você está odiando cada segundo disso!"
Odeio admitir, mas ele acertou em cheio.
Ah, mas as coisas também estavam indo exatamente como eu esperava. Decepcionante, na real.
"Eu estaria mentindo se dissesse que o professor não tem nada a ver com isso, mas não é o principal motivo da gente estar aqui. Só queremos conversar, Yamazaki. Você sabe muito sobre animes e light novels, né? Ultimamente eu também tenho me interessado por isso."
"Ah, lá vamos nós. Um padrãozinho molha o pé na cultura otaku e acha que é tão cult e original! Aposto que você nunca viu um anime que não fosse um filme mainstream! Tá bom, se você está tão interessado assim, me diz quais dessas séries você já leu!"
Então Kenta começou a recitar uma lista enorme de títulos como se estivesse lançando uma maldição. Eu reconheci alguns: Na Hierarquia Escolar, Eu Sou o Último! e Sou um Nerd Otaku com uma Namorada Gostosa!. Falando sério, eu não conhecia nenhum deles, nem tinha certeza se eram reais ou se ele só tava sendo sarcástico.
"...Desculpa, nada. Acho que para você eu sou só um modinha. Você conhece, Uchida?"
Olhei para Yua, mas ela balançou a cabeça.
"Desculpa, Yamazaki. Eu não sei muito sobre light novels. Não li nenhum desses. Mas parecem interessantes; será que você poderia me emprestar alguns?"
"Ah... Acho que uma garota popular e padrãozinho como você não iria gostar."
[TMAS: até eu to ficando irritado de ficar escrevendo tanto padrãozinho, mas esse termo é a melhor tradução e ele fica repetindo mesmo]
Yamazaki tinha sido um completo babaca durante toda a conversa, mas agora parecia ter lembrado que estava falando com uma garota—e uma bonita, ainda por cima. E Yua estava sendo super educada, então talvez isso tivesse acalmado ele um pouco.
"Ah, é? Bom, eu já li alguns mangás shounen mais populares. Eu adoraria ver a sua estante, Yamazaki!"
"Ah, não... Meu quarto está uma bagunça..."
"Então vamos conversar assim pela porta. Se for mais fácil para você, não me importo!"
"Ah, mas eu não sei sobre o que as crianças populares gostam de falar."
Fiquei feliz que ele tivesse se acalmado um pouco, mas ainda estávamos andando em círculos.
"Na verdade, eu sou mais tranquila comparada ao Chitose. Queria ser melhor em puxar assunto, mas eu costumo travar, heh... Desculpa não ser uma boa interlocutora, Yamazaki."
"Ah, não... Pelo que eu vejo de você na escola, você é uma padrãozinha super feminina."
"Você acha? Talvez eu só esteja cercada de gente que se destaca? Mas parece que você é do tipo que prefere ficar sozinho do que em grupos barulhentos, né?"
"Ah... é."
"Eu te invejo. Você tem paz e sossego para se dedicar aos seus interesses."
Até agora, eu tinha deixado Yua conduzir a conversa, mas precisei intervir.
"Yamazaki, fico feliz que você e a Yua parecem ter se entendido. Que tal se só vocês dois conversarem um pouco? Pode falar à vontade. Yua e eu saímos tanto que nem temos mais assunto."
"...Tá de brincadeira? Dá para ser mais arrogante? 'Aqui, pega a minha mulher, você pode ficar com ela um pouco'...? Eu não quero uma das vadias usadas do seu harém!"
[Mon: Rude é pouco, olha esse cara!]
"Ah, foi mal, cara. Não foi essa a intenção. Ah, esquece."
Na verdade, foi exatamente essa a intenção. Eu estava provocando ele de propósito.
Mais um babaca. Tal pai, tal filho.
Enfim, ouvindo a conversa deles, eu comecei a ter uma ideia do que poderia ser a causa por trás da anormalidade de Yamazaki.
Enquanto isso, Yua estava pronta para me bater com o saxofone depois daquela oferta, então era melhor encerrar.
"Tá bom, então a gente vai indo. Voltamos semana que vem."
"Nunca mais venham pra minha casa, seu bosta mulherengo."
Ah, eu vou voltar, sim! E quando eu voltar, vou estar com o meu taco de beisebol!
Contamos à mãe do Yamazaki que ele não havia aberto a porta para nós, mas mesmo assim saímos após receber seus agradecimentos. Também avisamos que voltaríamos na semana seguinte.
Lá fora, olhei para a janela do Yamazaki, imaginando que ele provavelmente estaria nos observando. Mas as cortinas continuavam fechadas.
Depois, voltamos para a escola para devolver a bicicleta do Kaito.
"Então, o que você achou, Yua? Conseguiu perceber algo interessante na conversa com ele?"
"Pra ser sincera, foi hilário ouvir ele te chamar de 'bosta mulherengo’'. Mas como ele ousa me chamar de 'vadia do harém'!"
"É, talvez fizesse mais sentido se fosse ao contrário, né? ... Ai! Para! Já falei—não aperta meu pescoço!"
Yua soltou e voltou a abraçar minha cintura.
"Mas, falando sério, não tive uma impressão muito positiva dele. Não gosto de rotular as pessoas assim, mas foi tão óbvio na conversa que não tem como evitar. Ele é o estereótipo perfeito do otaku, não é? Digo, claro, que ele está passando por algo, mas isso não é desculpa para ser tão grosseiro com alguém que nunca viu na vida."
"Sim, concordo."
Pessoalmente, eu já estava acostumado. Mas a Yua nunca tinha sofrido um ataque gratuito de alguém que mal conhecia. É comum quando você é popular, mas não deixa de ser desagradável. Ainda assim, ela se saiu bem.
"Você notou alguma coisa, Saku?"
"Hmm, sim, algo muito importante. Ele me odeia profundamente."
"É, meio que percebi isso."
"Buááááá..."
Fingi chorar como um bebê. Yua soltou um dos braços da minha cintura e deu umas palmadinhas nas minhas costas, como se me consolasse.
"Tá, tá. Você ainda tem sua beleza, Saku."
"Boa tentativa. Clássico."
Não conseguia ver o rosto da Yua, mas parecia que ela estava segurando uma risada.
O rangido das rodas da bicicleta velha soava como risadas também.
O pôr do sol tingia as nuvens de várias cores—do rosa pêssego ao laranja intenso, depois uma siena queimado e, por fim, azul-índigo. Um arco-íris inteiro. Lindo, como em um filme.
As sombras do garoto e da garota na bicicleta também se alongavam. Esticava-se até o infinito—ou pelo menos até os campos de arroz. A cena clássica de amor juvenil.
Aquilo também parecia ter saído de um filme.
Parecia que eu e a Yua poderíamos continuar pedalando para sempre, sem parar, indo aonde à estrada nos levasse.
Numa certa terça-feira, cerca de uma semana depois da minha primeira visita à casa de Kenta Yamazaki, eu estava relaxando no bicicletário depois da aula, esperando. Minhas pálpebras superiores brincavam de beijar as inferiores, como namorados tímidos. Até começarem a se pegar de verdade.
Ou seja, eu estava cansado pra caralho.
"Saku!"
Ah, era a Yuuko, com seus seios taça D balançando, um braço acenando e sua voz aguda me tirando a sonolência. Se qualquer outro cara visse essa cena, mesmo que de vislumbre... a Yuuko correndo alegremente na minha direção... com certeza me matariam. Na verdade, já estariam planejando meu fim. Morte por fogo? Afogamento? Enforcado? Qual seria o melhor método?
"Valeu por vir comigo."
"Nada! Tudo por você, Saku! Então só precisamos convencer esse... Ken-alguma-coisa Yama-sei-lá-o-quê a voltar pra escola, né?"
"É Kenta Yamazaki. Não faz papel de cabeça oca."
Eu tinha refletido bastante e resolvi chamar a Yuuko dessa vez. Depois de explicar a situação pra ela, claro. A Yua era legal e tudo mais, mas justamente por isso não podia continuar usando ela como parceira nesse projeto. A última visita havia deixado isso claro.
Antes, meu objetivo era coletar informações. Então levar a Yua tinha sido a escolha certa. Mas agora eu precisava de uma estratégia mais esperta.
Se eu ia enfrentar aquele cara perturbado, complexo e fechado, precisava de uma demonstração clara de poder. Pra usar as palavras do Kura: eu sou ótimo em analisar a situação e agir de acordo.
"É longe demais pra ir a pé, então pedi a bicicleta do Kaito."
"Sério? Que legal!"
Sem pensar duas vezes, Yuuko pulou na bicicleta em pé, com os pés nos apoios laterais e as mãos nos meus ombros.
"Vamo nessa!"
"Ei, tenha decência. Não dá pra ficar em pé com uma saia tão curta. Vão ver sua calcinha."
"Ah, mas é assim que se anda de carona! E pra ser sincera, tô nem aí se estranhos verem minha calcinha."
"Se você tá tão tranquila assim em mostrar, será que eu posso dar uma olhadinha?"
"Não, você não pode, Saku. Você é especial."
"São Geralmente os especiais que têm esse privilégio."
[TMAS: A garota não tem problemas em mostrar a calcinha, cadê as mulheres assim na minha vida.]
"Só quando o momento também é especial."
Ah, Yuuko, sua esperta.
Chutei o apoio da bicicleta e partimos, com a Yuuko gritando "Yahoo!" e "Pisa fundo!" De repente, ela se inclinou pra frente, envolvendo meus ombros com os braços.
Senti o cheiro doce do seu perfume e o toque sedoso do cabelo dela no meu rosto. E, é claro, aquele contato maravilhoso de peitos nas minhas costas. Por favor, para com isso, moça. Senão eu nunca vou conseguir descer dessa bicicleta.
"Você tá menos suado que no ano passado." A voz dela ecoou direto no meu ouvido.
"É, porque saí do time de beisebol."
"Ah, que chato! Eu gostava do seu cheiro pós-treino. E queria ter mais chances de torcer por você nos jogos."
Yuuko se sentou no bagageiro, provavelmente cansada de ficar em pé. Dessa vez, abraçou minha cintura. Devido ao meu blazer, não pude sentir o calor do rosto dela encostado nas minhas costas.
"Então, Yuuko, depois de ouvir sobre o Kenta Yamazaki, tem alguma ideia?"
"Hmm, não sou boa nessas coisas. Nem sei direito. Mas você vai dar um jeito, Saku! Já que você é o meu herói,!"
"Hmm. Bom, tudo que eu quero é que você fale qualquer coisa que vier na sua cabecinha linda. Eu sigo seu ritmo."
"Pode deixar."
O que exatamente faz alguém ser um herói? E será que é algo que você precisa continuar sendo a vida toda?
Refleti sobre isso enquanto a casa de Kenta Yamazaki aparecia no horizonte, ficando cada vez mais perto.
Toc, toc, toc, toc.
Dessa vez, não adiantava imitar a batida da mãe do Yamazaki. Bati na porta do quarto dele do meu jeito normal.
Falando nela, aparentemente Yamazaki tinha dito: "Esses malucos não são meus amigos. Não deixe eles entrarem da próxima vez." Mas claramente, a Sra. Yamazaki acreditava mais no poder da amizade escolar do que nas palavras do próprio filho. Dissemos que ela podia deixar com a gente.
Ah, sim. Ela queria se livrar do problema.
Ela havia hesitado um pouco quando apareci com a Yuuko, uma garota duas vezes mais bonita e chamativa que a Yua. Mas com seus encantos naturais, a Yuuko logo conquistou ela, e em pouco tempo parecia uma tia adorando a própria sobrinha.
"Yamazaki, aqui é o Chitose de novo. Falei que voltaria essa semana, lembra?"
Nenhuma resposta do outro lado da porta. Na verdade, para ser preciso, houve um silêncio repentino vindo de lá.
"Bom, o tratamento do silêncio funcionaria se a gente não soubesse que você está aí. Mas nós sabemos que você nunca sai desse quarto, então qual é o ponto? Tá bom, se não quer falar comigo, vou te entreter batucando o Sutra do Coração! Ando meio viciado nisso. Pronto? Yo, yo!"
Mesmo sendo um recluso, o garoto ainda era aluno da elite do Colégio Fuji. Ele saberia o que era o Sutra do Coração. Foi quando ouvi ele falar, mais irritado que nunca:
"...Cala a boca. Eu disse pra ela não deixar vocês entrarem. Você voltou mesmo?"
"Ai. Somos seus amigos. Estamos preocupados com você. Ou pelo menos é o que sua mãe acha."
"Então usou sua carinha de bonito pra enganar minha mãe, né? Claro que ela acreditaria em qualquer merda que você dissesse em vez do próprio filho. A... a Uchida tá aí?"
Ah, então ela evoluiu de "Vadia do Harém do Chitose" para "Uchida", hein? Yua, você mexeu realmente com o coração do cara. Aposto que ele passou a semana toda revivendo aqueles preciosos cinco minutos de conversa com você.
Mas, que pena. Temos que continuar.
"Não, a Yua tinha aula no clube de música e não pôde vir."
"...Tá vendo? Seus babacas padrãozinhos são todos iguais. Ela só veio pra te agradar. Aí enjoou e desistiu. Eu sabia que ia ser assim."
Yamazaki estava emburrado.
Ah, ele era tão fácil de ler. Isso facilitava meu trabalho.
"A Yua não é assim. Ela estava realmente preocupada com você. Se não fosse o clube, ela teria vindo com certeza. Mas hoje trouxe outra garota."
Yuuko deu um passo à frente. "Oi! Sou a Yuuko Hiiragi, da nossa turma. Ouvi que você tá faltando às aulas? Isso não é legal. Tá tudo bem?"
A voz dela era animada e leve—um verdadeiro soco no estômago.
"..."
Um silêncio longo, de uns dez a quinze segundos.
"...H-Hiiragi?! Aquela Hiiragi?! A Rainha Piranha do Harém do Chitose? Qual é a sua jogada, trazendo uma putinha dessas aqui? Quer se exibir pros seus fãs?!"
Ele estava subestimando minha popularidade com as garotas. Eu sabia que era um cara desejado, e não precisava provar dominância pra um recluso como ele. Além disso, tava até com vergonha alheia. Ninguém usa termos como "putinha", "harém" ou "fãs" na vida real—a menos que esteja tentando ser irônico.
"...Saku, o que é 'piranha do harém'? O que é 'putinha'?"
"Quando ele diz 'piranha do harém', ele quer dizer amiga próxima. E 'putinha' é, tipo, uma mulher fácil, acho."
Nós sussurramos entre nós.
"Ei! Até aceito ser a piranha do harém, mas 'putinha' já é demais! Só sou 'fácil' pro Saku, entendeu?"
[TMAS: Onde eu acho uma mulher assim, aprende revisora, essa mulher que é divina. / Mon: Ayo bro, calma lá! Pra vocês verem como eu sou tratada por eles… Depois eu dou um tiro com minhas habilidades cariocas e eu quero ver…]
Ótimo de saber!
Kenta Yamazaki não gostou nada disso.
"Claro que você ia dizer isso na frente do Chitose. Mas todo mundo fala de você. Já ficou com aquele tal de Mizushino e aquele Asano do seu grupinho também!"
"Nunca fiquei! Kazuki e Kaito são meus bons amigos! Só o Saku é quem eu namoraria. Aliás, quem é 'todo mundo'? Me explica."
"Todo mundo é... todo mundo. A escola inteira comenta."
"Quero nomes. Se for muita gente, me diz quem te contou diretamente. Então? Quem foi?"
"...Não lembro. Mas onde há fumaça, há fogo. Onde há rumores de puta, há putaria."
"Então vamos falar de você. Você é um recluso suado que falta às aulas, obcecado por anime e light novel! Aposto que é pedófilo! Viu? Também sei inventar rumores! Agora, por que não abre essa porta e mostra a cara? A gente veio até aqui, é o mínimo que você pode fazer!"
Yamazaki ficou em silêncio. Yuuko estava sendo direta e sem filtro, e pior: ela tinha razão. Ele não tinha argumento.
Se ele ao menos assumisse seus defeitos, talvez ainda houvesse esperança.
"Não enfie seus valores de padrãozinho em mim. Não pedi pra vocês virem falar comigo. Não tô incomodando ninguém, então me deixem em paz!"
"Ah, não. Você tá incomodando muita gente. Sua mãe e seu pai, seu antigo professor, seu professor atual, o Kura, a Ucchi semana passada e agora eu! Todo mundo tá preocupado com você, todo mundo tá tentando ajudar e tirando tempo da vida ocupada pra vir te ver!"
Yuuko respirou fundo antes de continuar.
"E quem você mais tá incomodando com esse seu drama de ficar trancado no quarto é o nosso novo presidente de turma, o Saku! Se você realmente não quer incomodar os outros ou ter gente se preocupando, então tira a bunda daí, volta pra escola, volta pra aula e se forma, caramba!"
Acaba com ele, Yuuko!
Era um espetáculo excelente. Queria ter trazido um pouco do chá da Sra. Yamazaki pra acompanhar. Ela havia melhorado os saquinhos desde minha última visita. Mas o próprio Yamazaki ainda não havia cedido.
"Digam o que quiserem, mas tudo que vocês tão fazendo é pelo seu precioso Chitose, não é? Você e a Uchida tão aqui pra ganhar pontos com ele, mas tão cagando pra mim, né? É por isso que as pessoas odeiam vocês!"
"Perai, qual o problema de se importar com um amigo? Eu vim porque o Saku me pediu. É isso que se faz com amigos—você quer ajudar! Então, sim, eu quero 'ganhar pontos', se é assim que quer chamar. Se não fosse o Saku pedindo, acha mesmo que eu estaria aqui tentando convencer um Zé Ninguém que nunca vi na vida a voltar pra escola? Tô nem aí!"
"Tá vendo? Tá vendo? Sua escória padrãozinho sobe na hierarquia pisando em nerdolas como eu. Depois finge que se importa pra parecer virtuosa! Quando ganha seus pontos com quem quer impressionar, abandona a gente!"
"Aff, é impossível conversar com você! Tipo, eu acabei literalmente de dizer! Qual é o problema disso? Todo mundo quer dar seu melhor perto de quem gosta! E eu não vou iludir outros caras se já tenho um namorado!"
Yuuko estava com o rosto colado na porta, franzindo a testa furiosa, imaginando provavelmente o rosto do cara com quem discutia.
"O que eu tô dizendo é: não finja que tá interessada neles pra começo de conversa! Ser legal com caras só dá ideia errada! Aí você ri com suas amigas, tipo 'ops, só tava sendo educada, e ele se apaixonou'! Deixa a gente em paz! E você também tá sendo enganada! Acha que o Chitose gosta de você? Hah! Ele é assim com todas as garotas! Incluindo a Uchida!"
"O quê? Então tá admitindo que uma garota foi legal com você uma vez, aí na sua glória de adolescente espinhento e inexperiente você se declarou, e ela te rejeitou? É isso? Se você acha que só vale a pena ser legal com quem tem interesse romântico, nunca vai fazer amigos, sabia?"
"Eu não... disse isso..."
Ah, tudo fazia sentido agora. O motivo pelo qual nenhum dos amigos dele na escola sabia o que tava errado. Ele tinha se apaixonado por uma garota que não é da nossa escola. Uma garota popular, e ele a perdeu para um cara igualmente popular.
Yuuko me olhou de relance, e depois se virou de novo em direção à porta.
"Além disso, eu sei que o Saku é legal com todas as garotas, e que muitas gostam dele! Mas não é só com garotas—ele é legal com todo mundo! Admiro isso nele! Por isso tudo que eu quero é ser a número um dele um dia! Se ele acabasse namorando outra, sim, eu ficaria arrasada. Talvez até faltasse às aulas. Mas só provaria que eu não era o tipo de garota que ele quer! Mas a culpa não seria dele por ser legal comigo! Eu nunca o culparia, nem por um segundo!"
"..."
Kenta Yamazaki ficou em silêncio.
Ah, eu tomei realmente a melhor decisão trazendo a Yuuko.
Na semana passada, quando saí dessa casa, tinha duas opções:
-
Continuar com a máscara de bonzinho ao lado da Yua, voltando semana após semana até ele finalmente abrir o coração. Quando cedesse, Yua o acalmaria e o convenceria a voltar à escola. Com base no que vi, daria uns 20% de chance de sucesso.
-
Encontrar a raiz do problema e lidar com isso diretamente. Clássico e direto, mesmo que extremamente irritante.
A primeira opção seria eficaz? Sim. E daria menos trabalho. Mas seria só uma solução temporária. Ele ficaria provavelmente obcecado pela Yua, se declararia e seria rejeitado num mar de suor e desilusão adolescente. E usar a Yua como isca... não era uma solução muito bonita pra mim.
Escolhi a segunda opção.
Mas isso exigia que nosso amigo recluso abrisse o jogo. Yua e eu, trabalhando juntos, talvez conseguíssemos (com sorte), mas levaria tempo. Precisava da Yuuko para cortar o blá-blá-blá.
Era óbvio que Yamazaki tinha uma tara por odiar "padrãozinhos" e populares. Levar a Yua parecia tê-lo irritado ainda mais, especialmente quando eu era super gentil com ele na frente dela. Ele odiava aquilo. Se eu levasse a própria princesa da escola, a superpopular Yuuko, ela o enfureceria até ele explodir e confessar tudo num mar de autopiedade e ódio.
Mas, pra ser sincero, não esperava que fosse tão bem assim.
"Yuuko, calma. Entendo como se sente, mas é melhor dar um passo atrás, descer e se recompor. Eu falo com o Kenta."
Dei a Yuuko um sorriso de "Boa, já chega" e uma piscadela extra. Ela me devolveu um sorriso de um milhão de dólares e uma piscadela maliciosa.
Assisti enquanto Yuuko descia as escadas barulhentamente, então me virei para Yamazaki.
"Certo, agora entendi a situação. Mas acho que posso te ajudar."
"...Ah, essa é a parte onde o padrãozinho popular e generoso ajuda o otaku virjão e rejeitado? Me poupe! Como ousa me olhar com pena assim!"
Nossa, que pílula difícil de engolir ele era.
Quando você começa a achar que as pessoas estão olhando pra você de cima, talvez devesse se perguntar se não é você que está olhando pra elas de baixo. Hmm?
[TMAS: Caramba, que frase. Mon: Top lições de vida!]
"Então, pode abrir a porta? Essa coisa de gritar de um lado pro outro já tá chata. Desce e toma um chá com sua mãe e a Yuuko. Sua mãe leva as xícaras, e a Yuuko leva os peitos, se é que você me entende."
"Vai morrer! Nunca vou abrir essa porta."
"Nunca? Não importa o quê?"
"Já disse: não vou abrir! Some daqui, seu mulherengo desgraçado!"
...Acho que já ganhei o direito de ficar um pouco bravo agora, não?
Fui até o quarto ao lado, que parecia ser o dos pais. Então saí na varanda, que era conectada à do Yamazaki. As cortinas do quarto dele estavam bem fechadas. Tentei a janela, mas estava trancada.
Parece que fiz bem em te trazer, já que.
Tirei o meu taco de beisebol da bolsa que carregava no ombro. O peso dele nas mãos era reconfortante, e o cabo estava perfeito.
A varanda não era muito larga, então não dava para um balanço completo, mas...
Hora do rebatedor. Jogador número nove Chitose.
Desculpe ter que te usar pra isso, velho amigo.
Estiquei os braços, preparei o taco e me concentrei no alvo. Era o mesmo ritual de quando entrava na caixa do batedor. Contei até três, relaxei e balancei o taco com toda minha força.
CRASH!!! Tinkle, tinkle, tinkle...
O estrondo foi mais abafado do que esperava. E o som do vidro quebrando foi quase musical. E assim terminou a vida do fiel vidro da janela do Yamazaki.
Não foi nem perto de rebater uma bola para o campo externo, mas ainda assim... foi satisfatório.
Até me senti um pouco mal pelo vidro. Espero que você reencarne como um daqueles vidrinhos de refrigerante antigo e um dia beije os lábios de uma linda garota como a Yuuko, pensei.
"QUE. DESGRAÇA. FOI. ESSA?!"
Um grito meio histérico veio de dentro do quarto. Justo. Eu também ficaria chocado se alguém arrombasse minha janela. O drama era merecido.
Cuidadoso para não cortar o braço nos cacos de vidro, alcancei a fechadura e destravei a porta de correr. Então a abri, afastei as cortinas e entrei com cuidado, taco no ombro.
"Você é completamente insano! Isso é crime! Você é um criminoso!"
Eu encolhi os ombros, imperturbável.
"Ah, você não conhece a música 'Laugh Maker'? Da banda Bump of Chicken? 'Você não pode estar falando sério! Ouço a janela do outro lado quebrar enquanto você segura um cano de ferro com lágrimas no rosto. Eu vim aqui para te trazer um sorriso.' É uma música fofa. Meio antiga, agora. Eu te mostro ela algum dia."
"De que desgraça você tá falando?! Você tá falando sério agora?! O que tem de errado com você?!"
"Ah, agora não precisa ficar tão amargurado. Eu literalmente te avisei: 'Vim aqui para te trazer um sorriso', cara."
Poxa, eu não sou o cara mais descolado do universo ou o quê?
[TMAS: Cara resolveu ser carioca do nada. / Mon: Mó difamação isso ai, Carioca usa arma, igual eu com a minha Mk.12 SPR;]
Vamos voltar meia hora no tempo, beleza?
"Dona Yamazaki, retomando minha proposta: o que seria mais fácil de consertar, a porta ou a janela?"
A Sra. Yamazaki parecia completamente perdida. Continuei mesmo assim.
"O Kenta não vai sair, a menos que a gente faça algo drástico. No início, ele provavelmente só queria faltar alguns dias, mas as coisas saíram do controle. Ele perdeu a chance de voltar por conta própria. Sabe que precisa agir antes que seja tarde, mas, depois de todo esse drama, o orgulho não deixa ele simplesmente aparecer e dizer que desistiu de abandonar a escola. Então precisamos criar um pretexto conveniente — algo que o force a voltar. Assim, ele salva as aparências."
[TMAS: Corrigindo, ele foi esperto e não criminoso, ou seja, paulista.]
Ela ainda parecia não entender.
"Minha proposta é invadir o quarto dele à força, seja arrombando a porta ou quebrando a janela. Por isso trouxe esse taco de beisebol. Depois, o Kenta pode dizer: 'O maluco do Chitose invadiu meu quarto, então não tive escolha.' Entende?"
Finalmente, um lampejo de compreensão nos olhos da Sra. Yamazaki. A expressão vazia deu lugar à preocupação.
"... Entendo, Chitose, mas isso não vai piorar as coisas? Não quero que o Kenta fique mais chateado. Seria terrível se houvesse violência..."
"Não acho que precisamos nos preocupar. Se ele realmente não quisesse ajuda, teria colocado fones de ouvido e ignorado a gente quando batemos ou tentamos conversar. Mas, na verdade, ele até que foi bem respondão. Acho que ele está procurando uma saída."
E não era só discurso. Kenta Yamazaki não estava 100% comprometido com o plano de ser um recluso que evazou de escola. Provavelmente já estava arrependido de ter se enfiado nessa situação. Por isso eu precisava ser radical agora. Ir além do imaginável com ele.
"Você não vai machucar ele, vai?"
"Arrombar a porta levaria um tempo. Tenho certeza que o Kenta vai se afastar quando ouvir o barulho. E como as cortinas estão fechadas, se eu entrar pela janela, os cacos de vidro não vão atingi-lo. Mas recomendo a segunda opção — consertar a janela sai mais barato que trocar uma porta. Além disso, ele não terá tempo de reagir se eu for rápido. Claro, eu pago pelo conserto."
Previ que a Sra. Yamazaki recusaria meu dinheiro, mas eu estava preparado para cobrir os custos. Bastaria enviar a conta para o Kura depois e ser reembolsado.
"Jamais aceitaria dinheiro de alunos tão bondosos que estão ajudando meu filho rebelde! Tudo bem, entendi seu plano e concordo. Mas poderia optar pela janela, por favor?"
Ah, tudo saindo conforme o planejado.
Se isso fosse um romance adolescente meloso, eu teria que convencer o Yamazaki com palavras até que ele, emocionado, abrisse a porta em uma cena tocante. Mas paciência não é meu forte. O resultado seria o mesmo, então qual a diferença? Prefiro ir direto ao ponto. Quando estou no comando, todos os caminhos levam ao Saku-cesso. Heh.
"Obrigado por aceitar meu plano — sei que é um pouco radical. Mas tenho certeza que conseguiremos trazer o Kenta de volta assim. Yuuko, quando eu der o sinal, pode descer para um lugar mais seguro? Acho melhor eu conversar com ele homem a homem."
Sorri para ela, mantendo minhas intenções ocultas.
"Tá bom! Enquanto isso, podemos tomar aquele chá juntas, Yumiko!"
O nome dela era Yumiko? Devia ter esquecido.
"...Então, como pode ver, tudo foi feito de forma legítima. Nada de atos criminosos aqui."
Enquanto eu tentava explicar isso, Yamazaki ficava andando de um lado para o outro no quarto. Sentava na cama. Sentava na cadeira da escrivaninha com as pernas encolhidas. De vez em quando, ele fazia como se fosse interromper, mas depois ficava quieto de novo. Ele não parava de olhar furtivamente para a porta. Claramente se perguntando se deveria tentar fugir. Era até engraçado, na verdade.
"Só respira fundo e se acalma, Kenta."
"Não fale meu nome como se me conhecesse."
Ele estava muito menos agressivo agora que eu estava dentro do quarto. Sua voz tinha baixado vários tons e ganhado um tom trêmulo.
"Lembra o que a Yuuko disse? Olhar nos olhos da pessoa quando fala com ela é a regra número um da comunicação humana básica. Finalmente chegamos à linha de partida. Finalmente ambos entramos no ringue."
Eu estava varrendo os cacos de vidro para um canto do quarto com a ponta do meu taco enquanto falava.
"Agora, vamos tentar nos entender aqui. Dá pra ver que você tem um monte de coisas que quer me dizer, né?"
Agora que finalmente consegui dar uma boa olhada em Yamazaki Kenta, minhas suspeitas foram totalmente confirmadas. Ele era o estereótipo perfeito do otaku triste e derrotado.
Ele estava extremamente desleixado, provavelmente piorado por ficar trancado por tanto tempo. Vestindo um moletom e calça de moletom surrados, com cabelo despenteado e uma barba por fazer no rosto. Mas tentei ignorar isso.
Ele não era exatamente gordo, mas tinha um corpo meio arredondado. Atrás dos óculos baratos e fora de moda, suas sobrancelhas eram grossas e claramente nunca tinham conhecido um alicate de depilar. E ele tinha um ar nervoso e inquieto. Se você pesquisasse "otaku suado" no Google, ele seria o primeiro resultado.
"Qual é. Não faz sentido ficar calado agora. Se tem algo a me dizer, é melhor soltar tudo."
"...Essa sua arrogância, é porque você realmente acredita que é melhor que todo mundo, não é? Todos os atletas são iguais. Não importa o que eu diga ou quão bom seja meu argumento. Caras como você sempre recorrem à força. Truques de lutador profissional. Violência. Vocês se aproveitam de caras como eu. Tudo pra se sentirem superiores."
"Você não poderia estar mais errado. Mesmo assim, admito que dizer isso soa meio vazio depois que acabei de arrombar sua janela. Mas, na verdade, sou um cara totalmente pacífico. Detesto violência. Nunca faria nada para piorar uma situação. Além disso, tenho certeza que posso vencer qualquer um num debate só com palavras. Não te falei? Estamos ambos no ringue agora. A partir de agora, vai ser uma luta justa."
[Mon: Argumentos válidos… Aprovado!]
Apoiei meu taco na escrivaninha e me sentei na cadeira.
Kenta ainda me olhava com desconfiança e um toque de medo nos olhos.
"Você é bem diferente quando a Uchida e a Hiiragi não estão por perto, hein? Decidiu abandonar aquele papo de 'Olha como sou bonzinho'?"
Hmm, ele não estava totalmente errado. Com certeza, eu não gostaria que as garotas ouvissem algumas verdades que estava prestes a dizer ao velho Kenta. Especialmente a Yuuko. Isso arruinaria completamente a imagem heróica que ela tem de mim.
"Só mudei minha abordagem agora que estamos cara a cara, em vez de conversar através da porta, só isso."
"B-bom, já deixo avisado, se você tentar qualquer coisa física, eu chamo a polícia."
"Tudo bem por mim."
Encolhi os ombros. Kenta hesitou por mais um segundo, então se sentou na cama como quem aceita seu destino.
"Tá bom, então. Vou te dizer o que penso. Por que não? Todos vocês, populares, cagam em cima dos impopulares como se fosse seu direito de nascença. Só porque chegaram ao topo da hierarquia escolar usando seu talento esportivo, suas notas boas, sua beleza... coisas que o universo simplesmente te deu! Bem, isso não é justo! Vocês deveriam pelo menos tentar nos conhecer como pessoas antes de nos discriminar com base na nossa aparência e com quem andamos!"
Puxa, ele está bravo.
Mas eu poderia apontar pelo menos dez razões pelas quais ele estava errado.
"Não assuma simplesmente que boa aparência, habilidade atlética e boas notas são 'presentes' do universo. Sim, talvez até o final do ensino fundamental você possa se safar. Mas a partir do ensino médio, há boas razões pelas quais os populares são populares."
Pensei nos meus amigos enquanto falava.
"Você acha que a Yuuko não passa horas todo dia cuidando do cabelo, da maquiagem e da pele? Acha que meus amigos dos times de futebol e basquete não passam horas preciosas de sua juventude treinando pesado todo dia? Acha que a Yua não passou duas, três horas toda noite estudando só pra passar no vestibular da nossa escola?"
"Isso é só polir habilidades com que já nasceram..."
"Tá bom, vou colocar assim: você abandonaria um RPG só porque seu personagem começa no Nível 1? Chamaria o jogo de ruim a menos que seu personagem começasse no Nível 99? Todos temos estatísticas iniciais diferentes, sabe? Todo mundo tem pais e ambientes familiares diferentes. Não é realista esperar que todos comecem em pé de igualdade."
"Isso é... um exemplo bem simplificado da realidade."
Kenta estava resmungando para si mesmo.
"Sim, talvez. Mas é verdade. Todos escolhemos nossos próprios caminhos. Isso se chama livre arbítrio. Criamos nossos próprios destinos."
"Fácil pra você dizer, e pra todos que já nasceram com tudo. É impossível vencer alguém com talento natural, não importa quanto esforço você faça. Tentar seu máximo é só perda de tempo."
"Esse tipo de comentário eu só permitiria de alguém que realmente deu a alma por algo, trabalhou até os ossos e espremeu cada gota de sangue, suor e lágrimas, e mesmo assim perdeu para alguém com talento natural que não se esforçou. Até o Ichiro, o melhor rebatedor do mundo, coloca um esforço incrível no jogo, tanto que seus colegas de liga reclamam dele. E ele trabalha assim desde o ensino fundamental."
"... Então ele nasceu com talento natural e só cultivou um pouco."
Ele ainda não estava entendendo.
Ou talvez fosse mais preciso dizer que ele estava deliberadamente não querendo entender.
"Certo, você já tentou realmente se esforçar em alguma coisa? Você fala sobre como algumas pessoas são abençoadas. Sobre como você não pode vencer. Mas contra quem você está tentando vencer? Sim, se for uma competição para ver quem é o melhor no mundo em algo, então habilidade natural definitivamente fará diferença. Mas na nossa escola, qualquer um pode tirar boas notas se se esforçar um pouco."
"Ah, lá vamos nós. O discurso clássico de 'Supere a si mesmo'."
"Estou errado? Claro, alguns de nós têm mais aptidão para certas coisas. Mas é saber essa diferença e ir atrás do que você tem mais talento, trabalhando duro nisso, que define o sucesso real. Se você dedicar tempo e esforço a algo que tem aptidão, os resultados virão. Como dizem, crianças prodígio viram adultos comuns. Mesmo que você tenha sucesso em algo só com talento natural, isso não significa que conseguirá manter para sempre. Será ultrapassado por quem se esforça mais."
Dei um sorriso significativo para Kenta.
"Quer dizer, se você pegasse todo o tempo que passou sem ir à escola e aplicasse em, sei lá, resolver o Cubo Mágico... aposto que já seria o mais rápido da escola nisso."
"...Ah, tanto faz."
Peguei Kenta sorrindo por um segundo. Mas ele rapidamente corou e desviou o olhar.
"Bom, só estou dizendo que se você entrou na nossa escola, já está à frente em termos de sociedade. Sabe quantas pessoas falharam no vestibular? Você tem habilidades, Kenta. No futuro, poderá entrar em qualquer emprego em Fukui com o nome do Colégio Fuji no seu currículo. Na verdade, o nome da nossa escola tem mais peso aqui do que algumas das melhores universidades do país."
Claro, Fukui é uma província pequena e rural. Então não é um feito tão grande no esquema geral das coisas. Mas o que queria passar era que Kenta não era o perdedor que pensava ser.
"Hmm. Talvez você tenha razão... Ok, então esforço conta um pouco. Mas não posso fazer nada sobre minhas habilidades de comunicação ruins ou minha personalidade..."
"Sim, quando você prefere ficar sozinho, é difícil sair e tentar ser o centro das atenções. Mas acho que não precisa ir tão longe. E habilidades de comunicação são fáceis de aprender. Simplificando, pode começar perguntando 'por quê?', oferecendo informações sobre você mesmo e encontrando pontos em comum. Entendeu?"
"O quê?"
Tossi de propósito e coloquei mais energia na voz.
"Ah, cara. Tô com um sono hoje."
Levantei uma sobrancelha e gesticulei para Kenta como quem diz "Vai lá, então".
"...Uh... Uh, por quê?"
"Porque não dormi direito há uma semana. Fiquei a noite toda lendo uma light novel muito boa..."
[Mon: Quem nunca?... Sou só eu mesmo?]
Gesticulei para Kenta de novo.
"Eu... Eu também gosto de light novels..."
"Sério?! Nem brinca! De quais gêneros você gosta?"
"Eu... gosto das de comédia romântica..."
"Viu só? Estamos tendo uma conversa totalmente normal e funcional. É fácil!"
Bati palmas exageradamente.
"...Que porra é essa? Tá me tirando?"
"Não, cara, tô falando sério. Isso é comunicação. É sobre tentar conhecer a outra pessoa, fazer ela te conhecer. É como um jogo de 'passar a bola', entende? Você passa a bola da conversa de um para o outro. Pense nas suas conversas com Yua e Yuuko. Você sempre deixava a bola cair. 'Por quê?' 'O quê?' 'Sei lá'—você não dava nada pra elas trabalharem, entende?"
"Hmm, acho que você tem razão..."
"E você ficava dizendo coisas idiotas como 'Não sei do que os populares gostam de falar'. Se não sabe, pergunte. Quer saber o que motiva as pessoas? Pergunte. E então fale sobre as coisas que você gosta."
Kenta me encarou, sem entender.
"Sim, mas, Chitose... achei que você não lia light novels?"
"Ah é? Olha só: Eu Era o Maior Nerd da Escola, Mas Fui Reencarnado Como Líder do Meu Próprio Harém em Outro Mundo!, Sou Bonito, Mas Só Num Universo Paralelo?!, Sou um Otaku, Mas As Garotas Fáceis Estão Todas em Cima de Mim?!, Um Otaku Pode se Apaixonar?, Entrei no Grupo dos Populares e De Repente Estou em Alta!, O Cara Mais Popular da Escola é Nada Menos Que Meu Irmão Mais Novo!, Minha Senpai Gostosa é Obcecada Por Mim, Um Otaku?!, Não Preciso Ser Popular, Mas Ao Menos Me Deixem Ser Rei dos Nerds!, Não Consigo a Atenção da Garota Gostosa Se Só Fico Com Outros Otakus mulheres!, Nesse Mundo, Nerds e Populares Trocam de Lugar!..."
Finalmente parei para respirar.
"...Por que os títulos são tão longos? Quase morri listando todos."
"Esses são todos os que mencionei da última vez."
"Na verdade, sou um grande leitor. Mas me avise da próxima vez quantos volumes cada série tem. Cada uma dessas tinha pelo menos cinco volumes lançados. Levei a semana toda pra ler tudo."
"...O quê? Você leu todos em uma semana? Ah, claro. Então prove. Responda essas perguntas."
Kenta começou a disparar perguntas. Queria que eu listasse os personagens de cada série, além de descrever capítulos aleatórios. Mas eu estava pronto para o desafio. Como disse, passei a semana toda lendo. Não existia uma pergunta que ele fizesse que eu não soubesse responder.
[TMAS: O cara foi a fundo pra se tornar amigo dele, ficar lendo light novels com atenção ainda se não gosta é um esforço absurdo.]
"...Eu realmente não te entendo. Qual é o seu jogo? Por que você tá tão desesperado pra ser meu amigo?"
"Opa, opa, calma aí. Ser seu amigo não me traria nenhum benefício social. Só quero que você volte pra aula. Não tenho nenhuma outra motivação."
"Então por que... tudo isso?"
"Sabe, eu odeio pessoas que não fazem o mínimo esforço pra conhecer alguém ou algo, mas aí pegam o que ouviram de terceiros e usam pra tentar diminuir essa pessoa ou coisa. Na verdade, os livros eram bem interessantes. Não conseguia parar de ler. Agora entendo por que você gosta deles. Como eu disse, comunicação é sobre realmente querer conhecer a outra pessoa. É por aí que começa."
[TMAS: Bom, aqui vemos que o Saku realmente gostou, não foi a tortura que pensei que tinha sido.]
Kenta ficou em silêncio. Acho que estava em choque.
"E tem algo que quero te perguntar. Você disse algo bem interessante agora há pouco. O que foi mesmo? 'Vocês deveriam pelo menos tentar nos conhecer como pessoas antes de nos discriminar com base na nossa aparência e com quem andamos', certo? Tá. Então, entre eu, Yua, Yuuko e você, quem estava discriminando quem com base em aparência e grupo social? Hein?"
"É, mas..."
Os lábios de Kenta se moveram por alguns segundos, mas ele ficou quieto de novo.
Peguei um livro de história mundial da estante dele e folheei sem pensar muito.
"Sabe, no ensino fundamental, eu era viciado naquela série... As Maiores Figuras da História. Já leu?"
Não estava pensando muito quando joguei essa pergunta.
Kenta balançou a cabeça, confuso com a mudança súbita de assunto.
Continuei, meio brincando.
"Um dos grandes homens que admirei teve uma infância interessante. Esse jovem era abençoado com todos os tipos de dons naturais. Era tão bonito que confundiam às vezes com uma garota, tirava as melhores notas e ganhava de todos os meninos nos esportes. Mas nunca se deixou levar por isso. Era gentil com todos, meninos e meninas."
Kenta interrompeu.
"Do que você tá falando agora? Não tô entendendo..."
"Só escuta. Isso vai nos ajudar a nos entender. Então, o que você acha do menino até agora, Kenta?"
"O quê...? Acho... pelo que ouvi, ele parece um babaca. Mas deve ter algum defeito, né? Pelo menos um?"
Ah, ele era tão honesto.
"Sim, muita gente provavelmente pensaria assim. E, na verdade, pensavam. As crianças do grupo dele começaram a provocá-lo, procurando um ponto fraco. Ele era perfeito demais, sabe? Se tirasse 9,9 numa prova em vez de 10, zoavam ele por isso. Se tivesse um fio solto no uniforme, começavam a zoar ele. Até riam do jeito que ele ria."
"Parece que ele merecia. Enfim, crianças são cruéis. E errar uma questão não muda o fato de que ele era inteligente."
"Como eu disse, eles estavam procurando pelo em ovo. O prego que se destaca leva martelada. Eles odiavam esse garoto. Eram como caranguejos num balde - incapazes de subir ao nível dele, então puxavam ele pra baixo com eles."
Fiz uma pausa dramática, olhando para Kenta.
"Então, o que você acha que o garoto fez depois?"
Kenta ponderou por um segundo. "Acho que ele revidou na mesma moeda. Afinal, ele era naturalmente talentoso, né? Só precisava impor dominância. Aposto que ele tava puto."
"Nada. O garoto decidiu se rebaixar ao nível dos colegas inferiores. Passou a errar questões de propósito nas provas e se fingir de desastrado nas aulas de educação física. Tentou se tornar igual a eles. Achou que, se parasse de se destacar, parariam de implicar com ele."
"...Isso não é justo. Não era culpa do garoto que os colegas fossem babacas. Ele ainda deveria poder ser ele mesmo."
"Sempre são os medíocres que tentam puxar os excepcionais pra baixo."
Devolvi o livro de história à estante. Então caminhei até meu taco e comecei a acariciar o cabo distraidamente.
"E aí? Pararam de implicar com ele?"
"Não, infelizmente não. Só piorou. Como ele agora cometia erros ainda mais básicos, as provocações aumentaram. Seus algozes ficaram mais determinados do que nunca a esmagar ele completamente."
"Então era só bullying mesmo. Mas no final o garoto triunfou, né? Quer dizer, ele era tão excepcional..."
Fiquei em silêncio, esfregando o queixo antes de continuar.
"No final, uma professora notou a situação do garoto. Viu como as outras crianças o excluíam e o chamou para conversar. Ela disse: 'Um garoto como você, abençoado com todos esses dons, deveria estar à frente da classe, servindo de exemplo. Você pode se perguntar por que é o único que precisa se esforçar tanto, mas as outras crianças... bem, elas se perguntam por que você é o único com todos esses talentos.'"
Pausei para respirar. Estava ficando um pouco exaltado e precisava manter a voz calma e estável.
"'...Então você precisa voar ainda mais alto. Correr ainda mais rápido. Até se tornar um verdadeiro herói, do tipo que inspira os outros a seguirem seu exemplo...'"
"... Parece uma boa professora."
"Então o garoto parou de esconder seus talentos e focou em ser o melhor que podia. Até se tornar alguém tão incrível que era admirado por todos. E viveu feliz para sempre. Fim."
Sim, o garoto percebeu que, ao tentar passar despercebido, só estava se colocando ao alcance dos perdedores ao redor, que continuavam tentando agarrá-lo e puxá-lo pra baixo.
Ele precisava voar mais alto... mais rápido... até estar tão fora de alcance que os simplórios pareceriam ridículos tentando alcançá-lo. Ele precisava brilhar - intensa e lindamente.
Como a lua no céu noturno.
Como uma bolinha de gude presa dentro de uma garrafa antiga de Ramune com uma tampa que não sai. Li algo assim num livro uma vez.
Ele precisava ir tão alto e tão longe que, quando finalmente olhasse para trás, nem sequer lembraria por que havia subido tanto em primeiro lugar...
"Entendo. Então em qual grande figura histórica o garoto se tornou?"
"Ele se tornou o grande, o exaltado, o lendário... Saku Chitose."
"Você?!!!"
"Aliás, inventei a maioria dessa história agora. Tipo, noventa por cento é ficção. Boa, né?"
"Por que fez parecer que era algum tipo de fábula?! E qual parte era verdade então?!"
"A parte sobre eu ser ótimo."
"Para de desperdiçar meu tempo, seu babaca!!!"
"Bem, acho que agora aprendemos algo importante sobre tentar melhorar a nós mesmos e não apenas vagar pela vida, não é mesmo?" Cruzei os braços, propositalmente pomposo.
"Me sinto um idiota agora. Não acredito que caí na sua história besta. Mas... bem... não era totalmente ficção, era? Acho que você também passou por coisas difíceis, Chitose. Então... desculpa. Você tá certo. Você tem razão. Eu tinha preconceitos sobre vocês. Fiz de vocês os vilões sem nem ao menos os conhecer."
Esse é o tipo de cara que super analisa um anime com final vago e medíocre e o chama de obra-prima baseado em tudo que ele claramente não é.
"Bom, fico feliz que você tenha visto a luz. Então está disposto a conversar agora?"
"...Acho que sim. Pelo menos estou aberto a ouvir o que você tem a dizer."
Sorri mentalmente.
"Ótimo, obrigado. Queria esclarecer alguns mal-entendidos. Primeiro, sobre essas light novels que você ama, todas sobre perdedores desajustados. Como ficção são divertidas, mas não as confunda com a realidade. Elas até mencionam algumas habilidades úteis para ser popular, mas idolatram demais a popularidade. E também a demonizam. Não é realista. Precisam simplificar e pular coisas para servir à história, sabe?"
"Sei que é ficção, mas os populares são assim mesmo, não? São os vencedores na vida."
"Entendo. Então é realmente assim que você vê..."
Pensei por um momento. Provavelmente todos os alunos impopulares e depressivos se sentiam assim, não só o Kenta.
Para esclarecer esse equívoco, eu teria que mostrar um pouco do meu eu interior. Não queria, mas já tinha previsto isso. Mais um motivo para ter trazido a Yuuko.
Ainda assim, Kenta estava longe de conseguir entender significados mais profundos no que eu dizia. Mas era um pequeno preço a pagar por ajudar alguém a mudar de vida. Ao assumir essa tarefa, eu também assumia um pequeno risco pessoal.
Continuei:
"Mesmo que você ache que os populares estão no modo fácil da vida, na verdade, é o modo difícil, muito mais difícil que para os impopulares. Se destacar é uma merda. Quer dizer, você sabe sobre o abuso que tenho que aguentar naquele site secreto, né? Tipo... não me entenda mal, ser bonito abre portas, mas também faz as pessoas acharem que podem dizer coisas ruins sobre você, que você é um babaca, um garanhão, e por aí vai. Ouço esse tipo de coisa todo dia. E pelo que lembro, você mesmo fez isso..."
"Eu... sinto muito por isso."
"Relaxa, não tô tentando te fazer sentir culpado. Só quero que você entenda que existem dois lados em cada história. Tipo, aqui estou eu tentando te ajudar. E fui eleito presidente de turma."
"Ah é, você mencionou isso."
"Pois é, mas todo mundo acha que vou fazer qualquer coisa que precisam só devido ao cargo. E que vou fazer certo, seja o que for. É muita pressão, vem de todos os lados, e não tem como escapar. Quer dizer, você gostaria de ter que ir na casa de um recluso depressivo que nunca viu na vida pra convencê-lo a voltar pra escola?"
"Ah, não. Realmente não gosto de me meter na vida dos outros..." Kenta fez uma careta, imaginando-se no meu lugar.
"Viu? Digo, você ganha esse rótulo de 'herói da turma'. E aí tem que ser perfeito pra sempre. Porque se escorregar uma vez só, vão te arrastar pro inferno."
"Como na história que você contou."
Kenta estava seguindo bem as migalhas que eu deixava. Muito bem, na verdade.
Continuei:
"Comparado a isso, esses protagonistas otakus têm vida fácil. Se eles erram... e daí? Ninguém se surpreende. Ninguém os envergonha por isso. Só precisam se recompor e ter uma conversa normal com uma pessoa tridimensional, e já são elogiados e aplaudidos. Eles erram, sem problemas. Têm um pequeno sucesso, e todo mundo surta. Como eu disse, é o modo fácil. Mas pra gente? Quando temos sucesso, ninguém liga, porque já esperam isso. Nunca ganhamos pontos extras. Mas se fizermos algo errado, perdemos tudo. O jogo é manipulado. É uma merda."
Kenta ficou em silêncio, pensando no que eu dissera. Então falou:
"Tá, entendi o que você disse. Mas isso só se aplica aos mais populares dos populares, como você e a Hiiragi, certo? Os populares normais são só babacas, sempre tentando se sentir superiores a nós no fundo do poço."
"Tudo bem, admito que sou excepcional. Mas você está perdendo meu ponto."
"É só uma questão de categorização. Essas pessoas de ranking mais baixo olham para os populares e acham que são todos iguais. Mas há muitos níveis. Não vejo quem fica tentando humilhar os impopulares como verdadeiramente populares. São só aspirantes. Só considero realmente populares as pessoas genuinamente boas. Babacas não chegam ao topo, não importa quais talentos ou beleza tenham. Tipo, pegue a Yua e a Yuuko. Elas foram grossas com você? Pareceu quererem te rebaixar?"
"...Não. Elas só conversaram comigo como se fôssemos iguais. Fui eu... eu que comecei vendo você como inimigo sem te conhecer, Chitose..."
"E sabe por que as garotas e eu fomos tão decentes com você?"
"Ah... não?"
"Resumindo, é porque estamos confiantes em nosso lugar no mundo. Então não precisamos apontar falhas dos outros e rir quando erram, como se estivéssemos equilibrando as coisas. Isso não vai elevar nossa posição, e nem nos importamos em tentar. Não precisamos olhar pra baixo. Nem precisamos olhar pra baixo. Entende?"
Baixei um pouco o tom:
"Rebaixar os outros não vai te elevar. Só vai te degradar até você descer ao nível deles."
"...Então você está dizendo que preciso me esforçar para mudar, até ter confiança em mim mesmo?"
"Isso mesmo. Esqueça os outros. Foque em se tornar alguém que você gostaria de ser se não fosse você. Aí automaticamente vai se tornar uma pessoa melhor. E as opiniões alheias não vão mais te afetar."
Kenta estava inclinado para frente, absorto na conversa. Na verdade, ele era um cara decente. A maioria dos adolescentes está tão certa de estar sempre certa que fecha os ouvidos para outras opiniões. Mas ele não.
"Mas... posso dizer mais uma coisa? Pelo menos pra gente como você e a Hiiragi... namorar está no modo fácil, né?"
"Hmm. Não posso negar que geralmente podemos escolher nossos parceiros. Mas, ao mesmo tempo, é constrangedor quando alguém que não nos interessa fica grudado e apaixonado. Só queremos conviver com os colegas e nos divertir com amigos, mas quando alguém desenvolve sentimentos, pode acabar nos mordendo. Quando você rejeita, eles te pintam como vilão. Tenta se afastar antes, e te acusam de excluí-los. Não tem como ganhar. Tipo, desculpa por ser gostoso, sabe?"
Levantei as mãos e encolhi os ombros.
"É, ouvi umas garotas reclamando disso ano passado. Na época pensei... 'Piranhas populares, pereçam!' Mas quando você explica assim, até que entendo. Relacionamentos são complicados... Até simpatizo... Mas quer dizer... não completamente."
"Bom, se for alguém que você não liga, aguenta o ódio. Mas se for alguém que você realmente gosta e valoriza como amigo que se apaixona e te pede em namoro... É uma merda ter que arruinar uma amizade. Ter que dizer 'Por favor, mantenha isso platônico!', sabe? E também..."
Fiquei em silêncio por alguns instantes.
"E também, não importa o quão bonito você seja, ou bom nos esportes, ou suas notas altas, ou qualquer coisa, não significa automaticamente que a garota que você gosta vai gostar de você."
"Acho que não... Mas ei, Chitose... posso te contar algo... pessoal?"
Sua voz baixou. Lá vem! Mais um empurrãozinho e ele cai!
"Não, tranquilo. Já entendi mais ou menos o que aconteceu, e não quero saber mais detalhes."
"O quê? Mas... eu estava prestes a abrir minha alma aqui..."
"Você estava num grupo de hobbies otaku. Fora da escola. Tinha uma garota. Meio princesinha, mas era legal com você, então você se apaixonou. Mas ela gostava de outro - vamos chamá-lo de Príncipe, uh, Jiro. Jiro roubou sua garota. Desde então você se sente inferior, e não quis ficar perto de ninguém, popular ou otaku. Então parou de vir à escola. Deixei algo de fora?"
Kenta me encarou, boquiaberto, mas eu sabia o que ele pensava: Como diabos você sabia disso?!
Cara, como você não vê o quanto isso era óbvio?
Yuuko e Nanase haviam acertado precisamente.
"...Q-quando convidei ela... ela disse... 'Com licença? Está delirando? Eu nunca namoraria ninguém como você. Não percebe qual é o seu status social? Perdedor!'..."
[TMAS: Não precisava humilhar assim também. / Mon: Ou seja, ele tá assim por causa de mulher? Ah mano, nem fud—]
"Caramba, cara. Até me surpreendo que você ainda consiga mostrar a cara em público após ouvir isso de uma garota."
"EU LITERALMENTE NÃO ESTOU MOSTRANDO MINHA CARA EM PÚBLICO!!!"
Mandei uma mensagem rápida para a Yuuko pelo LINE, pedindo que trouxesse café gelado e chá gelado e deixasse na frente da porta. Kenta e eu ainda tínhamos muito o que conversar.
"Então, o que você quer fazer daqui pra frente, cara?"
Girei os cubos de gelo com o canudo antes de tomar um gole bem barulhento do café gelado.
"A garota... O nome dela é Miki... Pra ser sincero, já superei ela."
"Você está traumatizado."
"É, acho que sim. Era a primeira vez que gostava de uma garota que não fosse de um anime. Mas garotas da vida real são piores do que eu imaginava. Vou voltar pras minhas waifus."
"E a escola?"
"Bom... Sei que não posso continuar assim. Vou acabar me ferrando. Com o choque e tudo mais, no começo eu simplesmente não conseguia ir pra escola, mas quando me recuperei, meio que perdi a chance de voltar. E sei o quanto meus pais estão preocupados..."
Hmm.
Era só um palpite, mas parecia que se trancar no quarto enquanto ainda não estava totalmente decidido a jogar seu futuro fora... devia ser mentalmente exaustivo.
"Então, se você estiver disposto a me ajudar e me ensinar a ser popular, Chitose, acho que posso voltar pra escola."
Kenta levantou a cabeça, olhando nos meus olhos.
"Hmm, nem pensar, cara."
Balancei a cabeça firmemente. Kenta ficou boquiaberto, surpreso.
"O quê? Mas... mas é assim que deveria ser... não é?"
"Cara, pensa bem. Minha missão era fazer você concordar em voltar pra escola. Missão cumprida. Mas, pra ser sincero, mesmo se eu falhasse, não ia me afetar muito. Só vim aqui pra me sentir bem resolvendo um problema. Mas quem disse que tenho que arrastar você pela escola e te tornar popular?"
"Mas... mas é assim que deveria ser..."
"Não mesmo. Não tenho obrigação nenhuma. Claro, provavelmente poderia te incluir no 'Time Chitose'. Mas você só ficaria deprimido. Todo mundo está muito acima do seu nível, afinal. O problema fundamental aqui é que eu não quero ficar perto de você na escola."
"Você tá falando sério?! Tá mesmo dizendo isso pra mim? Agora? Depois de tudo isso?!"
"Amadureça. Você pode ser o protagonista na sua história de otaku que vira popular, mas essa não é a minha história. Minha história é uma comédia de harém estrelada pelo próprio Chitose. Você é só um coadjuvante criado pra mostrar pros leitores o quão foda eu sou. Seu drama de 'Ai, não consigo ir pra escola' é só um detalhe pra começar a história e prender a atenção dos leitores. Assuma responsabilidade pela sua própria história e escreva do jeito que quiser, Senhor Coadjuvante da Silva Secundário."
"Você tá tentando ser irritante de propósito?"
Sendo justo, ele provavelmente achou que isso seria um evento transformador. O dia que mudaria sua vida. Mas pra mim, era só terça-feira. Eu estava aqui pra fazer meu trabalho, como sempre, e obter resultados, como sempre. Provavelmente nem lembraria disso quando fosse adulto.
Essa era minha forma de libertá-lo. Era melhor pra ele assim. Ele não chegaria a lugar nenhum na vida se ficasse dependendo de mim.
Kenta ficou com uma expressão de choque absoluto, como se tivesse sido transportado pra outro mundo só pra descobrir que virou um hipopótamo.
"Mas entendo seu dilema. Você está num barco furado, afundando rápido. Odeio ter que te ver se afogar. Então vou te dar algumas dicas. O suficiente pra pelo menos tapar o buraco."
"Pra quê? Você obviamente não liga se eu me afogo ou não!"
"Você quer se afogar? Hein?"
"...Tá bom. Me ajuda, então. Não é como se eu tivesse outra escolha, depois de me encurralar assim. Além disso, sinto que posso… posso confiar em você, Chitose."
"Nossa, obrigado. Obrigado pela oportunidade de servi-lo, Sua Alteza."
"Tá bom, tá bom. Por favor, Sr. Saku Chitose, o cara mais popular e descolado do Colégio Fuji. Por favor, tenha piedade deste pobre, humilde, recluso otaku perdedor e compartilhe sua sabedoria com ele."
Kenta se ajoelhou, como se já tivesse abandonado todo o amor-próprio. Dava pra ver que ele ainda não confiava totalmente em mim, mas depois de deixar eu quebrar sua janela e dar uma lição sobre não julgar pelas aparências... Ele não podia muito bem se opor a mim agora.
Sorri secretamente pra mim mesmo.
Ótimo. Eu estava usando Kenta pra fortalecer minha própria imagem. Então Kenta também podia me usar.
"Muito bem. Pode me chamar de... Rei."
"Rei!!!"
Haha, que garoto fascinante esse Kenta.
"Te aviso, não pretendo ser seu mentor por muito tempo. No máximo três semanas. Digamos, até o feriado da Golden Week. Vou te ensinar o básico pra viver como um popular. Depois disso, você terá que usar o que aprendeu pra continuar crescendo sozinho."
"Entendido, Rei."
"Mas você precisa de um objetivo. Tem certeza que superou essa tal de Miki?"
"Superei ela no sentido romântico. Digo, continuo meio triste, eu acho... E se tivesse a chance, gostaria de mostrar para ela o que perdeu. Só um pouquinho."
"Isso é bom. Simples é melhor. Vamos fazer ela se arrepender de ter perdido a chance. E vamos acabar com o tal Príncipe Jiro também. Colocar ele no seu lugar."
"V-você acha que a gente consegue mesmo?... Rei?"
"Claro, estamos falando do príncipe e princesa de um grupinho otaku qualquer. Eu sou o Rei dos Populares, sabe? Se você não conseguir derrubar eles depois dos meus ensinamentos excelentes, aí o problema é seu. Se você errar, eu mesmo venho atrás de você. O único lugar que vai te restar pra se esconder de mim é dentro da sua própria mente. Entendeu?"
"Você não é um rei... Você é... é... um demônio!"
"E mais uma coisa." Tomei o último gole do meu café gelado. "Você acabou de dizer que garotas da realidade são uma merda, né? Isso não me desce bem, Kenta."
"É, mas é o que eu sinto. É impossível saber o que as garotas reais estão pensando, e você tem que se preocupar com sua aparência e o que diz perto delas. Garotas animadas são muito melhores. Elas só te dão amor incondicional, você não precisa fazer nada especial."
"Todos os otakus são assim? 'Populares são uma merda, garotas reais são uma merda, a dubladora ou ídolo que eu amava arrumou um namorado e agora é uma merda.' Isso é só frustração, não é? Se você não pode ter algo, se convence de que é ruim mesmo. Bom, estou prestes a abrir as portas da popularidade pra você. Aprenda um pouco de humildade."
"Não, não, vou manter minha opinião. Garotas são muito melhores como conceitos abstratos. Quando elas são tridimensionais, viram só um pé no saco."
[TMAS: No futuro quando fizermos robôs waifu, esse cara vai comprar na pré-venda.]
"Você só quer uma garota que não ameace suas fantasias. Acha que ter que se preocupar com aparência e o que fala é um saco, mas precisa dominar isso se quiser ser popular e ter uma vida real. Sei o que você precisa: uma garota incrível pra correr atrás. É mais fácil se esforçar pra ser seu melhor eu, quando tem uma garota que quer impressionar por perto."
"Não... Não quero. Sério. Garotas reais dão medo."
"...É mesmo? Mas você ficou todo bobo com a Yua, não ficou?"
Fiquei observando Kenta com um sorriso malicioso enquanto ele gaguejava. "O-o quê? Nem pensar!"
Então continuei pressionando.
"Olha, Kenta. Quando eu lia aquelas light novels que você gosta tanto, acabei me apaixonando por algumas das personagens femininas. E aquela parte sobre o começo do relacionamento ser o melhor, e depois só piorar? Isso me pegou, cara. E sim, eu sei, garotas podem dar trabalho. Mas você tá perdendo o mais importante."
Me levantei da cadeira e peguei meu taco. Então, apontei-o diretamente para Kenta, com a ponta a poucos centímetros do seu nariz.
“Escute aqui, seu verme! Você já sentiu a maciez dos seios de uma garota de verdade?
Você tem alguma ideia da variedade de tamanho, formato e maciez que é totalmente única para cada garota? Você já sentiu o cheiro fresco e limpo do cabelo de uma garota ao puxá-la para seus braços? Você conhece a maciez aveludada da barriga e dos quadris dela quando desliza as mãos por sua blusa? Você já sentiu o gosto salgado do pescoço de uma garota ao passar a língua por ele? Você já quase desmaiou quando uma garota se inclina e lambe seu lábio inferior? Você já experimentou a ansiedade que surge quando você olha por cima do ombro de uma garota, tentando abrir desesperadamente o sutiã dela? Você já sentiu a onda de excitação que vem exatamente sete segundos depois (meu tempo máximo pessoal) quando você finalmente consegue aquele fecho e o sutiã se solta e sai em suas mãos? Você já sonhou dessas coisas?!!!”
“N-não…”
“Então, nada do que você diz é válido, virgem! Tudo bem, contente-se com garotas animadas! Confie na sua imaginação limitada para colorir essas fantasias! Mas nunca se esqueça! Essas garotas 2D que você tanto reverência... Elas são planas! Elas não têm vida! Elas não são nada mais do que papel!”
“Elas não têm vida! Mas elas estão vivas na minha mente!”
“Mas apenas na sua mente. Se você não consegue trazê-las de volta à vida, então a única opção para perder a virgindade é ir atrás de garotas de verdade! Mas tenho boas notícias para você. Você conhece a Yuuko, não é? Você já viu o rosto dela. E o corpo dela.”
“Uh, sim... Bem, eu vi ela pela escola. É difícil não notar!”
“É, bom, ela é meio que a minha vadia de harém. Se eu dissesse a ela que queria fazer uma encenação de corno ou algo assim, aposto que ela toparia. Ela pode não ficar animada com isso, mas aposto que seria a sua primeira. Aliás, aqui estão as especificações da Yuuko... Taça D supermacio. O tamanho que toda mulher no Japão considera ideal. Então, o que você me diz? Não quer se jogar de cabeça e dar uma mergulhada na garota mais gostosa da escola?”
[TMAS: invadir meu quarto e me oferecer uns pegas em uma gostosa, por que nunca fizeram isso comigo?]
“R-rei... você está falando sério agora?”
“O rei nunca mente.”
“É, mas falando sério... Você está falando sério?”
“Sério mesmo. Então, o que você me diz? Quer dar uma mergulhada?”
“S-sim! Eu quero uma mergulhada! Quero uma mergulhada, Rei!”
“Você gosta de peitos tridimensionais?”
"Eu gosto! Eu gosto! Eu gosto de peitos tridimensionais! Me perdoe por dizer que garotas de verdade são horríveis!"
"Sua inclinação por garotas 2D é só um caso de inveja?"
"É! É! Muita inveja, Rei!"
"Você gosta de peitos?!"
"Eu gosto de peitos!"
"Não consigo te ouvir! Mais alto!"
"Eu gosto de peitos! EU GOSTO DE PEITOS!"
"Mais alto!!!"
"PEITOS, PEITOS, PEITOS, PEEEEEEITOS!!!"
"QUAL É O MEU NOME?!"
"REI! REI! REI!"
"MAIS ALTO! ME DÊ TUDO O QUE VOCÊ TEM! PENSE NO SEU PAU MINÚSCULO!!!"
"EU QUERO PEITOS TRIDIMENSIONAIS DE LANCHA!!!"
"VENDA SUA ALMA PARA MIM!!!"
"SIM, REI! SIM! PEITOOOOOOS!!!"
"QUE PENA!! ESSES SÃO MEUS PEITOS!! TENHA OS SEUS!!"
"Pera... O quê?"
"Eu não estava mentindo. Você mesmo disse que ela faz parte do meu 'harém', e eu nunca disse que ela faria isso, apenas que achei que ela faria. Não fiz nenhuma promessa. Só perguntei o que você achava."
"Você... você é mesmo um demônio."
[Mon: …]
Depois disso, levei o Kenta para descer. Depois de toda a confusão que ele causou, acho que ele ficou aliviado por ter uma saída e estava determinado a não perder essa única chance.
"Espero que a minha mãe não comece a chorar. Aposto que a Hiiragi também está brava..."
Ele provavelmente ensaiou esse momento mil vezes na cabeça durante seu período recluso. O momento em que finalmente sairia. Sem saber como encarar as pessoas ou o que dizer. Sua mãe choraria? Ficaria brava? No final, ela perdoaria?
Eu fui na frente e abri a porta da sala de estar.
"Ah, oi, Saku! Já terminou?"
"Meu Deus! Você finalmente saiu?!"
As duas estavam sentadas tomando chá como velhas amigas. A mãe dele tinha um ar de "Hoje vamos comer curry no jantar!".
Mas eu já esperava por isso. Esse é o lance da Yuuko — ela consegue fazer amizade com qualquer um.
Kenta estava com a cabeça baixa, parecendo envergonhado. Ele ficou parado no vão da porta. No final, tive que arrastá-lo para dentro. Dei até um tapinha na bunda pra ajudar.
"M-Mãe... Desculpe por toda a preocupação que causei. Na verdade, eu—"
"Ah, eu já ouvi tudo da Yuuko. Você estava deprimido devido à sua vida amorosa, foi isso? Pode falar alto, mas ainda é um garotinho. Eu estava preocupada de que fosse algo sério! Agora, você vai voltar para a escola amanhã, e não vamos mais falar nisso."
"Ah... Beleza."
Desculpe aí, Coadjuvante da Silva Secundário. Você não ganha cenas dramáticas de reconciliação no meu livro.
"Me - Me desculpa por ter sido babaca com você, Hiiragi. Eu nem te conheço, mas disse umas coisas..."
"Pode me chamar de Yuuko, sabe? Enfim, Kenta-cchi, pra mim tudo bem, contanto que você tenha se desculpado com o Saku também."
Yuuko sorriu, balançando o biscoito meio comido no ar, como se não fosse nada. Kenta-cchi? Parece nome de nugget de frango.
"Mas você devia tomar um banho, fazer a barba e trocar de roupa. Você tá fedendo."
"Ele tá mesmo!"
E assim termina o emocionante reencontro entre mãe e filho, que não se falavam pessoalmente há meses.
Ah, que inspirador!
A presença da Yuuko foi provavelmente o que motivou o Kenta a agir. Meia hora depois, ele reapareceu, recém-saído do banho, barbeado e vestindo roupas normais. Até trocou os óculos por lentes de contato.
"Meh..."
Yuuko e eu falamos em uníssono.
"Hmm, talvez você devesse ter mantido a barba por fazer", comentei. "Seus óculos eram super cafonas, mas sem eles, seu rosto não tem personalidade nenhuma. Além disso, seu cabelo está um desastre. Eu ia sugerir raspar tudo, mas talvez um visual mais selvagem fosse melhor..."
"É, eu poderia passar por você nos corredores todo dia e nem lembraria do seu rosto!"
"Nossa, que cruel."
A essa altura, Yumiko tinha saído para fazer compras para o jantar, então éramos só nós três. E o jantar seria, como eu tinha previsto, curry.
Kenta hesitou: "Mas e a roupa? Eu escolhi minhas melhores peças."
"É, não."
"Sério?"
"Me poupe. Você acha que é o Sid Vicious? Algum roqueiro punk? O que é essa camiseta de manga longa com inglês sem sentido? O que está escrito? 'DEAD BOY'? Tente 'FAT BOY'. E você precisa realmente de caveiras, cruzes e desenhos tribais? São asas nas costas?! E esse colar. Veio de brinde com a camiseta? Agora o jeans - no começo achei que estava ok, mas é *boot-cut?! Qualé, boot-cut? Nem com a interpretação mais generosa você seria o cara pra trazer isso de volta, posso te garantir! Ah, e viu o forro xadrez do bolso? Nossa, amigo. O que é essa obsessão de otaku com xadrez? Tem uma cota pra cumprir? Estou envergonhado de ser associado a você, seu desastre ambulante da moda."
*N/T: boot-cut são calças que ficam um pouco mais folgadas na parte da panturrilha, mantive desse jeito, pois usamos o mesmo termo em português
"V-você não precisa exagerar, Rei."
"Bom, você me surpreendeu, é por isso! Se tivesse vindo com o uniforme clássico de otaku - camisa xadrez enfiada no jeans e bandana na testa -, talvez eu até relevasse, mas isso...? O que você acha, Yuuko?"
Yuuko sorriu:
"Bom, se você aparecesse pra um encontro comigo assim, eu teria que te chutar no saco e sair correndo."
[TMAS: Ela pega pesado demais, o cara acabou de sair do quarto depois de ficar deprimido por um tempão, não dava pra pegar mais leve.]
"Cara, é isso que você aprendeu das suas light novels com protagonistas perdedores? Tá bom, vamos ter que te levar pra fazer compras no Lpa no fim de semana. Vou te ensinar a escolher roupas que ficam bem. Vai vir, Yuuko?"
"Se você for, eu vou!"
O Lpa é o maior shopping de Fukui. Tem lojas de roupas, artigos para casa, cinema, fliperama, karaokê e até Starbucks. É onde todo mundo em Fukui vai nos fins de semana. Muitos estudantes vão pra encontros também.
"Obrigado. Vocês passariam o fim de semana comigo? Que gentileza. Porque eu realmente não sei escolher roupas. Posso ir pro shopping com essa roupa?"
"Não. Uniforme escolar."
Yuuko e eu falamos juntos de novo. O cara era uma bagunça, mas tinha potencial.
"Por enquanto, não podemos deixar você voltar pra escola com esse cabelo. Deixa a Yuuko cortar."
"Hã, deixar a Hiiragi cortar? Quer dizer... ela não parece ter... uma mão firme."
"Que rude! Eu sou tão boa quanto qualquer salão! Além disso, o Saku já me pediu. Tenho tesoura, máquina e tudo na minha bolsa! E de quebra ainda faço suas sobrancelhas!"
Yuuko vasculhou a bolsa, mostrando os equipamentos.
"Relaxa. Eu garanto que a Yuuko é boa. Ela já cortou meu cabelo várias vezes. Qual era seu corte antes de faltar à escola?"
"Era comprido, com franja cobrindo os olhos."
"Yuuko, faz um corte bem curto. Degradê navalhado."
"Sim, capitão!"
"Ninguém vai perguntar minha opinião?!"
Saímos para o quintal. Não era nada especial, mas estava bem cuidado. Uma brisa fresca começou a soprar — bem agradável depois do quarto abafado do Kenta. O céu ao entardecer tinha tons avermelhados.
Yuuko espalhou jornais velhos e colocou uma cadeira da cozinha em cima. Depois fez um corte numa sacola plástica para servir como capa de corte.
"Olha, só caras bonitos como eu podem se dar ao luxo de ter cabelo despenteado cobrindo os olhos. O mais importante pra homens é parecer arrumado. Se você tem um rosto que quer esconder, o melhor é raspar tudo. Mas seu rosto não é um desastre, então a Yuuko vai fazer um undercut e deixar mais em cima. Seu cabelo tem um natural ondulado que vai dar personalidade sem parecer selvagem demais."
"Concordo totalmente! Agora, Kenta-cchi, senta aqui e põe isso."
Kenta sentou obedientemente. Yuuko colocou a sacola com o buraco na cabeça dele - sem aberturas para os braços.
"Parece um samurai desgraçado que já viu dias melhores. E com essa capa, parece um samurai desgraçado decapitado."
"Eca, que nojo! Mas é engraçado!"
Kenta ficou em silêncio - não por raiva, mas porque o peito da Yuuko estava em seu campo de visão. Ele tentava sentir disfarçadamente o cheiro dela.
"Agora, comecemos o corte!"
As tesouras da Yuuko brilharam enquanto ela cortava os fios longos.
"Você está cortando muito... Posso ter um espelho?"
"Um espelho só mostraria um garoto pálido e recluso. Além disso, você não tem direito de questionar a Yuuko. Fica quieto."
"Ah, tudo bem, Kenta-cchi. É sua primeira vez? Só fecha os olhos e deixa comigo. Vou até te dar uma massagem de graça!"
Yuuko, pelo amor de Deus. Você vai dar um ataque cardíaco no coitado. E eu ainda tenho coisas importantes para falar.
Para distrair Kenta, continuei conversando:
"Então você volta pra escola amanhã, né?"
"Não posso pedir mais um tempinho, Rei?"
"Hã. Vou sair do meu caminho, mas nos primeiros dias eu te busco pra irmos juntos."
"Você não vai me abandonar, né?"
"Olha, só posso fazer tanto por você em três semanas. O resultado depende do seu esforço. Primeiro, melhorar suas habilidades sociais. Nosso objetivo é você conseguir conversar normalmente com um popular sem o assustar."
"Só isso? Parece fácil."
"Então por que não fez antes?"
"... Desculpa, Rei. Continue."
Yuuko estava focada no corte, deixando o resto comigo.
"Só pra avisar, se espera chegar no nível da Yuuko e meu, pode continuar sonhando. Talvez num mundo fictício, com um ano de treino. Mas isso é a realidade. Conseguir conversar normalmente e ter uma vida escolar comum já é o máximo pra você."
Kenta concordou obedientemente - quase estragando o corte da Yuuko.
"Outra coisa é sua aparência. Por isso o corte e as compras. Vou te guiar, mas você precisa se esforçar pra perder essa gordura. Não é o suficiente pra ser seu 'estilo', então precisa emagrecer. Estava assim antes de faltar?"
"Não, eu era magro."
"Tudo bem então. Vou fazer um plano alimentar e de exercícios. Mas se esforce. Não vai ser keto, mas corte carboidratos refinados. Muito cardio e musculação pra resultados rápidos. Se não arrumar cabelo, roupa e peso, não há muito o que fazer."
"Mas meu metabolismo não está sob meu controle..."
"É calorias ingeridas vs. calorias gastas, termodinâmica básica. Sem desculpas. Se você era magro, um déficit calórico deve ter resultados rápidos. Hora de se mexer."
Eu entendo - ganho músculo fácil, mas se parar, vira gordura. Cada corpo é diferente, mas não é desculpa.
"Mas..."
"Chega de 'mas'. Mais um e você ganha um corte zero. De agora em diante só diga 'Sim, Rei', entendeu?"
"...Vou me esforçar, Rei."
"Me dá seu celular. Desbloqueia primeiro."
"Você vai levar meu celular...?"
"Yuuko, me passa a máquina."
"Aqui!"
"...SIM, SENHOR!!!"
Peguei o celular das mãos trêmulas do Kenta e conferi os apps. Nada surpreendente.
"Kenta, a partir de amanhã, proibido Twitter, 5chan e aquele site fofoca da escola. Nada de postar ou ler. Na verdade, nem olhe. Entendido?"
"Mas esses apps são 50% do que me sustenta! Até quando?"
"Até aprender como é inútil falar mal de desconhecidos na internet. Mas como agradecimento pelas light novels, vou te emprestar livros mainstreams. Leia com atenção."
"Livros? São difíceis..."
"Não seja chato. Pode aprender muito com Raymond Chandler. Homens populares de verdade são movidos por mais que popularidade. Um homem deve estudar filosofia e estética. Mas aviso: se deixar meus livros abertos no chão ou dobrar páginas, eu te mato."
[TMAS: Filosofia como sempre sendo valorizada, que lindo]
"Eu nunca faria isso com um livro."
"Também vou te recomendar filmes e séries com protagonistas legais. Assine um streaming. Mas não precisa só consumir o que eu disser. Encontre seus próprios heróis para se inspirar."
"Um herói para emular, hm... Vou pensar."
Acho que isso cobre tudo por agora.
Snip-snip.
Yuuko estava séria, incomumente focada. Kenta, nervoso, olhava pro próprio colo - sem saber onde colocar os olhos. Nunca teria outra chance de ficar tão perto da Yuuko. Podia pelo menos aproveitar.
Tchuc-tchuc, tchuc-tchuc.
O som das tesouras era quase musical.
Era uma noite estranha. Lá estávamos eu e Yuuko, dois dos alunos mais populares da escola, com Kenta, um completo desconhecido. Yuuko cortando o cabelo dele enquanto eu o ensinava a viver. Uma série de coincidências nos trouxeram até ali. Ou talvez uma série de más decisões.
Definitivamente um milagre estranho. Como encontrar um ticket dourado no primeiro chocolate que você compra com seu primeiro dinheiro.
Yuuko pegou a máquina para fazer os lados.
"Pronto! O que acha, Saku?!"
"Hmm. De samurai desgraçado para um hipopótamo saindo da água com algas na cabeça. Melhorou."
"Ei!"
"Uh..."
Não era culpa da Yuuko. Ela não tinha muito com o que trabalhar.
"Vamos trabalhar no seu físico, ok, Kenta?"
Quando Yumiko voltou, fez um curry simples, mas reconfortante. Comemos lá antes de ir embora.
Claro, o curry do Kenta veio em cima de repolho e sem batatas. Carboidratos simples não estavam na dieta que criei para ele.
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