Uma Cidade Pacata – Nova cidade, Nova vida
Capítulo 2: Experimento Social
— Esse maluco… Eu não tô acreditando que ele chamou o Vincent para brigar…!
A intersecção entre os dois corredores se fechou com os estudantes, acumulados para assistirem ao ato de coragem do novato. Apontavam para eles os seus celulares, sussurrando entre si acerca de quem seria o ganhador.
O sujeito em suas frentes não tinha o melhor aspecto, parecendo um tanto antipático, mas a opinião geral era a de que não deveria ser pior que um dos maiores babacas da escola.
— O que tu disse? Fala isso de novo!
— Por acaso tu é surdo, cara? Para quem tem essas orelhas tão grandes e mesmo assim não escuta direito… Deve ser sujeira!
Sua audácia tirou reações surpreendidas do pessoal. O novato não queria saber de ter que lidar com aquele tipo de gente e deixava isso bem claro.
“Mas o que eu quero saber é se essa cara dele vai ter a mesma coragem depois que levar uma porrada do Vincent”, pensou uma garota a gravar.
O desconhecido o tolerava com seu olhar e isso irritava Vincent, fazendo-o ter a crescente vontade de arrancar uns dentes da boca do maldito.
— AQUI NÃO É A TUA CASA, CARAMBA…!
Em uma investida, preparou um soco direcionado ao rosto do afrontador. Ambos podiam até compartilhar da mesma altura, mas Vincent era mais musculoso e, claramente, mais experiente.
O seu oponente caiu antes mesmo de poder reagir, sentindo o sabor de seu próprio sangue. Um golpe lhe bastou para que acabasse no chão.
Tudo indicava não ter sido capaz de fazer valer as suas palavras enormes.
— Hah! Foi querer falar demais… Só vem para passar vergonha!
Os outros alunos não pareciam tão decepcionados, embora esperassem que ele tivesse lutado um pouco mais. Não era qualquer um o capaz de sobreviver a Vincent, então poderiam até perdoá-lo depois.
“Esse cara vai acabar virando alvo de chacota aqui dentro”, imaginou um rapaz, um tanto surpreso com a rápida derrota.
O baderneiro não media suas forças sob qualquer circunstância e por isso, ninguém se atrevia a mexer com ele. Se qualquer coisa, o exemplo do novato os lembrava do futuro que os esperava caso tentassem.
— Olha só isso aqui que eu encontrei…! Vamos dar uma olhadinha e ver quem é o nosso mais novo amiguinho!
A queda fez cair a identidade de seu bolso, logo capturada pelos dedos ágeis de Vincent, que analisou em zombaria a imagem daquele que acabou de derrubar.
— Ryan Savoia…? Mas que nome merda! Parece nome de árvore…!
Alguns dos demais riram com a proclamação, muito apenas seguindo o fluxo, já que se ali havia alguém preocupado com o rapaz atirado ao chão, tal pessoa estaria entre um dos mais calados.
“Para onde quer que eu vá, sempre acabo me deparando com esse tipo de lixo…”
Ryan engoliu o misto de saliva e sangue, em repulsa pelo próprio gosto férrico. Ele amargou o golpe, acumulando força para tentar se levantar.
— Que foi? Falou demais, né? Ainda vai querer levar outra? Eu não tenho problema nenhum com dar mais um.,.!
“Ele tá mesmo gostando disso, né? Do impulso da fama e a graça da platéia…”
Se levantou, para encontrar com o semblante sorridente de seu agressor, ao mesmo tempo que percebeu o quanto a situação havia evoluído.
— E aí, Ryan Savoia — perguntou em tom de zombaria —, não tem nenhuma história legal para nos contar dessa tua foto horrível aqui? Não que tu seja muito mais bonito…!
Amassou o documento de identificação, esmagando-o como se fosse nada. Por todos os lados, houveram apenas demonstrações de animação e surpresa.
“Os gringos sempre pensam que isso é exagerado, ou que é coisa de se rolar só em séries e filmes.”
A plateia o tinha como campeão ao passar do primeiro golpe e sua luta era séria. Pouco sabiam eles, porém, que tudo aquilo era parte de um plano.
“Nenhum deles espera que eu vença.”
Tirou o restante do sangue do corte interno em sua bochecha com a língua, e o engoliu. Sem pressa, ergueu os punhos, anunciando estar de volta no combate.
— Ah, vai tentar de novo, Savoia?
Estalou os punhos, fazendo-se audível a cada canto.
— Porque eu posso te ajudar a passar essa vergonha…
Essa série de eventos levou-o às circunstâncias corretas. Receber o primeiro golpe de Vincent foi apenas o passo um.
— Eu ainda tô me perguntando se você tá cego, porque eu não caí ainda.
— Beleza, Zé Comédia, me fala isso depois dessa próxima…!
Outra vez, o causador primário daquela confusão toda aprontou-se para acertar-lhe um golpe. Se aproximou o bastante e com velocidade, carregando um sorriso cheio de malícia.
“Então eu não consigo deixar de me perguntar o que rolaria se tudo mudasse do nada.”
Pouco sabia ele sobre o quanto cada pequeno pedaço daquela situação já havia sido previamente armada como uma cabana.
— Ohh! — apontou uma garota. — O Savoia desviou…!
Se algo podia ser tirado da expressão de Vincent no microssegundo que seguiu a evasão de sua cabeça, tal coisa seria a mais absoluta surpresa.
—Olha, né por nada não, mas eu acho que você errou.
— CALA A BOCA!
A provocação de Ryan trouxe a mudança de fluxo ao combate, que agora assumia um tom mais igualitário em todas as frentes possíveis, já que até mesmo a platéia, tão favorável a Vincent, se dividia.
— PARA DE DESVIAR…!
A sorte não estava mais ao seu lado, e o novato não parava de fugir tão habilmente de seus ataques. Aos poucos, fúria o consumia, manchando em rubro a visão do valentão.
“Eu bem que queria ver esse comportamento dele como só mais um estereótipo estúpido”, pensou o recém-chegado.
Escorregadio como um caramujo, veloz como uma mosca. Sem muita dificuldade, Ryan trabalhava sua concentração entre os socos, desviando de todos como meros incômodos.
Não podia continuar assim, todavia.
— Beleza, se quer que eu pare de desviar…
Outro golpe veio sem piedade, alimentado pela raiva de perder a soberania na opinião popular. Vincent pensou tê-lo com o próximo ataque, porém igualmente, tudo foi em vão.
— O quê?!
Bastou um piscar de olhos e a luta não era mais sua. Ryan girou em seu próprio eixo, usando o próprio braço esticado do inimigo para se impulsionar para trás dele.
— Aqui atrás.
A palpação em seu ombro evocou o instinto de olhar para trás, e mesmo ciente de que não deveria, não resistiu, sofrendo um pesado golpe no centro do rosto.
— Esse foi a retribuição por aquele lá… — disse o Savoia. — Mas, e aí? Quer outro?
O golpe fez sua visão girar, e ao passo que todos os barulhos se tornavam mais confusos, suportou o próprio peso com os braços, impedindo uma queda plena.
Obviamente, não seria tão fácil assim.
— Ora, seu merda! — levantou-se, com um nariz a sangrar e preenchido até a testa com pura raiva. — Eu vou te pegar…!
— Me disse que eu não tô em casa mais cedo…
Desviou de outro soco ao simplesmente inclinar a cabeça para esquerda, e de um segundo ao saltar um pouco para a direita. O terceiro ataque foi um chute, evitado com igual proficiência, e rebatido de forma igualmente surpreendente.
— Só que acontece de você também não estar, amigão. Aqui não é tua casa.
Quando a perna esquerda de Vincent mirou o centro do estômago do novato, toda a plateia foi tomada de supetão pelo agarrar firme das duas mãos grandes em torno do tornozelo coberto por jeans.
— E agora, o que vai fazer? Se eu soltar, você cai e eu te chuto até amanhã.
— Me larga! — exclamou, ainda tentando chutar. — Me solta, filho da puta!
— Nada disso. Vamos dar uma boa visão para esse pessoal, não? — virou o rosto. — Peguem o melhor ângulo disso aqui!
Ver aquela virada de jogo gerou em alguns confusão e em outros uma certa empolgação, exibindo o real desejo geral de ver o brutamonte em maus bocados.
— Espera aí... O novato tá ganhando mesmo?!
— Isso vai ser lindo de compartilhar por aí...! — murmurou a garota, sorrindo para sua gravação.
A torcida pelo novo favorito se misturava, indiscernível, com a zombaria à figura opressora do valentão, protagonista de um momento de enorme vergonha.
— Ahhh! Savoia de merda...! Me larga...! Ahhh!
Seu apoio em uma única perna não o permitia estabilidade ou qualquer liberdade de movimento. Um pequeno passo, e o chão seria seu destino.
— E eu aqui pensando que tu era o brabo, que ia me ensinar uma lição…
Seu exclamar como o de uma criança mostrava o quão perigosamente perto estava de cair e bater com a cabeça nos azulejos abaixo. Vez ou outra, escarrava sangue pelo nariz, também.
“Acho que já deu para mostrar para essa galera uma coisinha ou duas. Hora de terminar com isso.”
A primeira etapa de seu pequeno experimento social seguiu como esperado, mas logo as aulas começariam, e a derrota já foi consolidada.
Puxou ar, se concentrando, e ao fazê-lo, fechou os olhos de forma misteriosa, como se quisesse chamar algo de dentro de si, e para chamar mais uma vez a atenção de todos, puxou a perna de Vincent em sua direção.
— O que ele tá fazendo?!
Um solavanco e tinha sua mão em sua testa. Misteriosamente, o tocou por cerca de cinco segundos, gesto esse não repudiado, por qualquer motivo.
Durante todo o processo, Charles parecia anestesiado, olhando fixamente para o teto, contemplando alguma coisa que os demais não viam, e em nenhum momento saiu desse estranho transe.
“Ótimo. Isso vai consertar um pouco as coisas.”
Ao fim disso, soltou o corpo do rapaz musculoso, finalizando com um potente soco em sua bochecha esquerda, que o fez cair.
[…]
Sem dizer coisa alguma, o “sobrevivente” do embate pegou do chão seu livro e a identidade amassada. Ele pareceu lamentar o dano no documento, mas não disse nada, focando-se no caminho.
E como se nada de mais houvesse acontecido, andou para longe, mesmo sob o olhar de algumas câmeras remanescentes.
— Aquele cara só... Derrubou ele fácil assim… — comentou um rapaz, admirando os passos estranhamente controlados daquele estudante a se afastar. — Mas… Como…?
— Quem será esse Savoia...? — Uma das garotas indagou. — E o que diabos ele fez naquela hora...?
— … Ugh...!
Quase que para responder suas perguntas, Vincent despertou de seu knockout. Segurando sua cabeça, o rapaz forte olhou ao redor, analisando dolorosamente seus arredores, enquanto as únicas perguntas em sua cabeça eram...
— Por que tá geral me olhando...? E... Por que o meu nariz tá sangrando...?
Com a falta de respostas e o aumento dos murmúrios entre os estudantes que o viam, seu ânimo se irritou. Não conseguia lembrar-se de nada desde o momento em que despertou em sua cama.
E isso significava que não deveria sequer estar na escola.
— Sério... O que eu tô fazendo aqui?! — Enraivecido, perguntou. — Será que ninguém vai me dizer?!
Sua tontura era observada de longe por um indivíduo oculto nas sombras dos outros poucos estudantes que ainda tiravam de seu tempo para estarem ali e discutirem o que houve, escondido em plena vista.
Esteve observando desde o momento em que a platéia ficou barulhenta demais, e não podia orgulhar-se mais de ser tão perceptiva.
Sua forma dedilhava a parede do canto do corredor à direita, mirando com olhos brilhantes em rosado, única característica realmente notável de sua presença. Ali, de seu canto, acompanhou atentamente a cada segundo do combate.
“Hmm”, pensou, expirando de modo lento. “Isso é um problema.”
Anotou os detalhes do que viu nas profundezas de sua mente, já que se suas suspeitas estiverem corretas…
“Então vamos ter um pouco de trabalho chato adiante.”
Girou o corpo feminino com graça, balançando o rabo-de-cavalo e, em passos elegantes, rumou para sua sala de aula, ciente de que ele haveria de estar chegando.
“É melhor que não se atrase.”