Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Olhos Voltados para Mim

Capítulo 160: Um Plano Ideal, Ato 1

SOCORRO…!

Ele correu, o ar escapando dos pulmões, sem olhar para trás, por medo de acabar vendo o monstro de carne cortar distância mais depressa que o antecipado.

ALGUÉM ME AJUDA!

Somente ele existia nos longos e brancos corredores do hospital, isolado do contato humano e entregue à morte certa.

Desesperado e sem esperança, só restava correr, embora parte dele já reconhecesse o destino nada agradável que o aguardava no fim do próximo corredor à direita.

— O QUE EU FIZ PARA MERECER ISSO?!

A criatura feita de partes humanas rugiu, esticando seus membros em rumo ao caminho tomado pelo rapaz, um infeliz corredor sem saída.

— É… É o meu fim…

No local onde se esperaria ver mais uma porta ou passagem, apenas a parede de lajotas indestrutíveis por mãos humanas se colocou em seu caminho, marcando a parada final.

— Uhh… Uuuh…! — A grande sombra cresceu, interrompendo a passagem da luminosidade.

— Shiiieeek… — E os barulhos de carne se tornaram mais próximos, quase como se o chamassem para compor parte de si.

Aaaaah…! — exclamou, sem muito ar. — Por favor… NÃO!

A coisa esticou um dos múltiplos tentáculos moldados a partir de dezenas de intestinos, e ao fim…

… … …

— Uh…! Ah! Não…! — Com um solavanco, Steve despertou para o mundo real, sentindo o tecido da maca sob suas mãos. — … Eh…?

O aspecto confuso do rapaz com cabelos de labareda escaneou a sala, ainda em profundo estado de alerta, até ser recepcionado por dois pares de olhos: um caloroso e o outro, bastante irritado.

O lugar onde acordou era um dos quartos das enfermarias, bastante largo e com espaço para, ao menos, quatro ou cinco macas. Além dos três, nenhum sinal de outros pacientes existia e, para seu alívio, também não viu um traço de sangue.

A porta de entrada à esquerda foi bloqueada por uma das macas, colocada de forma estratégica para que as estruturas metálicas travassem as maçanetas, e para a direita, além das janelas…

— Steve…! Ainda bem que deu tudo certo…!

Ann-Marie estava bem ao lado e seu semblante iluminou um pouco com o passar dos primeiros segundos, a explosão de alívio se fazendo marcada ao se levantar da cadeira para falar com ele.

— Não tá sentindo nada de mais? Tipo, um zumbido no ouvido ou alguma coisa assim?

O qual amigável e preocupada ela se mostrou fez questionar, a ponto de dar um tapa na própria cabeça com a polpa da mão.

“Será que eu ainda tô desmaiado e esse é outro sonho… Será que eu tô divagando?”

— Aaah…! — Ao vê-lo fazer isso, a menina se desesperou e agarrou o braço dele para impedi-lo. — Não faz isso…!

A pequena disputa gerou de resposta um grunhido firme, abrindo ainda mais a noção dele quanto ao tamanho do espaço e seus ocupantes.

— Dá para vocês dois ficarem mais quietos aí atrás? Eu tô tentando focar nisso aqui..! Sem falar que vocês vão chamar a atenção daquela coisa…!

Ver a pessoa no final da sala foi o que consolidou a realidade dele — tudo nos conformes, esse era, de fato o mundo real — e Emily continuar tão brava quanto antes serviu de prova final.

— Se quisermos fugir daqui, vai ter que ser do jeito mais silencioso possível… E, ah, aproveitando que acordou… me desculpa pela explosão… — baixou o tom por um breve momento. — Você não machucou nada, né…?

“Ok, talvez eu precise colocar um pouco mais de força…” Para se certificar, o Evans mirou um último golpe contra a própria cabeça.

— Ahhh…! Ei, para! — E, como esperado, a manipuladora de insetos entrou em pânico mais uma vez. — Deixa disso! Quer ter uma concussão?!

No curso da curta interação, Emily se recusou a olhar na cara dele — ou sequer olhar para trás, no geral — e, embora a relação dos três não tenha começado do melhor jeito, ele não via razão para continuar perpetuando as hostilidades.

— Tá tudo bem comigo, sim… — olhou para baixo, percebendo a maca hospitalar padrão, presente nos leitos. — Como foi que eu cheguei aqui…? Digo, depois da explosão…

— A gente te arrastou — disse a jovem de olhos verdes. — Com a minha força melhorada, você foi peso leve.

Por um breve instante, a Attwood esticou o braço esquerdo para a lateral, mostrando a palavra “forte”, escrita no dorso da mão.

— Aproveitando que acordou, vamos discutir como sair daqui. Ficar aqui dentro por mais um mero segundo sequer vai dar abertura para aquilo continuar nos caçando.

— … Tá bom… — Steve confirmou, esticando as palavras. — Uuuh…

A atenção do piromante se focou no grande objeto sobre outra maca, o grande painel de vidro, um pouco rachado nas bordas, a explicar o esquema do andar.

— Ei, Ann… aquele ali é…

— É isso mesmo que você pensou — cortou-o. — Ela arrancou da parede no braço, enquanto eu te trazia para cá… Vem cá, certeza que tá tudo bem?

— Eu já disse que tô bem, tá bom? Não precisa ficar tão preocupada… E aliás… Emily, você tem um plano para a gente sair daqui, né? Vamos ouvir.

A atmosfera pesada de antes ainda mantinha seus restos sobre os ombros dos três, mas, no momento, o foco deveria ser outro.

“A gente pode resolver as nossas diferenças depois, mas por agora, a hora é de trabalhar todo mundo junto.”

As memórias do fogo o invadiram outra vez, fazendo-o lembrar dos segundos de tensão e agonia, enquanto pegava a primeira cadeira visível em meio à bagunça.

E dentre as lembranças dolorosas, um conjunto peculiar saltou à frente das demais.

“Ryan… Onde tá você? O que aconteceu contigo?”

As palavras dele não saíram com muito jeito ou se preocuparam com soarem “inspiradoras”, mas cada interação e troca de verdades e dores ficou cravada na carne de Steve.

“Você tá vivo, né? Eu sei que tá…”

Sentou ao lado de Emily, que ainda não o fitou. Trêmulo, tomou o máximo de cuidado para não fazer barulho desnecessário, tomando um grande gole do ar parado do canto isolado.

“Me dá alguma coragem agora… que nem naquela hora…”

O rapaz cujos cabelos crescem em padrão de labaredas engoliu o seco; ele tinha algo a dizer, e isso não podia ficar para depois.

— Emily, eu e a Ann vamos te ajudar com os seus planos… É uma oferta nossa, que não estamos te obrigando a aceitar — começou. — Mas… caso aceite, eu tenho uma coisa para pedir em troca…

Dois segundos de silêncio… dois segundos sem o olhar de resposta; certo ou não, iria terminar o que começou.

— A gente precisa de ajuda também, com muitas coisas… A Ann e eu suspeitamos que tem uma nova série de crimes acontecendo… A gente tem algumas pistas, mas nada que leve longe… E, além disso…

A coisa mais importante ficou para o final.

— Precisamos achar o Mark, a Lira… e o Ryan — citou, perdendo um pouco da firmeza no final.. — Não sabemos muito sobre os paradeiros deles, mas eu acredito que eles estejam vivos… É no eu quero acreditar… então, Emily… A gente só vai conseguir chegar lá com a sua ajuda… Não temos força o bastante sozinhos e nem a influência que você tem… Sem você, a gente não pode fazer nada.

De longe, Ann lançou um aceno curto de aprovação, associado a um pequeno sorriso, o motivando a ir ainda mais longe e questionar a última pergunta de cara.

— Você vai nos ajudar? — A voz suave quase não foi ouvida. — Por favor. É literalmente uma questão de vida ou morte para nós.

[...]

— O que aconteceu hoje em Montana foi completamente sem precedentes…

O presidente andou devagar de um lado para o outro de seu escritório na Casa Branca, seus passos a comporem a única fonte de barulho no local fechado.

— O sujeito por trás dessa balbúrdia não apenas se mostrou diante de nós, mas também revelou ter aliados tão capazes quanto… De fato, estamos em uma situação nada agradável.

Além dos portões de entrada e dos belos jardins, jornalistas se acumulavam aos montes, buscando ouvir o relato da maior autoridade da nação a respeito das perguntas mais capciosas sobre o desempenho dos passos futuros.

Os guardas serviam de principais barreiras e alguns secretários se incomodavam com a tarefa de tentar apaziguar os ânimos, respondendo conforme o previamente planejado, usando frases prontas e fechadas.

— Felizmente, temos como cobrir isso, mas nenhum de vocês me forneceu garantia alguma — citou. — As pessoas não vão continuar comprando essa brincadeira por muito mais tempo, Elieser.

O chamado ao primeiro nome soou fora de lugar em meio ao ambiente profissional, algo cujo qual o costume de ocorrer só se dava em dois momentos: congratulação ou indagação.

Sequer precisaram pensar para compreenderem se tratar do segundo.

— Positivo, senhor — respondeu, um pouco mais baixo em tom que o habitual. — Um trabalho de desinformação avançado já se encontra em progresso, mas estará mais afiado ainda nas próximas horas.

— Sabe que eu acabei de dizer que isso não é o suficiente, não? — suspirou, cansado. — Mas, bem… É você quem sabe como operar, eu só preciso estar ciente das coisas. O relatório falso sobre os problemas de Elderlog não vão me trazer muito problema…

A bela mesa de centro, talhada em madeira de lei, detinha sobre si um conjunto espesso de papéis, escrita e registros, fabricados na intenção de condenar a infraestrutura das tubulações de gás em Elderlog.

— Vamos cobrir com isso por enquanto, mas quero uma solução mais definitiva. 

Nenhum especialista diria a diferença entre tais provas e qualquer evidência real, e o conforto de saber trazia até um certo alívio.

A questão, porém, é que o “conserto” só serviria até tal ponto.

— Vai se repetir de novo se não acharmos o sujeito e trouxermos o fim para essa brincadeira… Tamanha ousadia precisa de um limite.

O resumo completo da história chegou aos seus ouvidos tão logo o ataque se iniciou e, como tal, detinha de conhecimento das filmagens tiradas do hospital e da nova pessoa envolvida.

— Quero essa menina de cabelo rosa capturada, custe o que custar e foi por isso que o chamei aqui, Agente Menéndez.

— Positivo, senhor presidente!

A confiança contagiosa do homem mais jovem se espalhou pelo cômodo como fogo de palha; ele descruzou as pernas, alinhou o tronco e, com um sorriso de canto, aprofundou nas proclamações.

— A operação com o [Quebra-Mentes] liderada por mim foi um sucesso e viu o resultado por si próprio — mostrou os dentes, seguro da própria posição. — Portanto, pode garantir que vai ser um serviço bem-feito.

— Sei que mostrou seus resultados, mas não seria tão confiante assim se estivesse no seu lugar — olhou-o ao fundo da alma. — Se as informações oficiais estiverem corretas e o sujeito for invulnerável a formas de dano comum, uso de coerção e poder de fogo não serão efetivos.

— Sim, sim… Eu já estive ciente de que diria isso, mas foi por isso mesmo que me chamou, né? Meus métodos não são exatamente os convencionais…

— Hah. Se não fosse tão metido e cheio de si, seria o agente ideal.

— Vou tratar isso como uma grande honra, senhor — riu de canto, retornando à postura relaxada no sofá.

— Não foi uma, mas você não vai me escutar, de qualquer forma. É uma sorte que a sua habilidade compense a petulância.

De pronto, a porta se abriu e dela surgiu um homem paramentado de vestes formais e óculos escuros: um guarda-costas. Silencioso, entrou e saiu sem cerimônia, deixando sobre a mesa uma maleta.

— Bem, bem… Vejamos qual será a próxima maluquice que eu vou precisar fingir para o próximo repórter ou correspondente internacional que entrar por aquela porta…

Mesmo se tratando de um documento direto da CIA, o controle de segurança deveria ser feito sem falhas; nenhum documento ou bem de origem externa chega às mãos do presidente sem uma inspeção prévia e ele se orgulhava disso.

— Vou ler esses papéis assim que surgir um pouco mais tempo, então, por que não me conta um pouco do resumo, Grazianni? — bateu a pilha contra a mesa, pondo-a em ordem.

— Iremos nos usar da situação com as notícias falsas para bombardear o hospital e criar uma fatalidade calculada — afirmou, sério em excesso. — O local vai ser destruído e há expectativas de que as áreas civis dentro de trezentos metros sofram algum dano.

— Entendo… Sabe de uma coisa? Não é um mau plano; não vai custar minha reeleição e pode distrair o povo por tempo suficiente… Você tem o meu aval.

Antes cabisbaixo e tenso, o administrador sentiu os próprios olhos se encherem de luz.

— … Irei iniciar a operação de imediato, senhor. Não vai se desapontar.



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