Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Nova cidade, Nova vida

Capítulo 6: Ego

“Esses dois…”

Mark Menotte e Lira Suzuki, dois enigmáticos novos personagens em sua história de vida, surgindo para destruir tudo em que acreditou.

— E então, o que vai fazer? — questionou Lira, de braços cruzados. — Escolha bem o que vai querer daqui em diante.

Vacilou. Em segundos tão longos, toda a breve história de vida cortou pela mente, levando-o a cada momento. Podia não ser a melhor escolha, mas, a única solução que encontrou era também a mais bárbara.

— Eu não faço a menor ideia do que vocês estão pensando… Mas eu ainda vou tomar as minhas chances nessa…

O Savoia, visivelmente temeroso, ergueu os braços um pouco trêmulos. Em medo, enrijeceu a musculatura para não dar a impressão de estar intimidado.

Porém, inegavelmente, o que ele mais sentia naquele segundo e nos próximos que se seguiram, era o horror. Estava assustado como nunca antes em sua vida.

Afinal, nunca se deparou com outras pessoas que detinham do mesmo talento.

Aqueles dois tinham também seus próprios poderes, capacidades assustadoras e sobre-humanas, capazes de fazer qualquer um tremer diante da urgência em encarar de frente.

E acima de tudo, significava para Ryan algo que pouco chegou a pensar: a realidade de que tudo o que conhecia estaria tão perto de ruir.

“Eu preciso me impor aqui”, pensou, mantendo a postura.

Do outro lado, foi recebido com uma alta e desordenada risada por parte de Mark. De acordo com o que presenciou, era quem carregava a liderança da dinâmica de dupla.

O tipo mais perigoso de comandante: o que dava calafrios legítimos em quem o confrontava.

E o que falar de Lira? Uma parede ilegível, fria e bela como uma estátua grega, de uma antipatia ambos graciosa e violenta.

Os dois eram muito perigosos.

— Vem cá, cara, e deixa eu te dizer um negócio… Esquece dessa ideia! — Mark gritou, sorrindo um pouco no começo, progressivamente mais ameaçador. — Tomar a sua chance? Tá achando mesmo que vai conseguir, rapaz?

Ryan pisou no chão destruído da quadra de esportes, espalhando pedaços da madeira degradada por alguns lugares. 

Tudo o dizia que aquela era uma luta válida, que tinha o dever de tomar. Precisava proteger seu mundo e sua verdade.

— Eu não vou descobrir sem antes tentar — respondeu sem hesitação.

Outra risada de Mark, desta vez, sem a menor intenção de poupar.

— Perfeito…! Se quer tanto assim apanhar, então pode vir! A gente até tentou ser legal contigo, mas… Parece que vamos chegar onde eu mais queria mesmo! — Mark estalou os dedos ao terminar, exibindo seu entusiasmo.

— Tentaram ser legais comigo?! Acham mesmo que me nocautear e me amarrar foi tentar ser legal comigo?!

— É, foi sim. A gente poderia ter feito pior, sabia? Tipo o que vai acontecer agora, se você não parar antes que eu resolva amassar essa sua cara! — anunciou, sorrindo um pouco mais. — Não é mesmo, Lira?

— Não me envolva em mais uma das suas babaquices — repudiou, cruzando os braços e tomando distância. — Seja o que tiverem de fazer, façam logo. Eu só quero sair daqui de uma vez.

A garota inexpressiva e aparentemente desinteressada caminhou para as apodrecidas arquibancadas de madeira e sentou-se ali, sem fazer nada, dando a si mesma o posto de observar.

Ryan tomou aquele gesto como certa zombaria, logo pensando em questioná-la. 

Mas antes mesmo que pudesse abrir sua boca para falar qualquer coisa, a resposta veio. Lira o enviou um encarar tão frio quanto o gelo e disse tudo o que precisaria ouvir.

— Não entenda errado, Ryan Savoia. Não estou lutando porque não quero e por não ser necessário. Ter você lutando contra nós dois seria o mesmo que colocar uma criança recém-nascida para competir com um atleta olímpico em uma prova de velocidade.

Seus olhos brilharam com um estranho tom de rosado e no instante em que tal visão foi processada, Ryan vivenciou o maior terror de toda a vida.

— Você não pode vencer. Não existe sequer a chance disso.

Passada a sua proclamação, Lira recostou-se na arquibancada, mesmo assim mantendo impecável postura retilínea e pernas cruzadas como as de uma imperatriz. 

Sujar as mãos era um trabalho de Mark e, para ela, isso sempre foi mais do que claro.

— E então? Vai ouvir a garota e cuspir tudo o que sabe? — Mark questionou. — Ou vai querer partir para o lado difícil da coisa?

Ryan se sentia apreensivo como nunca. Mesmo que se recusasse a admitir, as palavras de Lira soaram reais em sua mente. 

Todavia, resolveu ainda confiar em si mesmo e na chance que teria, sabendo que só tinha que passar por cima do estudante.

— Ainda assim… Eu vou testar minhas chances.

Mark sorriu, rindo um pouco de jeito maníaco.

— Ótimo…! — O pálido exclamou. — Eu bem que queria bater em alguém mesmo, sabia? Especialmente um idiota como você…!

Mark, ao finalizar com um grito de combate, rumou com toda a velocidade na direção de Ryan. O Menotte rebaixou-se e, fazendo isso, olhou para cima, permitindo com que o Savoia visse tudo.

Olhos vermelhos e brilhantes, como luzes de emergência de uma placa de saída, somadas a um sorriso louco, indicativo de que estava preparado para ir longe.

E essa previsão não foi no mínimo infundada.

— Você não deveria deixar a sua linha do queixo tão desprotegida…! — exclamou, lançando um veloz gancho na direção dos braços em postura de Ryan.

“Ele é forte…! Forte demais…!”

Um mero soco quebrou a guarda frágil, que depressa o rendeu a um futuro golpe. Mark surgiu na sua frente, correndo como um raio, sorrindo como um psicopata.

Não pensou muito — já que sequer tinha como — e notou que precisava, com urgência, de criar uma proteção para si.

Ele tinha de revidar.

O rapaz chamou por seus próprios poderes. Por um segundo, o ultravioleta e o infravermelho se encontraram em uma explosão de brilho e cor que tomou tudo.

E então, dor.

— Relaxou demais! — O portador do brilho rubro afirmou, tendo o socado no estômago. — Eu sei que eu sou bonito, mas não é para tanto, né?

Ryan recuou em imenso sofrimento ao receber aquele ataque, mantendo um agarro firme na região próxima ao plexo solar, capaz apenas de raciocinar sobre o quão veloz era Mark.

“Isso foi muito rápido…! Esse Mark não é só forte e sabe lutar… Parece que tudo nesse cara foi feito para brigar!”

Mas não poderia se entregar tão facilmente. Mesmo sabendo das consequências de se movimentar com um corpo abalado desse modo.

“Eu raramente uso isso, mas agora vai ser uma boa hora”, preparou mentalmente. “Vai vir a calhar, mesmo que só um pouco.”

O Savoia usou de seu talento para temporariamente impedir a formação de memórias de dor, ao menos pela duração do combate.

— Sem chance de que eu vou ficar parado e deixar você me levar assim… — exalou ar em volume enquanto tentava se reerguer, ainda um pouco tonto.

Ele deixou pronto um soco de sua própria autoria e o mirou no olho esquerdo de Mark, esperando gerar grande dano.

— ... Mas o quê?!

A imagem do pálido diante dele sumiu como estática de televisão ao ser tocada pelo punho. A figura se esmiuçou, dissolvida no ar em partículas acinzentadas.

— Bom golpe! — Uma voz falou por trás de si. — É só uma pena que passe longe de ser o suficiente.

Girou o pescoço para obter o campo de visão que o permitiria presenciar a realidade: a de que o verdadeiro inimigo estava atrás dele.

— Você não vai conseguir encostar em mim e limpar as minhas memórias. O seu ponto fraco é esse espaço e a incerteza que existem entre mim e você!

O acertou mais uma vez, desta vez com um chute. Um choque intenso de puro sofrimento físico cortou todos os tecidos dele, emanando dos intestinos.

Em questão de um mero segundo, sua boca se preencheu com muco espesso, pronto para ser cuspido.

— E afinal, você não sabe lutar. Eu deveria saber que você era só um moleque mal-acostumado a ter tudo o que quer — cruzou os braços e olhou para baixo, menosprezando-o. — E olhe que eu nem comecei a brincar…

O Menotte fez seus olhos brilharem com mais vigor, gerando uma nova distorção visual. Em menos de um segundo, sumiu, trazendo um pesadelo ao mundo.

“Que lugar é esse…?”

Ergueu seu campo visual, ainda agonizando internamente. Ajoelhado, inspecionou o espaço que já havia deixado de ser mesmo remotamente semelhante à quadra poliesportiva.

Era uma estação de metrô, entretanto, o que chamava atenção era o único aspecto que remetia à quadra: o lugar estava igualmente decrépito.

Luzes apagadas quase por inteiro, com apenas uma única lâmpada amarela cintilante, que vacilava, cada vez mais, ameaçando se apagar e deixá-lo na escuridão completa. 

Os barulhos elétricos tomavam a região e as faíscas iluminavam as estruturas avariadas e enferrujadas que compunham a entrada dos cartões.

Por fim, ferro velho é corroído pela água que se somava em poças, em conjunto com a ação do tempo.

A tintura azul da parede, decaída, revelava a estrutura fortificada de tijolos. Nestas mesmas estruturas, os vários expositivos nas paredes perdiam cor.

Até mesmo um eco realista o espaço gerava e qualquer simples manifestação de som se espalhava infinitamente, rumo à profundidade dos túneis.

Catracas com seus braços destruídos, sistemas desativados e com cabos escapando por cada ponto, uma lixeira repleta de restos de tickets e até lodo, em um semblante cadavérico.

Poderia até mesmo ser uma ilusão, mas era realista demais, a ponto de se duvidar ter sido manufaturada por uma mente humana.

— Esse lugar…

E foi então que percebeu. Não estava mais ajoelhado sobre a plataforma e tampouco via o espaço que se estendia, sempre escuro. 

A tintura azul deu lugar à cor do concreto e a iluminação vacilante se distanciava.

Não conseguia ver muito, ao menos que elevasse seu rosto e, mesmo assim, as plataformas laterais o restringiram de ter boa percepção.

A água sob seus pés se movimentava, ondulando e fazendo barulhos, ampliados a cada momento, tornando-se mais violentos, em um oceano tempestuoso.

Foi tudo questão de um piscar de olhos.

E quando viram a iluminação de novo…

— A luz desse lugar não era tão forte assim…

E então, o som do trem chegou aos ouvidos, pronto para atingi-lo e esmagar seus ossos por inteiro.

Pew!

Tudo o que sentiu foi um leve, mas ainda assim doloroso soco na lateral esquerda do rosto.

Ele saltou em puro horror, olhando para ambos os lados, assombrado com a mera possibilidade do trem ainda estar lá. Demorou um tempo considerável até “descobrir” ter voltado à quadra.

O choque do veículo, no fim, não passou de um peteleco na testa.

— E aí? Gostou da viagem? É... Talvez eu tenha exagerado um pouco demais nos efeitos… — Mark, que estava lá também, o questionou com um sorriso.

“Eu… Eu fui vencido…”

Olhou para suas próprias mãos, de certo modo ignorando a dor, reconhecendo ser impotente quando comparado a ele.

Ele não tinha mais o ímpeto para lutar e sentia que, mesmo que pudesse, não o faria. Ryan Savoia era simplesmente fraco demais para lidar com aqueles dois.

Afinal, não havia sequer conseguido tocar um único fio de cabelo dele.

— Eu… Eu desisto. Vocês venceram.

As palavras saíram como afiadas lâminas, que escalaram a garganta. Não era como se quisesse admitir a derrota, mas a vitória era inviável sob aquelas ou quaisquer circunstâncias.

E foi forçado a assistir à morte de seu orgulho tão particular.

— Hah! Ouviu isso, Lira? O cara que disse que iria tomar suas chances contra nós acabou desistindo! — Mark dirigiu-se à garota, que havia se levantado de seu lugar e caminhava em direção aos dois.

— Pode parar aí, Mark. — De modo firme, determinou. 

Lira então, séria como sempre, rebaixou-se, ajoelhando-se frente a Ryan, que olhava para o chão, cabisbaixo.

— Satisfeito com as provas que recebeu? Aproveitou a oportunidade de “tomar suas chances”, assim como queria? — questionou secamente. 

A adolescente de olhos como cerejas elevou o rosto dele com sua própria mão direita, forçando-o a encará-la.

— Olhe para mim — demandou. — Você olha para as pessoas quando elas estão falando com você.

A entonação robótica era estranhamente reconfortante e em certo ponto, Ryan começou a suspeitar de que estaria sendo influenciado por algum tipo de fator externo.

Não era como antes. Aquele conforto não era comum de se sentir, muito menos normal. Apenas estar na proximidade da figura de Lira o deixava em plena satisfação interior.

— Não queremos brigar, por mais que isso tenha sido o que pareceu e não estamos interessados em nos opormos a você, também — começou, falando compassadamente. — O fato é que ter seu poder do nosso lado seria bastante útil.

E foi então que viu as pequenas estruturas ao redor dela. A visão não durou muito tempo, tampouco foi muito nítida, mas, ainda assim, as viu.

Haviam dezenas de pequenas bolhas, de várias cores diferentes, todas ao redor dela.

— Ambos os nossos lados têm perguntas e carecemos de respostas. Acredite quando eu disser que fomos tão pegos de surpresa quanto você. Por isso tomamos medidas drásticas.

As bolhas estouram contra a pele dele, sem deixar sensação ou marcas… Ao menos, não visíveis.

— Queremos propor um acordo com você.

Ergueu-se, mantendo-se ao lado de Mark, que até então só observou.

— Vamos nos tornar uma equipe.



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