Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Olhos Voltados para Mim

Capítulo 163: Um Plano Ideal, Ato 3

— A missão começou, rapazes — anunciou o homem descaracterizado. — Partiu começar a festa.

O grupo de composição mista e vestida em trajes cotidianos assentiu, em plena ciência dos passos seguintes. De olhos fixos, cada membro do pequeno conjunto focou no hospital, a certa distância.

Eles olhavam através das janelas da van branca, também descaracterizada. O veículo, estacionado, se encontrava a cerca de duzentos metros da edificação, mista entre os carros parados.

Lá dentro, foi construída uma pequena base de operações improvisada, repleta de aparelhagens para visualização à distância da área por intermédio de drones, além de comunicação direta com os operadores na sede.

Aquele era só um dos grupos criados para atender as exigências do plano de Elieser. Além dos sete — quatro homens e três mulheres — haviam outros agrupados de caráter parecido em outros pontos próximos, só esperando pelo comando geral dado pelo sujeito ao centro da operação.

— Não se esqueçam, homens — dirigiu-se ele aos que acompanhava e também aos que podiam ouvi-lo pelo walkie-talkie próximo à boca. — Não gerem suspeitas. Cada um de vocês pegará somente suas mochilas e agirão longe de visualização pública. As ruas estarão interditadas, então vai ser fácil, mas não vacilem.

Ao fim da explicação, o Agente Barry fitou um a um, absorvendo a confirmação coletiva como a comprovação de não estar lidando com um bando de idiotas.

— A missão aqui não é algo a ser posto a perder e poderemos pagar com nossas próprias cabeças se isso der errado — citou, de braços cruzados. — E é melhor sequer pensarem que foi um eufemismo.

A seriedade da proclamação terminou de abalar os não-afetados pela aparência imponente do caucasiano de grande porte e cabelo castanho baixo, mais parecido com um membro de alto escalão do exército na casa dos quarenta.

— A cidade se encontra em toque de recolher. Nossos agentes estão cobrindo o perímetro e urgindo que as pessoas entrem em suas casas. Ao fim, uma leva de amnésico em aerossol será dispersa na atmosfera, mas não confiem nisso.

A proclamação tão óbvia precisava ser repetida; o caso é especial e não tratá-lo como tal incorreria em erros inadmissíveis, capazes de comprometer todo o sigilo e a segurança nacional.

Afinal, bastava que um aparelho celular estivesse apontado para o lugar errado, na hora errada, e um esforço hercúleo, digno de filme, seria posto a perder.

— Entendido — Barry respondeu a voz do outro lado do aparelho. — Escutem, seus cães! O trabalho vai começar.

Cabeças saltaram em explosões de atenção e alerta, e o pequeno grupo deixou de agir “naturalmente”, esperando as ordens de seguir como nos conformes.

— A equipe 1 já começou a mandar os seus e faremos o mesmo; 3-A, dê um passo à frente.

Dentre os sete, um dos quatro homens inflou o peito, trazendo a pequena mochila consigo.

— 3-A a postos, senhor!

O homem não levantaria suspeitas entre os populares — não que precisasse encontrá-los —, de porte um tanto franzino e trajado de roupas de um simples conjunto de camiseta preta e jeans, o típico Cidadão Americano.

— Você vai entrar pelo terreno por trás da construção — comandou a voz grave. — Instale os artefatos nos arredores em menos de três minutos. Você não vai receber ajuda, então se alguém te ver, impeça antes de sequer ter a chance de ocorrer.

As normas paradoxais adquiriam algum sentido quando se passavam os anos, mas nunca deixavam de soar humanamente impossíveis e absurdas.

— … Mas se não tiver como evitar, não hesite.

Pacientes escaparam e rondam as redondezas. Não lhes foi dada muita informação acerca dos mesmos e isso era assombroso, em especial quando tê-la vale mais que dinheiro.

De qualquer forma, o agente à paisana assentiu, firme.

— Ao chegar, se mantenha em posição, escondido. O sinal sonoro vai ser o sinal de entrada. Sabe o que fazer, garoto.

Deu um tapa nas costas dele e o urgiu a ir — gesto prontamente compreendido —, levando-o a saltar para fora envolto em puro senso de normalidade.

— 3-B, fique preparada. Logo vai ser você.

Uma das mulheres, usando um boné e roupas de academia, apertou a alça da bolsa em confirmação da expectativa.

— Perfeito — afirmou o líder do grupo. — Agora, vamos checar como as coisas estão…

O timer de três minutos no canto do laptop acabou de perder vinte e três segundos e a imagem de um dos cinco drones pintou um quadro nítido lá de cima.

O rastreador no bolso de 3-A indicava estar a pouco menos de cem metros do hospital, nos conformes para o tempo esperado.

[...]

“Explosivos em mãos.” 3-A refletiu em silêncio. “Barra limpa na entrada. Até aqui, deu tudo certo.”

Por felicidade do destino, o hospital foi convenientemente construído à frente de um trecho repleto de árvores, tornando a infiltração simples.

E por mais graça da realidade ainda, a rota dele foi uma das mais fáceis. Durante o caminho, não se deparou com qualquer civil e o muro a ser pulado, baixo, deu pouca dificuldade.

“Esquerda, limpa… Direita, limpa…” checou os arredores com cuidado. “Perfeito.”

O caráter discreto da missão o rendeu ausência de equipamentos de sinalização. O esquema, muito baseado em fé, tinha seus riscos, mantidos pela ausência de algo melhor.

Bombardear de cara seria pregar o caixão dos dias de “paz”, então o ataque viria, literalmente, de baixo.

E esse era o trabalho dele e de alguns dos demais.

“Aqui, a entrada de esgoto.”

O bueiro de tampa redonda, usado para manutenções na rede de esgotamento da construção, foi destampado com praticidade monstruosa, por meio de uma pequena alavanca  tirada de seu bolso.

A tampa cedeu depressa, e um pequeno thump marcou estar destravada, revelando um fosso de quase dez pés de profundidade.

Ele tirou o artefato da mochila pequena, revelando uma peça quadrada em invólucros plásticos brancos. A coisa tinha em si um pequeno mecanismo eletrônico, que responderia ao acionamento à distância.

Não apenas um se encontrava lá dentro, e ao menos mais cinco daquelas enganadoramente potentes bombas seriam postas em diferentes locais dos arredores e zona interna.

A passagem descia até o fundo visível, antes de se bifurcar na passagem de dejetos. Segundo a planta baixa, a passagem de gás passava ali perto, tornada acessível por aquele sistema.

“Um grande erro deles, colocar esse esgoto tão perto do gás”, pensou, colando dois pacotes na parede à esquerda. “Mas vai nos ser vantajoso.”

A explosão em si não podia ser muito chamativa, ou as pessoas suspeitaram, mas também não podia ser muito fraca, ou poderia não ter o efeito esperado.

“Acho que cada um desses deve ser equivalente a uns três ou quatro bastões de TNT?” colocou o terceiro artefato, abaixo dos demais.

O plano era usar a reação em cadeia a favor do fogo: efetivo… e nefasto.

— Feito — suspirou baixo.

Subiu de volta para a superfície, tratando de fechar a tampa e ao olhar para cima, 3-A viu o drone, pelo qual Barry o acompanhava e assentiu com a cabeça.

A confirmação de ter realizado sua parte chegaria ao agente. O próximo passo seria manter-se oculto.

“Direita, limpa… Esquerda, limpa…”

O contêiner verde para o lixo hospitalar — para sua segurança — estava vazio. O lugar fedia a sangue e produtos químicos velhos, mas serviria para se esconder.

Sem hesitar, 3-A pulou para seu interior, baixando a tampa, atento ao sinal sonoro a vir no futuro breve.

[...]

— Instalação concluída — falou Barry pelo microfone do headset. — No aguardo para o avanço.

Além do condutor e do agente auxiliar no banco do passageiro, o comandante se encontrava sozinho na van, tendo despachado todos os sete para suas respectivas posições.

Do local desprovido de suspeitas, ele observou pelos drones a movimentação de seus homens, propriamente alocados em esconderijos estratégicos pelos arredores do Hospital Elderlog.

A equipe 3, sob seu comando, ficou responsável por instalar os explosivos nos arredores do hospital, enquanto as demais se dividiram em diferentes zonas da periferia.

As equipes 1 e 2 ficaram com as tubulações de gás ao norte e ao leste, enquanto 4 e 5, a sul e oeste. Nenhum ponto poderia escapar sem danos, nem que apenas sofresse dos mais leves deles.

Condenar a rede de gás e somar com a micro-crise energética no estado desviaria o suficiente de atenção, os permitindo operar um esquema de remediação por baixo dos panos.

— Equipe 4 acabou de finalizar, também — disse outra voz, também masculina. — Ao aguardo da equipe 5.

— Equipe 5 também finalizou a instalação — Dessa vez, a resposta veio de uma mulher. — Preparar para a segunda fase.

Barry digitou uma breve mensagem no programa de caráter confidencial, alertando a sede quanto ao avanço no plano.

— Já recebi uma resposta — falou um pouco mais alto que o habitual. — Devemos prosseguir agora. Equipe 1, pode acionar o sinal sonoro.

Captado — ouviu outra voz masculina, mais grave.

Não demorou para que ele ouvisse uma única nota alta que sequer durou meio segundo, soando como uma buzina de carro. O barulho se propagaria longe e os ouvidos treinados não precisariam de mais nada.

— Agora é rezar para que a sorte os levem até onde precisam.

A ordem final de entrada no hospital e instalação da segunda leva de explosivos foi liberada. O objetivo não é destruir o lugar, mas apenas provar que as estruturas de Elderlog são deficientes.

Um pouco de fumaça e algumas paredes quebradas poderiam condenar a estrutura, mas nada que um pouco de verba federal planejada estrategicamente não vá resolver.

[...]

HNNNNK!

O breve som marcou o início da segunda fase, detectado pelos ouvidos apurados dos sujeitos em disfarce.

Agentes do grupos 1 e 2 se dirigiram às pressas pelos arredores da zona norte de Elderlog — menos habitada — em carros comuns, descaracterizados, enquanto os demais e mais próximos, andaram ou apenas se prontificaram para entrar.

Em dois minutos, as equipes 4 e 5 se juntaram a 3 e a primeira fase do assalto se iniciou.

— Lembrem — disse um deles, da equipe 3. — Instalem os explosivos e saiam. Iremos até o segundo piso.

Os demais assentiram, tão cientes do plano quanto ele. De início, os que já se encontravam lá deixaram as bombas no andar superior, enquanto os demais as colocariam no térreo, estratégia pensada em ganho de tempo, maior recurso nas circunstâncias atuais.

— Entendidos, vamos entrar.

A entrada dos agentes mais se parecia uma invasão terrorista, onde todos levavam os artefatos que destruiriam o lugar e deixariam marcas permanentes na pequena Elderlog.

Não se faria necessário chamar a atenção de cada um, pois tão logo entraram, já se dividiram para realizar o prometido.

“A planta baixa fala que é por aqui.” A mulher trajada em roupas de academia aguçou a visão. “Duas salas para a esquerda, no corredor principal… Ah, é ali.”

Dentre as sombras do ambiente de características quase indistinguíveis, uma sala saltou aos olhos, usada para descanso dos trabalhadores.

“É na parede dessa sala que passa um duto de gás” chutou a porta, que revelou estar aberta. “Huh… conveniente…”

O local sem janelas revelou uma atmosfera ainda mais opressiva que a do lado de fora, de um breu com aspecto infinito, impossível de se navegar sem esbarrar em algo.

“Não vai ser problema.”

O kit básico operacional de cada agente contava com uma pequena lanterna, tão grande quanto um dedo indicador. Sem hesitar, a mulher loira puxou o objeto do bolso colado e apontou para as trevas.

— … Mas que bosta…

Tomou um passo para trás, pasma mediante a visão de vários corpos entregues sobre as camas desconfortáveis do pequeno quarto — ao menos, “corpos” foi como ela desejou chamá-los.

— Tantos cortes e torções… mas nenhum deles tá sangrando…

O treinamento recebido ao entrar permitiria saber bem antes onde estaria se metendo, caso percebesse a menor das fragrâncias ferrosas do sangue.

“Não estão se movendo… Será que estão mesmo mortos?”

Os cadáveres — três mulheres — foram distorcidas por uma força maior, quebradas além do reconhecidamente humano.

“Que cruel…”

Os punhos foram invertidos, pescoços virados em sentidos impossíveis, uma tinha a mandíbula quebrada, como se algo houvesse forçado sua saída, joelhos deslocados e colunas arruinadas por torções incompatíveis com a vida.

Porém, nada vencia o fato de não existir sangue.

“Tenho que ser rápida.”

A agente lutou internamente e suprimiu o medo e a apreensão, focando em fazer seu tempo ali ser curto. Prontamente, ela instalou os explosivos na parede ao fundo da pequena sala, colando os três em pontos estratégicos, ao longo do trajeto da tubulação.

O gás ali presente geraria uma explosão de caráter muito intenso, que se espalharia pelo restante do espaço. O plano era perfeito em teoria.

CLUNK!

— Huh?! — saltou, tomada de surpresa pelo barulho, mista da estranha escuridão.

Alguém fechou a porta da sala de descanso, fazendo da pequena lanterna sua única fonte de luz.

— Ei…! — bateu na porta com a mão. — Abre isso…! Não é hora de brincar…! Ei…!

A madeira nem dava sinais de possível movimento, trancada por fora por alguém cuja identidade ou sequer presença recusava a revelar.

— Me tira daqui…! Para! — tentou chutar a porta com toda força, sem sucesso. — Ei…!

Nem as táticas de arrombamento aprendidas no treinamento serviam; era como se a porta houvesse se tornado uma só com a parede ao seu redor, impossível de violar ou sequer fazer tremer.

ALGUÉM…! — gritou ao topo dos pulmões, batendo com os punhos na estrutura. — EU TÔ AQUI! EI…! EU TÔ PRESA!

Ninguém respondeu.

— EU TÔ PRESA AQUI! AJUDA!

Ninguém respondeu.

“Não… Não… Não…!”

As bombas explodiriam ao final da instalação, de forma remota; violar o lacre e tentar desativá-las à força não servia e só aceleraria a detonação.

— Socorro… Socorro… Socorro…!

Seu “sacrifício” seria visto como algo honroso, ou seja, ninguém voltaria para buscá-la, pois, “em nome da missão, mortes poderão se fazer necessárias”, era o que dizia no contrato.

Ela morreria ali, abandonada em consequência de uma brincadeira idiota, por um culpado que, possivelmente, jamais pagaria pelas consequências de tal ato.

Eu não quero morrer… Eu não quero morrer… Eu não… — parou, de repente.

Alguém respondeu.

— Eh…? — pressionou as costas contra a porta por reflexo, mantendo a pequena lanterna apontada para frente.

Os corpos permaneciam em seus locais, estáticos, porém, ela ouviu algo se mover.

— Tem… alguém…?

Só um pouco, bem de leve, mas os ouvidos não mentiriam; o que ela ouviu naquele segundo veio das camas de descanso, como se alguém houvesse mudado de posição ou se levantado.

— Tem alguém aí? — falou mais alto, trêmula da cabeça aos pés.

Contudo, os três cadáveres permaneciam os mesmos em aparência e desfigurações grotescas, a encarando como se fosse a culpada quanto às suas condições, zombando e se deleitando em seu pânico.



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