Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Olhos Voltados para Mim

Capítulo 165: Um Plano Ideal, Ato 5

Salas vazias. As paredes brancas rebatiam a luz natural advinda das janelas. Ao longe, um conjunto de nuvens ameaçava cobrir o sol no futuro próximo.

Nenhum barulho se destacava nos corredores de cômodos fantasmagóricos, consumidos pelo odor da fumaça de uma tragédia violenta, a ponto de nem mesmo uma alma tentar vencer o pesado estado largado dos andares superiores do Elderlog Hospital.

— Caminho limpo — sussurrou a manipuladora de insetos. — Podem seguir; não tem ninguém.

E mesmo assim, eles tentavam, se desafiando a custo das próprias vidas — mantidas por tempo curto e incerto — em busca da escapatória.

— Certo. — A outra garota confirmou. — Se conserve. Vamos precisar bem mais disso quando chegarmos mais lá embaixo.

Suas existências dançavam na frágil linha de um timer automático, das bombas que tornariam o local para cuidado da saúde em só mais uma pilha de concreto condenada a ruir.

— Andem devagar, vocês dois — ordenou Emily, falando o mais baixo quanto podia. — Não tem nenhuma palavra que eu consiga manter por muito tempo para acabar com o barulho, então, tomem cuidado onde pisam!

O corredor à direita revelou estar limpo, tal qual predito pela companhia, cuja qual era levada pelo único garoto na travessia.

— Acha que dá para continuar, Ann? — Ele questionou, soando preocupado. — Foi mal. A gente tá pegando muito pesado de ti.

O braço esquerdo dela ao redor de seu pescoço o dava um pouco da impressão do que se passava dentro da cabeça da menina: era como se ela tivesse o coração dentro do crânio, pulsando mais violento a cada vez.

O estresse nos olhos caídos apontava estar no limite e os desenhos das veias pulsantes na lateral do rosto a faziam parecer doente.

Ficou clara a incapacidade daquele cenário continuar, porém, a contar com todas as adversidades, ela ainda se forçava a manter um semblante forte e inabalável, em face dos indefiníveis perigos.

— Eu tô bem… — disse, de jeito pouco satisfatório. — Dá para nos levar até a entrada, pelo menos.

— Beleza. — Ele sabia se tratar de uma mentira descarada, mas resolveu poupá-la de argumentar. — Se apoia bem aí, então.

Qualquer barulho a mais atrairia a atenção dos agentes, os obrigando a andar com as pontas dos pés, e por mais que já fosse ruim o bastante, o maior medo vinha do principal vilão ali.

— A coisa ainda não esqueceu de nós — murmurou a jovem de olhos verdes. — Pode estar distraída agora, mas não significa que vamos começar a chamar atenção deliberadamente.

Uma única garrafa descartada de soro rebatia um pouco de luz no plástico, rolada de um lado para o outro — poucos centímetros — pela fina corrente de ar.

— Se preparem para termos que fugir a todo vapor até o primeiro piso, porque de lá, vamos pular a janela.

Uma queda de seis ou sete metros não traria consequências tão graves em face de perder a própria vida, se tornando a única solução viável para fugir com chances reduzidas de ser pego.

— A maioria deles se acumulou lá embaixo, então vai ser impossível sem chamar atenção… e sendo assim…

Silêncio absoluto. No canto da parede da intersecção com a última parte do caminho, a Attwood puxou seu foco interno, derramando energias sobre a palavra escrita em sua orelha esquerda: “aguçado”.

“... Hmm…”

Qualquer pequena coisa, por mais insignificante, a atingia de forma amplificada em diversas vezes, desde o bater de asas das abelhas no casaco de Ann-Marie ou o menor sopro de vento.

“Entendi…”

Nada no domínio do hospital podia escapar dela caso focasse o bastante e, entre a miríade de passos apressados, ritmos cardíacos exaltados e exclamações de horror, ela concluiu algo.

— A ala oeste parece livre. Vamos! Vai ser por lá que vamos fugir!

A ação acelerada os preencheu de urgência e fez segui-la até a porta com acesso para as escadas pouco iluminadas.

— Vamos! — A líder se apoiou na barra de ferro do corrimão. — É menos barulhento desse jeito!

Sentada, deslizou no caminho longitudinal de metal polido, causando barulho quase nenhum, à contrapartida de descer as lentas e barulhentas escadas.

Cada degrau era composto por uma única placa não tão reforçada de aço, onde o menor dos contatos daria luz a um eco terrível em meio ao silêncio.

— Eu consigo descer — falou a manipuladora de insetos, ainda em dor. — Já melhorou um bocado. Valeu, Steve.

Ela foi a segunda a fazer o caminho, um pouco mais atrapalhada em comparação a Emily.

— Eeek…! — Por pouco, não perdeu o equilíbrio ao se aproximar do final. — Tá… tá tudo bem…!

Uma queda dali e teriam certeza de existirem mais pessoas e, para além do caminho não parecer fácil, o Evans se questionava quanto a sua capacidade de fazê-lo.

— Eeeh… — calculou, temeroso, a distância de deslocamento.

— Não vá ser covarde agora e colocar o plano todo a perder! — A presidente do ex-clube o desafiou. — É só ter foco e balancear o corpo, tipo andar de bicicleta.

Dito da boca para fora, podia ser fácil.

— Como… andar de bicicleta…? — hesitou, travado pelo medo. — Uhh…

Na noção do garoto, uma comparação tão simples não servia ao contexto, afinal, uma queda de bicicleta não o levaria a um destino pior que a morte.

— Vamos, Steve! Você consegue! — Lá de baixo, sua melhor amiga o incentivou. — Só descer!

“Não é medo de descer, Ann…”

O adolescente de fios em tom de chamas tocou o metal frio, simulando o gesto executado pelas duas, agora sentado.

“É medo de colocar tudo a perder…! Eu não quero ser o motivo de a gente ser encontrado!”

Desde o início do “plano mestre de escape”, Steve se sentiu inseguro e a explicação para isso jazia em um fato simples.

“Eu sou desastrado demais para qualquer coisa envolvendo furtividade…!” refletiu, vivendo no sangue um pouco do pânico de Elderlog High. “Se for algo dar errado, certeza que vai ser por minha culpa!”

Qualidades atléticas e coordenação do próprio corpo sempre foram alguns dos pontos mais críticos no conjunto de “fraquezas” do flamejante.

“Nunca fui bom em esportes… e isso daqui tá com cara de que vai me ferrar…”

Dois segundos se converteram em vários minutos por dentro. Steve viu cada reação, microexpressão e emoção.

Elas não o abandonariam ao próprio vacilo e, portanto…

“É por isso que eu tenho que tentar…!”

Se soltou, descendo em alta velocidade pelo metal liso. No começo, a sensação foi como ter o próprio removido da carne.

— Isso! Conseguiu!

Porém, conforme se aproximou da chegada, desacelerou e sentiu a si próprio por inteiro, de novo.

— Nem foi tão ruim assim, né? Vem!

No final, tudo o que levou foi o passo final, gesto de maior coragem.

— Desçam rápido — ordenou a moça de olhos tingidos em esmeralda. — Vamos continuar assim até o primeiro piso e, de lá, pulamos.

O plano promissor criou a expectativa de um rumo certo e certificado para o sucesso, mas como toda estratégia feita às pressas, tinha um erro crucial para a aplicabilidade.

— Hkk…! — As expressões da jovem se contorceram em um misto singular de medo, desgosto e urgência, ao olhar para o lance de escadas abaixo. 

A solução proposta não contou com a existência de quaisquer imprevistos e o cenário um pouco abaixo abriu brechas para questionamentos e hesitação.

— … Não vai ser fácil passar lá para baixo… — murmurou, inaudível aos demais.

A passagem não se encontrava obstruída ou impedida por algo substancial ou um novo monstro feito de cadáveres, contudo, a mera impressão deixada pintou na mente dela o que deveriam esperar do futuro.

“Não…” tapou a boca com a mão destra, travando os dentes por pura força de vontade. “Não vomita, Emily…”

Nos degraus localizados entre o terceiro e o segundo piso, havia uma mensagem deixada nos degraus.

— Ei, Emily — Curiosa, Ann-Marie se aproximou para ver. — … Aah…

Ver a escrita nos degraus quase a fez colapsar, chamando a atenção do último membro, que ainda tentava se recuperar do susto e preparar-se para os próximos.

— Rolou alguma coisa? — cortou distância, ainda inconsciente do enorme perigo. — Por que vocês…

Precisos dois segundos de silêncio marcaram a contemplação da mensagem cujo conteúdo tanto temeram.

“Os meus olhos estão espalhados por toda parte! ;D”, afirmava a mensagem, escrita em sangue e pedaços de intestinos humanos, cada palavra em um degrau específico.

— Pessoal…

Se por um lado, ler diretamente da fonte confirmou as suspeitas e teorias quanto ao cunho do fenômeno sobrenatural, por outro…

— Eu preciso contar uma coisa… Mais cedo, eu vi uma pessoa no piso de cima…

… Aquilo serviu para exibir o quão fútil seria qualquer iniciativa de combate.

— Eu posso explicar de forma específica depois… agora não é agora. — A Attwood falou, insegura. — Mas, agora eu sei de uma coisa…

O sorriso, a linguagem corporal e a pele e ossos chamuscados voltaram ao topo da mente ao fim de uma explosão de terror e desespero.

— Destruir o hospital não vai resolver nada — apertou a barra com toda força, suficiente para torcê-la sob as pontas dos dedos. — Se qualquer coisa, talvez até piore a situação.

Se nem o incêndio da carne se mostrou suficiente, meras bombas só fariam cócegas.

Fora a destruição completa, os monstros de pele humana são invulneráveis — abominações da natureza — e ter um perigo tão grande, correndo solto…

— A gente vai ter que brigar, e não vai ser só com os agentes — disse, sombria. — Descartem o plano de sair com cuidado; vamos só atropelar qualquer coisa no caminho.

A adolescente sequer hesitou em se posicionar no corrimão para descer rumo ao próximo andar, deixando para trás os amigos estarrecidos pela tamanha impulsividade da ação.

— Fiquem preparados para lidar com qualquer coisa…! — gritou em voz alta, pondo toda a estrutura do plano a perder. — Ficar mais um minuto presos aqui é a maior roubada!

— … Ah, Emily…!

Steve puxou os lados do cabelo, fincando os dedos no couro do escalpo; Emily sequer se preocupou em esperar para que descessem, seguindo por conta própria, degraus abaixo.

Estar sozinho com Ann outra vez despertou nele um novo senso de urgência, o forçando a abandonar o medo e se obrigar a segui-la, caso quisesse sobreviver.

— Vem, Ann…! — segurou o braço da menina. — A gente tem que descer logo e ir atrás dela…!

— Huh?! … Ei…! — surpreendida pelo puxão firme, quase caiu para frente. — Mas e o plano…?!

— Não tem mais plano…! — exclamou, em plena onda de adrenalina. — Ou a gente desce e escapa antes de sabe-se-lá-quando…

A urgência o fez esquecer da ansiedade; focado em sair, o risco do hospital explodir se tornou o pensamento singular do rapaz de labaredas.

— … Ou a gente morre! Seja pelas bombas, os caras armados ou por aquela coisa…! — falou ao topo dos pulmões, puxando coragem interior. — Vem atrás de mim…!

E ele desceu, tão depressa quanto Emily, desleixado quanto aos barulhos e guiado pelo desespero. Em face de tamanha decisão de ordem impensada, não houve como Ann-Marie se manter calma.

— Ah, caramba…! — tomou o corrimão também, deixando o peso do corpo a guiar para baixo. — Não me deixem aqui sozinha, vocês dois…!

Graças a uma curta e direta mensagem, o plano de sair com cuidado e silêncio foi reduzido a cinzas, substituído pela simples e fundamental vontade de permanecer vivo.

Esperem…! — cuspiu o ar dos pulmões, assombrada com a possibilidade de ter sido abandonada.

O tempo levado no caminho para o térreo passou como uma mera faísca elétrica no ar e, antes de perceber, uma cena a qual não esperou ver se fez diante não só de seus olhos.

— Agora mais essa… Tch! 

— Ah… Não…

Emily e Steve permaneciam parados em frente à saída do lance de escadas, reagindo de maneiras diferentes ao desafio mórbido posto à frente.

— … Eh…?

Ann deu um passo mais perto, em busca de se certificar daquilo que viu ao tocar os pés no chão.

— Eu não acredito… 

— Socorro…

“Ah, não…”

— Ajuda… Ajuda…! Dor… muita… muita dor…!

Nenhum dos três podia acreditar no que os olhos mostravam em frente à porta.

— Outro… Agora tem outro…! — Steve deixou escapar um grito. — AAAAAAAAAGH!

Os corpos destroçados dos agentes se misturavam aos dos pacientes, em um conjunto infindável de membros, olhos, tecidos e orgãos mistos.

— Socorro… Não aguento mais… socorro… — disse uma das várias cabeças entre a massa de carne.

A amálgama se assemelhava a um conjunto misturado de diversas cores de massinha de modelar: um conjunto heterogêneo, mas tão misturado que cada peça perde sua singularidade, incapaz de ser separada de forma efetiva das demais.

Ossos quebrados e músculos rasgados saltavam para fora e os incessantes agouros de agonia geravam ânsias de vômito. Acima de tudo, aquelas pessoas estavam vivas, sofrendo cada segundo do inferno de não pertencerem apenas a si mesmas.

— … Aparece… — Uma labareda tomou conta do braço trêmulo do Evans.

— Steve…!

— … Aparece logo e me olha na cara…!

O alaranjado assombrou a controladora de insetos, pela intensidade e extrema temperatura. O fogo alaranjado subia quase metros acima da altura de Steve, alcançando picos maiores, periodicamente.

Porém, o rosto dele foi o que mais a assustou, o vendo, pela primeira vez, verdadeiramente bravo.

Para de brincar com a vida dessas pessoas e aparece na minha frente…!

… … …

— Dor…! Dor…! DOR…!

As cabeças falaram todas a mesma coisa pela primeira vez, compartilhando de uma definição singular para. Em uníssono, o conjunto de rostos e bocas se espremeu e encheu de sofrimento.

A carne do conjunto começou a pulsar — de início, de forma singela —, até formar bolhas por baixo do tecido, maiores a cada vez.

— … Vai explodir…! — gritou ele.

E assim, o fez, espalhando sangue e carne pelo corredor.



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