Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Nova cidade, Nova vida

Capítulo 15: Cada Qual com Seus Problemas

— Hmm… Deixa eu ver se entendi… O que diferencia células eucarióticas das procarióticas, além do núcleo organizado, é a presença de organelas específicas, como as mitocôndrias…

— É isso mesmo. Acha que dá para passar para o próximo ponto?

— É, acho sim, dá para continuar.

Ryan relaxou o queixo em seu punho esquerdo, reclinando a cabeça para a lateral em um gesto que só queria dizer o quão entediado estava.

— Isso é bem chato… — disse, assobiando brevemente.

Para isso, sua companhia apenas o olhou por alguns segundos, antes de levantar a sobrancelha em um óbvio gesto que queria dizer “sério mesmo?”.

— Olha, foi você que se colocou nessa. Não adianta ficar reclamando das suas brincadeiras agora, novato popular!

— Ah, Ashley! Por favor…! — reclamou. — Aqueles caras queriam acabar com a minha raça! O que acha que eu deveria ter feito?!

Em resposta, a representante de classe fechou o livro em um baque, pondo-o em cima da mesa.

— Não sei! Talvez falar com as autoridades da escola teria sido uma melhor ideia? Mas é só uma suposição mesmo!

Notou azedo o tom zombador da primeira pessoa com a qual começou a conversar naquela escola nova, mas ao mesmo tempo tinha um bom argumento de resposta.

— Você sabe que as coisas aqui não funcionam assim. Se pudéssemos simplesmente reclamar, nenhum deles estaria por aqui hoje — falou, referindo-se aos baderneiros. — É incrível o modo como tratam isso… Você só tenta se proteger e acaba sendo punido…

Alguns estudantes viram a comoção causada pelos cinco, mais cedo, e reportaram para o corpo docente. Ao fim da aula, Ryan foi chamado na sala do diretor e acabou sofrendo uma punição.

— E agora eu tenho que ficar aqui algum tempo depois das aulas, por uma semana… — reclamou, enfezado. — Mas que beleza.

— Bem, pelo menos você pode acelerar um pouquinho nos estudos! Já temos provas semana que vem e você precisa passar, Ryan… especialmente se tratando da professora Elizabeth!

Ashley decidiu aproveitar que também ficaria por ali, resolvendo assuntos próprios, para ajudar o novato a se integrar melhor aos seus estudos. Quisesse ele ou não, tinha de ser ao menos um pouco grato por isso.

— Eu já disse que você não tem que ficar aqui, Ashley. Eu posso me virar sozinho.

— Hah! Disse ele, o cara que não pode ficar cinco minutos sozinho sem se envolver em algum problema! — zombou, rindo dele. — Não esquenta, Ryan. Você tá me ajudando também. O melhor jeito de aprender é ensinando alguém!

“Claro… A verdade é que você só me quer aqui para fazer alguma inveja nas suas amigas… Ela pensou que se pudesse conquistar o novo cara mais chamativo da escola, iria acabar pegando reputação por tabela.”

Naquele mesmo dia, leu sua mente mais duas vezes, novamente para pegar a matéria estudada e, durante a segunda leitura, aprendeu isso. 

O motivo de Ashley para ajudá-lo era nenhum outro além de fazê-lo cair em suas mãos e aumentar a própria popularidade.

Ou, ao menos, foi o que pareceu à primeira vista, ao se olhar aqueles pensamentos a partir da ótica mais superficial. Ele não queria acabar tendo que ver mais do que precisava.

“Sei lá quais barbaridades essas garotas populares guardam na memória…! Eu deveria saber, considerando que tenho uma irmã igual a ela… Ah, o que eu estou falando?! A Hannah não tem nem um pouquinho só disso!”

Mas o que Ashley não sabia era que Ryan estava muito acima nesse jogo e, se qualquer coisa, era ele quem mais se beneficiava dessa troca não-verbalizada.

“Contanto que eu possa continuar me aproveitando do seu esforço, Ashley, posso permanecer nesse seu joguinho.”

E assim os dois guiavam um ao outro em um baile de enganação, onde um dos lados já não era mais cego às estratégias, ou melhor, nunca foi.

— Mas, Ryan… Por que decidiu mudar algumas das suas aulas? Eu vi que não estamos mais nas mesmas turmas de Química e História. Alguma coisa aconteceu?

— Ah, isso…

Claro que não podia falar a verdade, mas não mentia em estar curioso, então…

— A verdade é que eu encontrei pessoas com superpoderes e eles me coagiram a mudar de sala. Se eu não fizesse, me matariam. Eles me sequestraram, amarraram na quadra antiga e me torturaram. Depois disso, viramos amigos, entramos em um mercado e fizemos o terror lá dentro, levei mais ainda e… Hey, final bom! Acho que nós somos parceiros agora.

O tom neutro e sério do pronunciamento fez a bela jovem boquiaberta, embora de um jeito ruim.

— É sério que você espera que eu acredite nisso…? Vai, me conta a história de verdade.

— Essa é a história de verdade.

— Ryan, você é um idiota.

Ashley não soava ao mínimo surpresa, mas certamente decepcionada. Balançou a cabeça em negação, com toda certeza se arrependendo de ter tentado qualquer coisa com um bocó igual esse.

“Huh… Eu imaginei que ela fosse ter uma reação bem mais intensa… Mas tanto faz. Hora de começar de novo.”

Depressa, colocou sua mão na testa da garota, que antes mesmo de ter a chance de ser tomada de surpresa, nem mesmo se lembrava mais dos ocorridos de alguns segundos atrás.

— Uh… Okay… Eu sinto que tinha algo para te perguntar, mas…

— O motivo de eu ter mudado algumas das minhas turmas?

— Ah… Isso! É isso mesmo! — confirmou. — Mas espera… Como você sabia…?

— Digamos que foi um pouco de intuição. — Ryan balançou a mão no ar. — A mudança foi por causa de alguns problemas na minha matrícula. Coisa básica.

— Certeza que não foi por causa daquela confusão com a professora Elizabeth? Soube que ela demorou um tempo para sair daquela histeria… O que será que causou aquilo?

Também não podia ser honesto quanto a isso. Felizmente, já tinha formulado uma resposta pronta.

— Eu não vejo outra possibilidade que não seja estresse — disse, descaradamente. — A saúde mental dos docentes não é apropriadamente valorizada. Eles são colocados para trabalhar com algo chato, ensinando um monte de adolescentes estressantes… Eu sinceramente não a culpo.

— Huh…

Ryan olhou para a esquerda, capturando uma Ashley que o via duvidosa.

— … Interessante ouvir isso de quem foi a causa do estopim de raiva dela…

Mesmo que já soubesse quais eram suas intenções verdadeiras, o Savoia não deixava de se surpreender com a afiação das palavras ditas por aquela garota. Tinha que dar aquele título — o de mestre em zombaria — para Ashley Brown.

— Não vem me olhando desse jeito — apontou para ela, agressivo. — Eu sei que você tá se divertindo.

— Oh, eu estou! — admitiu humorada. — Não dá para negar que é engraçado zoar de você!

— Ora, pois… 

E quando se preparava para dar uma resposta genial que o fizesse continuar na brincadeira, foi interrompido.

— Olá, Ashley!

A terceira voz chamou a atenção de ambos, que logo focaram suas atenções na figura à frente, destacada entre as várias estantes da grande biblioteca.

— Passando um pouco mais de tempo por aqui? — perguntou a estudante, sorrindo gentil.

Ela pareceu tomar um tempo antes de entender o que se passava ali, logo tirando de perto do busto a mão destra, sinalizando em “deixa para lá”.

— Ah… Eu acho que estou atrapalhando alguma coisa…! — falou em surpresa. — Me desculpe…!

Logo se prontificou em sair, sendo impedida de último segundo pela primeira.

— Ah, Abigail…! Não é nada disso! — exclamou alto. — Eu só estou ajudando um pouco com os estudos do Ryan. Não tem nada para atrapalhar…!

— Ah… Entendi. — virou o rosto, devagar. — Olá, Ryan! Nunca te vi por aqui. É novato?

A execução do gesto chamou a atenção do rapaz, que viu o quão prestes a ceder em mil pedaços estava aquele sorriso. 

Abigail tremia e, ao mesmo tempo, o leve movimento das batidas de seu coração era manifestado no laço de cor púrpura próximo ao pescoço, que compunha parte de suas roupas.

— Eu…

— Ele é…! Ele é sim, e um dos mais problemáticos…! — O interrompeu, quase gritando. — Dá para acreditar no que ele fez?! Esse cara deu uma surra no Vincent e nos amigos dele logo depois de chegar aqui… Esse causador de problemas aqui não tem salvação!

A jovem respondeu com um meio sorriso àquela informação, abraçando os livros que levava com mais força. Uma grande gota de suor escorreu pelo lado esquerdo de sua testa, algo que não fazia sentido algum, a julgar pelo frio do ambiente.

— É mesmo? Entendo!

“Você está deixando ela desconfortável, Ashley”, Ryan pensou, amargando a reputação falsa que ganhou. “Agora ela provavelmente pensa que eu sou mais um deles.”

— Isso mesmo! Agora, eu estou ajudando ele a se preparar para a prova de Biologia… Passar pelo professor Peterson vai ser difícil!

— Eu imagino! — A segunda sorriu mais amplamente, ainda pressionada. 

“Ela está se esforçando muito.”

Abigail estava nervosa, tensa em um nível que não se via por aí com facilidade. Era como se a garota estivesse passando bravamente por uma pesada crise de ansiedade.

— Erm… É que eu preciso ir agora, Ashley... É urgente… Bons estudos para você, Ryan!

E assim, Abigail acenou para trás por momentos breves, deixando a biblioteca em passinhos de corrida leve.

— Ela parece ocupada… — O rapaz citou, olhando o caminho vazio até a saída.

E assim ficou por mais dois segundos, até ter sua atenção chamada pela companhia.

— Ei, eu sei o que você tá pensando, Ryan… E vou te dizer para parar agora. Ela tem um caso bem problemático com o ex-namorado. Não vai querer se envolver com aquele cara.

— Com licença? — ergueu a sobrancelha. — O que te faz imaginar que eu iria querer algo com ela?

— Olha, eu só sei — respondeu categórica. — Afinal, não tem um cara nessa escola que não queira ficar com ela.

“Então parece que eu estava certo”, refletiu. — Bem, ela é mesmo bonita.

Era algo que ele só tinha que admitir. O menor vislumbre daquela menina já revelava tanta coisa que seria difícil colocar em palavras.

Abigail tinha cabelos longos e lisos, tingidos de roxo-escuro e olhos azuis como o céu do meio dia. Não era muito alta, nem baixa demais, além de ser dotada de curvas igualmente proporcionais.

E se apenas o físico não fosse suficiente…

— Ela parece ser bem educada e responsável, também. É fácil ver o motivo dos caras a desejarem.

Essa parte foi dirigida especialmente para irritar Ashley. Ciente de que seu maior gatilho era a inveja, podia lançar bombas estrategicamente colocadas para tirá-la do sério.

— Estamos aqui para estudar… Es-tu-dar…! — esbravejou, com raiva notável. — Então é isso o que vamos fazer…!

E ali os dois permaneceram, de olho nas páginas do livro de Biologia, matando o resto do tempo que faltava até a hora de finalmente poderem ir embora.

Mas, durante todo o processo, uma pergunta não deixou a mente do novato.

“O jeito dela… Por que ela parecia tão desesperada naquela hora?”

Parou um pouco, logo voltando à realidade.

“Bem, isso não é problema meu.”

[...]

Os corredores não eram seguros; nenhum lugar era. Em canto nenhum, ficaria longe daquela tensão que lhe cortava as veias.

Correu, tratando de guardar os livros tão rápido que sequer notou os arredores. Só queria sair dali, para não ter que ver a cara de quem a fazia sentir tão amarga por dentro.

Um caminho direto para casa, sem parar. Era só fechar o armário e…

— Opa, opa! Peraí! 

“Ah, droga”, se lamentou, sentindo o gosto ruim se acumular em sua boca.

Ciente de que não sairia dali sem confrontá-lo, tomou toda a coragem que tinha por dentro e levou-se a olhar para quem a impedia de fechar a porta do armário.

— Jacob, eu já disse para me deixar em paz — tentou falar de modo calmo. — Eu não quero mais saber de você.

Com alguma força, foi capaz de fechar a porta, propositalmente fazendo seu melhor para ignorá-lo. Em passos rápidos, iria sair daqueles corredores vazios.

— Abigail, calma aí! Vamos conversar! — A voz do rapaz ecoou. — Me dá mais uma chance para resolver os nossos problemas! Eu prometo que agora vai ser tudo diferente!

Por mais que quisesse deixá-lo ali, falando sozinho, algo em sua mente ainda a forçava a olhar para trás e responder a esse comentário tão esdrúxulo.

— Jacob, quantas vezes eu tenho que repetir? Eu não quero mais nada com você! Nada! Eu não quero saber de nada que venha de você! Entenda isso de uma vez!

Esse cara lhe dava nos nervos há pouco mais de três meses, quando terminaram o breve relacionamento pela segunda vez.

— Por favor, só mais uma chance! Eu quero me redimir com você, Abigail! Pensa nos momentos bons que nós vivemos!

— Momentos bons?! Ah, por favor…! Você não passa de um obcecado violento! Eu já te dei uma chance e você não se provou em nada!

Ter de conviver com essa dor de cabeça era seu estresse diário. Já contatou a polícia, mas nada fizeram, já que o pai de Jacob era um dos grandes na organização, dando-lhe o jeito perfeito de sair impune.

O paliativo para o problema era correr dele e evitá-lo ao máximo. Preferia não contar para ninguém, por medo de envolver outras pessoas, e sequer sabia como estava minimamente suportando tal assédio.

Pensando bem, não estava.

— Calma aí, gostosa! Vamos dar uma conversada sobre isso!

Gemeu de dor ao ter seus cabelos longos puxados, lamentando mais uma vez ao ser posta na parede com tanta violência.

— Me larga, Jacob…!

— Não precisa de tudo isso!

Usou a mão restante para cobrir sua boca, pressionando-a com bastante força.

— Não grita! — impôs. — Vamos conversar!

Jacob Egan era um cara de físico forte, além de alto, então não restava muito para uma garota comparativamente pequena fazer além de chorar, e foi isso o que Abigail fez.

— Oh, meu amorzinho, não chora! — Jacob brincou. — Você sabe que eu faço isso porque te amo! Eu te quero de volta, Abby! Me aceita, vai!

Chegou em um dos ouvidos dela, inclinando-se para sussurrar algo.

— Vai, eu sei que você ainda se lembra de tudo o que a gente viveu. Você quer de novo, eu sei.

Se via decidida a não levar mais nada disso.

UGH…! Sua… Vadia…!

— Socorro… Socorro…! Por favor…! Socorro…! Alguém… Alguém ajuda…!

Abigail correu, logo depois de ter plantado o melhor golpe de seu joelho nas partes baixas do assediador. Seu coração à mil buscava por uma saída e uma única possibilidade veio à mente.

“A saída ainda é longe…! Eu… Eu não vou conseguir fugir…!”

— Não vai fugir!

Já recuperado, o muito mais rápido Jacob respondeu à afronta, desta vez, repleto de ódio.

Não sairia dali tão cedo. Como uma terceira-anista, o armário de Abigail ficava muito acima na construção, mais especificamente no quarto andar. Àquela altura da tarde, já não deveria haver mais um único estudante ali.

Em suma, era uma corrida que não tinha a menor chance de vencer.

— Ah, te peguei, sua desgraçada!

Demorou menos de 15 metros para que Jacob a alcançasse, agarrando pelo braço. A partir do pescoço, colocou a ex-namorada contra os armários, prendendo ambos os punhos.

E começou a fazer seu trabalho sujo, fazendo-a sentir-se nojenta, mirando lábios e língua direto no pescoço como um leão a caçar.

Nesse ponto, a pobre Abigail Halsey só tinha como se lamentar por si mesma. Ninguém os veria, os acharia, tampouco os ouviria ali de cima. Mais um pedaço entraria para sua tragédia.

Então, uma porta se abriu logo atrás, a revelar um milagre grande demais para ser levado a sério.

— Mas que porcaria é isso que eu tô vendo?!



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