Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Olhos Voltados para Mim

Capítulo 169: Emissão

Graças a Deus você apareceu…! 

Bastou abrir a porta da frente e Martin quase voltou para o lado de fora, empurrado pelo atirado e preocupado abraço apertado de sua esposa.

— Algum sinal da nossa Emily?!

Se houvesse nele algum semblante de fortaleza, o comentário em questão houvera acabado de destruir.

— Eu chequei pelo máximo da vizinhança que consegui, mas ninguém mencionou nada sobre a nossa menina — explicou, preocupado. — Droga… onde será que ela foi se meter?

A cidade mais uma vez se encontrava em meio a um novo momento de provação e, como se amaldiçoada por uma força maior, criavam-se incertezas maiores ao fim de cada piscar de olhos.

Sem conexão com o mundo externo, Elderlog e seus habitantes viviam os vários minutos de apreensão com os corações a ponto de fugirem do peito.

— … Quando será que a energia vai voltar…? — Alissa olhou ao redor da sala de estar, cuja única luz ambiente provinha das janelas. — Santo Deus, eu espero que não seja mais um ato terrorista…!

Na situação atual, qualquer possibilidade se tornava cogitável e, ao se refletir sobre a aparente preferência de quem seja o responsável por essa localidade em específico…

— Calma… Calma, querida. — O homem de profundos olhos esverdeados a manteve entre seus largos braços. — A gente vai conseguir passar por mais essa… Só precisamos ter um pouco de fé. Quem sabe, não foi um problema tão grande e vai se resolver logo…

— Não dá para manter a calma sem a minha Emily aqui…! — A castanha rebateu, inquieta. — A gente precisa achar ela, Martin…! Não vai ficar nada bem até ela estar aqui com a gente…!

— Você tem razão…

O portador de longos fios loiros olhou pela janela, vendo nada em específico, apenas em mero estado de contemplação. Por dentro, porém, ele cogitava as possibilidades infinitas e, dentre elas…

— … O hospital…

O suspiro se destacou tal qual um monte de luzes de natal, alterando a atmosfera sombria da casa e trazendo novos ares de uma possível esperança.

— Isso… — Alissa se remexeu no lugar, mastigando a ideia. — Isso… pode ser a solução…

Emily não os contou de forma explícita para onde iria ou sequer afirmou qualquer coisa além de “preciso confirmar uma coisa” e “volto logo”. Cheia de energia e impaciência, mal comeu o café da manhã, ganhando as ruas na velha bicicleta cor-de-rosa.

Contudo, por mais que não tivessem muita informação, se de uma coisa sabiam é a respeito do grande carinho pelas amigas que fez nos tempos recentes, logo…

— Eu vou sair de novo — afirmou Martin, já com as chaves do carro nas mãos. — Vou buscar ela o mais rápido que puder.

Perder o contato físico trouxe frio para a mulher abalada, que engoliu a insatisfação em prol da importância maior no momento. De último segundo, deu um jeito de deslizar os dedos sobre o tecido da camisa do marido, dizendo:

— Vê se toma cuidado, Martin…!

A preocupação expressa nas linhas de seu semblante o marcou profundamente, por mais ignorada e recoberta na frase seguinte.

— O que de pior pode acontecer? Não tem quase ninguém na rua — abriu a porta. — Volto logo. Tranca as portas e toma cuidado. Nem a telefonia de emergência tá funcionando nessas condições, então, se precisar…

Apontou para o alto, indicando o andar de cima, código para “a arma tá na gaveta”.

— Te amo, Ally.

… E a porta se fechou, em um THUD seco, deixando para trás, além do silêncio, a súbita e terrível sensação da ausência de algo importante.

“Ele já saiu…”

Alissa tocou os lábios secos, desidratados pela preocupação com o estado de sua princesinha, sentindo cada ranhura e irregularidade na, em geral, suave superfície carnosa.

“... E não me deu um beijo de despedida…”

Ansiedade insurgiu no peito, dadas as coisas não estarem correndo de acordo com o roteiro habitual.

“Fiquem bem, vocês dois!”

[...]

— Hehehehe! A gente ainda não terminou de brincar, Stevie…!

A figura contorcida deslizou de modo demoníaco pelo pequeno espaço do duto de ventilação, incapaz de conter um humano comum de tal porte.

— Você está todo cercado! Ahahaha! Eu ganhei, você perdeu…! Eu ganhei e você perdeu!

— Urgh…! — recolheu-se de medo, diante das características avassaladoras de tal presença.

Diante dele, a menina — aparentemente feita de massinha de modelar — se reconjuntou e reconstruiu de modo ideal, encaixando cada osso e estrutura em seu devido lugar.

Não havia para onde fugir; os pacientes — agora meros bonecos de ventríloquo, mediante o poder absurdo daquela abominação — cobriam ambos os lados do corredor escuro.

As silhuetas revelavam todo tipo de dano, alguns em extensões absurdas, levando os próprios a terem de se rastejar. 

Não poder ver seus rostos, em virtude da escuridão, podia ser chamado de “milagre”.

— Eu venci o jogo! Venci de novo!

Ele tinha 0% de chance contra tamanha anomalia em combate direto e, ao vê-la levantar-se de novo ao seu encontro, entregou-se ao próprio destino.

… … …

— Ehh…?! Ei, quem foi que subiu a temperatura…?!

Mas o abraço da morte não veio, pois, embora já houvesse aceitado a derrota em um nível psicológico, o corpo físico de Steve Evans recusou-se a morrer de um jeito tão patético.

— Tá muito quente…! Argh… Não dá para respirar direito…!

O ar ao redor dele dançava, aquecido pela constante emissão de calor, advindo de cada ponto de sua pele; não era o suficiente para criar fogo, nem tão letal quanto, mas provou-se efetivo além de qualquer ataque chamativo.

A manifestação mais básica de sua habilidade: o mero poder de aquecer os arredores, emitindo energia térmica em seu estado mais puro para as proximidades.

“Eh…?” Ainda temeroso com a possibilidade de morrer, demorou em notar os efeitos no ambiente.

Steve em si não teve qualquer papel consciente no ocorrido e nem mesmo cogitou usar mero calor para vencer algo tão poderoso; uma bela surpresa, entre tanto desespero.

— … Entendi…

Assim como na primeira vez, quando recém-descobriu a capacidade especial.

— Ei, vê se diminui esse calor…! Isso tá deixando os meus cabelos feios…! — Ela exclamou, um tanto distante.

Munido da mais nova informação, o manipulador de chamas passou a dar passos curtos, porém decididos, na direção da estranha despida.

— Uuuuh…! Ei, ei…! Espera…! — hesitou. — Tá bom, tá bom…! Eu te deixo ganhar…!

O corredor em questão não tinha saída para um local mais largo e, ao fim de passos o bastante, existiria somente a parede entre eles.

— Por mais que consiga fazer essas coisas incríveis… você ainda funciona como um ser humano, bem lá no fundo…!

Ao fim de cada passo, Steve punha mais e mais pressão na força vinda de dentro, para aumentar a emissão de calor em grau exponencial.

— Calor é preocupante para você… porque te faz desperdiçar energia de forma constante… e não tem como ter energia infinita…!

Após certo ponto, o mero contato da massa de ar quente com os tecidos dos colchões e as peles dos pacientes faziam surgir colunas de fumaça e fervura.

— AAAAAAAAAAAAAAAAARGH! — gritaram as massas, em coletivo, ao tempo que bolhas tomavam cada canto de suas carnes.

“Me perdoem… Logo vão poder descansar…”

O Evans em si não ficou imune aos efeitos do excesso de temperatura. Embora muito resistente por natureza, para tudo havia um limite e alguns sintomas começavam a se instalar.

“Eu tenho que acabar com isso logo…”. pensou, exausto. “... ou eu vou desmaiar e por tudo a perder…”

A sensação de emitir tanto calor se descrevia para ele como “a pior crise de insolação de sua vida”; dor de cabeça pulsante, ouvir o som do próprio sangue borbulhando, o coração a mil…

O nariz jorrou duas gotas de sangue, que prontamente viraram vapor ao encostarem no chão.

“Se eu não for rápido, quem vai morrer aqui sou eu.”

Arrancou energia de onde sequer imaginava ter e, enfim, encurralou a garota contra parede, onde ria em escárnio, sob risco de vida.

— Wow… Eu tô toda suada… Haah… Que quente… Stevie… — Ela bufava, a postura indicando já estar a ponto de se render a um desmaio. 

Uma a uma, as gotas do suor se juntavam em um grande rio a correr sobre cada centímetro da pele, dando a aparência de estar perdendo litros e litros de fluido por segundo.

As gotas entravam em fervura e sumiam, poucos segundos após tocarem o chão, incapaz de se recuperar usando seu método mágico.

Como qualquer organismo, superpoderoso ou não, ela necessita de substrato para a regeneração e a destruição gerada pela desidratação ataca as próprias bases de seu metabolismo. 

— Ehehehehehe… Mas eu… eu ainda venci… sabia…?

“Huh?!”

— Escuta só… Haah… — apontou para a parede à esquerda, em direção a uma porta trancada. — Um relógio que faz click-click, daqueles com um passarinho dentro… Por que… tem um desses… aqui, Steviezinho…?

Apesar da temperatura, o coração do rapaz viveu a sensação de ser segurado pela mais fria das mãos ao constatar que ela estava, de fato, correta.

Singelo, quase inaudível, o constante bip-bip eletrônico provinha da sala fechada; o som de uma bomba.

— Eu consegui te atrasar…! Te trouxe… para onde eu queria…! — Abalada pelo extremo térmico, caiu de joelhos, na poça fervente do próprio suor. — Eu… venci… o nosso jogo…!

Aos poucos, a pele — de aparência cozida, desgrudada dos ossos — caiu, pedaço por pedaço, marcando sua ruína.

— Foi… Foi o tempo suficiente…! Haaah…! — sorriu, metade dos dentes expostos em puro osso. — Eu ganhei…! Haha… Hahahaha…!

“Ah, não…!” Motivado pelo medo e o alerta, deu de costas e tentou correr.

Foi uma armadilha; ela guiou-se à própria morte, apenas para levá-lo até lá e consumir do tempo precioso até uma saída segura.

— Urgh…! — precisou se apoiar na parede para não perder o equilíbrio, vivendo os efeitos de gastar tanta energia.

— Isso… foi divertido…! — A voz dela soou no corredor, em eco. — A gente… vai se ver de novo… Steviezinho…!

Ou melhor, em nenhum instante ela correu o menor risco de perder a vida.

— … E, da próxima… vai ser de verdade…! — finalizou. — E eu… sou a Anastasia…! Lembra… viu…?! A-nas-ta-si-a!

O som do timer de repente aparentou soar bem mais alto e veloz, além de mais próximo, também.

[...]

— Código vermelho! A comunicação foi cortada abruptamente… Não conseguimos mais contato.

A notícia de cunho quase impossível correu o escritório na velocidade da luz.

Nenhuma das unidades está respondendo?! — questionou o Agente Collins, visivelmente atormentado.

— Nenhuma. — A resposta da Agente Adrianna veio em um tom pesado, por mais que direto. — Depois da mensagem final do Agente Barry, as nossas linhas ficaram mudas…

Cabisbaixa, mais por amargor que por tristeza, agarrou um monte de papeis brancos entre as unhas pintadas na cor de vinho.

— As bombas ainda continuam ativas, mas a missão… — amassou as páginas, rasgando algumas. — … foi uma falha absoluta.

A desmoralização contaminou o espaço repleto de dados e telões tal qual o horizonte da explosão de uma bomba atômica avança, avassaladora. 

Agora, o que restou foi agourar sobre os resultados e bolar, de imediato, a contenção de danos necessária.

— Comuniquem às autoridades federais e aos ministros envolvidos… Precisaremos de uma reunião extraordinária… para além da que já foi marcada para hoje.

Não era sequer meio-dia e tantas coisas já tomaram lugar na nação em risco crescente. 

Algo aconteceu nos andares acima, coisa essa sobre a qual ela desconhecia detalhes. Os funcionários e agentes envolvidos não comentaram muito sobre o tópico e, para começo de conversa, não é como se ela ou qualquer um dos demais pudesse sair dali.

“Eu sei que foi relacionado com tudo isso…”

A administração tem assumido um caráter duvidoso, a partir da captura dos primeiros dois sujeitos. Mesmo sem resultados conclusivos, Grazianni tem sido oposto à ideia de aniquilá-los, movendo peças em ritmo e jogadas questionáveis.

Ficou claro, até para ela, o desejo de militarizar essas “habilidades especiais”.

“Se ninguém aqui soubesse melhor, até diriam que isso tem só a cara de ser a criação de alguém que assiste muito filme, mas, agora…”

A imagem dos momentos finais do drone controlado por Barry permaneceu na tela central do escritório, travada no quadro específico onde dedos humanos podiam ser vistos, cobrindo uma lente a mais de vinte metros acima do chão.

“... Depois daquela missão, há cinco anos... Eu já nem sei mais o que pensar…”

A operação traria mais malefícios em relação a quaisquer vantagens e os problemas para a máquina do Estado contabilizaram possíveis múltiplas dezenas de bilhões.

— O timer chegou ao fim, né? As bombas acabaram de explodir…!

A voz de Robinson — a novata — tomou conta do ambiente ao saltar em meio ao silêncio, em virtude de apontar o óbvio esquecido por todos.

A partir dali, a cidade acabou de ser condenada ao medo e aos resultados de um esquema com total direito de ser nomeado “criminoso”, tudo em nome da nação que juravam, em lema, proteger.

“Isso já é demais… É muito… e a gente não vai suportar por mais tempo.”



Comentários