Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne

Revisão: TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Nova cidade, Nova vida

Capítulo 16: Divergência de Caminhos

— Ah, mas não me diga…! — Jacob bufou, furioso. — Não tem nada para vocês verem rolando aqui! Fecha essa porta!

A porta aberta da sala trouxe uma onda de sensações que a arroxeada nunca descreveria, já que ao mesmo tempo coexistiam a felicidade de ter sido vista, e o temor de acabar sendo ignorada.

A pobre garota ainda era mantida refém de Jacob, seu corpo jogado de costas contra os armários, olhos a suplicarem pela salvação vinda daquela figura.

— Não ouviu o que eu disse?! EU MANDEI FECHAR ESSA MERDA!

Mas a estudante à porta permaneceu impassível. De braços cruzados e a olhar de cima, levantou uma sobrancelha. Ao ver direito, Abigail reconheceu aquele rosto tão estranhamente familiar.

— Em primeiro lugar, esse é meu clube, ou seja, eu posso fechar e abrir a porta da sala na hora que eu quiser! E em segundo, acha mesmo que eu vou ignorar isso?!

Seus olhos verdes brilharam firmes na quase escuridão e em um gesto charmoso, arrumou os cabelos castanhos à altura do pescoço, não mais esperando para agir.

— Eu soltaria ela agora mesmo, Jacob. Não me faça ter que me envolver nesse caso mal-resolvido de vocês dois.

Jacob riu, segurando os pulsos de Abigail, que tinha muito medo para reagir.

— E o que é que você vai fazer, Emily? Contar para todo mundo? Acha que eu tenho medo?! Meu pai trabalha para a polícia dessa merda de cidade! Você não vai conseguir nada!

— Não, eu não vou fazer isso.

A tal Emily descruzou os braços. Ao seu lado direito, colado na parede, lia-se um cartaz que indicava a sala como o “Clube de Literatura”, um expositivo colorido em tons pastéis de várias cores, decorado com letras cartunescas.

— Meninas! — chamou, firme. — Venham dar uma olhada nisso aqui rapidinho!

E não demorou nada para que três novas vozes se introduzissem, vindas da porta ao lado da presidente do clube.

— Minha nossa… — A primeira, boquiaberta, cobriu com a mão ao ver. — Meu Deus…! Solte ela!

— O que há, Emily? — Logo veio a segunda, reagindo de modo mais neutro. — Hmm…

— Qual foi o motivo desses gritos de antes?! — E enfim, a última e mais temperamental. — MAS QUE PORRA É ESSA, SEU VAGABUNDO?!

Jacob falhou em não se mostrar intimidado, mas mesmo assim, não largou de Abigail.

— E agora, Jacob? Vai ouvir a gente e deixar ela em paz, ou vai querer testar a sorte contra nós quatro? — perguntou Emily. — A escolha é só sua.

Um sorriso zombador se manifestou no rosto da bela moça de olhos verdes. Era um gesto de ameaça e, ao mesmo tempo, repleto do mais profundo desgosto.

— Emily… Sua puta…! — o rapaz forte se acuou. — Não consegue vir contra mim e decide chamar as amiguinhas…!

— Mas é claro. Ninguém seria maluco de entrar no seu caminho sozinho, Jacob. Agora larga dela e vai embora… E para bem longe da porta do meu clube…!

O jovem alto e forte pensou em brigar por Abigail, mas, logo ao pensar melhor, viu que nunca isso seria uma boa ideia.

Jacob Egan podia até ser forte e fisicamente ameaçador, mas não podia se clonar. E além disso, contava apenas com as mãos, enquanto aquelas simples garotas tinham de tudo para usar.

A primeira mantinha um cabo de vassoura contra o peito, agarrando firmemente. Um golpe acidental com isso, e seria o fim de um olho. Podia não parecer muito confiante, mas não seria bom confiar tanto assim nas aparências.

A segunda levava um livro grosso em uma capa de couro, com tamanha espessura que ele nem tinha uma estimativa quanto às páginas. Ela era a menos expressiva do trio, porém, era a que tinha a encarada mais fria, como se quisesse atravessá-lo, a fitar o fundo de sua alma para dizer: “isso vai direto na sua cabeça”.

E por fim, a última.

— Aê, seu filho da puta…! — exclamou, apontando um estilete para ele. — Não sei que diabos tá rolando, mas sei que é melhor você largar mão dela!

Era a menor de todas, mas venceu de lavada na questão “seriedade da ameaça”, ao ponto que lidar com ela fazia as demais parecerem quase desnecessárias.

E logo se tinha uma firme fronte de combate preparada até os dentes para derrubá-lo se assim fosse preciso. Isso trazia apenas uma decisão sábia.

— Merda…! — Jacob gritou. — Que se foda!

Com força, jogou Abigail pelo pulso até Emily, que aparou nos braços o quase vôo da beldade, assegurando-a contra seu busto.

Jacob não quis continuar mais um segundo ali e colocou-se a correr para o mais longe possível, impulsionado pela agressividade na ameaça da garota menor e sua arma.

— É! VÊ SE NUNCA MAIS PERTURBA ELA DE NOVO, SEU OTÁRIO!

Emily abraçou aquela conhecida de longa data, fazendo de seus braços e de seu clube um local seguro para que ficasse mais tranquila.

— Abigail, você tá bem? Ele fez alguma coisa com você mais cedo?

— Não… Não… Ele não fez… — respondeu, trêmula. — Mas só porque vocês estavam aqui… Obrigada… Emily.

— Heh, não precisa agradecer, minha cara rival! — Emily riu, claramente satisfeita. — Vem, vamos entrar. Já estávamos organizando as coisas do clube para depois irmos para casa. Acho que você pode esperar um pouquinho!

— Você ainda tem essa coisa de rival... — Abigail respondeu baixo, ressentida.

A menina de cabelos roxos foi acomodada em uma cadeira longe da porta, bem ao lado da janela. Dali viu, escondida, conforme Jacob saía frustrado e nervoso pelos grandes portões da escola.

— Ele tem te dado problemas demais, né?

Emily guardou uma caixa cheia de livros no armário metálico que logo se viu trancado pela mesma.

— Bastante… Eu não sei o que tinha na cabeça quando decidi que seria uma boa ideia começar a namorar aquele cara…

Levou as mãos ao rosto e bufou, reconhecendo o estresse e a incapacidade de continuar vivendo daquela maneira.

— Como eu queria voltar atrás e nunca ter aceitado isso…

Nunca contou a ninguém, mas fez isso por pura pressão. Suas amigas achavam que seria uma boa ideia namorar o cara atlético e bonitão, que isso combinava com ela de alguma forma ou que Jacob complementaria sua imagem. 

Foi uma grande tolice de se imaginar. No fim, não passou de mais uma armadilha tão injusta da vida.

— E você não vai fazer nada?!

A voz característica da menor de todas ecoou firme, deixando sua indignação expressa. Para evidenciar ainda mais, bateu no encosto de uma das cadeiras com a mão espalmada.

— Vai deixar esse cara te perseguir desse jeito sem falar ou fazer nada?! Fala com a polícia ou conta para alguém! A gente ajuda com isso! É melhor que ficar por aí assim!

Emily mandou um sorriso fraco para a menina, que recuou diante do significado conhecido. Foi um aviso de que tinha que se controlar.

— Você está certa… E… Obrigada por me defender mais cedo.

Abigail expulsou o cansaço ao coçar os olhos, dirigindo-os à pequena salvadora,  não podendo deixar de dar-lhe um leve sorriso caloroso.

— A questão é que eu já tentei de tudo, mas sempre ele acaba saindo do problema por algum motivo ou outro… E eu não quero ter que envolver outras pessoas nisso… Tenho medo do que ele pode acabar fazendo com vocês.

— Então você se propõe a continuar sofrendo para sempre?

A voz densa e grave, de pronúncia lenta, chegou aos ouvidos. Era a da menina mais alta, cujos cabelos cor de creme cobriam sua face, densos e desarrumados, até a altura da cintura.

Olhando melhor, nem mesmo Jacob era tão alto.

— Se for isso que quiser, que seja — disse, fria. — Mas saiba que não lhe faltam opções.

— Ei, não seja assim…! — interveio a última, que ainda não se pronunciou. — Não percebe que ela está em uma situação complicada?!

— É! Você deveria ser mais compreensiva! — A primeira se encaixou.

— Tudo bem… — A mais alta deu de ombros, tomando sua mochila. — Continuem olhando o problema sem pensar em uma solução. Palavras de encorajamento só podem fazer isso.

— Ei, não vai embora!

— Eu vou — falou, calma. — Até amanhã.

E para a surpresa de todas, Emily não a repreendeu.

— Até! — A presidente do clube acenou. — Cuidado com o caminho!

— Não haverá problema. Em qualquer caso, não serei eu quem será hospitalizada.

Antes de desaparecer nos corredores de vez, levantou a bolsa na intenção de revelar o peso da grande massa de livros que ali levava. Um simples balançar, e se tornaria uma bela arma de impacto.

— Por que não disse nada, Emily? — perguntou a segunda.

— No final, esse é o jeito dela. Acreditem, ela se preocupa, só não sabe expressar isso do melhor jeito.

As três pararam para observar o semblante orgulhoso de Emily a fitar a porta e perceberam, mais uma vez, que não era à toa a sua posição enquanto presidente do Clube de Literatura.

— Ela tenta desenvolver soluções lógicas para qualquer problema. Não acho que eu encontraria alguém mais confiável para perguntar qualquer coisa. Claro, às vezes vai soar mal, mas eu prefiro que ela não mude seu jeito de ser só para nos agradar.

As palavras da mais responsável ecoaram como nova luz na sala. O potencial motivador existia mesmo quando não era dirigido a nenhuma das presentes.

“Parece que ela conseguiu fazer boas amizades”, Abigail pensou. “Ao contrário de mim…”

Admirou a posição de sua “rival”. Podia não passar de uma brincadeirinha boba, mas os demais estudantes levavam a sério um pouco demais.

Emily e Abigail disputavam, mesmo que extra-oficialmente, o lugar de garota mais popular da escola. Nunca se deram o trabalho de formalizar a disputa e nunca fariam isso, mas a realidade era inegável.

Em cada canto da Elderlog High, os alunos cochichavam sobre qual das duas era a mais bela ou tinha a melhor personalidade. Os rapazes as perseguiram quase que sem dó e algumas das moças as invejavam bastante.

Assim que começou a namorar Jacob, a reputação de Abigail acabou caindo entre os garotos e isso fez de Emily a vencedora. Aquele foi o evento que, ao menos em teoria, findou com a competição.

Agora, cada uma tinha sua fama, sem a relação de intersecção.

— Emily, não tem como a gente correr com isso aqui não?! Eu tô cansada!

— Mas ainda é terça-feira!

— Não me interessa! O cansaço não escolhe dia!

— Okay, okay, vocês duas! — interrompeu. — Vamos acabar logo! Eu sei que a Abigail quer ir para casa.

Assistir essas interações fazia doer algo no fundo de seu peito.

“Eu não fiz amizades assim.”

O principal problema de Abigail Halsey não era Jacob; longe disso.

Era o fato de que tinha noção aguda do quanto significava para as pessoas ao seu redor.

Parando para refletir, o que ela era? Uma garota bonita, inteligente, atlética e confiável, e apenas por isso as pessoas a viam.

— Ei pessoal! Quando a gente sair daqui, tão afim de passar na padaria?

— Não, não! Não estamos em todas aqui! — decretou a presidente.

— O QUÊ?! Olha… A gente pode colocar ela no lugar…! — A menor indicou Abigail. — Ficam quatro, né?!

— Acho que você entendeu o que ela quis dizer… — A segunda se colocou. — Não é uma reunião oficial do Clube de Literatura se estiver faltando um membro.

— Não…! Isso não pode ser verdade…! Só porque eles vão lançar um doce novo hoje… Isso não pode acontecer logo hoje…!

Emily acariciou seus cabelos, causando uma reação extrema na menor.

— Emily…! Isso é vergonhoso…!

— Mas você fica tão fofinha com raiva…! — riu. — É isso que eu gosto mais em você!

— Larga de mim…! E não me vem com essa história de fofa…!

— Mas você é, e isso não vai mudar, independente da pose!

— Para, Emily…!

— Não vai fugir de mim assim…!

As duas começaram um pequeno jogo de perseguição ao redor da mesa. Não foi algo que durou muito, e logo a menor se viu envolta nos braços da presidente, esperneando por liberdade.

Ver isso a entristecia. Queria sentir-se feliz por Emily e, até certo ponto, acontecia, mas bastava pensar mais um pouco para ver isso cair.

A personalidade de “garota prestativa e proativa, inteligente e gentil” não lhe servia de muita coisa. Com isso, ganhou a apreciação de alguns professores e dos colegas de classe, mas disso não passou.

Porque nenhuma dessas pessoas a via por quem era de verdade. A persona “Abigail” era tudo o que conheciam e, por isso, ver todo esse show de autenticidade a feria tanto.

— Ei, menina!

— Huh…? Ah…! Falou comigo?

— A Emily concordou de a gente te levar junto… Quer vir com a gente provar uns doces?

Emily e a outra esperavam na porta, a primeira sorrindo branda. Logo na sua frente, o par de olhos castanhos suplicantes se destacavam. Era como se ela dissesse 10 “por favores” por segundo.

— Eu…

Refletiu sobre a resposta, levando em conta que já deveria estar fora da escola por aquela hora. Normalmente não seria bom que se atrasasse, mas…

— Eu vou com vocês!

— Boa…! — a menor comemorou. — Então vamos logo!

E assim as quatro saíram, deixando a escola juntas, longe do perigo de Jacob…

… Ao menos por enquanto.



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