Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne

Revisão: TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Nova cidade, Nova vida

Capítulo 19: Indigestão

— Alguma coisa errada, Aubrey? Você tá parecendo meio pálida...

A adolescente tocou seu estômago, massageando o ponto doloroso e inquieto que acabou de se formar logo abaixo de suas costelas.

— Ah... Acho que o almoço não desceu muito bem...

Ela e suas amigas ocupavam uma mesa no refeitório da escola. As aulas haviam acabado de terminar e por sorte chegaram mais cedo. Não era para isso evocar qualquer preocupação, mas não parecia ser o caso no momento...

— O que será que aconteceu? Você é alérgica a alguma coisa, Aubrey? Todos estamos comendo a mesma coisa e até agora parece que ninguém passou mal!

— Eu... Não sei... — olhou para os lados, como se buscasse uma resposta.

Todos ali comiam da mesma mistura de purê de batatas com carne e uma salada básica de legumes, então ao menos que fosse especialmente azarada, não havia como justificar uma intoxicação alimentar tão súbita.

— Eu... Acho que vou precisar sair, pessoal...

A dor em seu estômago piorava a cada segundo, escalando como garras que se prendiam à pele interna, desejando escaparem pela boca e, em certos momentos, a sensação se tornava tão horrível que a fazia parar de andar.

— Aubrey, você não tá nada bem... Se quiser a gente fala com os seus pais e pede para eles te liberarem!

Suas duas amigas olharam preocupadas para seu estado. Seja lá o que tivesse na comida, a afetou de um jeito muito mais forte do que uma simples reação alérgica.

— Não... Não...! Não precisa! — Com certa dificuldade, balançou a cabeça. — Eu... Eu acho que deve melhorar se eu for vomitar no banheiro...

— Não, Aubrey! Isso tá parecendo sério...! — protestou uma das amigas. — A gente vai contigo, tá bom?

As duas amigas da garota trocaram um olhar determinado, acenando uma para a outra, em positividade. Não tinham como deixar sua amiga continuar sofrendo tanto, sozinha.

Afinal, e se ela desmaiasse em um desses corredores?

E acima de tudo, que tipo de amigas elas seriam se permitissem isso?

— Vamos, a gente vai te ajudar. Cruza o outro braço dela pelo seu pescoço, Jamie. Vamos levar até o banheiro.

Imediatamente, as duas amigas se uniram para ampará-la e, logo ao fazerem, se deram conta da real gravidade do que ocorria com Aubrey.

— Aubrey... Você tá suando muito... A sua testa tá molhada! — falou a segunda jovem, chamada Jamie. — Elise... Eu não acho que tá bem o bastante para continuar aqui hoje...

Leves gemidos de dor escapavam dos lábios da adolescente, de olhos fechados em uma tentativa desesperada de resistir à terrível sensação de ter tudo em seu interior a ser rasgado como uma faca corta um pedaço de carne.

— Ahh... Ahh... O meu estômago... Isso... Ahh... Dói demais...

O sofrimento era claro como água, manifestado em sua respiração ofegante. Seu pulso era inquieto e a menina aparentava estar cada vez mais pálida e próxima de perder a consciência.

— Isso é sério, Elise...! Ela precisa ir para o hospital agora...! Aubrey, se poupa de falar...!

— Mas o que diabos tinha nessa comida?! — Elise questionou, embasbacada.

Suas vozes altas e a cena que faziam entre as mesas ocupadas chamaram a atenção de todos ali. Depressa, os estudantes dirigiram seus olhares para o trio, questionadores quanto ao que se passava.

E não demorou muito até que alguém mais se oferecesse para ajudar no resgate.

— Vocês três... Eu posso ajudar a levar ela.

Um rapaz alto e de cabelos castanhos se colocou à disposição. Depressa, ele saltou de sua cadeira e fez o caminho até o trio.

— Eu tenho força suficiente para conseguir carregar ela. Vai ser mais rápido desse jeito... Vamos para a porta de entrada! Eles não devem deixar alguém passando tão mal assim sem atendimento apropriado!

A Elderlog High contava com uma enfermaria, mas essa era muito simples para lidar com um problema dessa escala.

Foi com isso em mente que os três depressa deixaram o refeitório, onde as duas garotas seguiam os passos velozes dele.

— Ack...! Gahk...!

Aubrey puxava o ar ofegante, com claras dificuldades para processar tudo. Inquieta, não parava de tocar a própria barriga.

— Meu Deus... O que é isso?! — Jamie se questionou enquanto corria. — Por que só parece que fica pior?!

Conforme cortavam os corredores, não havia o que fizesse a atenção das duas escapar do estado da melhor amiga que tinham. 

A conexão se fazia tão forte que era quase como se pudessem sentir da mesma dor apenas ao olhar.

— Alguma razão para ela ter ficado assim?! — questionou o rapaz ainda sem nome, ao apertar o passo para longe do refeitório.

— A gente não sabe...! — rebateu Elise. — Ela só começou a sentir dor e do nada... Isso...!

— Calma, Aubrey... A gente tá chegando...! — assegurou Jamie, em preocupação.

Mais um par de corredores e estariam no rumo da saída. No caminho, Jamie já fazia o trabalho de ligar para que uma ambulância viesse pegar sua amiga.

— Droga... Droga...! Atendam...!

O serviço demorava demais para algo tão essencial, e conforme chegavam mais perto da saída, aumentavam ainda mais o ritmo de seus passos.

— COUGH...! AEUGH...!

A garota absorta no profundo estado de sofrimento agarrou o casaco vermelho daquele que a carregava com tanta gentileza, a puxar com toda a força que tinha.

Os olhos saltaram, quase que para fora das órbitas, suas mãos direcionadas contra a garganta e a boca, a permitir escapar horrendos sons de tosse e antecipação do vômito.

— Aubrey?! Aubrey, o que tá acontecendo?! — perguntou Jamie, em vão.

EECK...! COUGH...!

E nos braços dele, ela vomitou, de um modo nada normal.

— Ai meu Deus... Isso é...

Elise teve de se controlar para que não vomitasse também. A menina cobriu os olhos, quase a ponto de chorar diante da visão dessa coisa grotesca.

— Aubrey... Aubrey...?! — Outra vez, Jamie questionou, igualmente assombrada. — Aubrey... Me diz que você... Me diz que você tá bem, Aubrey...

Era apenas o que ela desejava ouvir. O problema era que o corpo de sua amiga não apresentava o menor sinal disso.

— Ei... — Jamie chamou por ele. — Faz alguma coisa...

Estranhamente, ele parou por completo.

— Ei... cara... Faz alguma coisa...

Sem reação. Sua atenção tinha apenas um ponto fixo: a grande poça de sangue sobre o chão, logo abaixo de seus pés.

O líquido rubro que escapara da boca de Aubrey escorria por entre seus sapatos escuros, a criar um caminho sujo, mas que em sua opinião, conseguia ser tão estranhamente atraente.

— NÃO FICA AÍ PARADO! CONTINUA CORRENDO! ELA PRECISA DO HOSPITAL...!

O grito alto e a dor gerada pelas garras da menina ao arranharem sua pele foi o que o retirou daquele estado de concentração tão profundo. 

Sentiu-se como um peixe ao ser tirado da água pelas palavras que se atreviam a lhe roubar o foco.

— Ah... Quanto a isso...

Admirou os olhos chorosos de Jamie, a prender-se em suas infinidades com a cor de avelã. Diante disso, chegou a uma conclusão e tanto.

— O marrom é uma cor que lhe cai bem, sabia?

Seu tom neutro assombrou a garota, que em um passo único para trás, agia como se compreendesse tudo o que havia acontecido.

— Você... Você que fez isso com ela... Não foi...?!

Seu semblante se distorceu em um misto de desgosto e puro terror, ao presenciar o sorriso do estranho.

— Por quê...? Qual a sua intenção com isso... Seu monstro?!

Poderia tentar sua sorte contra ele e tomar sua amiga de volta, mas...

— E se tiver sido eu mesmo? Vai tentar vir para cima de mim e acertar as contas? Ou vai tentar correr e falar para mais alguém que o Perfurador de Elderlog acabou de matar a sua amiga?

— Perfurador de Elderlog…?

— É como tá todo mundo me chamando por aí. Pessoalmente, eu achei pouco original.

Virou até capturá-las plenamente em sua visão, de repente tomado por uma sombra densa.

— A sua amiga se moveu demais. Mais um passo meu e...

Tirou o pé esquerdo da poça de sangue, dirigido para alguns centímetros à frente.

— Oops! Parece que vocês descobriram o meu segredo...! — falou de modo sarcástico. — Mas que problema isso seria...!

O moletom que cobria seu corpo era um pouco grande e pesado demais para seu tamanho, e o motivo para isso foi revelado na peculiar forma de um objeto que conheciam bem.

Uma faca de cortar carne caiu no chão e seu eco cortou o espaço.

— Ai meu Deus... Isso... Isso não tem como ser real...

Logo atrás dela, Elise continuava a chorar, dessa vez bem mais desenfreadamente. Ao contrário de Jamie, não se atrevia a dizer qualquer palavra. 

Havia algo na lâmina, que dialogava diretamente com as almas das pobres garotas.

— A amiga de vocês, Aubrey? Morta. Causa da morte? Hemorragia interna por ingestão de pó de vidro.

Jogou contra a parede o então cadáver de Aubrey. O corpo colidiu de um modo frio e rígido, desfalecido sobre o chão sem vida de um corredor aleatório da Elderlog High.

— Eram pedaços pequenos... O suficiente para passarem despercebidos no meio daquele purê de batatas nojento.

As duas recuaram, em temor por suas vidas.

— Por quê...?

Jamie ainda encontrava, em algum lugar, uma porção da audácia de perguntar.

— Por que você... Faz isso...?

O rapaz abriu seus olhos, revelando um brilho azulado sobrenatural a se propagar de ambos, como duas lanternas que anunciavam a hora da morte.

— Boa pergunta... Mas por que eu precisaria de um motivo? Não posso fazer só porque quero?

Facas, garfos, lápis, canetas, cacos de vidro, palitos de fósforo... Flutuavam em torno dele, em órbita, mantidos por uma força de qualidades ou lógica indescritíveis.

As coisas em questão surgiam, uma por uma, de suas roupas, acumuladas ali por pura conveniência, tomando espaço em seus arredores.

— Isso... Não pode ser verdade…

— Jamie, Jamie... É um nome bonito! Eu gostei do seu jeito, também...

O assassino arrumou seus cabelos vaidosamente com os dedos, despreocupado com qualquer consequência que viria com aquelas mortes.

— Por que não deixar o mundo ver essa arte mais diretamente? Cansa só descobrirem depois de uns dias...

— Huh...?

Levantou sua mão direita, a mostrar todos os cinco dedos.

— Cinco segundos, Jamie. Cinco segundos, contando de... Agora.

Quatro dedos.

— Não... Não, por favor...!

Três dedos.

— Alguém... Alguém ajuda...!

Dois dedos.

— ALGUÉM ME AJUDA! SOCORRO!

Um dedo.

— AAAAAAAH!

Zero. O tempo acabou.

— Bem, acho que agora só tem o trabalho que ele me mandou fazer... Ah, o que era mesmo?

Estalou o pescoço uma vez para cada lado, até ouvir dois grandes cliques.

— Ah lembrei...! Ele queria que eu fosse atrás de uns caras... Na real é um cara e uma garota. Nesse caso, é melhor ir colocando o pé no caminho. Logo vão ver isso aqui.

Tirou o celular do bolso.

— Mas antes, deixa eu só bater umas fotos.



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