Uma Cidade Pacata – Nova cidade, Nova vida
Capítulo 5: Sequestro
“Ugh... Onde…”
— Acho que batemos um pouco forte demais na cabeça dele... O cara não dá nem sinal de que vai acordar...! — A voz masculina e brincalhona se destacou.
“Onde eu... Onde eu estou...?”
— Se acalme. Não dá para causar uma concussão tão pesada assim só com um livro. Inclusive olhe ali, ele já está acordando. — E foi respondida por um tom forte e feminino, mais sério.
Aos poucos, a consciência voltava ao seu corpo. Não sentia toda a força em seus membros, e a luz fraca daquele espaço não deixava enxergar. Começou movimentando os dedos, tentando lembrar.
“Eu... No banheiro... Sangue saindo da torneira…”
Tudo se tornava mais claro, e as memórias passaram a acelerar dentro de sua cabeça. O fluxo acelerado dos eventos evocou energia que nem mesmo sabia ou sentia ter, levando seus sentidos a um solavanco.
— Onde... Onde eu estou?!
Ryan desesperadamente tentou se mover, apenas para sentir-se preso a algo. Não conseguia dividir seus punhos, e tampouco, ficar de pé. Em seus pulsos, sentia cordas firmes roçarem contra a carne.
O lugar em si era decrépito — uma quadra poliesportiva detonada pelo tempo —, tomado por sujeira e com ferrugem comendo as barras de proteção, descamando a tintura verde. Olhar para o chão revelava o foco luminoso de um buraco ao centro do teto, como luzes de palco.
Ali, entre a madeira apodrecida, plantas rasteiras irrompiam, se rastejando sob a luz quente. Poças d’água eram visíveis em toda vizinhança, assim como lixo plástico e uma bola velha e desinflada, de basquete.
Despertou amarrado em uma das barras metálicas que, embora velhas, ainda eram sólidas. Não adiantava se debater, já que por mais que tentasse, as fortes amarras não cederiam.
— Ora, ora! Olha só quem acordou todo cheio de energia!
A primeira voz foi outra vez ouvida. O eco do grande ginásio não o deixava entender precisamente de onde vinha, então olhou para o primeiro canto mais escuro que viu.
— Quem é você?! Apareça!— demandou em pânico. — O que fez comigo?!
— Com você? Ah, não planejamos fazer nada! Apenas... — parou, dramático, gargalhando de fundo. — Queremos fazer umas perguntinhas para ti.
Todo o corpo de Ryan tremeu diante da revelação de sua localização. Espontaneamente, todo o eco antes onipresente sumiu, acumulado em um único ponto, conforme a figura deu um passo para a frente.
Ele se colocou sob a luz ao centro, assumindo o controle do palco. Em questão de um mero segundo, era como se absolutamente tudo houvesse mudado.
— Então senta aí, e nem se preocupa em gritar, já que ninguém vai te ouvir daqui. Estamos do outro lado da escola, ainda é hora de aula, e eu não sei se você já percebeu, mas...
O rapaz pálido pisou firme no chão. O gesto não apenas fez um eco enorme de impacto tomar o espaço, como quebrou um pedaço grande da madeira.
— O pessoal da escola já não vem aqui dentro já fazem uns anos, mas isso é só uma recomendação amigável. Se ainda assim quiser testar sua sorte... Então, quem sabe alguém te ouça?
O sarcasmo em sua voz conforme deu de ombros e sorriu era perturbador. Chegou ao exato centro da luz em passos leves, dirigindo o rosto para a esquerda.
— Eu já dei o meu monólogo aqui. Vai querer dar a sua palhinha para ele também? — gargalhou um pouco ao final. — Vamos, não seja tímida! Eu sei que você tá doidinha para vir!
Embora estivesse em uma situação terrível, algo em Ryan o forçava a assistir à exibição. Não sabia se devia mesmo sentir-se assim, mas não encontrava ímpeto para ter medo ou raiva.
“Eu... Estou calmo demais para uma situação de sequestro…”
Tocaria seu peito se pudesse, mas mesmo incapaz disso, podia afirmar com certeza que seus batimentos estavam normais. Ironicamente, seria fácil para ele dizer que nunca se sentiu tão calmo em sua vida inteira.
Havia algo bizarro por trás, e sabia disso. A diferença é que não podia se importar menos.
— Se sente um pouco mais calmo? — inquiriu a voz feminina de antes, se fazendo potente e direta. — Não queremos nenhum tipo de alvoroço aqui.
O rapaz em situação de refém não entendia o sentimento de imensa tranquilidade, mas somente de olhar para a garota, pôde afirmar que ela era a fonte daquilo.
— Vamos correr com isso, Mark… Estou com fome — disse, mantendo um olhar fixo para frente. — Não quero perder mais tempo do que o necessário nisso.
Tudo o que Ryan sentia ao olhá-la era uma imensa tranquilidade, como se a própria jovem irradiasse tal sensação, e mesmo com aqueles olhos rosados, tão afiados quanto lanças o olhando fixamente, esvoaçava em um oceano de espuma.
— Ah, agora tô vendo o que você fez... Deixa de cortar o meu barato! Eu tava gostando de ter que lidar com ele desesperado! — O rapaz pálido protestou, apontando o indicador para ela.
— Apenas fiz o que seria necessário para evitar uma situação desagradável — cruzou os braços, evitando-o.
— Lira, nós somos super poderosos! Não tem como criar uma situação desagradável!
Ouvir tais palavras causou enorme espanto no novato, que quase imediatamente recuperou sua situação original; ao menos em parte, já que ainda se via afetado pelo feitiço estranho.
“Espera... Isso que tá acontecendo comigo…”
Passou a mão sentir as pontas de seus dedos, e de repente, o coração apertou e a garganta travou.
Não tinha como ser. Não podia ser.
— Ah, acho que ele já entendeu o que tá acontecendo aqui...! — O garoto risonho e brincalhão cruzou os braços. — Isso já vai facilitar as coisas para a gente!
— Hmph. Meus métodos sempre são mais efetivos — rebateu a garota séria, afiando sua visão. — Vamos começar logo com isso.
“Espera aí... Esses dois... disseram isso mesmo...?”
A secura em sua garganta não o permitiria falar, então os pensamentos catastróficos corriam a mil por hora. O novato com capacidades especiais não sabia sequer o que refletir sobre nos segundos de aproximação.
“Esses dois estão vindo aqui... O que será que vão fazer comigo...? Nunca me encontrei com outros iguais a mim...!”
Foi quase instintivo; nenhum dos dois precisou abrir a boca e falar diretamente, mas no segundo em que os viu, Ryan soube…
... Que esses dois eram como ele.
— Você deve estar se perguntando como chegou aqui, eu imagino — começou seu pequeno discurso. — Lira, você se importa em dizer?
A garota se abaixou um pouco na escuridão, parecendo pegar algo. Em segundos, voltou com um grande livro intitulado “Quantum Physics, 37th Edition”.
— O que vocês fizeram comigo...?! — Ryan prontamente se obrigou a perguntar, olhando para os dois alternadamente, evocando o sorriso do de olhos vermelhos.
— Não é óbvio? Ela te nocauteou com essa pilha de conhecimento, acertando você bem na cabeça...! — apontou para o livro, rindo um pouco no final. — Olha, não achávamos que esse livro bastasse, mas é como dizem: O peso do conhecimento é um dos maiores para a humanidade… E eu acabei de criar essa!
Os dois se aproximaram até ficarem igualmente equidistantes de Ryan.
— O que foi? Confortável nestas amarras? Espero que sim, na real. — O menino perguntou. — Não se preocupa... Talvez a gente tire você daí! Ah, e por falar nisso, meu nome é Mark... Mark Menotte.
Mark se apoiou no ombro da garota, que rejeitou o gesto. Lira “ejetou” prontamente a mão de seu ombro, cruzando os braços de um jeito sombrio.
— Eu não te dei a liberdade de me tocar assim — mostrou brevemente os dentes. — De qualquer forma, vamos acabar com isso. Estou com fome depois de todo esse planejamento maluco. O meu nome é Lira Suzuki.
Na primeira oportunidade que teve, direcionou seu rosto para o que parecia ser a entrada do lugar e, em um grito alto, tentou fazer com que o mundo soubesse de sua situação.
— Socorro...! Acabei de ser sequestrado por um par de loucos...! Alguém me ajude, por favor! — O novo aluno tentou gritar.
Seus esforços infrutíferos apenas impulsionaram seu sofrimento após longos trinta segundos sem resposta alguma se passarem.
— Eu te disse que não ia dar em nada, né, bestão! — Mark revirou os olhos, gesticulando com a direita.
O que mais deixava a vítima desconcertada era o aparente regozijo dos dois no ato. Mark e Lira pareciam, mesmo de modo oculto, se divertirem.
— O que vocês querem de mim...?
— Excelente, você parece ter uma noção mínima do que está acontecendo aqui. — Lira deixou-se ser ouvida. — Isso por si só torna o processo muito mais fácil.
Dirigiu um olhar frio, que pareceu perfurar o próprio coração do menino. Ali, percebeu o quão orientais eram suas feições, tendo olhos pequenos e afiados.
A sensação experimentada por Ryan nesses segundos foi a de uma mão gelada apertando com força aquela parte do corpo, dentro do peito.
— Temos algumas coisas para discutir, Ryan Savoia. — A menção do nome o surpreendeu. — Vamos fazer algumas perguntas, se isso não incomoda.
— Claro que incomoda! Estou amarrado, vocês dois são provavelmente um casal de maníacos e... E... Isso... De novo...
— Você se sente mais calmo agora? Fui eu quem planejou interrogar, mas se quiser culpar alguém pelas amarras... — Lira olhou para Mark, um pouco descontente com tudo.
— Oh, eu não sou tão ruim! E amarrá-lo foi uma boa ideia, admita! — Mark respondeu, apontando o dedo.
— Vamos tentar não desviar do foco aqui. Ryan Savoia, como eu disse, temos algumas perguntas a fazer.
Essa sensação estranha continuou a enchê-lo desde então. Mesmo amarrado e em uma situação perigosa, experimentou paz interior extrema. Se sentia muito tranquilo, mesmo quando deveria estar longe disso.
A experiência se comparava a estar drogado com vários tranquilizantes.
— Ryan Savoia, sabemos que você foi o responsável por um acontecimento bastante peculiar esta manhã. Indo direto ao ponto, foi você quem apagou a memória de Charles Vincent, aluno Sênior, esta manhã, não foi?
Ryan engoliu a saliva acumulada. O silêncio do lugar fez com que o som ecoasse por toda a estrutura.
— Memórias apagadas? O que você quer dizer com isso? As pessoas não conseguem apagar memórias... O que te faz pensar que eu fiz isso?
Foi uma jogada desesperada e óbvia, mas talvez estivesse errado a respeito desses dois?
— Isso é um fato. A maioria das pessoas pensa que não existem superpoderes e isso é uma coisa normal de se supor — afirmou. — Que tal mostrarmos a você, se for o caso? Mark, é com você.
O Menotte aceitou de bom grado a responsabilidade, estalando as vértebras de seu pescoço, para surpresa dele. Tomou sua porção de ar e expirou depressa.
— Na hora! Ei, novato! Olha isso aqui e me diz o que você acha!
Os olhos de Mark brilharam intensamente em um tom vívido de vermelho, mirados para o fundo de sua alma. Sem saber o que esperar, Ryan assumiu uma instância defensiva.
De repente, as sombras nos cantos da sala tomaram forma e se expandiram, criando grandes mãos com garras afiadas. O nível de luz mudou radicalmente e tornou-se errático. Gradualmente, as garras da escuridão escalaram até o teto, projetando-se lá.
Em questão de segundos, dezenas se formaram, correndo em todos os cantos, procurando por algo. Ryan olhou em volta, sem saber o que deveria estar assistindo. Foi então que, no ápice daquele vórtice de luz e sombras, tudo se juntou em um ponto.
A própria sombra de Ryan foi agarrada por todas as mãos, erguida assustadoramente do chão, materializada.
E em um piscar de olhos, foi destruída pelas muitas outras, reduzida a nada.
Foi como uma tempestade: apareceu violenta e repentinamente, e desapareceu da mesma forma.
Ryan novamente engoliu o conteúdo de sua garganta e perguntou:
— Isso... Não é real... Certo...?
— Você é real. Nós também somos. — Mark se aproximou de sua companheira e, cheio de si, fez seus olhos pararem de brilhar.
— Você deve reconhecer isso, não? Temos habilidades especiais, as mesmas que você. Esses poderes, coisas que ninguém mais pode fazer, e você acabou de ter uma prova disso, aqui e agora.
Ryan nunca tinha visto outra pessoa com esse tipo de poder. Em sua mente, até aquele ponto, ele era e deveria ser o único capaz de fazer algo assim.
Mas, de qualquer forma, não restou dúvida alguma e isso era o que mais o confundia.
— O que planeja fazer a partir de agora, Ryan Savoia? Como sugestão amigável, sugiro que se renda antes que iniciemos um conflito.
Era como se o próprio mundo do rapaz estivesse ruindo. Tudo em que acreditou até o momento foi reduzido a cinzas pela revelação ali feita, onde cada única ideia via seu fim no abismo desse estranho desespero.
Não existia mais a solidez da crença de ser especial, de se ser único, e em meio ao turbilhão de sentimentos pelo qual passava, pensou que existia apenas uma coisa a fazer.
Seus punhos foram desamarrados de um modo que não viu ou sentiu até já ter ocorrido. Ele não queria aceitar isso.
Ryan Savoia colocou-se de pé, ciente do que iria fazer.