Volume 2 – Arco 5
Capítulo 61: Pirandello Odiado
Capital de ||ANDRAS||, coração da região de ||RONEA||. Uma semana antes...
PLAYER: [Arthur]
Quieto. Tudo estava tão quieto que o próprio som da minha respiração soava ensurdecedor. Quieto, parado, monótono... a mente tinha espaço para voar e não retornar se quisesse.
O tempo ali parecia parado. Fazia quanto tempo que eu tinha sido trancafiado naquela gaiola para ratos? Uma hora? Um dia? Uma semana? Difícil dizer. A única coisa que me mantinha são era as conversas casuais com Salamandra, barganhando comigo.
Vinha com palavras doces; promessas de salvação caso eu cedesse a ele meu corpo. Apesar de assediadoras e irritantes, a voz de Salamandra era a linha que me separava da loucura total. Um marco que, se sumisse, eu ultrapassaria uma fronteira perigosa.
Talvez ele também tenha percebido isso, já que depois de algum tempo, parou de falar comigo propositalmente. Mesmo quando eu perguntava algo, somente silêncio vinha daquele braço idiota. E então, eu passei a me concentrar na marcação do tempo.
Sempre que um guarda colocava uma refeição para mim, eu tinha noção de que hora seria e, assim, eu começava. Segundo a segundo, minuto a minuto. Um ponteiro imaginário girando lentamente na minha cabeça. Tic-tac, tic-tac, tic-tac...
Porém, certo tempo depois, ouvi mais do que o tic-tac infinito na minha mente e minha respiração lerda. Ouvi passos. Muitos deles, se aproximando. Me pus no canto da minha cela, esperando mil coisas. Liberdade não era uma delas.
O portão da cela se abriu lentamente, arracando um ranger agonizante das fechaduras. Um figurão imponente, acompanhado de quatro guardas, invadiu o limitado espaço da cela, me olhando de cima, indiferente.
— Doutrinador, vim fazer umas perguntas — anunciou ele. — Já faz algum tempo, mas deve se lembrar de mim.
— Não.
— Bom, vai responder minhas perguntas de qualquer jeito.
— E minha resposta será a mesma das outras mil vezes que perguntou: não sei de nada.
Ele suspirou, parecendo impaciente já de início. Se eu tivesse sorte, isso acabaria rápido e sem surras de cabo de lança e toalhas molhadas com água fervendo.
— Imagino o que tenham te perguntado. Não se preocupe. A pergunta que vim fazer é outra.
Ele se agachou perto de mim, as barras de seu sobretudo farfalhando no chão carcomido da cela. Ao se aproximar, seus traços se tornaram mais distinguíveis na penumbra da cela.
Olhos frios e desinteressados, cabelos espaçosos e encaracolados nas pontas onde uma coroa comprida, com cristais nas laterais, repousava. Aspecto jovem com traços duros, denunciando o guerreiro sanguinário que era.
Gabriel, o [REI DE ANDRAS]. É esse homem que está na minha frente.
— O que você quer então?
— Eu ouvi alguns... boatos, interessantes. Sobre os [DOUTRINADORES] de ||ARCÁDIA||. Um povo que sempre viveu isolado, escondido, mas que são detentores de tantos conhecimentos e erudições antigas.
— Ouviu tanto sobre um povo dizimado só para vim conversar comigo?
Foi a primeira vez, desde que o vi naquela sala do trono, que seu rosto esboçou alguma reação diversa da monotonia habitual. Quem sabe eu pudesse usar isso ao meu favor.
— Na verdade, eu queria que começasse a ser algo além de mais um prisioneiro teimoso ocupando uma cela até apodrecer.
— Então, está com sorte — disse, a voz agora mais disposta e receptiva. — Eu não era nenhum grande sábio no monastério, mas sei o bastante. — Era, em certo grau, um blefe. Eu sempre fui o pior da minha turma.
Contudo, mesmo sendo meio mentira, também era uma meia verdade. O suficiente para Gabriel creditar minha palavra.
— O bastante?
— Pode perguntar o que quiser.
— Vejo que está disposto a colaborar dessa vez. — O rei de Andras se interrompe, talvez querendo tempo para formular uma pergunta.
Não havia nada que os andralinos soubessem que eu já não tivesse visto uma vez ou outra em minhas sessões de estudo — forçado — na biblioteca do monastério. Mesmo que eu não soubesse as minúcias, o que seria algo trivial para um sábio, seria fácil improvisar uma história e ir forjando os detalhes depois.
Afinal, eu era o último [DOUTRINADOR] vivo. Minha palavra era final.
— O que sabe sobre o ||PIRANDELLO ODIADO||?
Uma interrogação tão clara quanto o dia despontou do topo da minha cabeça. Eu havia ouvido falar sobre isso em uma conversa de dois [ADEPTOS], no pátio do monastério.
Sabia tão pouco sobre isso que, qualquer mentira que eu inventasse para me safar, seria desmentida por ele na hora. Gabriel não veio para que eu desse uma aula a ele sobre esse lugar, mas apenas para creditar o que ele já sabia e considerava verdadeiro.
Merda! Isso vai ser mais complicado do que imaginei.
No fundo da minha mente, ouvi uma risadinha baixa de Salamandra.
— O que foi? O que aconteceu com toda a sabedoria dos [Doutrinadores]?
— Não me amola. E sobre o que você falou, não passa de uma lenda.
— Lenda, é? — Ele se levantou e, por um momento, esperei um chute, que nunca veio. — Nunca dei tanto crédito para lendas. Até o momento atual.
— E o que mudou para fazê-lo acreditar?
— Que o que está nesse lugar possa me fazer por um ponto final nessa guerra de uma vez por todas.
O observei, cauteloso, em silêncio. Mesmo que ele só quisesse confirmar a existência do ||PIRANDELLO ODIADO||, ele sabia alguma coisa que ainda não me revelou. Fosse o que fosse, seria um problema se caísse nas mãos dos andralinos.
— O que li sobre esse lugar é que ele está além dessa dimensão, em algum lugar no centro de ||PYKAH||. Pode ser que o rio ancestral tenha alguma coisa a ver com isso e, na verdade, seja o caminho que leve até esse lugar, mas não há como ter certeza disso. Como já disse, é só uma lenda.
— Está falando da ||BACIA CONTINENTAL||? Ali é onde as águas do ||RIO DA CRIAÇÃO|| convergem, não é?
— Precisamente — confirmei.
— Então, se um lugar como esse existir, vai estar lá — ponderou Gabriel.
— É, mas volto a repetir: não passar de uma lenda.
— Mas as lendas não são mentiras geradas por verdades escondidas?
— Ou apenas historinhas para as crianças malvadas se comportarem — dissuadi. Parecia que ele já estava convicto de que algo como esse lugar pudesse existir mesmo no centro da ||BACIA CONTINENTAL||.
Ele se virou para sair. Antes disso, concluiu com uma ordem:
— Daqui a uma semana partiremos para colocar a marcha de Andral para frente, e a próxima parada será o ||PIRANDELLO ODIADO||. Prepare-se, [DOUTRINADOR].
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Enquanto isso, de volta ao ||RIO DA CRIAÇÃO||, tempo presente...
PLAYER: [Juniorai]
— ||PIRANDELLO ODIADO||? — repeti, surpreso e confuso ao mesmo tempo.
Estamos a um tempo flutuando nas águas calmas, às vezes agitadas, do ||RIO DA CRIAÇÃO|| em um modesto veleiro de pesca pequeno. Só havia espaço para, no máximo, quatro pessoas. Conseguimos roub... digo, pegar emprestado, do ||VILAREJO MANA|| para seguimos viagem.
Enquanto a única coisa que passava por nós era neblina e águas turvas de um rio estranho, Letícia me contava sobre sua missão em ||REN DO SUL||, uma das duas regiões inóspitas e geladas do extremo Norte do continente.
— É. Descobri isso de um mago ancestral e muito poderoso. E acredite, ele não parecia do tipo que mente ou se engana.
— Que doideira! Uma mansão em uma ilha isolada no meio do continente! Que história de maluco!
— E eu não deveria nem estar contando isso a você, mas... Lá existe informações que podem mudar todo o curso dessa guerra. O lugar onde todo o conhecimento ancestral, de eras passadas e vividas, se mantém vivo.
— Então, sua missão seria ir pra esse lugar depois de me deixar trancafiado em alguma masmorra de ||LACUNA||, é isso?
Letícia revirou os olhos, seus lábios se projetando para frente com um biquinho enquanto cruzava os braços.
— Pare de fazer isso soar pessoal — soprou ela e depois emendou: — Dada a natureza enigmática do lugar, eu voltaria a ||AMINAROSSA|| para informar a General e assim, poderíamos planejar uma expedição até a ilha. Só que a situação mudou...
— ||ANDRAS|| agiu primeiro — completei o pensamento dela.
Letícia rilhou os dentes.
— Droga! Como aqueles canalhas descobriram isso antes de nós?! Será que, de alguma forma, foram na ||TORRE DO MAGO SOLITÁRIO|| antes? Ou descobriram por outro jeito?
Uma quentura no pé do ouvido me dizia que, de algum modo, isso tinha a ver com o Arthur. Já fazia um pouco mais de uma semana e meia que ele foi capturado e, nesse meio tempo, os andralinos agiram de forma mais ousada, como...
Como se já soubessem o que fazer. E aonde ir.
— Letícia! — a chamei, segurando seus ombros. — Pode parecer loucura vindo de mim, mas não temos muito tempo! Os andralinos sabem sobre o ||PIRANDELLO ODIADO|| e estão na corrida para chegar lá!
Ela fez um movimento brusco pra se soltar de mim e respondeu, mal-humorada.
— Hã? E como você poderia saber de algo assim? — Ela levantou uma sobrancelha. — A não ser que...
— Não sou um espião ou desertor dos andralinos, se é o que está pensando! — Cortei, não dando margem para ela tirar conclusões precipitadas. — Mas eu posso te garantir que, de alguma forma, eles descobriram sobre a ilha e estão se organizando para chegar lá.
— Não temos como ter certeza disso. Além do mais, sem ||LACUNA|| e o nosso posto avançando no ||FORTE LAPUTA||, estamos a mercê deles ficando em ||LHASA||. Sem apoio, sem contato... estamos sozinhos. E não posso arriscar ser capturada ou deixar que você seja.
— Eu?
— Sim, seu leso. Agora você também sabe sobre o Pirandello.
Coloquei a mão na testa. Letícia foi até a cabine do veleiro e pegou nas mãos pequena, porém fortes, um mapa da região, usada pelos pescadores. Ela estende o grande pedaço do pergaminho sobre as pernas, apontando alguns lugares com o indicador.
— Se seguirmos reto, passando pela ||BACIA CONTINENTAL|| chegaremos em ||MAPLE|| em questão de um ou dois dias.
— Você não pode tá falando sério, né?
— Como assim?
— Eu literalmente acabei de dizer que se demorarmos mais, os andralinos vão chegar antes de nós, e você tá querendo passar reto do ||PIRANDELLO ODIADO||?!
— Eu não preciso lembrar a você que estamos em desvantagem e que é muito perigoso uma expedição até...
— Não tô nem aí pro que você acha. Quando voltar para avisar a Thays sobre a expedição, já será tarde demais!
— Isso não diz respeito a você, aventureiro! Como imediata da General Thayslânia de ||AMINAROSSA||, eu tenho tomo as decisões aqui, e as tomo da forma que eu achar mais conveniente! E eu digo que vamos para ||MAPLE||.
Droga... isso não estava adiantando! Sinto que se não formos para lá agora, tudo iria sair como aquela mulher encapuzada quer. Devia ter alguma forma no sistema para fazê-la mudar de ideia. Alguma quest que eu não deveria ter visto e que nos mandaria para lá, algum argumento... alguma coisa!
E como uma resposta automática ao meu desejo, o sistema mandou um alerta bem alto e sonoro para a minha cabeça. Nesse meio tempo, a madeira do veleiro rangeu... e rangeu. E rangeu mais alto.
— Hã? Tá ouvindo isso?
Letícia apertou os olhos, confusa.
— Ouvindo o quê? Não se faça de doido, menino.
— É sério. É o som de... madeira. Madeira rangendo.
Letícia checou o mapa mais uma vez, seus olhos alternando entre o pergaminho e o ambiente escuro e enevoado do rio.
— Não deveríamos estar tão perto assim da bacia.
No momento em que ela termina de falar, as águas debaixo do casco do veleiro se enlouquecem subitamente. As correntes se revolvem e, de um minuto a outro, fomos engolidos por uma tempestade.
— Que droga que tá acontecendo?! — gritei para Letícia, segurando onde podia.
O barco começou a balançar violentamente. As tábuas do casco rangiam e soltavam violentos sons quebradiços parecendo que iam se partir a qualquer momento. As velas balançaram como palmeiras sendo chacoalhadas por ventos impiedosos.
Uma chuva forte castigou nossos rostos e corpos expostos. A névoa, que já era espessa antes, ficou ainda mais e praticamente nos cegou naquele rio enquanto éramos jogados de uma barreira à outra pela tempestade.
— Segura firmee! — gritou Letícia de algum lugar.
— Vamos afundar! Vamos afundar!
— Vamos não! Aguenta!
Trovões rimbombaram no céu, rajadas de vento potentes chicoteavam lâminas de chuva em nossos corpos. Algo do veleiro se quebrou em algum lugar. O som de madeira colidindo com pedras assombrou meus ouvidos.
— Puta merda! Batemos em algo!
— Estou contornando, contornando!
— Letícia, sai daí!
Mais um trovão me cegou e me ensurdeceu.
— Merda! Não vai dar tempo!
— Venha pra cá logo, droga!
— Vamos afundar, vamos afundar!
CRACK! CRASH! VOOSH!
Senti meu corpo sendo centrifugado junto com o chão embaixo dos meus pés ao passo que o veleiro era arrastado com as correntezas fortes. Só deu tempo de Letícia se juntar a mim quando sentimos o barco decolar, batendo violentamente contra um paredão de espigões.
O sopapo arremessou Letícia em algum lugar e meu corpo deu um salto pra cima. Meus olhos entreabertos só conseguiram ver o momento que o casco do veleiro se partiu e, logo após, o mastro veio abaixo, a vela me cobrindo completamente. Meu corpo foi sugado para dentro das águas agitadas.
E tendo minha cabeça colidido com uma pedra, apaguei.
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Nesse meio tempo, em ||LACUNA||, porção sudeste de ||LHASA||...
PLAYER: [Arthur]
Definido tudo, partirmos para ||LACUNA||. ||DRAGNERILL||, o segundo maior reino da região e aliada aos andralinos, começou uma invasão sistemática aos aliados de ||AMINAROSSA|| em ||LHASA||.
Aldeias foram incendiadas, seus habitantes passados um a um pelo fio da espada. Homens, mulheres, crianças e idosos... a ninguém foi concedida misericórdia.
As rotas de suprimento foram bloqueadas, carroças incendiadas até que os últimos grãos de trigo e cereais fossem pulverizados. A comida nunca chegou aos pratos dos famintos soldados que patrulhavam, diariamente, as fronteiras.
||LACUNA||, obviamente, revidou, mas não foi o bastante. Certo momento, pediram ajuda aos aminarosianos, mas a resposta não veio. A [GIGANTE DAS PLANÍCIES] foi deixada à própria sorte.
Com as tropas dispersas e famintas, não foi difícil para o exército de ||DRAGNERILL|| sitiar a capital lacunar. O cerco foi cerrado; muitas vidas foram perdidas, dos dois lados, mas o vencedor já havia sido decidido.
Fazia vários dias que estávamos na estrada; o estômago embrulhado e os pulsos agredidos por grilhões bem apertados eram uma recorrente lembrança de que, mesmo a serviço do próprio rei, eu não passava de um prisioneiro.
E ainda tinha Salamandra, constantemente a lembrar o quão coitado e patético sou por estar naquela situação. Como as coisas podiam ser piores do que já estavam?
— Chegamos no momento adequado, pelo visto.
Passamos pelos portões tombados de ||LACUNA|| ao meio-dia aproximadamente, os soldados dragos formando um caminho que conduzia até a principal praça da cidade.
Lá, Gabriel, eu e Zelena, a arquimaga maluca que babava ao sonhar em fazer experimentos comigo, descemos. Grande parte dos prédios estavam conservados, tirando um ou outro telhado arruinado, algumas janelas quebradas ou muros desmontados.
Em cada esquina das ruas principais jazia algum soldado portando uma bandeira com o símbolo de ||DRAGNERILL||, uma cabeça de dragão, ou um estandarte com o símbolo andralino.
Nós desfilamos para uma multidão de pessoas rendidas e soldados, os únicos a nos aplaudir, até o castelo principal da cidade-reino. O opulento castelo lacunar, o último reduto dos regentes de ||LACUNA||, foi a construção mais afetada pela batalha.
— Hersmack L.Lacuna V — cumprimenta Gabriel com uma solenidade forçada. — E rei Thycome O’Anel Dragnerill.
— Meu senhor. — O rei que não estava sobre os joelhos, o rei Thycome, saudou o rei andralino, baixando a cabeç. A pena frondosa no topo de seu elmo de batalha varreu o piso.
— Você lutou até seu último homem e isso é louvável... — começou Gabriel.
Em afronta, o rei rendido de ||LACUNA|| solta uma cuspida nas botas perfeitamente polidas do soberano de ||ANDRAS||. Algo em meu coração pesou ao imaginar o que iria acontecer com aquele pobre monarca derrotado.
— Me poupe da cordialidade. Sei exatamente que não veio até aqui para fazer amizade comigo ou com meu povo.
Gabriel suspirou, como se fosse uma cena rotineira em sua vida. Sendo o líder de uma potência a nível continental, não descartaria tal possibilidade.
— Está certo. Não vim aqui para isso. — Ele agarrou os poucos cabelos de Hersmack e o obrigou a levantar o rosto para ele. O rei rendido soltou um grunhido de dor entredentes. — Estou aqui para dizer que seu reino agora é meu e seus recursos, incluindo navios, são meus. Caso coopere, prometo ser piedoso com sua família e seu povo.
O rei Hersmack torceu os lábios em negativa, mas uma aura densa se condensou ao redor do rei de ||ANDRAS||. O ambiente pareceu se aquecer um pouco mais. Zelena soltou um risinho discreto ao meu lado, divertindo-se com a cena.
— Se eu fizer o que me pedes, poupará meu povo do fio da espada? Pouparás as crianças da forca e as mulheres da luxúria de seus homens?
— Tens a minha palavra — garantiu.
— Então que assim o seja. Tudo o que pertence a nós, pertence a vocês.
— Vejo que é um homem inteligente. — Gabriel o soltou. — Não me admira que meus aliados demoraram tanto para derrubar seu reino. — Ao dar meia volta, Gabriel determinou com um gesto de comando. — Prendam Hersmack no calabouço!
— Que?
— Não! Meu marido, não! — A mulher de Hersmack, Ann L.Lacuna, gritou.
— O que você...?
— Já a família permanece no castelo, mas sobre minha supervisão. Não poderão sair, não poderão mandar mensagens de nenhuma forma. Recrutem quaisquer soldados que queiram se unir ao exército e executem qualquer um que não. Já o povo permanece ileso, assim como suas moradias, mas seus suprimentos devem ser confiscados!
— Você! Você disse que ia me poupar! — ganiu Hersmack, sendo levado por dois soldados aos puxões e empurrões.
— Sim. Você ficará preso, mas estará vivo. Não vejo como isso pode ser uma violação ao que prometi a você.
— Meu senhor, creio que eu não possa concordar com isso — protestou Thycome.
— O que quer dizer?
— Eu exijo que Hersmack seja executado e, sua cabeça, colocada em uma estaca.
As duas filhas de Hersmack, escoltadas por dois soldados andralinos, empalideceram. O olhar de Ann era de puro terror.
— Não! Não podem fazer isso com meu marido! Isso não! — choramingou.
— Calada, vadia! — Thycome chutou com força a esposa do rei derrotado e a mulher rolou no chão, engasgando com a dor.
— Mamãe! Não!
— Mãaaaeee!! Buáaa!!
Gabriel não esboçou reação alguma além de um olhar enfadado e um suspiro prolongado. Ameacei reagir diante daquela agressão, mas Zelena estendeu o braço no meu caminho, não só como uma reação, mas um aviso.
— Não vai querer se intrometer em conversa de gente grande.
Não respondi e recuei dois passos.
— Você está fazendo uma cena desnecessária, rei Thycome. Entendo sua exigência, mas também tenho noção de que meu parecer sobre tal assunto já foi dado.
— Você quer poupá-lo. Entende o quão humilhante será para mim se eu não passar a mensagem de quem está no controle agora?
— A cidade está tomada de ponta a ponta. Nossos soldados estão em cada buraco dessa cidade, temos todo bastião de armas, temos as planícies, os vilarejos, os suprimentos, as rotas comerciais e o forte. Não acha que a mensagem buscar passar já não foi passada?
— Não. Eu quero mais. Eu quero que não sou os lacunares, mas todos, de ||MUSKIN|| até ||RAVINA||, saibam que eu derrotei Hersmack. Quero que o mundo inteiro saiba quem venceu... — Thycome lançou um olhar de repulsa para o regente de ||LACUNA|| antes de completar sua frase. —... e quem perdeu.
— Eu já dei a minha palavra a ele e a cumprirei. Tenho o que preciso e qualquer coisa além são meramente trivialidades. — Gabriel acertou Thycome com um olhar penetrante. — Minha palavra é final, então Hersmack ficará no calabouço com sua cabecinha no lugar a qual pertence.
Thycome bufou várias vezes, exalando ódio e revolta. Seus olhos oscilavam entre a figura de autoridade que era Gabriel e o capacho o qual agora era prisioneiro em sua própria masmorra.
Nem mesmo a vergonha de ter perdido seu reino e ser preso dentro do próprio castelo bastava para o monarca vingativo. Ele queria mais. Queria Hersmack envergonhado, morto, seu corpo pútrido pendurado aos pedaços por cordas em cada arvore da principal estrada do reino, de lá até ||LIDOOBERRY||.
Rei desgraçado!
— Se você não vai conceder meu pedido, meu senhor... — Thycome sacou a espada e pulou pra cima de Hersmack. — Então eu mesmo me concederei essa honra!
— Pareeee!! — Ann gritou.
Zelena riu da cena que Thycome fazia. Os soldados ameaçaram avançar para detê-lo, mas uma sombra foi mais rápida. Não, foi quase um lampejo, ligeiro e silencioso.
Gabriel se moveu e, enfim, mostrou seu espadão que aparentava nunca ter deixado sua bainha.
O golpe foi certeiro, cirúrgico e quase invisível. Um movimento de seu braço foi o suficiente para mandar a cabeça do rei de ||DRAGNERILL|| voando pelos ares até quicar nos degraus que levavam ao antigo trono de Hersmack.
Ann cobriu a boca com as mãos em uma face desfigurada de terror e espanto. As filhas de Hersmack, observando tudo de longe, paralisaram.
O corpo de Thycome tombou, derramando um chafariz de sangue do coto para então sumir completamente em uma explosão de brilho, desvanecido logo em seguida.
E-e-eu sequer vi ele se movimentar! E o ataque, a precisão, essa aura dele... que assustador! Meu coração estava acelerado.
Gyahahaha! Que humano interessante, disse Salamandra com um sombrio interesse.
Ele balançou sua lâmina de um lado para o outro e então a guardou na bainha em suas costas novamente. Sequer piscou para matar o líder de uma nação inteira, logo mal posso imaginar o que ele não faria com qualquer um que desobedecesse a sua vontade.
— Eu já havia lhe dito várias e várias vezes, Thycome....
Gabriel se virou e sentou no trono que outrora pertenceu a Hersmack, apoiando o rosto no punho fechado.
— Minha palavra é final.