Cheaters Brasileira

Autor(a): Kuma


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 33: Interferências

||CIDADE PORTUÁRIA DE OLÍVIA||, em um lugar remoto da região de ||REN DO SUL||, alguns dias antes...

PLAYER: [???]

 

Desde pequeno eu me envolvi com a guerra. Vi-me em um mar de sangue muito cedo e logo estava preso em uma cadeia de acontecimentos os quais não pude escapar.

O que acontece a seguir? Não sei dizer...

Ainda me lembro de tudo claramente. O cheiro de carne queimada e sangue são bem familiares. Tantos os seres mágicos como a própria natureza gritavam em ecos ensurdecedores.

 

Porque eu estou pensando nisso agora? E porque eu estou tremendo?

 

—...

— Todo o leme a bombordo!

Que sensação agradável. O grasnar dos pássaros marítimos misturados ao som das ondas formam uma melodia agradável para mim.

Me lembrava dos tempos calmos e pacíficos de minha terra natal. Não era bem como eu pensava em visitar minha antiga casa... Em meio a todo esse cenário caótico.

— Está muito pensativo hoje, Senhor cavalão! — Uma voz irritantemente serelepe quebrou a minha linda sinfonia marítima.

— O que você quer, Birgitta? Já terminou de traçar os mapas para quando atracarmos na cidade?

Ela gargalhou, puxando seu capuz coral e cobrindo o rosto.

— Nam! Isso é tãaaao chatoooo! Prefiro ficar aqui em cima onde tem sol, vendo todos esses gorilinhas suados trabalharem e procurando por monstros do mar!

— E onde está Luciano agora? Tem noção que já estamos chegando, menina?

— Hihi... Ele deve estar fazendo alguma coisa chata em algum lugar chato por aí...

— Tipo tentando encontrar uma pirralhinha travessa que não está fazendo o trabalho dela, não é?!

— KYAAA!

A menina saltou para trás com os braços levantados em um susto. Luciano estava com um rosto irritado, de braços cruzados enquanto batia o pé no palanque. Acho que alguém estava bem encrencada.

— Quantas vezes eu vou ter que dizer para você não abandonar o seu posto, Birgitta! — disse ele com uma voz áspera.

— Mas Luciiii... Eu quero taaanto aproveitar a viagem! Desenhar mapas é tãaao chatooo!

— Vamos logo! Quanto mais rápido você terminar, mais tempo vai ter pra brincar.

— Luciii!

A menina inflou as bochechas e saiu batendo o pé enquanto descia as escadas para a cabine. Luciano suspirou, alisando a testa.

— Ah, deixei as coisas saírem do controle e ela não cumpriu suas obrigações. Queira me perdoar, Parshatt.

Eu deixei escapar um sorriso entredentes.

— Não seja tão formal, Luciano. Mas certifique-se de que Birgitta terminará os mapas logo, pois estamos quase chegando.

— Sim, senhor. Irei supervisiona-la pessoalmente. Com licença! — Ele bateu continência e deu meia volta.

— Luciano...

— Pois não, senhor Parshatt?

— Faz quanto tempo desde a última vez que visitou sua casa?

Luciano levantou uma sobrancelha, não entendendo o motivo por trás da pergunta.

— Senhor... Por acaso seria uma espécie de comando ou enigma para a missão?

Seu jeito metódico e centrado não o permitia deduzir que se tratava apenas de uma pergunta trivial.

— Não. Não tem nada a ver com a missão. Estou perguntando por perguntar.

O Cruzador torceu os lábios, talvez pensando em alguma resposta no limiar entre o formal e o casual.

— Senhor. O senhor sabe bem que o império é minha casa, senhor!

— E sua terra natal?

— O que tem, senhor?

— Faz quanto tempo desde que a visitou?

Outra pausa prolongada.

— Eu... Não me lembro, senhor.

Suspirei. Seria exigir demais de um soldado sem rosto ou nome.

— Certo. Está dispensado.

— Sim! Com sua licença!

Já conseguia ver as montanhas e florestas de ||REN DO SUL|| estampadas no horizonte. Enquanto os ventos agitados sopravam pelo meu rosto, só lamentava em silêncio que eu não teria chance de sequer visitar minha casa mais uma vez.

“Será que vocês ainda estão correndo pelos campos? Brincando e trabalhando pelo bem da civilização como naquela época?”.

E um grito do topo do mastro estrondou:

— Terra à vista!

Um pequeno alvoroço se instala no convés e os soldados começam a trabalhar a todo o vapor. E eu, como um principado de ||ANDRAS||, não podia me dar ao luxo de ficar divagando sobre coisas desnecessárias.

A missão... Não, o sonho de Gabriel era minha maior prioridade agora.

 

 

 

 

________________________________________________________

Enquanto isso, nos túneis escuros da [FORNALHA], uma perseguição sacode o coração vivo da forja anã.

PLAYER: [Juniorai]

 

Lá vinha aquela coisa na nossa direção com suas roldanas e canos fumegantes quase demolindo os apertados corredores em relevo.

Uma corrida em um declive traiçoeiro que, ao menor erro ou tropeço, significava ser esmagado por toneladas de ferro desgovernado em uma ladeira irregular...

Sem estresse mano, sem estresse.

Hunf! Droga! Já tá começando... a doer de novo!

Eu não aguentava mais! Meu joelho já estava pedido arrego — por que eu tinha que vim debuffado para meu próprio jogo? Logo eu, um aventureiro sempre metido em alguma furada, com um joelho podre que retardava meus movimentos.

E o pior que não era nem computado na lista de efeitos negativos!

— Essa coisa vai nos alcançar! Corre mais rápido, Junior!

— EU TO CORRENDO O MAIS... RÁPIDO QUE EU POSSO, DESGRAÇA!

Eu já conseguia sentir a quentura e o som ficava mais alto e perigoso.

Estiquei ainda mais o passo. Um CREK doloroso no meu joelho pôde ser ouvido.

— Argh!

Arthur parou de correr de repente. Pelo modo como recua alguns passos e bate os braços tentando voltar para trás, parecia que quase havia caído em algum lugar. E logo consegui enxergar a sinuca de bico em que havíamos nos metido, pra variar.

Um precipício!

— Merda! E agora?!

A máquina se aproxima rápido.

Avistei uma pequena passarela de terra do outro lado. Um salto de pelo menos 8 metros até lá, no mínimo.

— Não dá pra pular pro outro lado! — gritou Arthur.

— Ah, vai dar sim!

— Ei! O que você vai... — Sem pensar, agarrei o pulso dele e o puxei, saltando por cima do precipício escuro. — AAAH MERDA!

— WIWIIIIIIII! — Picker zunia frenético debaixo das minhas roupas.

Nem sei porque se aquele trocinho voava!

— |REDUZIR CARGA|!

Por um momento, senti que conseguiríamos passar pelo buraco e chegar do outro lado, mas o tanque também não deixou barato. O maquinário pegou ainda mais impulso — mais provável ele ter usado nitro mesmo — e projetou sua malha para baixo, saltando.

Mas que porra...

— TÁ VINDO, TÁ VINDO, TÁ VINDO, TÁ VINDO!

— ESTICA A PORRA DESSE BRAÇO, ARTHUR!

Como era pesado, despencou lá embaixo, quicando em algumas paredes e outras passagens da borda da [FORNALHA].

Vamos conseguir! Vamos conseguir! Vamos... Eh?

E nós também caímos.

— MERDA JUNIOOOOOR!

— AAAAAAAAAAAH!

 

 

 

A queda pareceu demorar séculos até a camada mais baixa daquele lugar. Um pouco antes de alcançarmos o solo, Arthur nos envolveu em uma bola de fogo com um lança-chamas para baixo, tentando frear a velocidade da queda.

O impacto brusco me projeta para fora da esfera de fogo e me faz capotar várias vezes até aterrissar em um tapete de pedras duras e quentes.

Quantas vezes será que eu vou “quase morrer” hoje? Minha vida estava piscando de novo e eu mal tinha poções de vida sobrando.

Acho que trinta //POÇÃO DE VIDA G// era muito pouco para uma missão diplomática como aquela.

— Junior! Cadê você! — Ouço Arthur me chamando.

A visão escureceu um pouco quando tentei me levantar. Observei que estava no meio de várias peças espalhadas por um chão mais craquento que asfalto. Pedrinhas rolando pelo chão e outras derretendo pela parede.

Que maravilha...

Acho que eram as entranhas do nosso amigo tanque que caiu primeiro, as peças que vi. Levantei a cabeça e ele estava uns 8 metros à frente, reduzido a uma pilha de sucata em chamas.

Onde eu estou?

Pensei enquanto prestava mais atenção ao local. Bom, não tinha muito o que se notar em um breu daqueles.

Onde quer que nós estivéssemos, era um lugar absurdo de quente e opressivo. A única luz daquele buraco vinha de rios de lava que fluíam entre escarpas pontiagudas — eu não ousava levar uma topada nesse chão.

— Ei! Junior!

— Arthur? Ei, como...

E antes que eu terminasse de falar, levei um cascudo que quase me fez deslocar o pescoço. Foi a deixa para a Picker sair debaixo da minha brafoneira rodopiando no ar, completamente tonto. Nessas horas eu ficava aliviado dele não ter uma boca.

— Ai, ai, ai! Por que você fez isso?!

— SEU IDIOTA! NUNCA MAIS FAÇA ESSAS MERDAS, OUVIU BEM?!gritou.

A voz de Arthur ecoa como um barulho de mil vozes por todo o ambiente, revelando que estávamos em um lugar mais profundo do que imaginávamos. Me sentia dentro de um vulcão adormecido e isso porque o lugar conseguia ser mais quente que o lugar onde eu morava.

— Onde nós estamos? — Arthur fez a única pergunta que importava.

— Sei lá. Deixa eu ver aqui — Olhei o minimapa translúcido no canto inferior esquerdo da minha visão, encontrando dois mapas pequenos em formato hexágono quadriculados, interligados por um corredor — É, seja lá onde a gente esteja, só dá pra ir pra frente.

Arthur projetou os ombros pra frente com um olhar estafado. Acho que já era os efeitos do calor ou da queda também, vai saber.

— Será que caímos em um buraco sem saída? — disse Arthur em um tom levemente abatido.

Hunf! Esse lugar não é nada comparado aos meus domínios! Uma leve brisa de verão, devo dizer. Salamandra enunciou com arrogância.

— Ah, beleza, mas ninguém te perguntou, seu boçal! — Repontou Arthur, irritado.

Humanos ignóbeis e frágeis. Tenho só pena de seres como vocês.

Ficava imaginando quanto tempo ele teve que ficar aguentando um braço pomposo e atrevido que inferiorizava humanos. Salamandra conseguia ser duas vezes mais chato e mais ameaçador do que Gallatin era e não sei se teria a paciência de Arthur para lidar com ele.

Sem muitas opções, seguimos em frente. O chão, mesmo com botas, era incrivelmente quente em certos lugares, além do terreno quebradiço e acidentado que era difícil de transpor a pé. Talvez alguém com asas se desse bem naquele lugar, mas ainda seria ameaçado pelas cachoeiras de lava borbulhante que respingavam das paredes. Era um verdadeiro campo minado para perder HP!

Fui tomando uma poçãozinha de cura no meio do caminho — uma das últimas que me sobravam — só para me garantir que eu não morreria de alguma topada.

Eu só rezava para não encontrar mais inimigos no meio do caminho que pudessem nos atrasar, ou mesmo coisa pior. [ELEMENTAIS] com bônus de terreno principalmente! Seria um pé no saco lutar em um terreno traiçoeiro como aqueles.

Sem falar que a qualquer hora o jogo podia dar mais uma daquelas bugadas e foder com tudo, inclusive com minhas habilidades. Durante a caminhada, me peguei pensando unicamente nisso:

Por que minha skill não funcionou?

Eu tenho certeza de que usei! Gritei o nome da habilidade como nos filmes e animes e estava com o machado em mãos — esse último ponto não era tão decisivo, pois já consegui usar minhas habilidades sem uma arma outras vezes. —, então porque mesmo assim nós caímos junto com o robô.

Se tivesse funcionado teríamos apenas flutuado para o outro lado, com a brisa do robô mergulhando no abismo servindo de impulso para a nossa travessia, mas não foi o que aconteceu. Me questionava se não era aquelas anomalias que estavam acontecendo com a realidade do jogo que estavam interferindo nas minhas habilidades.

Era a teoria mais lógica que eu tinha em mente no momento, pra não dizer a única.

Já estávamos quase no fim do corredor que conectava os dois mapas hexagonais pequenos. Eu vi que se tratava quase que um vale que ia afunilando a medida que avançávamos e, consequentemente, a lava que escorria das fissuras e rochas das paredes se mostrava a cada passo um problema maior.

Àquela altura do campeonato Salamandra conseguia manter a barra de vida de Arthur livre dos respingos de lava, coisa que eu não tive a mesma sorte. Eu literalmente estava morrendo por osmose... pro mapa! Se eu tivesse que enfrentar um Chefe de Fase no fim desse corredor, eu estaria bem ferrado!

Mesmo que fosse um tagarela arrogante e megalômano, naquelas situações a Relíquia Hospedeira dele se mostrava incrivelmente útil. Eu teria que confiar no Arthur e em suas habilidades com fogo já que as minhas não estavam se mostrando confiáveis.

— Está vendo aquilo Junior? — Arthur apontou para o horizonte da caverna com uma face estática de espanto.

Mesmo que não fosse em um lugar escuro como o fundo de um abismo, aquele lugar daria para ser visto à quilômetros de distância facilmente. Um templo majestoso e brilhante se levantava no centro daquele abismo, servindo como o único ponto de luz e referência. Ao seu redor corriam rios de lava borbulhante e cachoeiras de rocha derretida. Escarpas brotavam das terras ao redor como lâminas gigantescas e mortais.

Como se não fosse o bastante, o caminho para lá era perigoso, cruzando fissuras entreabertas por mais magma e buracos que desceriam ainda mais fundo na terra, levando pra quem sabe aonde — talvez para fora do mapa se o jogo quebrasse novamente.

Um gosto amargo desceu pela minha garganta ao olhar para o templo e em seguida, para minha barra de vida sambando entre os quarenta e cinquenta por cento. Não era preciso ser um gênio para supor o que haveria nos esperando lá.

— Junior — Arthur fala, apertando meu ombro. — Vamos?

— Vamos... É que... não tenho u-u-uma... sensação muito b-boa com t-t-templos subterrâneos. — disse, a voz vacilando horrores.

Eu parecia um gago falando, cruzes. Eu sei que não era pra tanto, mas minha mente já não sabia discernir qual era a situação mais desesperadora entre ter que enfrentar um Chefe de Fase sem vida e morrer, ou ficar naquele lugar opressivo. Já estava claro pra onde eu tinha que ir e minha seta mental indicava isso claramente na minha visão.

— Não se preocupe. Vamos tentar evitar qualquer tipo de luta, beleza? — Garantiu Arthur com um joinha e uma piscada.

Eu suspirei.

— Beleza. Só não escorrega no caminho aí, viu?

— Quem você acha que eu sou?

— Wiwiwiwi...

Andamos mais alguns longos minutos — já nem sabia dizer se eram minutos ou horas na verdade — em um terreno acidentado, entre subidas e descidas, mas chegamos à entrada. Uma ponte de ferro negro robusta que lembrava as pontes levadiças de castelos medievais conectava nós ao templo, suspensa sobre o rio de lava que circundava toda a construção. Aos dois lados do portão continha duas grandes estatuetas de um pedra brilhante e bem escura, lembrando obsidiana, de dois grandes seres armaduras segurando uma espada com uma mão e uma martelo com a outra.

Por que eu tinha a ligeira impressão que esses infelizes iam despertar em algum momento? Só esperava que fossem acordar pra gargarejar só depois que já tivéssemos ido embora.

Arthur foi na frente e eu fiquei cuidando da retaguarda. Mesmo com o ar ameaçador que pairava no ar, ninguém fez um comitivazinha para nos receber na porta. Melhor para nós.

Picker surgiu debaixo da minha armadura de ombro e voou, olhando o ambiente por cima em busca de alguma ameaça despercebida. Ele veio com a funcionalidade de visão noturna então não teria problemas para encontrar qualquer inimigo que estivesse se esgueirando no escuro.

Me admirava que não tinha aparecido sequer um monstrinho para a gente farmar. Nem um elemental; um ELEMENTAL DE FOGO ou GOLEM DE MAGMA puto para nos enfrentar! Era um silêncio e uma calma que chegava a me incomodar profundamente. Desde quando fiquei tão incomodado com o fato de não encontrar inimigos querendo minha cabeça?

Devia ser os efeitos de ser um aventureiro vindo à tona.

— O que será que é esse lugar? — A voz de Arthur quebrou o silêncio ensurdecedor do vasto salão. — Estou sentindo uma presença colossal mais a frente.

— Que presença? — perguntei, não conseguindo esconder a ansiedade nas palavras.       

Arthur apertou os olhos, recuando alguns passos. Sua cara de bunda de surpresa confirmou que havia algo nos esperando mais para o interior do templo; algo não muito agradável, eu diria.

Picker pousou no meu ombro, também com uma cara alvoroçada. Meu coração acelerou de súbito; engoli em seco, mirando fixamente um gigantesco portão preto de ferro que havia do outro lado do salão. Uma fina névoa escapava das brechas e por debaixo do portão, criando uma atmosfera bem pesada.

Será que é somente um monstro? Algum ser que está selado aqui embaixo? Uma possibilidade ainda bem branda para o que minha mente assustada havia concebido antes. A cada passada que nos fazia chegar mais perto do portão, minha mente se questionava se eu deveria mesmo estar ali com Arthur. Se era um evento programado pelo próprio jogo para que estivéssemos naquele lugar.

Por que se não fosse, eu iria bater perna dali no mesmo instante.

Estávamos quase lá. O portão devia ter pelo menos uns 5 metros de altura ou mais, porém era bem mais intimidador de perto. Era como se ele se estendesse até um infinito que eu não pudesse mais enxergar.

Lá dentro, sons de martelo amassando metal. Como o som de um ferreiro trabalhando com sua forja.

Um tilintar metálico despontava do outro lado, intrusivo, agressivo, talvez impaciente. As batidas pesadas sobre uma chapa de ferro quente me faziam ter pequenos insights sobre coisas estranhas... era diferente de um dejavú clássico, mas era tão familiar quanto.

Batidas ritmadas que me traziam algumas memórias. Onde eu já tinha ouvido elas antes? Por que será que eu não consigo deixar essa estranha sensação dentro de mim de que...

Eu já vivi isso antes!

— Junior? — Arthur me chamou com um estalo de dedos. — O que é isso?

— Hã? O que?

Arthur apontou na direção de um centro luminoso dentro de mim. Algo em mim que irradiava um brilho tímido, ora azul, ora ligeiramente roxo, tremeluzia desde meu peito. Era óbvio que não vinha de dentro de mim, mas de algo que estava ligado à mim.

Isso é...

O brilho estava vindo do //FRAGMENTO DE ALMA// em meu inventário! A pedra vibrava mais que meu despertador; algumas vezes ela soltava feixes mais brilhantes em direções aleatórias, como se algo estivesse se debatendo dentro dela para sair. Era impressionante e ao mesmo tempo assustador.

— Wiwiwiwi! — Picker zuniu ainda mais alto.

— Que?!

— O que foi Arthur?

Foi quando eu percebi algo que me passou batido porque fiquei tempo demais deslumbrado com aquele fenômeno que até agora eu não tinha visto.

As marteladas pararam!

— ...!

— Merda! — Grunhiu Arthur.

— Wiwiiiiiiiiii! Wiwi!

Algo estava vindo até nós. Os passos grotescos do que quer que fosse que tivesse vindo faziam o chão estremecer. Uma tensão esmagadora se formava no ambiente, acompanhada de um instinto letal que inundava cada centímetro quadrado daquele salão. Nós recuamos rapidamente para longe do portão e ficamos em alerta.

Os segundos se arrastaram por uma eternidade, ouvindo aqueles passos densos, até que de fato ouvíssemos o ranger terrível do portão. Não tinha como algo como um ser humano ou de mesmo porte ter força para mover uma entrada daquelas. Arthur crispou a garra e recuei, sem ter uma arma para empunhar.

Droga!

E lá vinha o bichão!

 

 

 

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Do outro lado da região, um fugitivo envolto pelas sombras se banqueteia com sua caça.

PLAYER: [???]

 

— Crok! Nhac! Huuum... Esses não estão tão saborosos como os outros. Acho que anões não são tão apetitosos assim, no fim das contas.

Acabava de retirar o último pedaço de um soldado anão que fazia uma patrulha pelas estradas empoeiradas ao norte de ||BASIN-C||. Eu não tive culpa se um bando de anões ignorantes cruzaram o caminho de um cara com fome. Fazia cinco dias que eu não me alimentava de nada além de GOBLINS DAS PLANÍCIES ou PLANTAS CARNIVORAS DE DANTALA.

O cardápio limitado deixa qualquer um de mau humor. Pensei que comeria algo delicioso hoje vindo por aqui, mas me enganei no fim da contas. Esses anões vieram só para me encher o saco mesmo.

— Que droga. Acho que seria melhor eu ir... Huuum... Deixa eu ver aqui... Pro Norte, se pá? — Pensei, já ouvindo minha barriga roncar de novo. Talvez fosse indigestão por comer algo tão ruim como um anão. — Ah! Saco! Huuum... acho que não tem jeito! Quem sabe apareça alguma iguaria por lá que me satisfaça... ou só umas criaturas do tipo [GELO] já sejam o suficiente para me livrar dessa azia. Anões nunca mais! — Determinei.

Dei dois ou três passos para frente e parei de novo. Os cadáveres atrás de mim começavam a desaparecer naquele típico brilhinho azul que aparecia sempre que eles morriam. Mais uma vez, não tenho culpa alguma. Eles que começaram e eu estava com fome!

— Huuum... Pra onde fica... o Norte mesmo? — disse e girei a cabeça pros lados, procurando uma trilha ou algo que me desse uma orientação. Só via mato e mais mato. — Saco! Não tem nada aqui! Será que pergunto para alguém? Mas todo mundo que aparece na minha frente vira minha comida, como irei perguntar?

Que complicado minha vida. Saco...

— Huuum... Acho que vou voltar pra trilha. — Decidi procurando sair do meio do bosque de onde eu havia me metido.

No mesmo momento que eu encontrava a passagem que corta a região, um grupo de viajantes passava. Uma jovem mulher que carregava uma criança me encontrou saindo do mapa e sua expressão se nublou. Acho que pensou que eu fosse algum ladrão ou coisa assim.

Eu poderia até devorá-los porque ainda estava com uma puta fome, mas tinha que saber primeiro para onde ficava o Norte. Talvez depois eu desse só uma provadinha neles.

Dando uma rápida analisada, era um grupo de 4 pessoas com uma carroça e dois cavalos; 3 homens, sendo dois adultos, um idoso e uma mulher com uma criança. Eram humanos, então não tinham tanta energia como geralmente eram todas as minhas refeições.

Huuum... Nem pra um lanchinho vão servir. Saco...

— Quem é? É algum ladrão?! — O que vinha conduzindo os cavalos desembainhou uma espada que levava na cintura em um tom bem combativo.

— Tenha calma, Kolmonas! Ele pode ser alguém perdido! Não seja tão impulsivo! — Disse o velho em minha defesa, repreendendo-o. — Qual o seu nome, meu jovem?

— Huuum... Kildery... eu acho — respondi sem muita vontade. — A propósito, vocês sabem para onde fica o Norte?

Kolmonas e o outro viajante meio raquítico se entreolharam.

— Está perdido, cara? Para onde exatamente você quer ir? — Perguntou o maluco esquentadinho da direita.

Eu a comeria também, mas objetos não tem energia. A não ser que esses sejam mágicos, mas ainda são indigestos.

— Não sei. Só quero ir pro Norte. Me mostre pra onde é!

— Não sei, não. Esse cara me parece muito suspeito! — Balbuciou o outro para o tal Kolmonas, também com a mão sobre a empunhadura de sua arma.

— Tem razão — respondeu ele de canto de boca e depois dirigiu à mim a palavra. — Diga exatamente para onde vai ou não receberá uma resposta!

— Ele não tem um jeito estranho, senhor Heindegar? Quer dizer... olha pra roupa dele! E aquelas marcas... eu acho que é sangue. Ele me dá medo.

O bebê do braço dela começa a chorar. Um barulho bem irritante aos meus ouvidos.

O senhor ficou apenas me observando de cima a baixo.

Saco! Foda-se se não forem gostosos ou tiverem muita energia! Acho que vou comer eles mesmo! Já estão começando a me encher e...

E então o velho riu de repente, tentando aliviar um pouco do clima tenso que pairava entre nós.

— Por que não vem com a gente? Estamos indo para ||GARDENMOON V|| então você pode ir conosco. De lá, acho que dá pra você se virar. O que acha? — Propôs.

Kolmonas esbugalha os olhos.

— Mas senhor Heindegar...

Ele ergueu uma mão para os guerreiros com uma face serena e animada, como se dissesse “deixa que eu cuido disso”.

— O que acha, Kildery? Quer vir conosco?

Revirei os olhos. Que outra opção eu tinha?

— Huuum... Pode ser. Será que demora muito a chegar?

— Umas duas semanas de viagem, no máximo — respondeu o velho Heindegar com um meneio de cabeça. — Está com pressa?

Eu suspirei, antes de responder:

— Estou com muita fome.

 



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