Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne

Revisão: TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Nova cidade, Nova vida

Capítulo 9: Ideia Questionável

Era fim do primeiro dia dele na Elderlog High e dizer que as coisas iam mal na mente de Ryan seria falar pouco. 

Em pleno silêncio, o estudante cabisbaixo guardou livros e cadernos na mochila, jogando o objeto por cima das costas.

Não era difícil ver que estava recluso até demais.

— Ei… Não tem como a gente ter pegado muito pesado com ele, né?

Mark desviou o olhar rumo à sua companhia, à esquerda. Como resposta a isso, recebeu dela um jogar de ombros para cima.

— Não é problema nosso se ele não consegue lidar nem com isso — levantou-se. — Mas ainda tem mais uma coisa que eu quero testar.

Pegando a mochila, Lira admirou a falta quase completa de alunos na sala. Além deles, não restavam mais do que três e até mesmo esses já iam embora. Seu plano não seria problema.

— Ryan Savoia, — chamou por ele — venha conosco. Você tem uma bicicleta, não tem?

O rapaz novo ali tremeu a cabeça aos pés, apertando os dentes gesto de gastura, seu estômago se movendo e se revirando ao ritmo do tom tão frio.

— Tenho — respondeu como pôde, quase incapaz.

Se Mark fosse fisicamente assombroso, Lira era tão ou quanto em um nível bem mais profundo.

Olhar naqueles olhos sem hesitar perante sua firmeza e afiação era uma missão impossível. Em um nível psicológico, acostumou-se a olhá-la por baixo.

Foi difícil até mesmo virar de frente para ela, conforme falava.

Ele nunca se esqueceria daquele imenso terror que vivenciou, vindo direto dos olhos rosados.

— Vamos passar no mercado para pegar umas coisas e você vem com a gente.

Não era um pedido ou uma sugestão, e não seria aceita outra resposta além de “sim”.

— Ah, vamos lá! Deixa essa cara de lado! Olha só como essa tarde tá quentinha! Isso é raro aqui nesse meio de nada.

Mark saltou de sua cadeira em um movimento acrobático, girando uma vez no ar antes do impacto de seus pés contra o chão. 

Muito para o susto do Savoia, parou justo a menos de um metro de distância de seu ombro direito.

— Hehehe! — bateu de leve em suas costas algumas vezes. — Vai lá! Você vai querer vir com a gente. Vai ser mais legal do que andar por aí sozinho a essa hora, quando não tem ninguém na rua!

A Suzuki soltou um pouco de ar, negando. Mark sempre arrumaria um jeito de desfazer o peso de sua ameaça com alguma brincadeira idiota.

Não que isso não fosse efetivo, porém.

— Okay — confirmou apático.

Hell yeah! — comemorou sozinho. — Agora, vamos lá, tem uns cantos para te mostrar por aqui. Tu vai curtir conhecer a cidade com a gente.

Ryan deu um quieto aceno, já que não se sentia nem um pouco à vontade. Era muito mais uma questão de cooperar com aquela pressão avassaladora vinda dos dois.

— Vai, me diz! Eu sei que tu vai querer pegar umas coisas também. A gente sabe que tu não almoçou.

Ouvir isso fez uma singela reação de pânico aparecer em seu semblante, mas que não durou por muito tempo, voltando à apatia.

“Então cada coisa que eu faça tá sendo vigiada mesmo… É, a minha ideia não foi errada.”

Mark e Lira eram monstros de um tipo que nunca ele encontrou antes, criaturas capazes de se oporem diretamente a tudo aquilo em que acreditou, e que não hesitariam em pisar no seu mundo com tudo.

E era ainda mais frustrante saber que não havia o que se fazer a respeito deles, ou ao menos não enquanto ainda permanecesse em Elderlog.

“Joanne, é melhor você correr com isso, porque eu já não suporto mais ficar aqui.”

Podia ser qualquer lugar, contanto que não tivesse que lidar com isso.

— Vamos dar uma olhada no que tem de bom por lá. Se quiser alguma coisa, pode falar com a gente — o pálido sorriu, apontando para si. — Não precisa ficar tão fechado assim com a gente! Lembra? Somos uma equipe agora.

Decidiu ficar calado. No final, era fácil demais de se falar.

Não ficaria escuro até bem tarde, sendo esse um dos maiores diferenciais de se morar muito ao norte, então sair da escola às 15h não deixaria muita coisa a mais para se fazer.

“Oh, bem. Acho que agora que entrei nesse buraco, o melhor é só seguir o fluxo.”

Por mais que odiasse essa ideia e ainda tivesse tanto mais no que pensar, mordeu a ponta da língua, preparando-se para seguí-los até onde quisessem ir.

— Ah, então você tá vindo mesmo? Nice! Bora lá, pegar uns pacotões de nacho ou sei lá.

— Vocês nem sabem o que vão querer do mercado? — perguntou, levantando a sobrancelha.

— A gente vai ver quando chegarmos lá. Chega junto! Tu vai gostar de ir.

“Espero que sim…”

A animação de Mark saltando pelos corredores vazios como se fosse um jogador de basquete, gritando “ohoo!” a cada cinco segundos, o fazia questionar várias coisas sobre os dois.

“Em primeiro lugar… Há quanto tempo eles têm esses poderes? Será que é a mesma coisa que aconteceu comigo?”

Por incrível que a ideia pudesse parecer, ele tinha senso comum suficiente para saber que humanos não tinham superpoderes naturalmente. 

“Eu descobri os meus pouco tempo depois de acordar do coma que me arrancou as memórias.”

De repente, acordou com doze anos e sem lembrar de nada, o que trouxe um processo de adaptação difícil.

“Eu não sabia quem eu era, ou quem eram aquelas pessoas desconhecidas, me chamando de ‘filho’ e ‘irmão’.”

Se acostumar foi um processo custoso, mas sua falta de lembranças não foi a parte mais importante.

“Um dia, eu só descobri que podia fazer isso, simples assim.”

Acidentalmente descobriu um detalhe sobre Hannah ao tocá-la e com o passar dos dias, isso foi se tornando mais frequente, a ponto de adquirir controle consciente sobre o talento.

“Mesmo assim, no final, eu acabei não descobrindo nada sobre mim mesmo. Quem diabos eu sou…?”

— Olhos no caminho. — A voz de Lira o tirou do transe.

“Woah…!”

Por pouco desviou o próximo passo, impedindo-o de potencialmente escorregar em uma página de papel rasgado.

— É melhor olhar por onde anda, não tenho obrigação de ser sua babá — ríspida, completou.

Ryan mordeu os dentes em raiva, incapaz de fixá-la nos olhos. Para tentar se desfazer disso, ajoelhou para pegar a meia página do chão.

— Que cê achou aí? — Mark surgiu, espiando por trás.

— E onde você pegou essa bola de basquete? — Lira rebateu.

— Ah, isso… — girou a bola no indicador, extravagantemente. — Peguei por aí… Segredo!

— Típico... Típico…!

O terceiro decidiu ignorar isso e estudar o desenho que encontrou.

“Um sol?” Ah… Entendi. Era para ser uma paisagem inteira.”

Uma bola amarela feita por uma criança. No papel, amarelo e laranja se misturavam em um padrão circular irregular. Era fofo.

— É só lixo, nada demais. — guardou o resto da página em seu bolso.

Por algum motivo, sentiu que guardar seria melhor do que jogar fora, mesmo que não fosse valer de nada.

— Beleza, então vamos! — quicando a bola, Mark anunciou. — Pronto para apostar uma corrida de bike até o EveryMart?

[...]

Mais um fim de tarde calmo, tranquilo demais para se gastar acordado. 

Isso era o que pensava o homem que caminhava com seu cachorro.

O céu cinzento, cheio de carneirinhos, sempre chamava a atenção mesmo que comumente se repetisse. 

Não estava quente, mesmo para um dia ensolarado, e o frio era mais aconchegante do que agoniante.

Era como se nada pudesse arruinar aquela bela atmosfera. Ali, podia tomar o ar que queria depois de um dia estressante de colar panfletos sobre mais uma garota desaparecida.

— YEE-HAW…!

Mas, quando pensou que nada iria mudar o ritmo do dia…

— Relaxou demais, Ryan…! Nunca vai alcançar a gente desse jeito!

… Então um casal de estudantes passaram em uma única bicicleta, com o rapaz levando a garota na garupa. Os dois correram como o vento, fazendo uma descida arriscada pela leve ladeira.

O impacto do gesto foi suficiente para assustar o seu cãozinho.

— Hunf… Um dia só eu já estou tão cansado desses dois…

E logo seguiu um segundo rapaz, mais alto e de pele negra, não parecendo tão entusiasmado com a cena protagonizada pelos primeiros.

Na verdade, se ele tivesse que dizer, parecia cabisbaixo demais para alguém que deveria estar se divertindo.

Vinha em uma velocidade mais próxima do normal, parcialmente se esforçando para alcançar os primeiros. Ao chegar perto, esse rapaz parou.

— Foi mal — levantou a mão, apertando os lábios uns contra os outros.

E logo tornou o rosto para frente de novo, resumindo para a corrida que não aparentava ter a mínima vontade de vencer.

— Esperem por mim…! Eu não sei como andar nessa cidade ainda!

Eram coisas assim o que trazia a peculiaridade para esse fim de mundo; talvez um semblante de paz, diante do surgimento de uma nova e mais silenciosa guerra.

Quando se tinha tantas pessoas morrendo por causas obscuras e desaparecendo como água de chuva no dia seguinte, cada pequeno instante merecia ser aproveitado.

[...]

— Bem, Ryan… Aqui estamos nós! Seja bem-vindo ao EveryMart!

“É, Mark… Eu sei o que é um EveryMart…”

EveryMart era uma rede nova de supermercados que surgiu há dois anos. Eles não tinham muitas lojas, mas pelo menos um quarto dos estados nos EUA tinham um.

A coisa que mais o surpreendeu era ter um desses em um lugar tão pacato quanto Elderlog.

— É aqui que a gente compra as coisas. Tem mais algumas lojas menores, mas é esse lugar que tem mais variedade e qualidade aqui. Agora tu já sabe onde vir para comprar teus ovos ou sei lá!

— Certo…

Era uma construção grande o bastante para se destacar e muito nesse fim de mundo, com um letreiro verde doloroso aos olhos. 

No momento, não muitas pessoas entravam ou saíam.

“Eu não me surpreenderia se isso vier a falir em alguns meses. É grande demais para ser sustentado em um lugar assim.”

O lugar ficava na Cedar Street e não era longe da Elderlog High, bastando só uns dois ou três minutos de bicicleta para chegar lá.

— Mas então, vamos entrar ou não? Faz frio demais para ficar aqui que nem um poste. — Lira se manifestou, cruzando os braços.

— É, vamos lá! Só pegar o que a gente quer e ir embora. Prende tua bike aí e vamos, Ryan!

— Tá bom.

Isso foi feito e os três entraram no lugar, de pronto abalados pela imensa mudança de temperatura vinda da pilha de aquecedores.

— Então… Próxima parada: corredor cheio de besteiras! Quantos tipos de doce com o mesmo sabor e marcas diferentes será que a gente vai achar? E quantos vão ter gosto de morte com açúcar?

O comportamento infantil de Mark o fazia pensar em tudo pelo que foi colocado logo no primeiro dia. 

Seu modo de ver o mundo era simplista superficialmente, mas ainda assim passava a impressão de ser tão responsável.

Por mais bobo e vão que fosse, ainda assim conseguia ser um líder, alguém respeitável o suficiente para convencer uma alma tão dura quanto a daquela garota ao lado a segui-lo.

— Sim, vamos. — A Suzuki confirmou, passando a acompanhá-lo.

“Ela tava… Sorrindo…?”

Lira não hesitou em seguir seu passo e não parecia ter vergonha de ser associada com alguém daquele naipe de humor, algo quase paradoxal.

“Bem, acho que só me resta seguir eles…”

Apertou seu passo, perpassando pelas várias fileiras cheias de produtos organizados, o que deixou ver a falta quase geral de movimento no lugar.

Nada além de algumas donas de casa e outras pessoas ocupadas. De vez em quando, via um funcionário repondo alguns produtos ou reorganizando algumas coisas.

“É melhor eu procurar por eles antes de perdê-los de vista.”

E assim, focou no caminho, caçando por aí até ver os dois no meio do corredor de guloseimas.

— Ah, e aí, Ryan! Demorou!

Lira o fitou de modo frio, expressando seu descontentamento.

Se aproximou deles, ficando os três vizinhos a uma prateleira cheia de incontáveis variedades de chocolates, doces e barras de sabe-se-lá-o-quê.

— A gente tá aqui decidindo o que vai pegar… Não fica aí só olhando! Pega alguma coisa para você também!

— Ah, quanto a isso…

Não tinha interesse em nada e só seguia aqueles dois porque sim. Nenhum dos nomes nas barras de puro açúcar e gordura lhe chamavam atenção e, mesmo que o fizessem, havia mais um problema.

— Sem dinheiro — jogou as cartas à mesa.

Se tivesse que estar em bons termos com esses dois, não hesitaria em fazer, já que quanto antes adquirisse confiança, mais rápido deixariam de espiá-lo e enfim poderia ter paz. Era simples assim.

Pegar as coisas que eles quisessem e ir embora, com o pequeno bônus de conhecer uma utilidade na cidade. Não era tão ruim assim, no final.

— Ah, Ryan… — começou Mark. — Eu acho que você não entendeu…

Eles com toda certeza não iriam pagar a parte dele e nem queria arriscar perguntar, então ter ouvido isso o fez levantar a sobrancelha em dúvida.

“Não… Eles não podem estar falando disso…!”

Mark olhou depressa para os dois lados do corredor, certificando-se de que não havia ninguém vindo. 

Ao confirmar, ele e Lira trocaram um aceno e abriram suas mochilas. Foi ali que ficou claro o sentido bem mais literal da expressão “pegar umas coisas”. 

Eles não planejavam pagar pelo que pegassem.

— Vocês dois não estão falando sério…!

— Que foi? Vai me dizer que nunca pegou nada escondido de uma loja só porque sim? — perguntou Mark, entupindo a bolsa de guloseimas. — Se diverte, cara! Vive a vida um pouco!

Ele não acreditava no que via. Ali, no meio de onde poderiam aparecer várias pessoas, esses dois enchiam o espaço vago das mochilas com pilhas de doces, se divertindo muito com isso.

“Eu estava errado…! Eles não são responsáveis coisa nenhuma…!”

Olhando um pouco além, via que Lira era ainda mais veloz do que Mark, usando da inteligente estratégia de pegar vários de uma única coisa ao invés de ficar escolhendo cada um.

“Esses dois só estão fazendo o que querem e me colocando nisso…!”

Ryan sabia melhor do que isso e se tinha uma coisa a se fazer, isso era se afastar daqueles dois.

“Eu só tenho que sair desse corredor e…!”

— Hey! — uma voz masculina firme chamou pelo trio. — Parados aí mesmo, seus bandidos!

“Oh droga…!”

O homem de uniforme verde com a logo da loja puxou do bolso um walkie-talkie e apertou um botão.

— Alerta de roubo na sessão de guloseimas! Alerta de roubo! Os ladrões estão na loja e não estão armados! Fechem as portas! Fechem as portas!

O que ele menos queria acabou de acontecer de novo, agora, em uma escala muito maior.

— Ah, mas que merda…! — deixou-se falar alto, escutando o som do alarme soando por toda a loja. — Eu sabia que seguir esses dois não era boa ideia…!

Depressa, o funcionário correu para a entrada, deixando os três como belos alvos para um chamado da polícia.



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