Cheaters Brasileira

Autor(a): Kuma


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 24: Os últimos de nós

 

De volta a ||VILA JECHT||, onde a maldade se espreitava... Um corajoso faunês encara seus medos.

PLAYER: [Justine]

 

Seguimos o mesmo caminho de volta para a vilazinha que depois descobrimos ser o local onde os fanáticos mantinham fauneses em cativeiro. Algo tão horrendo assim acontecendo bem debaixo do nariz de todos... imperdoável!

Diferente da outra vez que pisamos lá, me atentei ao fato de Reks descrever a vila como sendo “abandonada”.

De fato, não havia ninguém na vila. Nem uma alma sequer. Só a poeira sendo arrastada pelo vento. Mas, curiosamente, as casas e construções pelas quais passamos, tirando aquele velho galpão onde lutamos com os fanáticos, realmente não pareciam abandonadas.

“Ué...”

“Senhorita Justine?”, Ludwig me chamou.

“Você também notou, não é?”, perguntei já esperando uma confirmação.

Ludwig parecia, de primeiro momento, alguém bem tapado e que só sabia beber até cair, mas era bem mais perspicaz para entender certas coisas do que nós.

E bem mais capacitado para fazer certas coisas também.

“Sim...”, ele foi na frente e bateu na porta de uma das casas da rua principal. Deu três toques na porta e chamou por alguém. Laimonas, Stuz, Reks e Lucy vinham logo atrás.

“Nada?”

“Ah, então Senhorita Justine... essa vila sempre foi... “paradona” assim?”, questionou Lucy, incomodada com a quietude do lugar.

“Eu havia dito que era uma cidade fantasma, poxa.”, disse Reks, enriçando as orelhas.

“Mas quando você disse “fantasma” eu não achei que fosse no sentido literal.”, retrucou a maga, pigarreando.

“Isso não está me cheirando bem...”, sibilei, os olhos fixos na porta esperando que alguém respondesse o chamado de Ludwig.

O mercenário bateu mais uma vez:

TEM ALGUÉM AÍ?!”, duas ou mais três vezes.

As dobradiças se moveram orquestrando um som assustador e uma senhora irrompeu do interior.

De cabelos grandes e grisalhos, rosto enrugado com grandes olheiras que deixavam seus olhos mais fundos que valas, de vestido simples e bordado até os joelhos e descalça; foi assim que ela se apresentou para nós, a única moradora que encontramos até agora.

“...!”

Ela não disse nada e só ficou lá, parada e nos encarando como se não quisesse que estivéssemos ali. Olhos tão mortos quanto aquela cidade e que gelavam a espinha só de encarar de volta.

“Ah... desculpe o incomodo senhora, mas poderia nos dizer para onde todas as pessoas dessa cidade estão?”, perguntou Ludwig, se esforçando para ser educado diante de um semblante tão vazio.

“Não sei... porque não vão perguntar na taverna da cidade? Agora me deixem em paz.”, e então fechou a porta bem na nossa cara.

“Nossa... que grosseria!”, exclamou Lucy, franzindo o cenho.

“Bom... pelo menos sabemos que os cidadãos da cidade não sumiram como pensávamos, não é?”, interpelou Ludwig com uma risada tão sem graça quanto aquele lugar.

Seguimos então a orientação da velha rabugenta e fomos até o ponto que seria praticamente a única taverna da cidade – nem isso a cidade tinha de bom – que ela carinhosamente nos indicou. Entramos no recinto, mas não estava tão diferente do restante do local.

Era uma verdadeira espelunca largada ao mofo e a poeira, de decoração cafona e totalmente antiquada, até mesmo para uma cidadezinha afastada como aquela. Não parecia ter ninguém naquele lugar, o que me fez ranger os dentes só de pensar na possibilidade daquele maracujá de gaveta ter indicado esse lugar só para despistar a gente.

“É... parece que não tem ninguém aqui.”, disse Laimonas com um suspiro pesaroso.

“Olá! Tem alguém aqui?”, Ludwig chamou próximo ao balcão.

Lucy ainda pressionou um pequeno sininho no balcão para amplificar o barulho. O pequeno objeto soltou uma lufada de poeira que fez a maga tossir.

Nenhuma resposta...

Tentei mais grito esganiçado antes de me convencer:

“TEM ALGUÉM NESSA MERDA?!”

Nada.

Agora de fato estava convicta de que alguém tinha passado a perna na gente.

“Não tem ninguém aqui, senhorita Justine.”, concluiu o mercenário vindo até mim com um rosto levemente aborrecido.

“Então vamos voltar. E quando chegarmos lá Ludwig, você pode derrubar a porta dela.”

O mercenário esticou o canto da boca em um sorriso de satisfação discreto.

Mas antes de sairmos de lá, algo lucilou desde o que deveria ser o quarto de vinhos. E então, passos abafados pela poeira vinham até nós, a madeira carcomida do piso do lugar rangendo a cada passada.

Todos ficaram em posição de alerta e Reks se posicionou atrás de Stuz. Eu estendi o braço para o lado, acalmando o ímpeto combativo de todos.

“Esperem!”

“Vocês! Por que estão fazendo tanto barulho no meu estabelecimento?”, eu cocei os olhos para testar se não estava vendo coisas.

Era a mesma senhorinha emburrada com quem acabamos de falar quase agora! Como ela já estava ali, falando conosco?

“Você... não acabamos de conversar umas 3 quadras atrás?”

A velha levantou uma sobrancelha, semiabrindo a boca desdentada.

“Você acha mesmo que eu me lembraria de uns mequetrefes que nem vocês? Sou uma velha ocupada, garota!”

Ela acabou de chamar a gente de “mequetrefes?”

“Então..., mas eu me lembro perfeitamente de nós falar...”

“Aí, vocês vão pedir alguma coisa ou não vão?! Se vieram só me falar asneiras, podem bater perna daqui! Como eu disse, sou uma velha ocupada!”, ela me cortou com a voz ríspida e olhando para nós como se quisesse nos bater com uma bengala.

Nós nos entreolhamos e decidimos fazer o jogo daquela velha maluca. Nos sentamos em uma mesa maior e mais reservada, de preferência que ficasse perto da saída para eventuais contratempos e pedimos apenas um bule de chá de Valphilia. A velha saiu aos resmungos pegar o que pedimos.

“Gente... não é por nada não, mas essa velha tá me assustando!”, disse Lucy, projetando sua cabeça para frente e tapando a boca simulando um sussurro.

“Também não gostei muito dela não. Ela dá medo.”, assentiu Reks, os olhos fixos na porta por onde ela entrou.

“Eu também não vou com a cara dessa tia, mas é a única pessoa que pode nos dar informações sobre o que está acontecendo aqui e nos dar pistas de onde pode ficar o laboratório.”, ponderei, ainda tentando, na minha cabeça, superar o fato de que aquela maluca que nos recebeu, praticamente mancando, tinha chegado na taverna a três quarteirões de distância da casa dela antes de nós.

Estava bem difícil a suspensão de julgamento ali – que daqui a pouco viraria suspensão de sanidade com o andar da carruagem.

E lá vinha ela, a passos pequenos e tortos, apoiando-se com sua bengala em uma mão e segurando a bandeja com o bule e as xícaras na outra. Engolimos em seco ao vê-la praticamente fazendo uma acrobacia com nosso pedido enquanto vinha caminhando.

“Deixe que eu ajudo a senh...”

“Quem disse que eu preciso de ajuda?! Fique quieto no seu canto, mocorongo!”

“C-certo!”

Ludwig se aquietou em seu lugar rapidamente, como nunca tivesse tentado ajuda-la. Eu admito que foi engraçado e quase deixei escapar uma risada.

Ela deixou a bandeja com as coisas em cima da mesa com uma maestria e equilíbrio assombrosos. Com certeza tinha alguma coisa naquela senhora que eu não conseguia engolir – e não era só pelo fato de ela ser uma “super vovó”.

“Muito bem! Se era tudo que queriam, podem beber, deixar o pagamento no balcão e depois vão embora daqui!”

“Espera um pouco aí...”, eu me levantei subitamente. A velha alargou as cavidades oculares enrugadas, certamente não esperando aquele gesto de afronta. “Pare de se fazer de doida e pode dizer exatamente o que viemos aqui saber!”

Ela lentamente deu a volta com seu corpinho magricela e se aproximou de mim com a pior careta que seu rosto acabado e enrugado de anciã podia lhe proporcionar.

“O que está dizendo, sua fedelha malcriada?! Por acaso está querendo beber seu chá sem os dentes, é isso mesmo?! Veja como fala comigo e aprende a ter um pouco mais de respeito, seu projeto de princesinha do reino encantado!”, disse ela com um dos olhos arregalados e outro meio fechado e com um tique nervoso no supercílio.

Por mais que eu tivesse me assustado com aquela face decrépita e medonha, eu não recuei. Não podia fazer isso na frente dos meus subordinados e do menino coelho. Fechei os olhos e inspirei fundo.

Tentei fazer uma cara de brava tão assustadora quanto e, quando o assunto era cara emburrada, eu não ficava tão atrás.

“Olha aqui seu saco de ossos movido a peido, nós fomos até o cacete da sua casa e fizemos apenas uma pergunta! UMA SÓ PERGUNTA!! Você não só não nos respondeu como também nos fez andar até aqui só para você nos tratar dessa forma cretina e ouvir você falar merda! Então é bom você nos dizer o que queremos saber logo, ou do contrário...”, eu agarrei brutalmente o bule derramando todo o chá quente nos pés dela.  “EU VOU PESSOALMENTE E RESPEITOSAMENTE INTRODUZIR UM OBJETO, DE PREFERÊNCIA VULTOSO, NA CAVIDADE ANAL DE VOSSA SENHORIA!!”, e então lancei o bule de metal também nos dedos da velha que quase caiu.

Ficamos nos encarando por um tempo com olhares faiscantes e, por um momento, Ludwig pensou em intervir.

Seria até melhor mesmo para o bem daquela escrota.

“Certo...”, a velha expeliu um jato de ar das narinas cheias de rugas e fechou os olhos, sentando-se na cadeira da mesa ao lado. “Vocês querem saber onde estão os moradores dessa cidade, é isso?”

“Exatamente. Pode ir começando a falar logo!”, exigi ainda furiosa e o coração a mil.

“Pois a verdade é que somente eu moro aqui.”, revelou a senhora.

Todos entraram em um estado de choque momentâneo, não sabendo como reagir àquela afirmação. Era tão absurdo que parecia mentira.

“Não pode ser... não deve morar só você em uma cidadezinha dessa.”

“Se quiser pode ir procurando de casa em casa para ver se você acha pelo menos um rato, princesinha do bocão.”, retrucou, áspera.

“Ora, sua...”, Ludwig e Laimonas me seguraram.

Se tem uma coisa que me pai me ensinou e ensinou bem é a respeitar duas coisas: hierarquia e os mais velhos e experientes. Já essa velha caduca estava pondo seriamente isso à prova.

“Mas porque só você mora aqui? Aconteceu algo com os outros?”, perguntou Ludwig de forma mais calma e centrada.

A velha tremulou os lábios secos, como se procurasse palavras que respondessem devidamente à pergunta.

Arrisco a dizer que ela mesma não entendeu.

“Por que eu sou a única que não foi embora.”, responde ela, seca.

“Pode ser mais específica, por favor?”

Eu senti que ela estaria para tirar mais uma das sacadas imbecis e grosseiras dela, então já metralhei a velha com aquele olhar homicida. Ela recuou na postura.

“Algum tempo atrás... umas pessoas misteriosas e agressivas invadiram a cidade e exigiram... que entregássemos todos os moradores dali que eram fauneses. Na época, não entendemos bem o porquê, mas eles se mostraram bastante perigosos e ninguém tinha como questionar ou ir contra a vontade deles. Com o passar do tempo, os ataques dessas pessoas foram aumentando até que os moradores, com medo de serem vítimas da violência ou dos sequestros deles, foram embora. Depois que quase todos foram embora, mais deles vieram e montaram uma base aqui.”

Aquela história coincidia com o que Reks havia nos contado antes. Não podia haver dúvidas que o Culto Manju estava por trás disso também.

“E por que a senhora também não foi embora? Por que ficou?”, pergunta Ludwig.

Ela fez uma careta de raiva como se a resposta parece óbvio.

“Devo dizer que isso é uma pergunta idiota, seu gorila musculoso.”, até Ludwig, com toda sua educação – e ele para um mercenário, muitas vezes tinha mais educação do que eu – tomou um esporro desnecessário. “Eu nunca seria capaz de deixar minha vida e minha terra, mesmo que isso custasse minha vida. Não tenho para onde ir. Esse é o meu lugar...”

“E mesmo se tivesse, ninguém iria aguentar uma velha tão babaca que nem ela.”, sussurrou Lucy para Reks e Stuz, que respondeu com um soluço.

De repente, meio que a contragosto, minha ótica sobre aquela senhora irritadiça que eu sequer conhecia o nome começou a mudar.

Não é que queria ser assim. Ela talvez nem mesmo tivesse culpa de ser da forma que é. Vivendo isolada em lugar dominado por lunáticos violentos, perdendo todas as pessoas que conhecia e tudo que tinha. Era uma mulher ressentida, amargurada pela vida e pelo tempo, calejada pela cadeia de vários acontecimentos ruins que se sucederam naquela cidadezinha.

Não que eu tivesse criado empatia por ela, mas sabendo disso, quem sabe eu me tornasse um pouco mais “tolerante” a certas coisas.

“Então temos algo em comum, não é?”, irrompi, quebrando meu longínquo silêncio.

A velha estreitou os olhos para mim.

“E o que seria mesmo?”

“Temos um mesmo inimigo em comum, não é? Estamos atrás dos responsáveis pelos raptos dos fauneses, e você tem uma dívida a cobrar daqueles que acabaram com seu lar. Não acha que isso é o suficiente para fazer você cooperar conosco?”, irrecusável, eu diria.

A senhora se permitiu curva os lábios em um sorrisinho lacônico. Foi a primeira vez até agora que vi ela sorrindo – nem sabia que ela era capaz de tal coisa.

“Talvez...”, respondeu ela.

“Então consideramos isso como um ‘sim’?”, despontou a voz de Lucy, lá detrás.

“Não me levem a mal... não confio nem um pouco em vocês, tampouco digo que vou dever algo a vocês mesmo que peguem aqueles canalhas!”, replicou, a desgraçada mais uma vez se fazendo de difícil.

Mas agora eu já tinha mais ou menos uma noção de como lidar com seu gênio difícil. De certo modo, ela me lembrava muito... eu mesma.

Talvez um reflexo da minha própria inflexibilidade em certos momentos. Eu já ficava vermelha sempre que me vinha na cabeça algum momento em que agi dessa mesmíssima forma, principalmente com Juniorai.

Mas não era hora de pensar nisso. Autoreflexão fica pra depois.

“Certo, certo. Entendi. Não esperávamos nada disso desde o começo. Só estamos procurando o suposto centro de pesquisas desses indivíduos que desconfiamos estar nessa cidade. Saberia nos dizer onde eles estão?”

A velha massageou a têmpora, tentando se lembrar de algo muito distante.

“Já faz muito tempo desde que bati o olho neles, mas... eles devem estar escondidos em algum buraco de rato no meio da cidade.”, respondeu à velha, vagamente.

Não que tivesse ajudado muito, mas fiquei calada para evitar outra discussão desnecessária.

“Certo...”, assim que ela terminou de falar, foi minha vez de se levantar. “Temos muito o que fazer e muitos cantos para procurar. Melhor irmos andando.”

Ludwig sorriu.

“Até que enfim! Eu já estava começando a dormir!”, disse Lucy com um salto da cadeira.

“Ah... queria beber mais um pouco de chá... YUP!”, disse Stuz com um suspiro.

“Mas onde vamos deixar o Reks, senhorita Justine?”, pergunta Laimonas.

Eu me virei para o menino coelho e toquei seus ombros. Seu semblante estava nervoso.

“Então, Reks... eu agradeço por toda a ajuda que você nos deu até agora, mas não posso permitir que siga com a gente. É muito perigoso para você e também não posso pedir que você volte para um lugar do qual você fugiu.”

“M-m-mas... então eu... eu... vou ficar aonde se não posso ir com vocês?”

“Pode ficar com a senhorinha enquanto a gente não volta e fazer companhia a ela.”, apontei com o polegar para ela atrás de mim.

O menino tremeu enquanto ousou um olhar atrás da minha cabeça. A expressão dela se fechou.

“O que eu vou fazer com um coelho? Um ensopado? Talvez eu posso assar...?”

O menino se aproximou de mim e sussurrou com a voz trêmula:

“Isso não vai dar certo!”, exclamou com uma tentativa ridícula de aumentar sua entonação de voz enquanto sussurrava.

“Sossega. A gente volta logo antes que ela realmente decida fazer isso...”

“JUSTINE!”, gritou o menino coelho, claramente nervoso. Me segurei para não soltar uma risada.

“Estou brincando! Vamos voltar logo. Eu prometo!”, disse segurando firme suas duas mãozinhas e encarando seus olhos vermelhos brilhantes.

Ele anuiu com a cabeça, mais discordando do que concordando. Sabia que só seria um peso morto caso houvesse algum confronto mais generalizado. Afinal, não tínhamos ideia de quantos fanáticos poderiam ser, nem que truques eles estariam tramando.

Todo cuidado é pouco.

“E por onde começamos a procurar, senhorita?”, Laimonas fez a única pergunta que deveria ser a mesma dúvida de todos.

Eu sorri para ele, confiante.

“Vamos começar do começo!”

Os quatro trocaram olhares entre si.

“Será que ela bebeu do chá que a velha fez e está meio grogue das ideias agora?”, cochichou Lucy para Stuz e Laimonas.

“Acho que a senhorita quis dizer alguma coisa. O que acham que é?”, perguntou Laimonas, também falando baixo.

“Eu só acho que ela só quis falar algo inteligente...”, disse Stuz, entredentes.

“É..., mas não deu muito certo não...”, retrucou Lucy tapando a boca.

“EU ESTOU OUVINDO VOCÊS, VIU?!”, exclamei. Os três arrumaram as posturas e se fizeram de desentendidos. Ludwig bateu a mão na testa. “O que eu quis dizer é que já temos um ponto para começar a procurar.”

“Temos?”, os três perguntaram ao mesmo tempo. Ludwig riu de forma boba, como se a resposta fosse bem óbvia – e era!

“Temos sim. Vamos voltar para onde nossos amigos estão esperando!”

 

 

______________________________________________________________

Alguns minutos de caminhada depois, no velho galpão não muito distante dali.

 

“É aqui, não é?”

“É sim, senhorita.”, Ludwig confirmou.

Estávamos de volta ao velho galpão. Sim, o velho galpão onde chutamos as bundas dos cultistas com os quais trombamos de primeira visita.

Contudo, eles não estavam mais lá.

“Eles... fugiram. YUP!”, Observou Stuz com seu soluço de preocupação.

“Será que foram muito longe? Ai... devia ter usado mais cordas para prendê-los...”, disse Lucy com pesar.

“Acho que não, hein? Algo me diz que não foram nem um pouco longe.”, Laimonas se agachou próximo aonde eles ficaram.

Havia manchas de sangue e um caminho sutil formado na areia do chão do lugar, como se alguém tivesse passado por ali rastejando com uma lesma. Seguimos o singelo rastro de areia que vez ou outra variava com algumas marcas de sangue pelo caminho, o que significa que algum deles tentou arrebentar a corda de //CRICITA//.

Péssima decisão.

O rastro terminava um pouco depois do galpão, do lado de fora a alguns metros dentro de um terreno baldio.

“Acaba aqui.”, disse Ludwig, revirando os olhos.

“Não podem ter sumido do nada...”, murmurei, esquadrinhando o ambiente.

“Esse campo está enfeitiçado.”, despontou Lucy de repente, enquanto fungava. “Posso sentir algum tipo de magia nesse espaço.”

“Como assim, Lucy?”, perguntei, curiosa.

Não sei se era porque eu não era uma maga, mas eu não sentia nada. O lugar parecia normal para mim.

Estácio sempre me dizia que existiam pessoas que tinham uma grande afinidade com a mana e podiam senti-la como sentimos o calor do sol, o frio, o vento ou até mesmo a dor.

Lucy parecia ser bem capacitada nesse sentido – mesmo que nos “outros sentidos”, ela não fosse tanto.

Então ela saiu na frente, farejando como um cão treinado com aquele narizinho arrebitado e cheio de sardas – depois eu queria perguntar para ela se magia ou mana tinha cheiro e se tinha, como era.

“Aqui!”, ela gritou.

“O que foi?”

“Encontrei!”, ela apontou para uma área que não tinha nada além de montinhos de areia. “Para membros desse tal culto misterioso, eu esperava mais que uma magia de camuflagem fajuta como essa.

“Por acaso, a magia fajuta que ela fala é ‘jogar um monte de areia’ em cima da entrada?”, pensei enquanto imaginando um alçapão soterrado debaixo de toda aquela areia.

Ludwig foi na frente e lançou sua botina em cima daquela pequena duna e seu pé atravessou completamente a imagem que víamos.

“Uou!”, Ludwig rapidamente tirou o pé por instinto.

“É uma ilusão, então?”, perguntou Laimonas, coçando a cabeça.

“Exatamente. E uma das mais vagabundas, diga-se de passagem.”, comentou Lucy com certo desdém.

Era simplesmente uma projeção criada para enganar os olhos de quem passasse por ali – confesso que eu mesma nunca desconfiaria, mesmo que fosse uma “magia fajuta”.

Nunca passaria pela cabeça de ninguém que haveria um laboratório secreto debaixo de um terreno abandonado como aquele.

“|DISPELL|!”, disse Lucy fazendo alguns giros com seu indicador na direção da ilusão. “Prontinho.”

Ao ser conjurado o encantamento, os montes de areia e gramíneas foram sumindo lentamente e dando lugar a um chão de barro batido com um grande alçapão – como eu imaginei – de madeira.

“Muito bem, Lucy.”, disse

A maga sorriu de orelha a orelha.

“Claro que um truquezinho de festa desse jamais enganaria uma maga de alto nível como eu!”, disse ela com um largo sorriso orgulho enquanto repousava a mão em seu peito estufado em uma postura orgulhosa.

Ao abrirmos o alçapão, uma corrente de ar frio castigou os nossos rostos. Engoli em seco e meu coração acelerou um pouco.

Além do mais, até agora tinha algo naquilo tudo que não me cheirava bem, principalmente desde nosso encontro com aquela velha com quem deixamos o Reks – tipo o fato de ela ter se teletransportado da casa dela para a taverna.

“Espero que você fique bem, garoto coelho.”, pensei enquanto descia as escadas de ferro em direção à escuridão.



Comentários