Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne

Revisão: TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Nova cidade, Nova vida

Capítulo 14: Conspirações e Segredos

O ambiente era diferente dessa vez. O branco nas paredes e os diversos aparelhos elétricos usados para a manutenção da vida eram tudo o que preenchia a sala. 

A falta de silêncio deixava o lugar intranquilo.

Todas aquelas máquinas, fazendo bip-bip infinitamente… Isso enchia seus nervos a ponto de querer arrancar os próprios miolos.

O frio das barras de metal causou um choque de temperatura e o barulho do aquecedor a funcionar lhe incomodava e enchia o canto com uma agonia melancólica. 

Uma atmosfera parada, de gerar um nó na garganta. Estar ali fazia qualquer pessoa ser consumida por um extremo desejo de gritar.

Enfim, um som no meio do inferno branco surgiu. Uma porta se abriu e fechou, trazendo o que tanto esperava e ao mesmo tempo temia.

Os passos do homem de jaleco eram pesados, mas ainda assim,  calculados para fazerem o menor barulho possível, se misturando ao ambiente.

Apreensão. A mulher, sentada, olhava para o chão. Um fio de esperança se enrolava ao redor de seu coração, aquecendo-o para a recepção da notícia que estaria por vir.

Ele parou ali, há poucos metros dela. O chão branco, polido e nivelado, se sorvia com o que seu jaleco representava. Não passava de mais uma cor neutra e era justo essa ideia que ela mais temia.

Uma das lâmpadas de luz azulada piscou. Foi o que permitiu a quebra do silêncio.

— Senhora Martinez, aqui estão os resultados dos exames.

Sua voz correu fria e pesada, direta como a de uma máquina. Isso, em si, a fez tremular.

Mas, aquela não era hora de perder a fé. Apenas depois de saber o que os papéis diriam, teria o direito de começar ou não a se desesperar.

Mediante a entrega do punhado de exames, apressada, não conseguiu se conter e tratou de checar cada indicador.

Dedilhando ansiosamente página após página, um padrão estranho se repetia: tudo estava estranhamente normal, e todos os índices encontravam-se nos valores adequados. 

Era quase como se nada estivesse realmente acontecendo.

Olhou para o médico com esperança manifestando-se nas pupilas amplas… Apenas para ser recebida com o oposto completo vindo do cansado homem.

Por quê? Por que ele também não estava feliz com isso?

Ao ver isso, o sentimento começou a sumir aos poucos, desfalecendo.

— O que ela tem…? Tudo está normal... Ela não tem nada! Como minha filha ficou assim?!

A senhora Martinez agarrou os cabelos, desesperada. Teve de chamar com urgência um velho chaveiro que trabalhava na praça e, com isso, levou mais de quarenta minutos para abrir aquela porta grossa.

Ao enfim conseguir, viu sua menininha desacordada e queimando em uma febre tão violenta que causava dor ao mero toque.

O doutor não se via em posição de falar. Ele também não sabia como deveria reagir àquilo. O doutor apenas fechou seus olhos, tomando uma grande quantidade de ar.

— Exatamente... Nada. A sua filha não tem o menor sinal biológico aparente de qualquer coisa que seja. Não conseguimos realizar qualquer diagnóstico e, para todos os efeitos, é cabível dizer que ela tem uma saúde normal.

Sua voz era misteriosa mas imediata e objetiva em citar e isso apenas fez com que a mulher que ali estava insistisse ainda mais em saber o que estava acontecendo.

— Então... Como?! Me dê uma explicação do motivo da minha menina estar ali, cheia de tubos?!

As lágrimas se formaram. Não podia esconder a dor. Seus olhos imploravam por uma explicação, algo no qual pudesse acreditar, uma coisa concreta, provável e real.

— Exames que dizem nada… Sem aumento de leucócitos ou de metabólitos tóxicos no corpo…

O médico levantou-se, sentindo que não conseguia mais manter a moderada frieza necessária para sua profissão. Um eco ocupou a sala, o som do contato violento de seu punho com a parede de azulejos.

— Nada... Nada... Nada! Os exames não dizem nada! Não há uma mínima alteração em nenhum único indicador! Nada...! E isso... Isso é o que mais me assombra…

Passou a se mostrar tão perdido quanto a mãe da paciente, tendo de se controlar bastante para não começar a morder as unhas.

— Um problema com o qual estamos lutando há meses…!

Sua voz era repleta de raiva e frustração, não contra outra pessoa ou contra algo, mas a si mesmo. 

Demorou em retomar sua postura e, quando enfim o fez, secou o suor de seu rosto, a fitou e disse: 

— Senhora Martinez... Eu só irei dizer isso uma vez... Por favor, preste atenção… Essa é uma coisa muito importante e eu espero que entenda.

Novamente tomou ar para si. A mulher não conseguia tirar seus olhos dele. O que seria essa revelação?

Tossiu um par de vezes, tirando a rouquidão emotiva. Seria terrível ter que fornecer tal notícia, mas era algo a ser feito.

— Sua filha... Provavelmente morrerá nos próximos dias.

As palavras saíram de forma seca e direta. O som unido dessa mistura era inacreditável. Nos primeiros segundos, não houve sequer uma reação por parte dela.

— Logo fará cerca de um ano que estamos lidando com isso. Médicos e pesquisadores estão quebrando suas cabeças em pesquisas sem fruto nenhum, todos tentando descobrir o que raios é essa coisa, como se espalha e qual é o mecanismo por trás de sua transmissão. Até agora, cada uma dessas perguntas permanece sem resposta.

Ele continuou após uma pequena pausa.

— É uma condição completamente desconhecida pela medicina e que afeta pessoas aparentemente aleatórias, e o padrão de infecção é inconsistente a ponto de se pensar que não existe um. Os primeiros casos foram documentados em regiões da Europa, logo depois do fim da guerra, e não demorou muito para algumas cidades aqui nos EUA mostrarem casos semelhantes.

A senhora Martinez desejava qualquer coisa que não fosse continuar ouvindo aquilo, mas o médico não parou.

— Os exames laboratoriais nunca detectam qualquer sinal de doença, contudo o sofrimento é visível... São sintomas em sua maioria inconstantes e pessoas diferentes mostram facetas variadas dessa síndrome, embora os universalmente frequentes sejam falta de ar severa, dores de cabeça, hemorragia intestinal e uma febre tão aterradora que literalmente cozinha seus neurônios, não reduzindo por nada, independentemente de quanto medicamento anti febril seja administrado...

Escutando a macabra história, a senhora Martinez não se conteve e agarrou o médico por seu jaleco, balançando-o violentamente enquanto rios de lágrimas escapavam dos olhos castanhos. 

Ele não reagiu por saber que de nada adiantaria tentar domar a raiva de uma mãe, não importando quais palavras usasse.

— Como assim... Como assim morrer?! Como você pode ter tanta certeza disso? Falar essas coisas... Dizer isso tão naturalmente?! Você não tem família?! Não tem filhos?!

Com o melhor de sua calma, tentou afastar os pulsos furiosos da mulher quase esquelética, temendo machucá-la.

— Senhora Martinez, acredite em mim… Eu não queria estar contando essa história — falou diretamente, negando com a cabeça. — Mas ao mesmo tempo, espero que você entenda a situação em que estamos agora.

Com bastante cuidado, fez com que sua destra largasse do jaleco.

— Elderlog é uma cidade pequena. Se quiser, podemos tentar transferir a menina para Billings, já que lá eles têm um hospital maior e ela poderá receber melhores cuidados. Porém, temo lhe informar que isso não vai fazer coisa alguma pelo estado de saúde de Phoebe.

— Como não vai?! Como você se atreve a me dizer que não tem quem trate disso?! Tem que ter… Tem que ter um jeito de salvar a minha filha…!

Isso doía. Por dentro, se punia por ter entrado em uma luta contra uma mãe amorosa usando argumentos lógicos e tão frios.

— A minha Phoebe… É A MINHA ÚNICA FILHA! — gritou alto demais. — A minha única alegria na vida… E é isso que você me diz…? Que não tem nada que o corpo médico de qualquer hospital possa fazer…?

Mesmo trabalhando todos aqueles anos, jamais entenderia o significado do sofrimento de uma mãe.

— Meu único orgulho… Minha única felicidade… Como você pode ter tanta certeza…? Como sabe tão fácil assim que ela vai morrer?!

Não sabia mais se responder era de fato a coisa certa a se fazer e, por isso, iria ficar calado.

— ME RESPONDE!

Silêncio.

— Nenhum dos casos atendidos em hospitais apresentou qualquer evolução negativa. Os pacientes apenas morrem inevitavelmente, provavelmente pelas consequências da forte febre, já que ninguém consegue dizer ao certo — falou com dificuldade. — Mas a verdade unânime é a de que cada um dos aflitos por isso vai morrer.

Números ou dados não importavam. E daí se muitos já morreram? E daí se todos os que adquirem essa estranha enfermidade acabam perdendo suas vidas? 

Era algo egoísta de se pensar, mas essa mulher apenas desejava a vida de sua filha.

— Vocês tem que tentar fazer alguma coisa... Salvem ela, de algum jeito... Salvem minha filha... Não deixem minha Phoebe morrer!

O doutor ficou quieto. A senhora Martinez debruçou-se sobre o corpo em coma de sua filha, que ligada a todas aquelas máquinas, estava sob a ameaça de um destino selado. 

Ela chorou pesadamente, repetindo o nome da garota conforme segurava firmemente sua mão.

— Phoebe... Phoebe...!

A mãe desolada ficou ali, incapaz de engolir o peso da revelação de que perderia tudo. Nessa maca, jaziam inconscientes suas únicas boas lembranças em vários anos.

— Iremos tentar o possível para fornecer o melhor suporte à sua filha.

O homem abriu a porta outra vez e antes de enfim sair, cheio de culpa, se pronunciou.

— Minhas condolências, senhora Martinez… E me desculpe por isso.

E saiu, deixando apenas mãe e filha para compartilhar aquilo que seriam seus últimos momentos.

[...]

“Esse dia se tornou bem mais cansativo do que devia…”

Seu turno no hospital estava longe de acabar, mas o médico sentia que todas as suas energias foram drenadas por aquela última interação. Seu humor não podia estar pior.

“É a primeira vez que temos um caso de Síndrome X em Elderlog… E os casos estão se espalhando cada vez mais.”

Nos dias atuais, a cobertura sobre a doença não era tão ampla, embora no passado a história fosse muito diferente.

“Por um tempo, acreditaram que foi culpa dos Russos, mas como não tiveram nenhum jeito de confirmar isso, a hipótese morreu.”

A conveniência de ter ocorrido em um pós-guerra imediato trouxe inúmeras teorias da conspiração e suspeitas, porém, por mais sensacionalistas que fossem, estas morreram tão depressa quanto surgiram.

“Só foram poucos casos, por isso que ninguém liga de verdade. Em onze meses, apenas algumas poucas centenas foram afetadas.”

O mundo não iria dar atenção a algo que não ameaçasse sua integridade e, olhando por esse lado, era até racional saber que sequer estavam tentando.

“Mas isso nunca vai ser desculpa suficiente para o amor de uma mãe.”

Levou a mão ao rosto, cansado. O problema é que não poderia ficar assim por mais tempo. Ainda tinha vários pacientes para atender, pessoas pelas quais era possível fazer alguma coisa.

Com isso em mente, rumou ao setor de uma das enfermeiras, onde ficavam os prontuários dos quartos 16-B ao 26-B. Os atualizar era a pior parte do trabalho, mas precisava ser feito.

Todavia, logo quando chegou, teve uma surpresa e tanto.

— Ah, olá…! — A presença carismática de um rosto novo mostrou seu brilho. — Você é o doutor Noah, certo? O responsável pela área de patologia do hospital?

Chegando lá, o homem viu ninguém menos do que a enfermeira novata da qual todos estavam falando.

— Sim, sou eu. Doutor Noah Stews — Se apresentou, mascarando o cansaço. — E você, quem seria, jovem?

Por um breve momento, a jovem moça de cabelos cacheados densos parou de computar dados na planilha do computador, virando a cadeira para dar-lhe um belo e caloroso sorriso.

— Eu sou Hannah Savoia, a nova enfermeira! Prazer em conhecê-lo, doutor!

A educada e vibrante mulher estendeu a mão em um cumprimento. O doutor Noah inicialmente hesitou, mas logo decidiu responder o gesto por educação.

— Igualmente, enfermeira Hannah. É um prazer!

Não sabia descrever direito, mas aquele simples toque…

— Procurando pelos prontuários? Estão todos organizados ali. — Hannah apontou para uma estante ao canto. — Demorou um pouco para colocar tudo onde deveria estar, mas aí está!

Sentiu-se boquiaberto. Em todo o seu tempo ali, nunca na vida encontrou aqueles arquivos tão bem organizados. Era cena comum que fossem somente jogados por ali, sem um mínimo de ordenamento.

— Certo… — Se levou a dar uma resposta. — Vou atualizar o prontuário…

— Okay! Apenas lembre de colocar no lugar assim que terminar, certo?

Aquela enfermeira era uma coisa a mais… Até mesmo dando ordens era carismática e amigável. 

Não tinha muito tempo para ficar ouvindo rumores, mas pelo pouco que escutou, deu a entender o quanto ela fazia a diferença, e tudo isso só nos primeiros três dias.

Todos diziam que ela parecia trazer uma luz a mais, tanto para os pacientes e acompanhantes quanto para os funcionários. Sua presença era quase um milagre!

Afinal, só naquela semana, deram alta em mais pessoas do que no mês passado inteiro.

“O meu cansaço sumiu…?”

Em pensamentos profundos, focou em sua palma direita, a mão usada para cumprimentá-la. Talvez estivessem mesmo certos? Seja quem fosse essa mulher, era como se sua mera presença o houvesse curado de todo o estresse.

O peso em seus ombros desapareceu, assim como a dor de cabeça. Seus olhos clarearam e, de repente, todo o lugar parecia mais iluminado e limpo.

Aproveitando desse novo ânimo, pegou o prontuário, sentindo motivação o suficiente para completar com os novos detalhes.

— Até mais, Hannah! Obrigado por organizar os arquivos — falou, com uma voz mais altiva e viva.

— Sem problemas, doutor Noah! — acenou, animada. — Tenha um bom trabalho!

E logo o médico sumiu, andando mais rápido e respirando melhor, logo se dirigindo à sua próxima parada naquele dia tão cheio.

— Hmm… É hora de ir dar uma olhada nesse caso de Síndrome X.

Esperou para que ele sumisse, assim ninguém suspeitaria. Hannah Savoia, a mais nova enfermeira, parou de digitar e levantou, indo depressa até a estante de arquivos.

Olhou os montes de papéis que ela mesma organizara mais cedo. Após a chegada do médico, faltava apenas a pasta referente à sala 21-B, que foi justo a levada por ele.

“Deve ser uma boa hora para ir na ala e checar.”

A ausência de outros profissionais ou pessoas por perto a deu certo conforto, mas logo isso seria quebrado. Sem mais esperar, a jovem mulher fez seu caminho até aquele corredor.

“Vamos ver…”

Não querendo chamar atenção, fingiu estar carregando um carrinho com bandagens e soro fisiológico de volta para seu lugar, parando em frente à porta.

Na sala, viu uma mãe ao lado de sua filha. Pela posição, inferiu que a mulher teria dormido na maca, junto da menina.

“Por enquanto não vai dar para fazer nada. Seria chamar atenção demais.”

Não podia ficar ali por tempo demais, então andou para longe arrastando o objeto. Em sua mente, contudo, existia um plano claro.

“Eu tenho que dar um jeito de ser a enfermeira responsável por essa menina. Devo conseguir modificar os arquivos para fazê-la cair em minha mãos.”

Hannah Savoia tinha um segredo, um com uma relação tão próxima com a causa dessa síndrome. Estar inserida nisso era nada menos que sua responsabilidade.

“É o que a mamãe e o papai iriam querer. E em especial…”

A encarada resoluta quase não mais lembrava o olhar tão suave e doce da irmã mais velha.

“… É o que tem de ser feito para ajudar o meu irmão.”



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