Volume 1 – Arco 4
Capítulo 54: Argos
PLAYER: [Letícia]
Letícia... acorde... Letícia...
Onde eu... estou?
Acorde... Leticia...
Levantei de uma vez, arfando, o coração inflando dentro do peito. O que tinha acontecido? Tudo não tinha passado de um sonho?
— Eifrim?! — Virei a cabeça de um lado para o outro, mas eu já não estava mais no corredor. Também não empunhava mais um arco e minhas roupas e meu corpo... estavam intocados.
E nenhum sinal dela; da minha tutora; de Eifrim. Não antes daquilo...
Levei uma mão até a cabeça como se tentasse manter as memórias intactas lá dentro, sentindo um calafrio perpassar meu corpo como flechadas fantasmas que me atravessavam.
Quando tudo tinha acabado, quando eu já tinha aceitado que morreria, braços pesados e invisíveis havia me coberto, me protegido dos estilhaços e dos projeteis. Um domo de gelo cristalino se formou ao meu redor, como se esses mesmos braços me envolvessem, uma mãe protegendo sua prole.
Não tenha medo.
Uma sensação de frio tão agradável que chegava a ser familiar. Não era o mesmo frio do ambiente inóspito de |REN DO NORTE|, tampouco era similar a qualquer sensação de frio que o ambiente pudesse me proporcionar. Algo bem próximo do zero absoluto.
E aos poucos, aquelas memórias voltavam em cascata, como um sonho ruim que eu tinha esquecido. Sim, aquelas palavras, aquele rosto... aquele rosto lívido, olhos fundos, expressão condescendente.
— Muito bem... Letícia — Eifrim disse com a voz fraca e entrecortada. — Você... manifestou o poder legítimo... de Lapis Lazuli.
Seu corpo se mostrava para mim como um boneco de cera malfeito e quebradiço, todo partido no chão entre centenas, talvez milhares, de flechas e cacos de gelo; o teto, os pilares, o chão... tudo havia sido completamente congelado e destruído depois da explosão.
Eifrim continuou depois de uma tosse rouca: — Porém... falta... algo em você.
— E o que seria afinal? Pelo que sei, você está no chão e eu estou de pé. — Uma ponta de arrogância se espreitou em minhas palavras.
Uma parte minha sentia o mesmo horror daquele dia, mas outra sentia um estranho prazer ao vê-la despedaçada no chão. Como se assisti-la derrotada massageasse meu ego de alguma forma.
Mas não tinha glória ou honra nenhuma naquilo — na verdade, eu sentia mais uma profunda tristeza do que o triunfo de uma vitória.
— Você... está lutando sozinha, não é?
Esbugalhei os olhos em uma resposta automática, como se aquelas palavras me atingissem profundamente. E ao ver minha reação, ela prosseguiu: — Você enxerga Lapis Lazuli... apenas como uma ferramenta. Não percebe... que tanto você como ele são um só, mas ambos... solitários.
Solitários...
E eu agora olhava para aquela sala suntuosa, dessa vez iluminada, perdida no tremular de uma chama presa à parede. Eu e minha arma somos solitários, é? Não pude evitar de levar um sorriso sarcástico aos lábios. Uma parte minha queria acreditar naquilo, de verdade.
— Lelê! Lelê! Lelêeeeeeeeeeeeeee!
A voz irritante da Juno estrondou dentro da saleta e quebrou todo o silêncio solene do lugar como um vidro se espatifando, e me assustando. Ela veio detrás de uma pilha de coisas entulhadas no fundo do cômodo, chorando e me abraçando de repente. O que que deu nela?
— Ei, ei! O que foi? O que aconteceu?
— Ah, Lelê! Foi tão horrível! Eu quase morri! — Ela se agarrou em mim e fungou na minha roupa.
Eu a afastei com um empurrão que a fez cair sentada. Ela continuou choramingando como uma criancinha birrenta. Tsk, que menina irritante!
— O que raios foi que aconteceu? Por que se separou de mim, menina? — Eu queria pular logo a conversa e esganá-la por ter dado um chá de sumiço em mim.
— Hã?! Tá de sacanagem com a minha cara? Foi você que se separou de mim! — Ela rebateu a mesma acusação. — Eu estava do seu lado e de repente, você já não estava mais lá e eu estava em um corredor escuro e frio sozinha! Isso não teve graça! Não teve!
— Espera aí, espera aí! Você apareceu em corredor escuro do nada também?
Juno confirmou com a cabeça e as bochechas infladas como uma criança que acabou de ter o pirulito roubado. Então aquilo que eu passei... a minha visão do passado, minha luta com Eifrim... tudo aquilo foi real?
Eu... eu realmente matei a minha tutora de novo? O pensamento me causou um arrepio, até que Juno segurou minha mão, já de pé na minha frente. Seus olhos estavam sérios e firmes.
E um som metálico estalava do outro lado de uma grossa e ornamentada porta de madeira com um puxador de ferro em argola. Um som que nos convidava a entrar ou sair dali, nós não sabíamos. Um vento frio correu por debaixo dela e pelas frestas e dobradiças de ferro antigo, porém bem conservadas.
Nos entreolhamos como se quiséssemos uma confirmação uma da outra para atravessarmos a passagem. Então tomei a iniciativa e fui na frente, os dedos das mãos e pés suando dentro das luvas e botas. Engoli em seco.
Você está lutando sozinha, não é? As últimas palavras de minha tutora sopravam como um sussurro de um vento na minha cabeça.
Ao NHEC da porta, nós atravessamos. Um vasto salão — e eu nem mesmo sabia se podia me referir àquele espaço de “salão”, pois era um lugar tão aberto quanto uma extensa planície — se mostrou à nossa frente. Lá dentro pedaços de muro, candelabros e velas acesas e, principalmente, livros — alguns abertos com canetas bico de pena escrevendo sozinhas neles — flutuavam no espaço sem destino, livres como uma folha soprada ao vento.
O horizonte do céu era abobadado, como se quisesse lembrar que estávamos dentro do espaço da torre ainda, mas um céu azul de nuvens e estrelas estava estampado entre os arcos largos enfileirados que delimitavam o espaço. E o sol daquele céu estava bem à nossa frente.
Se erguendo sobre nós como um monumento majestoso, cobrindo aquelas nuvens, no centro de tudo que estava lá dentro, jazia um trono feito inteiramente de livros e mais livros empilhados.
E assentado sobre o gigantesco trono de livros, estava um homem de pernas cruzadas e braços unidos por mãos espalmadas, em estado meditativo. Sua aura transbordava por trás dele, tracejando um símbolo iridescente que era como olhar diretamente para o próprio sol daquele céu de mentira.
— Onde estamos, Lelê? — Juno perguntou, tapando a visão com as mãos.
— Não sei — disse, enquanto afastava um livro flutuante com a mão. — Mas eu diria que estamos no topo da torre.
— E está correta, Letícia — Uma voz grave e etérea, quase divina, chegou até nós como se estivesse em todos os lugares.
Aquela voz poderosa que soava com o som de uma montanha se partindo foi o suficiente para fazer minhas pernas travarem e o coração disparar. O rosto de Juno ficou pálido demais e os olhos estavam petrificados, como se olhassem para a própria morte ou a encarnação de um deus na terra.
— Você... me conhece?
— Evidente que sim, [ARQUEIRA INVERNAL]. — Ele me chamou pelo meu título. — Conheço todos que pisam ou já pisaram nesse continente. Conheço sua vida, sua trajetória e seu destino, Aminarosiana.
— Você é de ||AMINAROSSA||? — Juno perguntou, intrigada.
Eu só ignorei a Juno e me concentrei naquele ser divino à nossa frente, perguntando: — E quem seria você?
— Eu sou Argos, o guardião desta torre e detentor dos mistérios sobre o tudo... — Ele parou de falar de repente, fazendo um gesto com a mão espalmada. — E sobre o nada.
Naquele momento eu percebi que não iria adiantar ficar pensando nas coisas que ele poderia dizer ou dizer — e depois de tudo que passei dentro daquela torre, eu nem deveria — então, procurei ser o mais objetiva possível. Sem rodeios, sem pormenores.
— Você vai me dizer o que quero saber, guardião? — Minha garganta apertou quando pensei em chama-lo pelo nome. — Quero saber sobre a ||BIBLIOTECA DAS ALMAS||.
A aura dele era opressiva. Seu rosto era sereno e seus olhos, cobertos por uma grossa faixa branca com detalhes e rajadas lilases que corria por toda sua careca radiante. Mesmo se nós duas nos uníssemos... não, se trouxéssemos um exército inteiro contra Argos, ainda seríamos esmagadas completamente.
Era insano a presença que sua aura emitia, formando diademas e símbolos que se desenhavam e redesenhavam sozinhos como se tivessem vida própria. Não dava para brincar com esse ser.
— Ah, sim. Tu viestes de tão longe para saber sobre isso, [ARQUEIRA INVERNAL]. Todavia, ainda há uma prova pela qual as duas hão de passar juntas — Ele fez uma pausa e girou sua mão esquerda espalmada. Todos os meus alertas de perigo gritaram de uma única vez e eu recuei alguns passos. — Uma que a escolhida da PRINCESA DO PENSAMENTO ainda não superou.
O olhar de Juno oscilou entre mim e o ser divino a nossa frente, com a maior cara de paisagem.
— Eu?! Euzinha? — perguntou, apontando para si.
— Você mesma. Vocês ainda não entenderam o propósito de terem vindo aqui.
— Eu vim aqui apenas para saber sobre a ||BIBLIOTECA DAS ALMAS|| — retruquei.
Ele levantou um dedo calmamente e tomei mais um susto. Todos os meus instintos me alertavam para ter cuidado com ele, apesar de ser visível que não tinha nenhuma intenção de nos atacar.
— Errada — remendou ele. — O destino trouxe vocês ante a mim para que pudessem descobrir si mesmas e adquirir o conhecimento necessário para os desafios do futuro.
— Esses desafios não dizem respeito a você, guardião — disse, sem muita convicção. Talvez eu considerasse aquela fala até um ato de suicídio. — Diga apenas o que queremos saber e vamos embora.
Jurei que pude enxergar seus lábios fazendo menção a um sorriso. Minhas costas estavam empapadas de suor.
— Vocês, tão seguras de sua própria ignorância, como se a vissem como sabedoria. — Ele girou sua mão espalmada novamente. — No entanto, sabem tão pouco do mundo em que caminham. Pensam que sabem o que querem, que tem seus destinos marcados e seus caminhos traçados, mas não enxergam a razão que as impede de caminharem.
— O que você quer dizer com isso? — perguntei, claramente confusa.
— Lelê, acho que é mais um dos joguinhos dele. Não vai na onda dele, não — disse Juno, claramente lutando para manter a voz firme.
— Você ainda não percebeu? Não ouviu a voz dele falando com você, Aminarosiana?
Minha cabeça se tornou um confuso e desconexo redemoinho de ideias e memórias, tentando ligar pontas soltas, fragmentos quebradiços de eventos. Ele estava falando da voz misteriosa que eu ouvia de vez em quando? Daquela voz grave e centrada e tranquilizadora?
Minha... mente?
Eu não ouvia mais nada agora além da confusão gritante em minha mente, tentando ligar pau com pedra. Ele notou que eu não tinha pego nada e então continuou:
— De qualquer forma, entenderão tudo o que precisam entender quando completarem esta última provação. — De repente, uma silhueta surgiu em um dos arcos atrás dele.
Uma silhueta masculina alta e larga vinha andando, caxingando na perna esquerda. Ele entrou naquele espaço místico e a luz que irradiava daquele trono de livros iluminou cada feição dura e brutal daquela pessoa.
— Che-Chefe?! — A voz de Juno saiu sufocada.
O líder da [ORDEM DO SANGUE DO DRAGÃO ANCESTRAL], estava todo ensanguentado, com sinais de agressão e combate; cortes, hematomas, lacerações em suas roupas além de estar ofegante nos dizia o bastante sobre o que pode ter enfrentado lá dento. Um instinto e desejo por sangue inundava cada centímetros de seus olhos agressivos, coberto por grossas sobrancelhas franzidas.
— Então esse cara também conseguiu chegar aqui... — remoí para mim mesma com um estalo de língua.
Mas ele também pareceu ser o único. Me lembrava de ele estar acompanhado de um grupo de outros ladrões que não estavam lá agora. Pelo visto, só ele havia sobrevivido àquelas provações.
— Então nos encontramos de novo hein, Jun-Jun? Fico impressionado de logo você, entre todos os meus homens, ter sobrevivido... — Ele empertigou as costas e fez um gesto com o polegar, mandando Juno ir até ele como se ela fosse um cachorrinho na coleira. — Agora venha cá.
O corpo de Juno tremeu e suas mãos se apertaram tão forte que pensei que ela cravaria suas unhas nas mãos. Eu toquei em seu ombro e ela virou o rosto pálido e suado para mim, sem entender.
— Ela não vai a lugar nenhum — declarei.
Oolong fez uma cara de quem não entendeu, sua pálpebra direita tremendo em um tique de raiva.
— Você... depois eu cuido de você, floquinho de neve. — Ele se virou para Juno novamente e seu punho balançou. — AGORA VENHA JU.NO! — A voz dele ficou mais baixa e ameaçadora.
— Eu... eu... não... eu...
Do topo do trono de livros, Argos assistia a tudo em silêncio. Um mero espectador apesar de sua presença opressora. Será que isso também é um teste, guardião?
— JUNO!! VENHA AGORA OU NÃO VAI QUERER SABER O QUE VAI ACONTECER COM VOCÊ, SUA IMUNDA!
A ladra recuou alguns passos, se encolhendo aos berros de Oolong. Apertei a pegada em seu ombro e ela olhou para mim.
— Está tudo bem. Não precisa ir se não quiser — disse com um sorriso consolador.
— ELA ME PERTENCE! ELA VIRÁ E PRONTO! — urrou Oolong vindo até nós de forma ameaçadora.
Eu andei na frente e invoquei o arc... invoquei Lapis Lazuli, para a batalha. Dessa vez, para a minha surpresa, o arco gélido estava diferente; maior, melhor esculpido e o gelo daquilo... eu sentia, mais do que via, que poderia congelar até mesmo almas.
Esse poder... não sei pode escutar isso, mas... obrigado, sorri automaticamente.
— Você não dê nem mais um passo! Se quiser tentar a sorte... — Apontei Lapis Lazulli para ele, a flecha surgindo como um arpão que perfuraria até mesmo os céus. — Não vai mais pôr suas mãos imundas na Juno.
— O que pensa que está fazendo? — Oolong me lançou um olhar penetrante, como se enfiasse uma faca pelo meu pescoço. — Você não tem nada a ver com essa pedaço de trapo. Por que se importa?
— Eu... porque... porque ela é minha amiga!
— Lelê...
— Que tocante. Mas acho que a Juno já se decidiu, não é? — A voz dele nojenta e distorcida, como se estivesse em êxtase com algo.
De repente, uma faca surgiu perto do meu pescoço vinda de trás. Vinda de Juno. Meu corpo ficou imóvel quando senti o frio do aço roçando meu pescoço e então, logo em seguida, a lâmina se enterrou no meu ombro esquerdo e o arco de gelo de Lapis Lazulli se desvaneceu como uma fina neblina.
— Ju-Juno?!
A voz de Oolong explodiu em risadas infames.
— Há! Tô vendo que pelo menos ela ainda sabe pensar! Muito bom, muito bom! — Ele batia palmas com escárnio. — Por um momento eu quase acreditei, Jun-Jun! Mas que víbora traiçoeira você é!
Eu caí de bruços no chão, o sangue espirrando do ferimento. Ela caminhou lentamente ao meu lado, seus olhos apagados me olhando de cima, talvez por pena? Remorso? Eu estava confusa e sentia uma dor horrível que impedia qualquer movimento.
— Sinto muito... Lelê — ela disse aquilo para mim e foi de encontro ao mercenário que a esperava do outro lado.
Argos ainda assistia a tudo no mais completo silêncio. Era como se ele sequer estivesse ali, como uma entidade invisível que apenas assiste ao desenrolar da história. No entanto, eu poderia imaginar o que ele estava se questionando agora. Era a mesma coisa que eu estava me perguntando... Por quê?!
Ela tomou seu lugar ao lado de Oolong, seu rosto agora estava indecifrável, frio. Muito diferente da Juno serelepe e sarcástica de antes. Em um sorriso tão cruel quanto vitorioso, Oolong abriu os braços e berrou:
— Você acreditou, mesmo que por um segundo, que Juno iria me trair para ficar do seu lado?! Você jura?! Que piada! Tinha que ser uma estrangeirinha burra e ingênua! Não te ensinaram na sua terra que não deve se confiar em uma ladra, tampinha?! — zombou ele enquanto ria.
— JU-JUNO! Você... isso... isso não é quem você é... de verdade — arquejei enquanto tentava me mover do chão. — Você... você não é uma ladra... é só o que te dizem ser.
— Ah, sério? Vai vir com esse papo sentimental mesmo? Quer que eu morra de vomitar por acaso? — censurou Oolong com uma careta azeda. — Vamos, Juno! Bora logo pegar esse tesouro e voltar para o esconderijo! Já estou cansado disso tudo.
— Ju-Juno...!
— Lelê... por favor... para com isso — ela respondeu, a cabeça baixa sem sequer me encarar nos olhos.
— Então... só me diz por quê! POR QUÊ?! — gritei, a voz oscilando entre raiva e dor.
E então Juno levantou a cabeça e revelou um rosto banhado em lágrimas, as maçãs das bochechas vermelhas do choro.
— Por que desse jeito você vai estragar minha atuação, sua idiota.
— O que? — Antes que Oolong tivesse tempo para reagir, a faca que estava no meu ombro sumiu junto com a dor, assim que ela tocou no braço do mercenário. — |TRANSFERÊNCIA|!
A arma reapareceu no pescoço dele de repente, perfurando sua veia carótida cirurgicamente. Um jato de sangue espirrou e ele recuou alguns passos desengonçados para trás, levando as duas mãos desesperadas e trêmulas ao pescoço arruinado. Finalmente consegui me mexer.
Juno havia me enganado. Enganado a todos para ter uma chance de se aproximar de Oolong e desferir o golpe fatal. Mas que magia era aquela? Desde quando ela podia usar magia?
— Su-su-sua... cadelaaaaa! — grunhiu ele em meio a filetes de sangue que escorriam de sua boca.
Juno se virou para ele com um olhar incendiado e uma postura austera, que até então eu não tinha visto nela, e respondeu, a voz firme e decidida: — É. Você tinha razão em uma coisa, Oolong: não se deve confiar em uma ladra!
O rosto dele se retorceu em uma agonia lacerante misturada a um incandescente ódio que poderia muito bem fazer sua cabeça queimar como um palito de fósforo. Quando eu consegui finalmente levantar, fui até ela correndo.
— Lelê! Ai mulher, me desculpa por ter te esfaqueado, mas eu precisava de uma atuação convincente para me aproximar dele. Desculpinha mesmo! — Ela juntou as mãos na frente da cabeça.
— Tudo bem, mas... PODIA TER ME AVISADO ANTES, PORCARIA!
Ela riu sem jeito e antes que pudesse se explicar ou explicar o plano mirabolante em que pensou na hora, eu cortei: — E estou orgulhosa de você, Juno. — Os olhos dela brilharam em acordo.
Enquanto isso, Oolong sangrava e sangrava, seu sangue sujando todo o chão e objetos ao redor enquanto agonizava e engasgava algumas vezes. Em meio àquela bagunça, ele ralhou:
— E-e-eu... vou en-ensinar a-a-a vocêeees... o que-que... acontece se mexer... COMIGO!! — Algo brilhante irradiou de dentro de seu colete empapado de sangue.
Um brilho roxo e intenso que rivaliza com a aura solar de Argos. Uma luz que eu nunca tinha visto antes! Ele pegou a pedrinha roxa na mão e ergueu perto do peito, desencadeando um pilar de luz que envolveu seu corpo por completo.
Uma pressão avassaladora nos atingiu violentamente, Oolong era o epicentro. Todos os objetos que flutuavam ou estavam no chão saíram voando, lançados por aquela rajada de vento e pressão que vinha dele. Sua energia latente aumentava cada vez mais, abalando os pilares e o próprio trono de livros do guardião da torre.
— Que que foi isso agora?! — Juno gritou, cobrindo o rosto enquanto projetava o corpo para frente para não sair voando.
— Eu não sei... — respondi, me protegendo também. Um livro quase voou na minha cara. — Mas eu tenho um mal pressentimento sobre isso!
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Nesse meio tempo, em ||GARDENMOON V||, o tempo do mundo continuava a correr.
PLAYER: [Kildery]
— Huum... sei não... acho que isso deveria ser gostoso, não? — Eu olhava para aquele pedaço de carne quente disposta no meu prato, com verduras e outras coisas, pingando gordura. — Não tem sabor nenhum...
— Mas senhor... é o melhor prato que temos aqui. — O próprio dono do estabelecimento veio pessoalmente ver se o melhor prato dele agradaria um paladar tão exigente quanto o meu.
Então... na verdade, eu não era tão exigente assim não. Eu meio que tipo comia qualquer coisa que fosse gostoso e tivesse muita energia. Mas um pedaço de carne assada com verduras não me daria energia nenhuma. Que saco... não tinha o que ser feito.
— Então vou querer só água mesmo — disse com um bocejo. O dono pareceu ofendido por ter dito — implicitamente — que sua melhor comida era uma merda, então ele só me deu o que eu queria mesmo.
E nem adiantava devorar ele ou outros que estivessem lá. Ninguém tinha um gosto bom ou muita energia para me deixar satisfeito. Saco, saco, saco! Hunf... eu vim aqui com tanta expectativa e acabou que dei com os burros na água de novo.
O garçom me trouxe uma jarra de metal e uma caneca de madeira. Seus olhos assustados encontraram os meus frustrados e ele quase teve um ataque cardíaco. Foi bem engraçado, mas eu não estava com humor para rir. E estômago, menos ainda.
Onde eu poderia ir que me desse o que eu queria?
— Então, você ouviu? — Uma voz veio de trás de mim, em uma mesa vizinha. Era um grupo de amigos que conversavam em sussurros conspiratórios.
— É verdade mesmo? Eu não acredito! Logo os anões?
— Sim! Soube por uma fonte que estourou uma revolta em ||BASIN-C|| e os Andralinos aproveitaram e tomaram tudo! — explicou um outro rapaz com a voz tensa.
— Não acredito nisso! A guerra parecia tão distante de nós e está quase às nossas portas! — comentou um deles, temeroso.
— Merda! O que será de mim?! O que será da minha mulher?! Das minhas filhas?
Huum... do que eles estavam falando? Essa ||BASIN-C|| poderia ter muitas pessoas fortes para eu devorar? Será que era o que eu estive procurando esse tempo todo? Não custava nada perguntar, mas era bom eles não tentarem me enrolar.
— Ei! — Eu cheguei na mesa e eles viraram sua atenção para mim. Eram cinco deles, todos com olhares desconfiados. — Poderiam me falar mais sobre isso aí?
— E quem é você? — O maior deles e o mais cauteloso perguntou com um olhar desagradável.
Eu cocei a cabeça, meus olhos revirando em ter que responder uma pergunta tão simples e tola. Suspirei e então respondi:
— Sou só alguém que está com muita fome.