Volume 1 – Arco 1
Capítulo 3: Dama da Guerra
Cidade de ||FINRAL||, região oeste do reino de ||RORISA||. Alguns dias antes...
PLAYER: [???]
Todos nascem com vocação e talentos individuais próprios. Todos constroem sua história, seja uma história de vitória ou de fracasso. Todos trilham o caminho que escolhem trilhar.
Mas e se você já nasce destinado às grandes campanhas? Às vitórias no campo de batalha? Ao calor da disputa? E se por mais que tente fugir, essas memórias e esse destino insistem em te prender como se fossem pesadas correntes?
Bom... essa sou eu.
Munida apenas da minha força e convicção, meu nascimento já era premeditado pelos oráculos das grandes catedrais de ||AMINAROSSA||.
“Um guerreiro valoroso nascerá da união de outros dois”. Pelo menos, era isso que diziam as profecias. O problema é como essas profecias idiotas se cumprem.
O destino é uma doce e sádica criancinha que usa as pessoas como peões. Quando o tal “bebê predestinado” nasceu, todos ficaram em choque quando souberam que era uma menina.
“Como uma mulher pode ser o guerreiro valoroso da profecia, e que irá conduzir o reino para gloriosas batalhas?!”, essa era a principal dúvida que permeava toda a corte.
— Comandante! Comandante Thayslânia!
Eu acordei na minha mesa de estratégia, com baba escorrendo pela boca. O soldado entrou já gritando, chamando por mim.
—Ah?! Ah!! O que você quer?! Diga logo!
—Recebemos o último relatório das nossas tropas estacionárias! A última cidade do reino de ||RORISA||foi dominada pela nossa investida!
Logo o sono se foi quase que automaticamente. Fico completamente ativa e levanto praticamente pulando da cadeira.
—Reúna as tropas! Estamos partindo!
—Sim, Comandante! — Ele saudou e então saiu.
Então eu volto a ficar sozinha em minha sala, olhando para as luzes do crepúsculo além do horizonte. O show de luzes se concentrava ao redor das luas gêmeas, formando um Halo magnifico.
Essa era a sensação que os grandes líderes que me antecederam sempre tiveram após suas vitorias? A sensação de dever cumprido? A sensação profana de soberania acima do seu adversário?
Merda nenhuma! Esse último deve ser o que nossos inimigos bárbaros devem sentir!
O deleite de saquear, pilhar e arrasar vilas e cidades inteiras; um sentimento de poder que corrompe. Eu não vou me dar ao luxo de me entregar a isso... jamais!
O tempo passa e o ambiente ia ficando escuro. O toque do marcador ia registrando o passar daqueles minutos de nervosismo irracional que comecei a sentir um pouco depois da saída do meu oficial da sala.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac…
Enquanto esperava a hora combinada, resolvo olhar meu inventário, conferindo todos os artefatos que havia conseguido na minha campanha em ||RORISA||.
Uma aba cintilante enorme se mostra à minha frente, revelando uma lista e numerações:
- Pergaminhos de dobra Elemental > x5
- Cristais da Alma > x10
- Esferas de Invocação > x2
- Espada Mística da Rapidez > x1
- Minerais diversos > x75
Mesmo depois de quatro dias, ainda estava enfadada das lutas incessantes pelas cidades do reino de ||RORISA||. Tivemos muitas baixas, mas saímos vitoriosos. Mais uma vitória para casa.
Ao fechar o inventário, percebo também o quanto meu nível havia aumentado com todas essas batalhas de vida ou morte. Chegava até a ser insano pensar que, de uma semana para outra, meu nível saltou de 95 para 150!
E ainda vários títulos, muitos deles dados pelos próprios inimigos, também foram conferidos a mim e um deles era: [A DAMA DA GUERRA].
— Nada mal...
Após divagar muito em minhas conquistas, meus olhos observam as tropas enfileiradas no pátio, esperando a minha chegada.
Vesti minha couraça de platina e saí da sala, indo em direção aos homens que me aguardavam. Engoli em seco.
A respiração estava pesada. Não sei se eu aguentaria muito tempo sobre o pedestal. Tinha que me manter firme e demonstrar autoridade perante eles.
Sim! É isso o que eu devia fazer!
— Amina-rossa! ROSSA! ROSSA! ROSSA!
Todos gritavam juntos e batendo suas lanças contra o solo. Uma melodia para os meus ouvidos.
—MEUS HOMENS! É CHEGADO O DIA QUE LIBERTAMOS ||RORISA|| DAS MÃOS DE TIRANOS!
—OOOOOOOOOOOOOOHHHHHHHHHH! — As tropas se inflamam.
*sons de lança batendo no chão*
— CHEGAMOS AO FIM DE MAIS UMA CAMPANHA VITORIOSA! O SOL BRILHOU PARA ||AMINAROSSA|| MAIS UMA VEZ!
—OOOOOOOOOOOOOOHHHHHHHHH!!
*mais sons de lanças*
—NADA DISSO TERIA SIDO POSSÍVEL SEM A ESPADA, O SUOR E O SANGUE DE CADA UM DE VOCÊS! JUNTOS, IREMOS MARCHAR CONTRA OS ODIOSOS BÁRBAROS DE ||ANDRAS||!
—OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOHHHHHHHHH!!
Eu não falei tudo que estava entalado na goela. Não há como descrevermos alguns sentimentos, então só conseguir dizer o que qualquer comandante diria para motivar seus homens.
As fileiras se dispersaram, marchando juntas e caminhando em direção ao horizonte.
Voltaríamos o quanto antes para a capital, onde o povo nos receberia como heróis. Não havia mal nenhum nisso, não é?
Nós fizemos o certo! Matamos por uma causa nobre... não foi?
Homens, mulheres, crianças... minhas mãos estavam manchadas com todo esse sangue e talvez eu não pudesse alcançar a redenção de tamanho crime.
Eu... deveria me importar? Eu deveria duvidar de minhas ações?
“Nós fizemos o certo! Eu... acredito nisso!”
“Algo a incomoda, minha dama?”
A voz angelical da minha Relíquia Hospedeira, Eyatos, falou no meu subconsciente. Seu tom sereno e delicado sempre acalmava meu coração turbulento, fosse nas horas das angustias silenciosas ou nos campos de batalha.
Eyatos foi entregue a mim na forma de um medalhão, ainda quando eu era pequena. Ela sempre me acompanhou durante toda a minha caminhada, me instruindo e me auxiliando.
Era como uma segunda mãe para mim, apesar de eu não saber ao certo o que seria ela de verdade.
Seus atributos me concediam [FORÇA] +150 e [CONSTITUIÇÃO] +80, além de resistência a status anormais e mais 20% de resistência a todos os tipos de dano Elemental, menos os “não Elementais” e dano Psicocinético.
Tudo isso na forma de duas lindas manoplas prateadas — ainda serviam em mim como “uma luva”.
Eu me sentia invencível quando usava Eyatos. Uma arma perfeita para a futura rainha de ||AMINAROSSA||!
—Nada demais. Só estou pensativa...
“Você está mais pensativa que o normal hoje, minha dama. Algo a aflige?”
—...
“Entendo que não queira falar. Sinto a culpa que permeia o seu coração e também as dúvidas que assolam seu interior.”
Então por que ela me perguntou se já sabia a resposta?
“Posso garantir que todos os seus atos e feitos são justificáveis.”
—Será mesmo? Eu... — As cenas cruéis das batalhas vinham na minha memória, cortando minhas palavras.
Só de pensar eu ficava sem ar. E continuo: — Sinto o terror no rosto de cada uma das pessoas que eu matei. Seus gritos... não me deixam dormir!
“Às vezes, a justiça não segue caminhos limpos. Tenha plena consciência disso.”
Eu sabia que ela estava tentando me animar, mas eu também tinha consciência que talvez o que eu havia feito não tinha perdão. Sendo futura rainha do maior reino mágico do continente, eu não podia me dar ao luxo de recuar em minhas decisões!
A firmeza as vezes exigia que eu agisse de forma fria, algo que eu não gostava nem um pouco de fazer.
Fiz as últimas alterações no meu equipamento e ajustei as habilidades. Ao terminar, meus status estavam assim:
NOME: THAYSLÂNIA FORÇA: 162(+1) CONSTITUIÇÃO: 100(+2)
RAÇA: [HOMINA] DESTREZA: 43(-2) SABEDORIA: 25( 0 )
ORIGEM: ||AMINAROSSA|| ESPÍRITO: 80(+5) HP: 12.500/12.500
IDADE: 21 ANOS MP: 2.747/2.747
CLASSE: [CRUZADORA SAGRADA]
HABILIDADE: AUMENTO DE FORÇA EFEITOS NEGATIVOS: NÃO TEM
Lv.150
E os de Eyatos, assim:
NOME: EYATOS
CATEGORIA: [RELÍQUIA HOSPEDEIRA]
TIPO: CINÉTICO/MULTIPLICADOR
PORTE: MÉDIO
ATRIBUTOS: 150 DE FORÇA
80 DE CONSTITUIÇÃO
ATRIBUTOS ESPECIAIS: RESISTÊNCIA À DANOS ELEMENTAIS: + 20%
RESISTÊNCIA À PROPRIEDADES ANORMAIS: + 20%
BÔNUS DE REFINO > +10% DE CHANCE DE ATORDOAMENTO
Fazendo uma rápida análise, os status adquiridos eram bons, mas ainda não foram o suficiente para derrotar o [MONARCA DA TERRA], Vinicius.
Ainda pensava aonde ele havia ido depois de nossa última batalha na capital de ||RORISA|| e ainda me cobrava por tê-lo deixado fugir.
Ainda me lembro perfeitamente do momento. Céu nublado e com raios caindo por todos os lados. Estávamos no meio de uma cidade arrasada pela batalha. Cadáveres de soldados formando montes, tanto Aminarosianos quanto Rorisos.
Me olhando de cima de uma grande rocha, enquanto a chuva caia pesada sobre os nossos corpos machucados, ele me disse:
— Ainda resolveremos esse embate algum dia...
Então ele some no meio da terra, me deixando com um ferimento mortal. Alguns soldados do meu esquadrão me socorreram rapidamente depois.
Eu considerei aquilo uma das derrotas mais humilhantes que já sofri em uma luta, mesmo que a vitória em batalha tenha sido nossa.
Mesmo depois de uma campanha triunfante, eu não me sentia feliz e completamente satisfeita.
Mas eu voltaria como uma heroína. Todos receberiam uma assassina com aplausos e honras.
Eu deveria ficar contente com isso?
Eu já não sabia ao certo. Só deixei os ventos correrem como quisessem e me conduzissem para onde quisessem.
O último esquadrão já estava em formação no portão do acampamento e meu corcel estava à postos.
A viagem seria longa e as recordações, dolorosas.
___________________________________________________
||AMINAROSSA||, Avenida principal, tempo presente.
PLAYER: [Juniorai]
—THAYSLÂNIA?!
“O quê?!”
—O quê?!
Os dois, Gallatin e Maria, falaram quase ao mesmo tempo. Maria devia estar pensando que eu estava tendo mais uma das minhas alucinações.
Eu realmente não consegui conter a surpresa e a alegria de ver um rosto conhecido em um lugar daqueles.
Thayslânia era uma de minhas amigas de longa data! Nós estudamos juntos durante todo o ensino médio e depois que a escola terminou, a amizade permaneceu.
Agora eu me deparo com ela à minha frente, naquele mundo bizarro de RPG e montada em um grande cavalo de guerra, desfilando no meio dos soldados como uma general pomposa.
E o meu sonho real continuava a ficar cada vez mais bizarro.
A reação foi automática e instantânea.
Eu saio empurrando tudo e todos até alcançar a primeira fileira da multidão, e aproveitei para descontar alguns socos e cotoveladas também no meio do processo.
Comecei a acenar e a gritar.
—O que está fazendo, seu louco de pedra?!
—THAYSLÂNIA! THAYSLÂNIA! THAYSLÂNIAAAAAA! SOU EU, O JUNIOOOOOR!
Eu finalmente gritei mais do que todos ali gritaram em quase meia hora de desfile. Rasguei a garganta, mas ela parecia me ignorar.
—O que está pensando, Juniorai?
—Quieto, cabo falante!
Ignorando qualquer coisa que Gallatin pudesse dizer e contrariando a expectativa de todos ali, eu invadi a pista. Eu me coloquei na frente dos cavalos e alguns soldados desceram de suas montarias, ameaçando me atacar.
—Parado aí! O que pensa que está fazendo?! Planeja atacar a Comandante?!
—Thayslânia!! Sou eu, o Junior! Não está me reconhecendo?! Ei! Olha para mim, cacete!
Ela me fitou com um olhar frio, mas ao mesmo tempo, confuso. Acho que quem estava mais confuso era eu.
—Quem é você, plebeu? E que roupas esquisitas são essas que está usando?
—QUE SE DANE! SOU EU, THAYSLÂNIA! EU SOU SEU AMIGO! NÃO SE LEMBRA?!
—Diga logo o que quer de uma vez! Está tomando meu precioso tempo!
Naquela hora eu me vi acuado e sem saber o que fazer. Meu coração disparou e eu me perdi nas palavras e no raciocínio.
Eu queria muito poder dizer a ela que estávamos no jogo que fizemos e perguntar como ela também havia parado naquela realidade.
Por enquanto eu não tinha como provar nada, nem como convencer ninguém. Era algo surreal demais para eles — não que não fosse para mim também.
Agora eu estava no caminho de uma tropa de soldados fortemente armados até os dentes, rodeado por uma multidão alvoroçada.
Todos deviam estar me olhando torto agora e eu temia que pensassem que eu era algum soldado infiltrado do tal país inimigo. Eu estaria bem ferrado se esse fosse o caso.
Eu tinha que ter muito cuidado com o que eu fosse dizer agora. Ou talvez apenas vomitar tudo para fora mesmo.
Tudo ia dar no mesmo resultado, eu acho.
—Você... não se lembra de mim? Não se lembra de nada mesmo?! — Insisto na pergunta.
—Nós já nos encontramos antes? Por acaso eu devo algum dinheiro a você?
Essa era toda a resposta que eu queria, enfiada na minha cara e indo goela abaixo.
—Thayslânia! Nada disso é real! Isso tudo é um mundo de fantasia! Um jogo! Você tem que acordar!
Foi mesmo que ter jogado gasolina na fogueira.
Eu podia ouvir alguns burburinhos entre as pessoas e algumas já estavam desejando que minha cabeça rolasse em praça pública.
O que eu disse ali podia ser considerado quase como palavras de bruxaria para os mais conservadores.
—O que está dizendo?! Enlouqueceu, por acaso? — Um dos guardas rugiu.
—Minha Comandante, temos permissão para prendê-lo?
“Droga! Acho que ferrou pra mim!”
Ela pareceu refletir nas minhas palavras por alguns instantes, o que me deu certa esperança. Se ela não cedesse e ao menos me escutasse, eu era um cara mortinho da silva.
— PLEBEU! DE ONDE VOCÊ É?
Puta merda! Logo a única pergunta que eu não queria responder de jeito nenhum!
E agora? Eu falaria a verdade e seria preso ou morto ali mesmo, ou mentiria e faria de conta que sofria de transtornos mentais?
Nenhuma das duas opções eram boas o suficiente. Não importava o que eu dissesse dali para frente, ninguém mais iria me dar crédito, nem mesmo a Maria. Eu nunca teria feito isso se não fosse uma das minhas amigas que estivesse ali.
Já não havia mais volta.
—DO MUNDO REAL! — Cuspi as palavras.
Todos se espantaram, se perguntando do que eu estava falando e soltando burburinhos.
A cada minuto daquela conversa, os soldados estavam cada vez mais ansiosos para me enfiar uma espada.
—Mundo Real?! Isso é um absurdo!
—Comandante! E se ele for um Andralino infiltrado?! Deve estar comprando tempo para armar uma emboscada!
—Vamos logo mata-lo!
A multidão começa a ir na onda também. Eles me vaiavam e jogavam pedrinhas em mim.
—SAI DAÍ SEU MALUCO!
—ALGUÉM TIRE ELE DA FRENTE!
—COMANDANTE! PRENDA ELE LOGO!
—O QUE DEU NESSE ANORMAL?!
—Você tem que acreditar em mim! Por favor... — Insisti novamente.
Ela só continuava a me olhar, calada.
—Para cima dele já!
—Esperem!
A minha respiração parou. O silêncio dominou o lugar por alguns segundos, mas que se pareceram uma eternidade.
Eu ouvia o silêncio.
Sentia o suor frio escorrer por cada poro do meu corpo.
Sentia o cheiro do meu próprio medo.
Via tudo em câmera lenta.
A saliva em minha boca parecia um copo d’agua.
Isso era a sensação provocada pelo suspense? A adrenalina a níveis astronômicos? Era a sensação de estar frente a frente com a morte certa? Se sim, eu ainda passaria por aquilo inúmeras vezes, se saísse vivo dessa.
—...?!
—Muito bem. Você realmente é um maluco por ter feito isso, mas não parece estar mentindo.
—Mesmo?! Vai me ouvir? — Meu ar preso nos pulmões pôde sair finalmente. Já estava ficando até roxo.
Ela desceu de seu cavalo e agarrou o medalhão que carregava no pescoço enquanto andava até mim.
O objeto brilhou intensamente e desapareceu. No lugar, surgiram manoplas prateadas em seus braços. A minha felicidade sumiu junto com o colar dela.
O seu olhar faiscou e ela estava com uma expressão assustadoramente séria.
— Se você provar o seu valor em batalha, eu ouvirei o que tem a me dizer!
—Espera... o que?!
Maria empalideceu subitamente.
—Essa não!
Meu coração acelerou e eu demorei uns bons minutos para absorver toda a seriedade da cena.
Ela havia invocado manoplas para me surrar no meio de uma multidão inflamada. Uma das minhas melhores amigas iria quebrar a minha cara com aquelas coisas e depois eu seria morto.
Era muito mais loucura do que eu podia suportar.
As pessoas vieram à delírio! Os soldados afastam seus cavalos e os cidadãos de perto, abrindo um largo espaço circular para o combate. Ninguém queria perder o espetáculo do plebeu perturbado sendo espancado pela “Grande General”.
Isso não acontecia todos os dias nas ruas daquele reino.
—O que foi? Vai recuar agora? Onde está a sua determinação?!
—THAYSLÂNIA! ISSO É UM ABSURDO! EU NÃO VOU LUTAR COM VOCÊ!
—Por que não?
—Por que você é minha amiga! Não quero bater em você! Só quero conversar!
Eu tentei amenizar a tensão de forma racional, mas isso só a irritou mais ainda. Ela levantou os punhos cerrados até a altura do rosto, lembrando a postura de um lutador de boxe.
E ainda por cima aquelas manoplas brilhantes faiscavam com tanta energia. Eu podia sentir algo escorrendo pelas minhas costas e não era suor.
—Se não vai atacar, então eu farei as honras!
“Juniorai! Ela vai ataca-lo com uma Relíquia Hospedeira! Sinto uma aura poderosa vindo dela!”
—Droga! Para com isso, mulher! AAAAAAHHH!
Ela me ataca com uma sequência de socos rápidos em que eu desvio dos três primeiros, mas levo todo o resto do combo.
Seus punhos eram pesados como chumbo e cada golpe eu sentia na alma.
Eu caí para trás, me esforçando para não apagar. Algo começou a ticar na minha visão: era a minha barra de HP; ela já estava no vermelho!
Thayslânia me acerta uns cinco socos e minha barra de HP já estava piscando com a ameaçadora palavra grifada “DANGER”!
Fora o fato de eu ser um iniciante que não sabia lutar e sem nenhum equipamento além de Gallatin, Thayslânia era bem mais forte do que eu imaginei.
O que aconteceria comigo se eu fosse morto por ela ali? Eu voltaria para o mundo real ou sumiria para sempre?
Eu não queria descobrir isso na prática. De alguma forma, eu tinha que reagir.
— Cof! Cof! Está… certo... acho que já... está na hora de você me ajudar!
“Hunf! Nem precisava pedir.”
—Já acabou, plebeu? Vendo agora, você ainda é só um [APRENDIZ], não é? Acho que usar a Eyatos contra você pode ter sido um exagero.
Thayslânia vem andando até mim para me finalizar. Ela com certeza estava certa da vitória e sua guarda estava baixa.
Se eu consigo me aproveitar disso para encaixar um golpe bem dado, mesmo que houvesse uma discrepância enorme em nossas forças, talvez eu conseguisse causar algum dano nela.
Eu segurei o cabo de madeira com toda a força que me restava e ele começa a brilhar com uma aura pulsante, tão brilhante que cegaria qualquer um que olhasse diretamente.
Ela recua e cobre os olhos da explosão de brilho de Gallatin.
—O que é isso?
“Ele está ativando sua Relíquia Hospedeira!”
—Ele também...? Mas como?!
O cabo de madeira médio se alongou e uma grande lâmina curvada para dentro. O que antes era uma inofensiva haste de madeira agora se transforma em um grande e intimidante machado de batalha.
Gallatin assumiu a forma de um machado! MACHADO! Meus olhos brilham com a grande arma que eu tinha em minhas mãos agora.
Curiosamente a arma era enorme e parecia que só um Orc ou algum monstro do tipo conseguiria empunhá-la, mas para mim era leve como um pedaço de papel.
Meus movimentos também estavam mais livres e soltos. Ao se transformar, Gallatin adicionou sua barra de HP à minha e ela estava bem maior e completamente cheia de novo.
Todas as pessoas, soldados e a própria Maria ficaram de boca aberta com aquela reviravolta inesperada — chamem de protagonismo se quiserem, porque é.
Quem esperava um massacre ou uma luta rápida pode ter ficado decepcionado.
Eu ainda estava no jogo! Agora eu ia mostrar todo o meu poder oculto!
—Caramba! Uma baita arma que você tem ai! — Até Thayslânia se impressionou e ela não parecia se impressionar com muita coisa.
—Está bem... ISSO FOI LEGAL PRA CACETE!
—Ainda assim, acha mesmo que um machado tamanho família vai livrar a sua cara?
—Rapaz... eu acho que não, mas não custa tentar.
Ela avançou para cima de mim de novo. Em um impulso precipitado eu bati com o cabo do machado no chão. Foi quase automático, como se eu já soubesse exatamente o que fazer. A princípio, nada rolou.
Thayslânia levanta um salto para desferir seu soco na minha cara, mas então algo bizarro e engraçado acontece depois.
Em vez de cair, ela começa a levitar! Todos se surpreendem, inclusive a própria Thayslânia.
—...!
—Mas que por... — Então meus neurônios fritaram.
—Maldito! O que fez comigo?!
—Ela está voando! A General está voando! — Grita um dos soldados, surpreso.
—Que poder estranho! Será que foi aquele machado?
—Ooooooohhh! — O público parecia assistir uma atração de circo.
Eu não sabia se ria ou se mantinha a pose. Optei por ficar na minha e pensar que agora eu tinha uma vantagem.
—Eu também não sei! Tô testando agora também!
—Ora, seu...!
Os soldados vêm para me atacar, mas também começam a flutuar assim que tiram seus pés no chão. Então a tropa quase toda estava boiando no ar, ridiculamente “nadando” de volta para o chão.
Então esse era o poder de Gallatin?
Confesso que era engraçado ver todos eles voando e esperneando no ar, tentando descer. Eram como várias bolas de gás; eles só subiam cada vez mais, não importava o quanto se mexessem. Uns tentavam se agarrar em alguma coisa para se segurarem, uns ainda quicavam em outros.
“Droga, Junior! Mantenha a postura! A POSTURA!”
—HAHAHAHAHAHA! NÃO AGUENTEI, DESCULPA!
—TÁ ACHANDO ENGRAÇADO, SEU PASPALHO?! DESÇA-NOS IMEDIATAMENTE! — Berrou Thayslânia, furiosa.
Ela ia me matar quando descesse, mas enquanto isso eu me acabava de rir! Porém, como eu sou eu, tinha que entrar na brincadeira também, né? Enquanto gargalhava, eu acidentalmente tirei meus pés do chão também.
—Droga! Não, não, não, NÃO! Fiz merda!
—Todos eles estão voando! Oh céus! — A multidão parecia bem entretida.
Uns riam, outros estavam nervosos e alguns me praguejavam. Uma coisa era certa: pelo menos no ar ninguém da multidão iria me alcançar para me linchar por fazer a líder deles flutuar junto com quase toda uma legião de soldados.
—O que aquele idiota fez?! — Disse Maria, colocando a mão na testa e observando toda aquela situação absurda.
—PARE COM ISSO, NESSE INSTANTE! DESÇA A GENTE AGORA OU VOCÊ IRÁ SOFRER AS CONSEQUÊNCIAS! — Thayslânia me ameaça fumegando e tremendo de raiva.
Sério que ela ainda estava me ameaçando? O medo e o desespero da queda iminente já não eram o suficiente para uma alma atormentada que nem eu? Tinha de certificar de lembrar de quando saísse do jogo, remover aquela mecânica estupida de gravidade!
—C-c-calma! E-e-eu tô tentando! Merda! Merda! Merda!
Eu balancei o machado desesperadamente, procurando o botão de “desligar” daquela coisa.
—SEU MACHADO IDIOTA! DESCE A GENTE AGORA! PELO AMOR DE DEUS!
E assim que terminei de chorar, sinto a gravidade me puxar para baixo de novo. Meu coração parou de bater por um instante quando eu sinto meu corpo despencar do céu.
—AAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHH!!
Todos os outros que flutuavam começam a cair junto comigo. Pelo tempo que passei flutuando, julguei que estava à uns poucos metros do chão. Não seria o suficiente para eu morrer — e nenhum deles também, mas eu preferiria morrer da queda mesmo. Seria menos “dolorida”.
Todos se esbagaçam no chão. A multidão se afastou em pânico e uma nuvem de poeira tomou todo o lugar.
—Eles caíram!
—Acho que todos morreram!
—O que raios aconteceu aqui?!
—Puta merda!
A multidão estava agitada. Eu ainda conseguia ouvir os gritos abafados por todos os lugares, ecoando na minha mente bagunçada.
Eu me levantei arquejando de dentro da cratera, ainda camuflado pela nuvem de poeira que se levantou com a queda. Minha barra de HP, mesmo com a adição feita por Gallatin, havia secado 2/3, voltando a piscar em vermelho — pra variar, né?
“Merda... que porcaria foi que eu fiz?”
Minhas roupas rasgaram, meu corpo estava completamente machucado e meus ossos, elásticos. Minha arma quase me mata mais rápido que a própria Thayslânia!
Aproveitei o breve momento de euforia para pensar. Vejamos...
Thayslânia havia começado a flutuar primeiro e por causa disso, estava em uma altura mais alta que o resto. Além disso, ela estava no meio da arena junto comigo, então não teria onde e como se agarrar a algo para evitar de continuar subindo.
Deduzi que seu HP estava em um estado pior que o meu e não teria mais condições de continuar o combate. Então eu havia ganhado aquela disputa?
Isso não descartava também a possibilidade de ela ter morrido com a queda, o que me deixou bem aflito.
Entretanto, quando a poeira se dissipa, ela já estava em cima de mim com sua barra de HP praticamente quase cheia e a ira estampada em sua face! Sua velocidade avassaladora me encontrou em questão de um piscar de olhos.
Não dava tempo de desviar do seu golpe fatal!