Cheaters Brasileira

Autor(a): Kuma


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 62: Bugados

 

Capital de ||RAVINA||, extremo leste de ||BLYK DO SUL||...

PLAYER: [Thayslânia]

 

 

Cheguei o mais rápido que os ventos me permitiram na capital estrelada, conforme tinha combinado com o então soberano regente, Phelisos. Passamos pelos portões fortemente guardados e reforçados, a icônica saudação ravinense sendo prestada a nós durante nossa passagem.

Ao passarmos, os cidadões de Ravina nos encararam com olhares secos e desconfiados. Seus rostos eram um misto enigmático de desconfiança e raiva conforme minha carroça passava por eles.

Alguns até mesmo apedrejaram o veículo. Moria e Damon me acompanhavam para proteção, os dois se olharem torto praticamente o caminho inteiro, apesar de que era algo desnecessário na minha visão.

Se eu estivesse em qualquer canto que fosse, esse seria o lugar mais seguro de todos. Ainda assim, o conselho insistiu.

Na entrada do pátio de pedra da fortaleza, Phelisos já me esperava com uma comitiva de soldados de armaduras metálicas e brilhantes. Seu olhar era convidativo, apesar de sério, me recebendo de braços abertos.

— Gostaria de dizer que estou feliz em vê-la, mas não nas circunstâncias atuais — lamentou Phelisos, coçando a cabeça em desconcerto. — Por favor, siga-me.

Eu, Moria e Damon, junto de seu grupo armado, andamos por espaçosos e opulentos átrios, os arcos de cada janela se agigantando sobre nossas cabeças. O piso era montado de um ladrilho único de cores vibrantes, explodindo mosaicos sob nossos pés.

Seguimos Phelisos por um hall ladeado por duas colunatas, terminado em um portão duplo de madeira esculpida. Ao entrarmos, os soldados se espalharam pela sala espaçosa em cantos estratégicos. Ao lado das seis janelas e dois guardando a entrada.

Moria e Damon se entreolharam. Tomei a dianteira e sentei na poltrona. Uma larga mesa retangular de mármore brilhante nos separava. O regente de Ravina apoiou os cotovelos em cima da superfície brilhante da mesa, os dedos entrelaçados abaixo do queixo em uma expressão dura.

— Eu soube do que aconteceu com ||LACUNA|| — começou Phelisos, indo direto ao ponto. — Meus espiões na região me informaram que as tropas andralinas se instalaram na região. Tomaram o ||FORTE LAPUTA|| após quatro dias de cerco e o porto à nordeste da cidade-reino.

Foi impossível conter a expressão de reprovação, o estalo de língua e a apertada na mão da cadeira.

— Se os andralinos tiveram tanta pressa para agir, algo eles descobriram — comentou Moria, um faceiro ar de desinteresse lhe enfeitando o rosto.

— É nisso que estamos trabalhando para descobrir também. Devo receber notícias dentro de algumas horas. Até lá, podemos pensar em uma contraofensiva para tentar retomar ||LACUNA||.

— E enquanto à Letícia? Tem notícias dela?

Phelisos se manteve quieto, seu rosto perturbadoramente sério. Perguntei na esperança de ter alguma boa notícia, mas estava preparada também para as piores.

— Perdemos o contato com a [ARQUEIRA INVERNAL] — confirmou Phelisos enquanto jogava para mim algo enrolado em um pano. — Meus homens disseram que ela e outra pessoa que a acompanhava foram emboscados por andralinos ao longo do ||RIO DA CRIAÇÃO||.

— Desgraçados covardes! — rosnou Damon para si.

— Será que...?

Abri o pano que ele me deu e lá estava um pedaço rasgado da roupa da Letícia. Mordi meu lábio por dentro até sentir o gosto de sangue e então olhei firme nos olhos de Phelisos, o coração batendo tão forte quanto tambores de guerra.

Isso... — Ele apontou para o pano, a voz embargada. — Foi a única coisa que recuperamos dos destroços do navio.

Vamos para a sala de mapas, Phelisos — disse ao me levantar em um rompante. — Vamos pensar em alguma estratégia enquanto não recebemos notícias da Letícia.

— Acredita mesmo que ela esteja viva ou que não foi capturada? — Phelisos questionou.

— Com todo o respeito, senhor — Moria foi quem respondeu. —, mas Letícia não é um soldado comum. Ela não é o braço direito da General à toa.

— A [ARQUEIRA INVERNAL] não seria capturada tão fácil — completou Damon.

— Vamos, Phelisos — chamei-o, sem me virar. Meu punho se fechou ao redor de Eyatos, pendurada ao meu pescoço. — Eu não vou descansar até ter varrido o último andralino desse continente!

Um pouco depois de sairmos da sala, o chão começa a vibrar sutilmente. Não poderoso o bastante para derrubar estruturas, mas o suficiente para sentirmos.

Phelisos notou que parei de repente e falou:

— Algum problema, General?

— Nada. Não foi nada.

Outro tremor? Pensei comigo, com uma sensação inquietante dentro de mim.

 

 

 

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Nesse meio tempo, ainda navegando lentamente no ||RIO DA CRIAÇÃO||

PLAYER: [Kildery]

 

 

Mano... que jangada lenta! Eu imaginei que, me dando o trabalho de roubar isso de uma vila, eu poderia usar para chegar mais rápido no meu banquete, mas agora me arrependi amargamente.

Não havia nada em nenhuma direção. Para qualquer lugar que eu olhasse, as únicas coisas visíveis eram água, neblina e mais água. Saco, saco mil vezes!

— Uaah!! E agora? Eu me sentia — e estava — perdido e sem nada a vista para comer. Eu era mesmo um azarado. Estava quase perdendo o rastro do meu banquete também. Os deuses foram cruéis com minha pessoa.

Passei tanto tempo a deriva, deixando que as águas me levassem para sei lá onde, que comecei a ver coisas. Via destroços de navio, silhuetas estranhas andando sobre as águas. Certo tempo depois, passei a ouvir vozes também.

 

“Volte daí”;

“Vá embora”;

“As esperanças acabam aqui”.

 

Zzz...

Minhas esperanças de fato já estavam acabando, mas os roncados grotescos, parecendo que um dragão rugia dentro do meu estômago, só me lembravam que eu tinha que seguir em frente.

Zzzz... zzztt...

Decidi ignorar aquelas vozes desencorajantes e focar apenas no caminho nublado à frente, apesar de que não tinha nem sinal de aparecer alguma coisa. Até as coisas, que já estavam bizarras, ficarem ainda mais.

As águas começaram a se agitar de repente. As tábuas, unidas por cordas, da jangada rangeram com a pressão abrupta imposta nelas do nada. Fui jogado de um lado pro outro na jangada, alguns pedaços dela se soltando enquanto eu era sugado pela correnteza.

Zzzt... zzzttz...

Me agarrei o mais forte que consegui, mas a própria jangada se desfez, esmagada pela força abissal da correnteza do ||RIO DA CRIAÇÃO||. Meu corpo foi abraçado pelas águas violentas e então o mundo se escureceu.

Zzz...tt...

 

 

 

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Em algum lugar na ||BACIA CONTINENTAL||, entre a neblina que beija as águas da criação...

PLAYER: [Juniorai]

 

 

Jun... Jun...

Que voz é essa que me chama? Está tão longe, mas ainda posso...

PAF! PAF! PAF!

— Ai, ai, ai, ai!!

— Acorda, Juniorai! Acorda!

— Aí, acordei, acordeei!! — gritei, abanando as mãos antes de levar o próximo tapa.

— Wiwiwii! Wiwiwi!

— É... você tinha razão. Funcionou mesmo.

— Ei, ei, espera aí! Vai me dizer que você entende o que ele tá falando também?!

— Claro que sim. Você não?

Eu fuzilei Picker com uma expressão azeda. Ele rolou na terra, se fazendo de desentendido.

Sua bolinha sacana! Isso é algum tipo de piada com a minha cara?

— Onde estamos? — Letícia perguntou ao ajudar a levantar.

— Não sei. Parece algum tipo de ilha remota no meio do nada — deduzi, coçando a cabeça.

Infelizmente, Picker ainda não tinha recuperado sua asa o suficiente para poder voar e cobrir uma área maior por cima. O que queria dizer que tínhamos que explorar nós mesmos.

Mesmo abrindo meu mapa mental, só me era mostrado quadrados e quadrados. Sem mapa, sem visão, sem suprimentos... a única coisa com que podíamos contar era o instinto e a sorte.

— Não tem outro jeito — Letícia soltou um suspiro longo. — Temos que explorar a região nós mesmo. Vamos procurar por um píer para que possamos continuar nosso caminho para ||MAPLE||.

— E é comum ter ilhas no meio de um rio?

— Não deveria pelo menos... — Os olhos de Letícia se nublaram. — Talvez estejamos no único lugar que não deveríamos estar.

— Não me diga que aqui é...

Um som de terra se movendo preenche nossos ouvidos e uma mão, saída do solo, agarra meu tornozelo de repente.

— Aaaaaaaaaaaaaaaahh!!

— |FLECHA LAPIS|!

Letícia invoca seu arco de gelo e desce a flechada naquela mão, congelando meu pé no processo. Usei a //WINGSLASH// para quebrar a crosta grossa de gelo que deixou boa parte da minha perna dormente.

— Merda! Também não precisa de tanto!

— Que foi? Você foi atacado e eu reagi. Devia estar grato. — Letícia cruzou os braços ao inflar as bochechas.

No entanto, mais mãos deformadas e decrépitas surgiram do solo de repente. Uma delas agarrou meu braço com força, a ponto de ferir. Eu fiz força e arranquei a mão do chão junto com um pedaço de terra e raízes apodrecidas.

— WIIIII!! WIWIWIWIWIWIWIWIWIII!!

Picker ficou rendido no chão, esquivando de mãos com dedos frenéticos, tentando agarrá-lo por qualquer ângulo. Ele veio rolando até mim, o único olhão choroso me encarando como se dissesse “me salve desse lugar!”.

Que criaturas eram aquelas? Zumbis? Aparições? Invocações amaldiçoadas? Tentei conferir para ver o que dizia o sistema sobre os inimigos, mas recebi apenas um tapa na cara.

 


TIPO DE MONSTRO: ???

NÍVEL: ???

HP: ???/???

HABILIDADE: ???


 

Ah, sério que o jogo não tinha nenhuma informação para me passar sobre o que estava nos atacando?! Pra que servia esse sistema então?

De repente, uma coisa emergiu do solo arroxeado e depressivo daquela ilha, levantando uma avalanche de terra e barro. Simplesmente eu olhei para aquilo e não consegui dizer que monstro era.

— Que merda é essa?!

— Essa não, cuidado! — Letícia gritou para mim ao disparar mais flechas de seu arco cristalino.

O ataque atingiu o que parecia uma lula ou uma planta carnívora deformada e voadora — sim, ela tinha asas minúsculas em vários lugares —, com tantos olhos e tentáculos que contar era impossível, mas ela pareceu não sentir.

Uma bocarra circular se abria e fechava entre os tentáculos, e pequenos orifícios se contraíam nas pontas dos membros gelatinosos. Além disso, algo como pernas, espadas e pedaços de casa se misturavam à anatomia bizarra daquele monstro.

Isso me lembrava algo; um monstro tão feio e distorcido quanto, que me atacou em ||BASIN-C||, mas que, felizmente, não tinham tentáculos. Aquele em especial se superou na feiura.

— Letícia! Corre! — consegui gritar, apanhando Picker no chão e o levando comigo debaixo do braço como uma bola de rugby.

— ...!

Mais daquelas coisas se aninharam, vindo de todos os tamanhos e formas diferentes. Alguns pareciam insetos, outros tinham formas humanas com membros de tamanhos irregulares e outros não lembravam praticamente nada que eu conhecesse.

Apenas amontoados de coisas juntas em uma bola massiva de... massinha.

— O que foi?! Se lutarmos juntos, podemos...

— Não podemos! Continua correndo!

Letícia arfou e então protestou.

— Por quê? Você sabe o que são essas coisas?

Bugados. Enquanto eles estiverem assim, não dá pra fazer nada!

E isso só se confirmava com o fato de eu não conseguir ver qualquer status sobre eles. É porque não existia. Eles sequer deveriam existir naquela dimensão e eram fruto daquelas falhas cabulosas que ocorria no jogo vez ou outra.

Isso significa que... essa deve ser uma área instável do jogo. Merda!

— Ali! Aquele casarão! — Letícia apontou para algo crescendo no horizonte.

Silhuetas pontudas despontaram ao longe; eram altos de torres. Vitrais reluziram com as luzes fracas que o céu nublado e opressivo deixava passar. Ao redor, uma paisagem desolada era o único background que se podiam enxergar por quilômetros a rodo.

A estrada lamacenta atrasava nossos passos. Algumas chicoteadas fizeram o solo explodir perto de nós enquanto corríamos, jogando patacas de lama em nossas caras.

Ao passo que nos aproximávamos, era possível ver coisas flutuando pelo céu. Suas formas oscilavam, as vezes visíveis, as vezes não.

— Droga! Desse jeito, vamos ser atingidos!

— Eu vou tentar atrasá-los! Você corre para o casarão e verifica se a área está limpa — comandou Letícia, invocando seu arco de novo. — Vamos, Lapis Lazuli! Vamos ganhar tempo!

— Ei! Espera um pouco!

— |ESQUIFE DE GELO|! — Letícia anunciou seu ataque.

Só que algo inesperado aconteceu. Nada saiu dela. Nem traços de mana sendo usada, nenhum efeito, nenhum ataque. Somente um ruído perturbador que assolou a realidade, como se estivéssemos presos em um domo.

As criaturas travaram no ar por alguns segundos, suas imagens perdendo brilho e contraste, suas curvas e linhas falhando e perdendo formato. E então, passado esse tempo, elas voltaram a se mexer e vieram na nossa direção, ainda mais putas.

Outra falha na realidade?!

— Quê?! — Letícia esbugalha os olhos, assombrada. — Minha habilidade não funcionou?

Eu não podia simplesmente contar que era porque a realidade era um jogo, simulando uma realidade fantástica que estava falhando e se desfazendo. Talvez pegasse mal para a minha insanidade e a dela também.

— Droga, Letícia, sai daí! — berrei e então peguei //WINGSLASH// nas mãos, apontando para o mar de criaturas que se aproximavam. — |AUMENTAR CARGA|!

Por um momento, pensei ter funcionado. No entanto, os bugados conseguiram um nitro ao invés de ficarem grudados no chão, como seria o certo, e agora vinham mais rápido ainda! Um deles até mesmo atirou uma pedra duvidosa, com várias bocas mordendo, na direção da Letícia.

— Puta merda!

— Juniorai! — Letícia grunhiu no meio de uma cambalhota, desviando de mais dois bugados que balançaram seus membros esticados. — Que droga você fez?

— Não sei! A minha habilidade surtiu outro efeito nele! O que tá acontecendo?!

Eu sabia exatamente o que estava acontecendo, mas fingi demência. A realidade distorcida daquele lugar estava causando efeitos estranhos não só nas criaturas de lá, mas no próprio espaço e até em nós mesmos.

A habilidade de Letícia não funcionou e nem a minha; a cadeia de efeitos adversos gerados pela anomalia devia ser completamente aleatória e imprevisível. Era arriscado até mesmo aparecermos em outro lugar, travar completamente em um canto ou entrar em lugares que não poderíamos...

 

Zzzt... zzttz...

 

Essa não! Isso de novo!

Subitamente, tudo congelou mais uma vez. Uma parada total. Letícia parou no meio de um movimento de esquiva e eu estava indo na direção contrária dela. Minha mente permanecia consciente, mas mesmo assim meu corpo não obedecia.

Era como ficar preso no próprio corpo; ser refém da sua própria realidade. Alguns dos monstros bugados tremeram, alguns sumiram e a imagem de todos piscou várias vezes, falhando. Até a própria imagem de Letícia falhou.

Merda! Pelo amor de Deus, tomara que...

Quando alguns segundo se passaram, toda a realidade se alterou em um piscar de olhos. Toda a paisagem seca e morta, os céus nublados e chorosos tomados por monstros desfigurados, já não existia mais. Letícia também havia desaparecido.

Olhei ao meu redor para me situar no ambiente depois daquele baque. Me senti nauseado quando, de uma outra para outra, fui praticamente arremessado de um lugar para o outro.

Agora eu estava dentro da mansão. Dentro do ||PIRANDELLO ODIADO||!

 

 


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Notas:

Olá, pipols! Como devem ter percebido, o lançamento de quinta atrasou e talvez o de amanhã talvez atrase pelo menos um dia. Essa semana foi bem corrida e o gênio aqui esqueceu de que existe a função pra programar os lançamentos.

Próxima semana, sai nos dias certinhos. Desculpem o pequeno contratempo. :p

Até o próximo capítulo! <3



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