Cheaters Brasileira

Autor(a): Kuma


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 22: Vislumbres do cárcere

 

Enquanto isso, na ||VILA JECHT||, o reencontro com o CULTO MANJU tinha sua capitulação.

PLAYER: [Justine]

 

A luta finalmente termina deixando o velho galpão onde estávamos, ainda mais arruinado. Alguns dos cultistas foram mortos e o restante foi capturado e amarrado por nós. Diferente dos anteriores, agora era possível ser ter algum tipo de interrogatório.

Estavam amarrados por grossos cabos de //CRICITA// – Lucy, apesar da aparência infantil e desmiolada, sempre andava preparada – para impedir o fluxo de magia. Assim não teríamos que nos preocupar com truques de mágica por hora.

“E então? Vamos começar?”, cheguei estalando os dedos enquanto me esforçava para fazer a pior “cara de mau” que eu conseguia. “Vocês vão querer falar do jeito fácil ou do jeito difícil?”

Calados estavam, calados ficaram.

“Não vão falar, não é?”

E então um deles começa a rir repentinamente.

“Posso saber o que é engraçado?”

“Menininha tola. Acham mesmo que podem escapar da ira da deusa?!”, gritou ele, seus olhos esbugalhados e completamente loucos a me fitar. “Ela irá mostrar a verdadeira salvação para esse mundo!”

“O que esse maluco está dizendo? Eles podem não ser completas marionetes como os outros, mas são completamente malucos! Acho que isso não vai dar em nada no fim das contas.”, refleti com um suspiro prolongado.

“HAHAHAHAHA!”, e gargalha por fim.

“Senhorita Justine...”, a voz de Ludwig veio ao meu ouvido.

“É... eu percebi. Parece que só vamos perder tempo aqui.”, conclui, me virando para a saída do galpão.

“E o que fazemos com esses tarados?”, perguntou Lucy com uma cara de asco.

Eu olhei de rabo de olho, não pensando um milésimo de segundos para decidir o que fazer. Aqueles caras estavam completamente ensandecidos e obcecados nessa tal “deusa da salvação” que eles tanto pregavam, sem qualquer resquício de racionalidade.

“Vamos deixa-los aí. Do jeito que estão não vão a lugar nenhum. Assim, as autoridades locais logo virão para busca-los.”, decretei e sai. Os quatro me acompanham.  

Mesmo se tentássemos dialogar com eles ou até mesmo solta-los, eles voltariam a nos atacar. Eram como cães de caça fieis que só entendiam a ordem que lhes foi dada.

Mas quem dera a ordem? Quem soltou a coleira deles? Será que seria essa tal divindade?

Nem preciso dizer que descartei essa possibilidade em questão de segundos – até porque nunca fui alguém de me confiar em deuses ou entidades – e sequer tinha motivos para refletir nisso no momento. Nossa prioridade ainda era achar o faunês que escapou para a floresta.

“Senhorita Justine, será que realmente estamos na pista certa? YUP! Quer dizer... YUP, não temos com garantir que vamos acha-lo em uma floresta tão grande e densa como a ||FLORESTA DE BISMAKKAL||.”, advertiu Stuz parecendo preocupado.

“Ludwig! O que você viu quando tocou no fragmento?”, perguntei.

O mercenário pareceu desconfortável ao ter que lembrar do que viu e, consequentemente, da sensação.

“Bom... a maioria das coisas que vi foram uma enxurrada de memórias aleatórias de vários fauneses, a maioria delas horas ou minutos antes de serem mortos. Porém, pelo que vi, os fauneses estão mesmo sendo capturados por esses fanáticos do Culto Manju e sendo sacrificados.”, relatou.

“E como estão fazendo isso? Para que?”, continuei com as perguntas.

Ludwig pressionou a cabeça com a mão, tentando forçar as lembranças a voltarem. Pela sua expressão de desconforto e dor, não estava conseguindo.

“Não sei. As memórias terminam antes de mostrarem alguma coisa.”

“Ah... entendo. Mas ainda foi de grande ajud...”

“Mas senhorita Justine...”, ele me cortou de repente.

“...?”

“Todas as memórias que vi são mais ou menos parecidas, menos uma.”, afirma Ludwig, fechando os olhos.

“E o que você vê?”, perguntei, ansiosa.

“Estou vendo alguém correr bastante depois de se libertar dos braços de alguém. Acho que era um dos fanáticos. Esse faunês... ele está correndo bastante em direção á floresta. E alguns fanáticos vão atrás dele.”, narrou Ludwig com dois dedos pressionando a têmpora.

“E é essa floresta que Stuz mencionou?”

“Não tenho certeza, mas acredito que seja.”, respondeu.

“Não é questão de “se pode ser”. Não há outra floresta próxima a essa vila. YUP!”, explanou Stuz.

“E o que estamos esperando então? Vamos logo achar ele!”, exclamou Lucy, impaciente.

“Mas como o Stuz falou, a floresta é imensa! Poderemos passar dias, até semanas procurando por ele!”, raciocinou Laimonas.

“Não exatamente.”, contestou Ludwig, fazendo uma pausa e apertando os olhos enquanto tentava enxergar mais alguma coisa. “Não sei como, mas ainda consigo ver suas memórias. Consigo ver o que ele vê... e tenho quase certeza onde ele está agora.”

“...!”, nós quatro ficávamos apreensivos com cada pausa que Ludwig fazia entre suas visões.

“Ele está em um lugar bem escuro... tipo uma caverna. Mas... não é uma caverna. É como se ele estivesse em uma toca... algo assim.”, expressou o mercenário.

“Toca?”, ponderei. “Seria então debaixo da terra ou então...”

De uma arvore?”, inquiriu Laimonas em um rompante.

“Eu vejo algumas raízes enormes, mas... não tenho certeza...”

“E o que mais você vê?”, perguntei.

“Não estou conseguindo mais ver muita coisa... ele está... resistindo. Quase não dá pra ver a partir daqui.”, ele parecia sentir muita dor sempre que tentava ir mais além.

Eu toquei suavemente no ombro dele. Ludwig abriu os olhos como se acordasse de supetão de um pesadelo.

“Já chega, Ludwig! Você já fez mais que o bastante. Agora é com a gente!”, disse já motivada para as buscas.

“Pelo menos já temos um ponto para começar a procurar, não é? YUP!”, disse Stuz, otimista.

“Melhor que isso, meu bravo companheiro...”, Laimonas parecia bem contente com alguma coisa.

“O que foi, Laimonas? Descobriu algo?”, pergunto, curiosa.

Ele riu.

“Com certeza, senhorita; descobri onde está nosso faunês!

 

 

 

___________________________________________________________

||FLORESTA BISMAKKAL||, alguns dias depois...

 

Caminhamos por um dia inteiro sem parar até as profundezas da ||FLORESTA BISMAKKAL||. O lugar tinha uma energia única e revigorante, mas a energia natural que emanava de cada arvore e planta da floresta também fazia com que os seres mágicos buscassem seus grandes arbóreos para entrar em contato com os deuses e ancestrais.

Era um lugar quase sagrado para as deidades da floresta e os fauneses. Se existia um lugar para onde um faunês poderia se refugiar seria lá. Bem perspicaz da parte de Laimonas e Stuz em deduzir tais coisas.

Eu sempre soube que a floresta era um lugar querido para os fauneses, mas nunca procurei entender por quais motivos. Até hoje, aquela informação nunca me havia sido útil.

“As arvores aqui são imensas!”, exclamou Lucy.

“Um traço da ||FLORESTA BISMAKKAL|| são suas arvores gigantescas. YUP!”, informou Stuz, também admirado. “Até hoje só havia ouvido falar, mas nunca tinha visto de tão perto!”

“Lembrem-se que não estamos aqui a turismo. Temos que achar o faunês escondido debaixo de alguma arvore dessa.”, relembrei, já dando uma de chata. Por mais que fosse uma floresta impressionante – e eu quisesse voltar lá depois para apreciar a paisagem com uma certa pessoa – ainda assim, o ambiente calmo e inóspito da floresta poderia enganar nossos sentidos.

“Estou sentindo também uma energia pura e muito boa. Estou até me sentindo mais levinha!”, disse Lucy, saltitando enquanto caminhava.

“E então, Ludwig? Faz alguma ideia de onde ele possa estar?”, fui direto ao ponto.

Ludwig fez uma careta, tentando mentalizar o que vira em suas visões em Jecht.

“Bom... eu me lembro da caverna... das raízes...”

“E o que mais?”

“Talvez eu possa ter visto um... grande rochedo próximo.”

“Então é exatamente o lugar que estou imaginando!”, Laimonas pensa alto novamente.

“Muito bem então. Mostre o caminho para nós.”, ordenei a Laimonas. Ele parecia realmente estar convicto do esconderijo do nosso alvo.

Então começamos a montar uma longa trilha por entre as arvores colossais da floresta, por vezes se deparando com alguns animais selvagens no caminho. Ludwig tinha certa experiência com caça e não tivemos grandes problemas quanto a isso. A medida que adentrávamos na floresta, a energia natural que envolvia nossos corpos aumentava até o ponto de uma pessoa como eu poder sentir também.

Lucy estava toda serelepe e enérgica, tomada pela energia pura e imaculada daquele santuário natural. Para um mago como ela, estar em um lugar daqueles seria praticamente uma experiência única; uma experiência que eu não queria estragar. E não só para ela.

Stuz e Laimonas também olhavam cada arvore atentamente; cada passo, cada planta e animal e até alguns seres místicos que se revelaram timidamente para nós, como algumas Dríades do Caule Frio, fascinavam os dois aventureiros. Já Ludwig estava mais centrado – e ainda estava sendo afetado pelos efeitos daquele caco negro que ainda não sabemos o que é – então não pôde curtir tanto o lugar como os outros.

Vê-los tão felizes e animados daquela forma aquecia meu coração atribulado. Me fazia pensar que nem tudo estava tão ruim como minha cabeça por várias vezes julgou. Mesmo sem minha cidade, longe de todos que conheço e enfrentando um mundo desconhecido, eu me senti segura e acolhida ao lado deles. Eles faziam eu me sentir em casa, não importando onde eu fosse.

Eles me faziam carregar aquele pedacinho aconchegante de Lidooberry comigo.

A trilha continuou pelo que julguei ser mais ou menos 4 km até um descampado no meio da floresta. Lá havia uma grande pedreira com um manancial que jorrava do seu cume até formar uma pequena lagoinha em sua encosta. Ao redor, mais daquelas gigantescas arvores formando uma gigante muralha natural.

Existia também uma arvore bem próxima a essa lagoa, formando uma agradável sombra para quem quisesse aproveitar a água. Um verdadeiro oásis escondido.

UOOOOOOOUUUU!!”, nós cinco dissemos em uníssono.

Por um momento, a bela visão da paisagem quase celestial me fez esquecer a missão. Laimonas caminha em direção a arvore central, se policiando em relação ao barulho dos passos enquanto nós o acompanhávamos com os olhos. Ele realmente estava crente de que tinha alguém ali.

“Cuidado... Laimonas...”

O aventureiro vai se aproximando devagar e com cuidado para seus passos não incriminarem sua presença e de todos ali. Ludwig ainda estava tonto, mas se manteve atento e levou sua mão para o cabo da cimitarra presa ao seu cinto.

“Hm... não tem ninguém aqui.”, avaliou Laimonas, vistoriando o lugar.

“Sério? Você parecia tão certo de que esse é o lugar certo.”

“Será que eu me enganei?”, Laimonas ameaça uma entrada quando escutamos um clique metálico súbito.

“...!”

O chão coberto de folhas chacoalhou e revelou uma armadilha de cordas que se fechou envolta de Laimonas, o capturando como um inseto. As cordas se prenderam aos membros dele e o suspenderam no ar, em um complexo mecanismo que vinha montado do topo das arvores.

“Droga! LAIMONAS!”, gritei e tentei correr até ele para ajuda-lo, mas fui detido por Ludwig.

“Calma, senhorita! Não sabemos se pode ter mais armadilhas ou não!”, disse ele enquanto continha meu avanço. “Vamos dar um jeito de tirar o Laimonas dali, mas mantenha a calma.”

“M-mas... como vamos tirar ele dali? YUP! Ele está... a mais de 7 metros do chão! YUP!”, exclamou Stuz, apontando na direção do amigo suspenso.

“Você está bem?!”, Ludwig gritou para o amigo.

“Estou sim!”, responde ele. “Essa armadilha... ela foi feita por um faunês!”

“O que?!”, dissemos em uma só voz.

“...”, Lucy permanecia calada, para minha surpresa.

“Tem certeza?”, perguntei.

“Sim”, afirma. “... e pode ter mais além dessa!”

“Droga... e como vamooOOOOOO...”

*PAAAAAAAAMMM*

*KATABLAAAAM*

“Ai, ai! Droga!”

E o que eu mais temia aconteceu; caímos em um buraco armadilha camuflado que estava só esperando um desavisado passar por cima dela. A terra cedeu debaixo dos nossos pés – se bem que nem terra tinha direito – e fomos engolidos pela cratera junto com pedaços de madeira, folhas e cordas, além de várias pedras e areia é claro.

“Estão... todos bem?”, perguntei ainda desnorteada com a queda.

“Estou bem sim, senhorita.”, respondeu Ludwig.

Stuz anuiu com a cabeça depois de sair de um montinho de terra e folhas. Lucy também submergiu do monte de poeira e detritos, louca da vida.

“QUE MERDA DE BURACO É ESSE?! COMI MEIO QUILO DE TERRA POR CULPA DE UM FAUNÊS FILHO DA #$@¢!! QUANDO EU PEGAR ESSE £*&#%, EU...”

“Não são mais tão ameaçadores presos nas minhas armadilhas, não é?”, uma voz fina e jovem veio do topo do buraco.

“O que? Quem está aí?”

Logo dois orelhões de coelho brotaram da orla da cratera, revelando um rosto de pelo branquinho e aveludado, cobertos de terra e enriçados. Ele percorreu cada um de nós com aqueles olhos vermelhos e furiosos, como se estivesse encarando um predador natural – mas quem estava preso no buraco éramos nós.

“Você é o faunês que fez essas armadilhas?”

“Nós não queremos fazer mal. Viemos ajudar e...”

“NOS TIRA DAQUI AGORA, OU VOCÊ VAI VIRAR ENSOPADO DE COELHO SEU FILHO DA...!”, Lucy extravasou completamente.

E a gente ainda querendo ter algum tipo de esperança de diálogo com o faunês.

“Vocês são que nem aqueles encapuzados assustadores, não é?! Só querem nos fazer mal! Pois por mim vão apodrecer nesse buraco!”, gritou ele lá de cima.

“COMO É?! VOCÊ VAI SE ARREPENDER POR DEIXAR UMA MENINA LINDA E DELICADA COMO EU EM UMA VALA SUJA E POEIRENTA DESSA!!”, e Lucy continuava gritando com uma harpia ensandecida.

“É... não tem outro jeito. LUDWIG!”

“Sim, senhorita!”

O grandão pegou uma //ESSÊNCIA DE GÁS DO SONO//, o qual era potente o suficiente para derrubar até mesmo um Golem, de sua pochete e se aproximou por trás da maga enfurecida; imobilizou-a com um dos braços e apertou de leve a esfera roxa abaixo das narinas de Lucy, fazendo-a inalar um pouco do gás contido na esfera.

Foi tiro e queda. A menina capotou na hora, dormindo ali mesmo nos braços de Ludwig enquanto chupava dedo.

“Bem melhor...”, agora poderíamos conversar com o faunês. “Então... o que eu estava dizendo, é que não queremos fazer mal a você...”

Algo como uma carroça com várias pedras despencou lá de cima e quase sou esmagada pelos pedregulhos se Stuz não tivesse me puxado pelo braço.

“Senhorita, você está bem? YUP!”, perguntou ele, preocupado.

“A-a-acho... que sim.”, respondi, trêmula com o susto.

“Ele derrubou as pedras e a carroça lá de cima?”, disse Ludwig apertando os olhos.

“Sou eu quem faz as perguntas aqui, Homina! Eu tenho a palavra!”

Ele quase me esmagou com uma carroça abarrotada de terra e ainda estava querendo fazer exigências. Acho que o nível da conversa não tinha mais ser como ser compreendido. Naquele ponto, eu já começava a me questionar o quanto valia a pena tentar convencer o nosso alvo a cooperar amigavelmente com a nossa investigação.

Só pensava em alguma forma de escapar daquela armadilha e salvar Laimonas. Nosso amigo orelhudo não estava cooperando em nada e não cooperaria tão cedo.

“Escuta aqui! Eu sei que você está assustado e está se escondendo daqueles malucos, mas não pode atacar todos que tentam passar por aqui! Tenta pelo menos escutar o que temos pra dizer!”

“E quem disse que eu não posso? Quando precisamos dos outros, ninguém veio nos ajudar. Por que eu seria complacente com vocês agora?”

Eu sequer sabia como responder àquelas palavras tão pesadas. Com qual argumento eu rebateria aquela afirmação imbuída de ressentimento?

“Senhorita Justine... podemos tentar escalar o paredão e tentar...”, Ludwig sussurra um plano para tentar sair de lá, mas logo o interrompo:

“Não vai adiantar. As paredes desse buraco são de um solo bastante arenoso e irregular. Qualquer tentativa de escalar pode nos soterrar.”, respondi, meus olhos ricocheteando pelas paredes acidentadas do buraco.

E realmente era como se tudo fosse desabar nas nossas cabeças a qualquer momento.

“E o que devemos fazer então?”, pergunta Ludwig.

“Temos que pensar...”

“EI! O QUE DIABOS VOCÊS ESTÃO SUSSURRANDO AÍ?! POR ACASO NÃO ESTÃO PENSANDO EM NADA IDIOTA, NÃO É?”, gritou o faunês, arremessando algumas pedras lá de cima.

“Nada! Como eu estava dizendo... nos dê uma chance para falar com você. Só queremos ajudar!”

“Ah, certo! E como eu posso confiar em vocês... ah... conf... ah...”

“...?!”

O faunês tombou de repente na beirada do buraco, quase caindo onde nós estávamos, porém foi agarrado por um braço branco parrudo que o segurou pela cintura. E aquele braço já era bem familiar:

“Laimonas?”

“Eu já não aguentava mais ver esse bravo faunês ficar gritando direto.”, diz o mercenário com o mindinho dentro do ouvido esquerdo.

“O que você fez?!”

“Ah, foi bem simples, na verdade. Eu usei um pouco do sedativo que encomendamos da [GUILDA DOS PAVÕES] quando passamos pela Comerca. Nunca pensei que teria que usar nesse pirralho.”

“Que sorte que você conseguiu se soltar a tempo. Agora... tira a gente daqui...”, grunhi já quase tendo um surto de claustrofobia.

 

 

___________________________________________________________________

 

A noite chegou.

Laimonas teve todo o cuidado de medir a dosagem do sedativo na hora de usar no faunês de modo que não o matasse. Porém, assim como o de Ludwig que foi usado para acalmar Lucy, aquele também era um poderoso sedativo que, se usado na quantidade errada, mataria uma pessoa facilmente – se bem que não sabia se fauneses poderiam ser considerados “pessoas”.

E o menino – ou menina, depende de como se enxerga – coelho acordou sobressaltado. Percebeu que estava com os braços atados por laços de corda tão acochados quanto grilhões e se desesperou quando notou que estava à mercê de nós.

“HUAAAAAAAAAAAAAAAA!”, ele gritou e saiu rolando e rastejando pelo chão como uma lesma.

“Ei, ei! Se acalme! Se acalme!”, eu tentei tranquiliza-lo, mas não funcionou muito.

“SAIAM DE PERTO DE MIIIIIIIIIIIIIIM!”

“Não queremos lhe fazer mal!”, gritou Ludwig, tentando contê-lo.

“Deixe-nos pelo menos tentar conversar com você!”, retruquei, mas ele se debatia como uma carpa enlouquecida e escorregadi nos braços de Ludwig e Laimonas.

Quando as forças acabaram, ele finalmente ficou quieto. Acho que já não tinha mais energias para se debater, nem garganta para ficar se esgoelando. Era a nossa chance de mostrar que éramos os mocinhos.

“Acabou o chilique?”, perguntei um pouco irritada e impaciente, mas tentando não parecer tão ameaçadora.

“O que vocês... querem? Vão me levar de volta para o laboratório?”, questionou o faunês, dessa vez chorando.

“Não. Não vamos levar você a laboratório nenhum. Apenas queremos falar com você.”

“Falar... comigo?”

“Permita que eu me apresente: eu sou Justine Lidooberry, uma aventureira. E esses são meus companheiros, Ludwig, Laimonas, Stuz e Lucy.”, me levantei, apresentei todos e estendi a mão para ele. Seus olhos cintilaram a perceber que não corria mais perigo – finalmente ele percebeu depois de 2 horas de gritaria e esperneio!

Ludwig e Laimonas o soltaram no chão e retiraram as cordas que prendiam as mãos e pés do faunês. Ainda estava meio assombrado, mas acho que agora ele estava pelo menos certo de que poderia “tentar” confiar em nós.

“Qual é o seu nome?”, perguntei, amigável.

Reks.”, responde, tímido.

“Hum... que nome... excêntrico.”, comentou Lucy, baixinho.

“Então, Reks... pode nos contar como você chegou nessa floresta?”

O menino coelho se aproximou da fogueira e, ao sentir o cheiro da comida sendo assada, a barriga também acordou e bem-disposta por sinal. O faunês corou ao ouvir o próprio som da barriga denunciando seu estado.

“Está com fome né, senhorzinho? Pode ficar à vontade e servir. Tem muito //PEIXE BOREAL// para todo mundo.”

Então o menino coelho atacou ferozmente o peixe frito espetado em uma vareta de madeira, com mordidas cheias e mastigadas apressadas. Pelo modo como comia – sem falar no estado magricelo de seu corpo –, mostrava que não colocava algo decente na boca a muito tempo.

“Ei, ei meninão! Vai com calma! Cuidado para não engasgar.”, Ludwig nem perguntou se estava bom ou não, pois para alguém com fome até barro parece comestível.

“Então Reks, pode nos contar o que houve agora?”

O menino apressou mais uma mordida antes de responder.

“Nós estávamos vivendo bem e pacificamente pelos arredores dessa floresta, quando um certo dia, um grupo de encapuzados assustadores chegou na nossa vila e exigiram que todos da vida, crianças, adultos e velhos, fossem com eles até um canto que eles iriam determinar. Os anciãos da vila tentaram resolver isso de forma pacífica, mas eles foram muito agressivos com todos nós, nos chamando de “animais imundos” e “bestas”; também disseram que se não obedecêssemos a eles, sofreríamos consequências.”

“...?!”

“E o que houve?”, perguntei, curiosa com o desfecho.

“Aí os guerreiros e os chefes das famílias foram tirar satisfações e foi então que começou uma briga muita feia no meio da vila. Apesar de conseguirmos revidar por um tempo, eles usaram um pozinho negro e isso fez eles ficarem mais fortes. Eles ficaram assustadoramente violentos e os guerreiros foram sendo mortos rapidamente até que o restante se viu obrigado a se render para eles.”

Fiquei pensativa sobre a parte do tal pozinho negro que Reks menciona. Será que teria relação com aquela pedrinha violeta escura que Ludwig encontrou no buraco dentro do galpão? Aquela que, depois que ele tocou, se tornou em pó negro?

Mantive essa questão para mim mesma e fiz outra pergunta antes que o pensamento passasse. Era algo que queria conferir por mim mesma depois, ou talvez até quando estivesse reunida com Juniorai e seu grupo.

“Reks... você também citou algo como um “laboratório”. Que lugar é esse?”

O faunês fez uma careta como se não gostasse de ter que puxar de volta aquela lembrança tão aterradora.

“Bem... depois que saímos da nossa vila, eles destruíram nossa casa colocando fogo em tudo e depois viajamos com eles até uma cidade próxima. Não sei o nome dessa cidade, mas era uma cidade praticamente fantasma, pois gritamos muito e ninguém nos ajudou. Não havia mesmo NINGUÉM lá!”

“...”, todos permaneciam calados, cada qual com suas teorias e perguntas. Reks continua:

“Então fomos arrastados até um buraco que levava para uma passagem subterrânea, passando por debaixo da cidade. Lá tem um lugar onde aqueles desgraçados mantinham não só a gente, mas vários fauneses de outras vilas e clãs da região presos, além de fazerem experimentos terríveis com eles lá.

“Experimentos?! Como assim? Que tipo de experimentos?”, questionei, o coração palpitando de raiva.

“Sim... não me lembro de tudo em detalhes, mas enquanto estive preso lá, eu vi que eles tinham uma espécie de gerigonça mecânica que eles usavam para drenar a mana dos fauneses até não sobrar mais nada.”

“O que?!”, dissemos em uníssono, embasbacados com a história de Reks.

“Uma máquina para drenar mana? Isso é mesmo possível?!”, perguntei, quase sem ar.

Lucy apertou os olhos e torceu os lábios.

“Eu já ouvi algumas histórias sobre artes e técnicas proibidas que consistiam na manipulação e projeção de mana, mas pensei que fossem apenas isso: histórias...”

“O que quer dizer, Lucy? YUP!”, disse Ludwig soltando três soluços sequenciados. Isso indicava que ele estava irritado e nervoso.

“Quero dizer que não imaginei que isso pudesse realmente ser possível. Usar tais técnicas para extrair mana de outros seres através de tecnomagia. Isso nunca passou pela cabeça nem dos maiores estudiosos dos grandes reinos mágicos.”, explicou Lucy, seu semblante desolado.

“Muitos fauneses morreram lá dentro por causa dessa máquina e eu não queria ser mais um deles! Então quando foi minha vez, mordi o braço de um dos encapuzados, chutei a canela do outro e corri o mais rápido que consegui para a floresta. Infelizmente... meu povo... minha família... todos eles ficaram para trás e eu não consegui ajudar nenhum deles...”, novamente as lágrimas verteram de seus olhos vermelhos e curvados. O menino coelho baixou a cabeça e colocou as duas mãos sobre os olhos, escondendo seu pranto.

Eu simplesmente não consegui aceitar tudo o que estava acontecendo. Ver alguém como eles sofrendo com tais ações barbaras era um negócio que, como aventureira, eu não podia ignorar. E esse sentimento... me era tão familiar.

Eu me levanto e caminho até ele, erguo sua cabeça e o encaro diretamente, olho no olho com uma expressão firme e determinada. Não podia mais permitir que ele chorasse.

“Escute aqui! Nós vamos te ajudar a resgatar o seu povo, sua família e todos os fauneses que estão lá, ouviu bem?”

Reks fungou, limpando os olhos com o peito da mão.

“P-p-porquê...?! Porque... fariam isso por alguém que vocês nem conhecem e que atacou vocês?”, perguntou ele, gaguejando.

Quase como se eu pudesse ver o corajoso e desmiolado aventureiro que me salvou naquele dia de mim mesma e do perigo, repeti sua frase com um grande sorriso no rosto:

“E daí? Não é isso que os aventureiros fazem?”

“Senhorita Justine...”, Ludwig sibilou baixinho enquanto sorria.

Os outros também sorriam como se já esperassem aquilo de mim. Confesso que fiquei um pouco envergonhada quando me dei conta.

O faunês apertou os olhos e se jogou em cima de mim, me abraçando forte e pressionando seu rosto contra meu peito enquanto chorava. Tudo que pude fazer era afagar sua cabeça, suas orelhas e consola-lo em um momento de impotência. De certa forma, eu entendia bem como é a sensação de se sentir um completo inútil por não conseguir fazer nada; por depender sempre de alguém; por sempre estar em uma posição mais frágil e que precisa que os outros venham te resgatar.

Além disso, meu coração estava a ponto de sair pela minha garganta. Quando, de forma simbólica, falei aquela frase para Reks, isso me trouxe também um vislumbre de Juniorai. Senti meu rosto queimar e minhas pernas tremerem apenas de lembrar do momento em que ele falou aquilo pra mim.

“Não... sem chance de alguém como eu gostar de um aventureiro cabeça oca e inconsequente como ele! SEM CHANCE!”

Balancei a cabeça tentando me libertar daqueles sentimentos estranhos e totalmente irracionais – não estava dando certo! – até que Ludwig tocou no meu ombro com sua mão pesada e calejada.

“Senhorita Justine... temos que ir.”, diz o mercenário.

Eu concordei com um aceno de cabeça e me levantei. Reks enxugou o rosto e nos acompanhou. Mesmo com o rosto inchado e meio aturdido com toda aquela avalanche de emoções negativas que as lembranças do cativeiro o traziam, ele fungou e se prontificou para nos guiar de volta ao lugar ao qual nunca mais queria pôr os pés novamente.

E isso era minha mais nova definição de coragem.  

                 



Comentários