Cheaters Brasileira

Autor(a): Kuma


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 63: Fissura

 


|– MENSAGEM DO SISTEMA –|

– NOVA [MISSÃO PRINCIPAL] DISPONÍVEL! –

– EXPLORE O ||PIRANDELLO ODIADO||! –

|– MAIS DETALHES... –|


 

A mensagem foi bem clara. Depois da falha — ou durante, pois os efeitos ainda estavam acontecendo e eu podia senti-los como ninguém —, fui parar em um extenso corredor. Extenso, para não dizer, infinito.

— E agora? Onde foi que eu me meti?

A imagem que se tinha me lembrava o efeito de quando se coloca um espelho na frente de outro os reflexos vão se repetindo até o infinito. Não importava a direção que eu tomasse, esquerda, direita, frente, trás... parecia que eu não ia chegar a lugar nenhum.

O teto era alto e abobadado. Teias de aranhas se encontravam nas frestas das paredes e colunas. A tinta das paredes descascava em vários lugares e em outros nem existia. No chão, o porcelanato marmorizado estava completamente arruinado, com peças faltando aqui e ali.

A mobília era simples e luxuosa, mas devido ao abandono por sabe-sei-lá-quantos-anos, a aparência era velha e decadente, os jarros quebrados fedendo a um mofo potente.

Picker surgiu da brafoneira, se assustando com a aura do lugar.

— Wiwiwiwi!! Wiiiiiii!!

— É... estamos em outro lugar e completamente perdidos — disse ao coçar a cabeça com um suspiro. — E mais uma vez sou jogado nessas raids contra minha vontade. Que emoção!

— Wiwiwii!!

Sem muita escolha, comecei a andar. O mapa não mostrava nada que eu já não tivesse visto antes: apenas quadrados de um mapa obscuro e inexplorado que, aos poucos, conforme eu caminhava, ia se revelando.

O objetivo aqui era achar uma saída sem nenhum conflito. Estava sozinho, não tinha a ajuda de Picker e nem da Letícia e estava completamente despreparado para aquele lugar que, assim como a ||TORRE DO MAQUINÁRIO||, devia ser uma fudendo raid.

Sem conflito, sem problemas. Modo Stealth ativado!

Depois de andar alguns metros, parei em outra encruzilhada. Os corredores eram iguais, o que botava à prova qualquer senso de direção — e eu já era alguém naturalmente perdido. Cocei a cabeça, avaliei minhas opções e, dessa vez, escolhi o caminho contrário.

Andei mais alguns bons minutos e novamente a encruzilhada.

— Que que tá acontecendo aqui?!

— Wiwiiwiwi!

Fingi entender o Picker e observei os três caminhos adiante: frente, direita e esquerda. Eu também poderia voltar por onde eu vim, mas e eu estivesse indo na direção correta?

Mas e seu também não estivesse?

— Merda! Pra onde eu tenho que ir, porcaria?!

— Wiwiwiwii! Wiwiwi!

Picker apontou com sua cauda para a direita.

— Tem certeza?

— Wiwii!

Entendi isso como um “sim”. Segui a direção apontada por ele. Outra encruzilhada à frente e Picker apontou pra mesma direção. Segui o caminho indicado sem discussão.

Outra encruzilhada depois, direita; outra encruzilhada, direita. E direita, e direita e direita... já estava ficando zonzo. Me sentia percorrendo o perímetro de um cubo, dando voltas e voltas e...

E se eu estivesse, de fato, em um cubo? Olhei em direção à Picker, seu enorme olho brilhante se iluminando como se pegasse meu pensamento. Seria isso o que ele estaria tentando me indicar? Será que esse tempo todo eu não estaria percorrendo as arestas do cubo, sem nunca chegar ao seu interior?

Considerando que fosse isso, como eu faria para chegar ao centro? Parei no meio dos corredores, inspecionando cada elemento, mas não se diferenciava em nada dos milhares de corredores que passei antes. Todos eram iguais, das decorações até os buracos minúsculos no chão.

— Uma passagem secreta então?

— Wiwiwii!

Picker, empoleirado no meu ombro, arregalou seu único olho e um feixe vertical explodiu no espaço à nossa frente, fatiando de parede a parede. Era aquela habilidade que ele usou quando estávamos nos subterrâneos de ||BASIN-C|| e que garantiu nossa vitória contra as ilusões da mulher de capuz.

 


SCAN DO PICKER!


 

Sua habilidade escaneou todo o espaço e imagens e informações bombardearam minha cabeça. Um rastro sutil no espaço, como uma fumaça cristalina, indicava uma direção. Estava invisível para mim, mas não para Picker.

Sem perder nenhum segundo, segui o rastro. Direita, esquerda, frente, esquerda, direita, frente, direita. Me lembrava um código de GTA, só que só com os direcionais.

No último corredor que entrei, cheguei a uma porta na parede direita do corredor, entre uma estante de livros carcomida e uma cômoda com uma coleção de vidrarias rachadas em cima. Uma aranha escapou por entre as peças e saltou para a parede, sumindo junto com a porta assim que a habilidade de Picker acabou.

— Caramba! É aqui! Mas cadê a porta?!

— Wiwiwi! Wiwiwiwiwi!

— Dá pra usar a habilidade de novo não?

— Wiwiwii!

Mesmo sem entender caçamba nenhuma que ele falava, aquilo soou uma negativa. Droga! Estávamos mesmo diante da porta de saída daquele loop infinito de corredores e não podíamos abrir? Será que um ataque meu resolveria? Talvez eu tivesse que achar algum mecanismo para desativar aquela ilusão?

— Picker, eu acho que...

Zzzt... ztztt...

Merda! De novo!

A realidade estava se desmontando, travando e enlouquecendo. Já vinha fazendo muito tempo — desde o ||RIO DA CRIAÇÃO|| — que eu vinha sentindo os efeitos, mas, assim como sismos secundários; nada demais além de incômodos. Agora que vinha o THE BIG ONE.

A minha HUD visual se apagou e tremeluziu, os sistemas colapsaram. Os números da minha ficha de status oscilaram entre quantidades absurdas e várias fileiras de zeros. O chão virou parede, a parede sumiu e sua textura foi para os móveis. Alguns jarros viraram monstros por dois segundos e voltaram a fazer parte do cenário logo em seguida.

Picker congelou e tremeluziu como se fosse ser deletado. Polígonos e linhas e formas de várias cores pipocaram no cenário de repente. O som sombrio de ambiente que tocava sutilmente de fundo se tornou um barulhento zunido atropelado.

Que merda é essa?!

Mas com certeza nada naquele lugar bugou tanto quanto a porta de saída. Ela não só se tornou visível como mudou de lugar pelo menos umas 30 vezes, sumindo umas 20 nesse meio tempo. Ela sumia e reaparecia em vários lugares aleatórios do corredor, nos móveis, no teto, na minha frente no meio do ar...

Era difícil absorver toda a cadeia insana de acontecimentos que se desenrolava. Até que tudo parou e fui, mais uma vez, teletransportado para outro lugar.

 

 

 

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No ||RIO DA CRIAÇÃO||, as águas sombrias, encobertas por brumas, levam a caminhos misteriosos...

PLAYER: [Arthur]

 

Já faz algum tempo que saímos do ancoradouro e a única coisa que vi até agora foram águas turvas cobertas por um segundo mar, esse feito de névoa espessa. Um lugar silencioso e intimidador até para os marinheiros mais experientes e cascudos.

Mas não para o [REI DE ANDRAL].

Gabriel estava parado e imóvel como um obelisco na proa do navio, observando o mundo enevoado à frente. Não sabíamos onde íamos e, segundo o capitão, qualquer tentativa de orientação naquela região em específico falhava. Bússolas, mapas, rastreamento por magia.

Isso significa que alguma coisa está lá e é isso que buscamos, palavras do próprio Gabriel. Diferente de mim, ele realmente crê que existe algo no meio de toda aquela água e névoa.

Até lá, eu iria encontrar meios de escapar. Por isso fui andando pelo barco, observando e estudando cada passagem, cada espaço, cada escotilha, minha missão disfarçada de uma singela curiosidade.

Dentro de mim eu tinha convicção de que nada seria encontrado. Mesmo que déssemos voltas e voltas naquela bacia, ou mesmo a cruzássemos de margem a margem, seria uma busca vã e que, duraria dias. Até lá, meu plano de fuga já estaria concretizado e eu estaria em alguma estrada na região mais inóspita longe dali.

Juniorai tinha uma preferência exótica por esses lugares.

E por falar nele, ficava a me perguntar onde ele estaria e o que estaria fazendo. Se ele tinha sobrevivido e escapado de ||BASIN-C||. Sempre evitava ficar pensando demais nisso para não me dar a chance de pensar o pior.

Não! Com certeza, ele tá vivo. Pode ser meio maluco das ideias, mas definitivamente ele está vivo. Afinal, ele é o deus desse mundo, não é?

Tal pensamento me confortava.

Mesmo não tão animados com a viagem, a tripulação trabalhava arduamente com a perspectiva de explorar a não tão exuberante natureza da região, e descobrir — ou não —, o que muitos sempre tiveram curiosidade em saber, mas nunca tiveram colhões.

No entanto, o que nós não esperávamos era que uma falha inexplicável na realidade mudasse o curso da nossa jornada.

Enquanto navegávamos tranquilamente pelo rio, apenas com alguns sustos e sopapos no casco de águas agitadas, uma estranha onda de energia atravessou o barco de uma vez, causando um fenômeno que era difícil de descrever em palavras.

De repente, o ambiente ao nosso redor se distorceu terrivelmente. A água pareceu mudar de cor e piscar em várias cores foscas. Foi a primeira vez que vi também o rei dos andralinos visivelmente assustado e preocupado. Talvez ninguém tivesse visto e ninguém veria aquilo de novo.

— O que está acontecendo, capitão?! — Gabriel perguntou.

— Não sei! Parece um fenômeno... ai! Mágico! Droga! As águas estão muito agitadas! Não estou conseguindo manter o controle do leme!

— Aguente firme! — Outra voz gritou de fundo.

Era bizarro, pra dizer o mínimo. Alguns pedaços do mar faltaram, deixando um buraco de vazio no lugar. Porções pretas com números gigantescos de 0 e 1 surgiram em alguns lugares, piscando em fortes e luminescentes tons verdes. Alguns marinheiros sumiram e outros congelaram, seus corpos piscando.

— Doutrinador! Que bagaça é essa que tá acontecendo?! — questionou Gabriel, apoiado em um mastro.

— Não sei! — admiti, procurando chão pra pisar e equilíbrio. — Só sei que estamos...

Zzzt... ztt...

— ...!

Antes de sequer conseguir terminar de falar, congelei e o mundo se apagou diante de mim. É como se eu tivesse dormido e acordado de um sono tão rápido que durou apenas alguns instantes. Um abrir e fechar de olhos. Só então que me dei conta de que fomos transportados para um outro lugar.

O cenário que se desdobrava diante de nós era uma selva escura e assustadora, completamente diferente do rio enevoado e violento onde estávamos, porém com a mesma aura pesada e sufocante. Todos os tripulantes e, é claro, o navio, desapareceram.

A vegetação densa e emaranhada ocultava a luz do sol, criando uma atmosfera opressiva e medonha. Rostos dantescos se desenhavam nos caules grossos e sulcados das arvores, arbustos e trepadeiras criavam a própria luz para sobreviverem àquela penumbra. A própria grama, quando pisávamos, gerava luz e formava uma trilha luminosa na imensidão do matagal.

— Onde estamos? — Gabriel me perguntou, sua cabeça quase girando em 360°.

— Não sei. — E talvez nem mesmo o mais sábio entre os sábios de Arcádia pudesse responder àquela pergunta.

— Pois é melhor encontrar um caminho para o ||PIRANDELLO ODIADO|| e rápido — disse Gabriel em um tom de ameaça. — Senão, ser morto por algum bicho dessa floresta vai ser a menor de suas preocupações.

Bufei.

Sons estranhos ecoavam ao nosso redor, enquanto nos esforçávamos para nos orientar e entender o que havia acontecido. Não demorou para cair a ficha de que não estávamos mais em ||LHASA||, talvez sequer no mundo que conhecíamos. Tremi ao conceber essa possibilidade, mas não permiti revelar isso para Gabriel.

A flora e a fauna da selva foram completamente distorcidas, como se tivessem sido afetadas por alguma força sobrenatural. A natureza fora corrompida em seu todo, transformando os seres comuns em criaturas grotescas que fugiam ao entendimento humano.

Árvores retorcidas e enegrecidas se agigantavam ao nosso redor à medida que avançávamos mais e mais para dentro daquele lugar, enquanto seres saídos de pesadelos espreitavam nas sombras.

Enfrentando o medo e a incerteza, nos vimos obrigados a seguir em frente. Gabriel sempre em alerta com seu espadão e eu com Salamandra, apesar do terrível desconforto que eu sentia dentro de mim. Sentia uma vibração desconhecida e ruim no campo mágico dali e isso me afetava.

Não só a mim, mas era visível o desconforto no rosto de Gabriel, mesmo que ele se esforçasse para disfarçar. Algo estava mexendo com todo o campo mágico daquela região.

Mesmo com os entraves, continuamos a explorar o lugar, por cima de troncos e arbustos altos e luminosos, valas e declives traiçoeiros. Algumas plantas tinham inteligência o suficiente, além de uma boca grande e dentada, para triturar e consumir qualquer coisa que se mexesse na sua frente.

Depois de uma dificultosa caminhada, encontramos o navio finalmente, mas não do jeito que imaginávamos; estava de cabeça para baixo, pendurado nos galhos de uma arvore de proporções colossais. O casco estava com vários rombos, os mastros estavam tombados, as velas cobrindo boa parte do caule disforme.

— Que foi que aconteceu aqui? — Gabriel se impressionou com o que via, apesar de seu rosto traduzir o mínimo desse sentimento.

— Fomos jogados em algum lugar e o navio em outro. — Olhei para os lados com expectativa. — Onde será que está a tripulação?

— O importante é descobrimos logo uma saída desse lugar — repreendeu Gabriel, a mão no cabo da espada. — Sinto companhia por perto.

— Também.

A arvore onde o navio encalhou ao ser teletransportado ficava no centro de uma clareira vasta, com flores de caules altos e que queimavam como bolas de fogo. As trepadeiras se mexiam lembrando pernas e braços.

No centro da folhagem colossal, uma fissura iridescente, se assemelhando a uma ferida aberta no espaço, criava veios e rachaduras na superfície das folhas. Era como olhar para a superfície de um espelho quebrado. Uma cena surreal.

— Que é isso?!

— Uma fissura? — interpretou Gabriel, as sobrancelhas se estreitando. — Seria um portal? O portal de onde viemos?

— Não temos como ter certeza — disse, cauteloso.

— Ainda assim, parece a única saída desse lugar.

No mesmo instante que abro a boca para contestar, um rugido toma todo o espaço da clareira. Logo após um concerto de vários sons bestiais, guturais e roucos. Folhas farfalharam, galhos se quebraram ao nosso redor. As frondosas copas foram movidas de lugar, despejando uma chuva de folhas multicoloridas.

A fissura oscilou. Uma discreta, porém, tremeluzente aurora arco-íris escapava dos veios do portal, espalhando-se entre os galhos e lianas acima.

E em uma cena que acabou tão rápido quanto começou, Gabriel girou o corpo em um movimento circular ao mesmo tempo que desembainhou sua espada enorme, dividindo ao meio a criatura que saltou em cima de nós por trás. Após alguns ganidos, aquela besta se desintegrou.

— Que coisa era aquela?! — perguntei, abismado.

— Não era grande coisa se apenas o vento gerado pelo balançar da minha espada foi o suficiente para cortá-la.

Não pude deixar de permitir meu queixo cair. Eu jurava ter visto ele atacando a criatura, mas ele somente balançou a espada? O que dividiu o monstro ao meio foi apenas o vento gerado pela manobra?

Mais sons, dessa vez atrás de mim. Não podia me dar ao luxo de flertar com aquela demonstração de força e baixar a guarda.

— Urgh! — gemi ao me abaixar de uma vez, sentindo um vento sobrenatural roçar minha nuca.

Garras afiadas rasparam meu cabelo quando desviei, por pouco, de um ataque mortal. Um monstro parecido, porém, maior que o anterior, surgiu das sombras dos arbustos com as garras negras crispadas, essas raspando no chão quando se apoiou no solo.

Gabriel se colocou em posição de combate rapidamente, a tempo de bloquear mais um monstro que veio, dessa vez, por cima. Eu o atingi como uma bola de fogo antes que ele conseguisse alcançar seu alvo. O bicho grunhiu e se enrolou com movimentos espasmódicos no chão.

— Droga... Eles são muitos! — lamentei, de costas para Gabriel enquanto inúmeros monstros deformados nos cercavam.

— Isso não vai durar nem um insta...

Zzztt... Zzzt...

— ...?!

— ...!

A fissura... de repente ela começou a se alargar e um choque na atmosfera fez meu cérebro capotar dentro do crânio. Gabriel se manteve firme, apesar de claramente afetado pela onda repentina.

E então, um vórtice imenso alargou a rachadura roxa no espaço, quebrando a realidade como se fosse uma vidraria. Monstros foram arremessados aos ares e o próprio barco preso entre os galhos foi movido de lugar.

Me esforcei para me agarrar onde deu, mas foi inútil. Gabriel do mesmo jeito. Fomos sugados para dentro da imensidão da fissura!   



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