Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Olhos Voltados para Mim

Capítulo 158: Suspeitas

— Normalmente, a grande maioria acha a ideia de fazer um “clubinho do livro” bem chata e entediante, e logo quando eu comecei, já sabia que ia ser assim…

Em face da pilha viva de carne e ossos, Emily chamou pelo poder no âmago de sua alma, usando do pequeno marcador preto para gravar uma mensagem na superfície plástica da garrafa de álcool.

— De início, não ter muitas pessoas interessadas soou horrível, sabia? As pessoas não se instigavam de verdade pelos mundos, por explorar a criatividade dos autores e cogitar sobre o que eles estariam pensando e sentindo ao escreverem os textos… Por um tempo, foi bem solitário.

Agarrar a garrafa trouxe à tona as boas e ruins memórias daquele tempo. Enquanto viveu, o Clube de Literatura nunca foi famoso ou popular… ao menos não pelos motivos certos.

Juntar os poucos membros, oficiais até o dia da morte da instituição, foi uma tarefa árdua como nenhuma outra e o fato da maioria entrar por vários outros motivos só dificultava.

No fim, a maior parte só queria saber de se tornar um pouco mais próximo da ideia idealizada da qual detinham sobre Emily Attwood.

— … Só que, tudo bem…

 Uma última vez, os olhos brilharam em um verde potente e, enfim…

— … Porque o poder por trás de cada palavra só é entendido por quem as escolhe de corpo e alma…! — proclamou, em alto e bom tom. — Desvia!

Ela atirou a garrafa em direção à criatura com potência descomunal, ao mesmo tempo em que tirou o pé do contato com a palavra “preso”.

— Eh?! — O Evans quase caiu ao sentir-se capaz de andar outra vez.

O monstro de carne também recobrou a própria mobilidade como efeito, mas antes de poder agir e continuar seu processo de assimilá-lo, a garrafa fez sua aproximação final e a tocou.

Os instintos aguçados de Steve focaram no objeto transparente, cuja palavra escrita se fez clara, mesmo dentro de um tempo de leitura tão curto.

“Ah, não…!”

Desespero o consumiu da cabeça aos pés e os espasmos dos músculos unidos o levaram para o mais longe possível com um salto para trás. A palavra escrita era “explosivo” e o atraso acabou de passar.

BOOOOOM!

“...!”

A pressão do ar contra os ouvidos criou um vácuo e a consciência lutou para não se esvair, no instante em que a massiva onda de choque e o brilho alaranjado do fogo o acertaram de corpo e alma.

Mesmo longe, a força do artifício usado por Emily foi demais e, ao longe, a visão borrada o mostrou o semblante preocupado de Ann-Marie, correndo em desespero na sua direção.

“... É verdade mesmo…”

O corpo dele colidiu três vezes e parou a quase cinco metros da explosão inicial. Felizmente, não sentiu nada quebrado, embora duvidasse da acurácia dos próprios sentidos, e um pensamento do passado recente veio à tona.

As duas sombras chegavam mais perto, uma delas bem mais rápida que a outra, tornando-o capaz de dizer quem é quem, por mais que não conseguisse enxergar detalhes.

“‘Um deus’, né…? É… Acho que eu falei demais quando disse que poderia matar ela um dia…”

— …ve…! Steve…!

“Acho que você tá certa, Ann…” pensou, vendo os sentidos pararem. “Não tem nada que ela não possa fazer.”

— Steve…!

… … …

Por breves dois segundos, o único som no andar como um todo veio dos tecidos queimados da pilha de carne, já sem vida.

— … Steve… — Ann, ajoelhada, desistiu de tentar despertá-lo.

— Ele tá só desacordado. — Os passos lentos de Emily seguiram sua voz firme. — Não era para a explosão ter sido forte assim… Talvez eu devesse ter usado “inflamável” ao invés de “explosivo”... Hmm…

O caminhar descuidado e o tom condescendente acenderam uma faísca de raiva em Ann-Marie, que ignorou as desavenças prévias e seus resultados, pronta para criar novas.

Qual é o seu problema…? — perguntou, pressionando as unhas contra as palmas da mão. — … Depois de tudo isso, você…

— Ei, ei — interrompeu. — Eu tô aqui para ajudar. Vocês conseguiram. E, em primeiro lugar, ele tá só desmaiado! Foi um erro de cálculo!

— “Erro de cálculo”?! Ora, sua…!

— Vai querer começar aquela briga de novo? — A Attwood a encarou de forma fria. — Não tem muito com o que você lutar aqui, e eu ainda não desconsiderei completamente plantar a minha mão aberta na sua cara e afundar esses dentes, então, antes de qualquer coisa, agradeça.

A pressão avassaladora a fez retroceder, embora não por completo; Ann logo questionou o próximo movimento da nova “aliada”, ao vê-la ajoelhar perto de Steve.

— … Vai fazer o quê…? — questionou por cautela, atenta ao marcador.

— Acordar ele, é claro — Emily rebateu como se não passasse do óbvio. — Eu não vou ficar arrastando ele desacordado por aí, se é isso que tá pensando.

As respostas afiadas e impacientes a fizeram pensar sobre como a Emily de agora podia ser uma pessoa tão diferente da “Emily” conhecida pelas pessoas da escola.

“Elas quase se parecem pessoas diferentes, agora que eu paro para pensar…”

Não havia aluno ou professor em Elderlog High que não tivesse as melhores opiniões e conceitos quando o assunto era discutir Emily Attwood; as pessoas a adoravam, endeusavam e a mantinham na mais alta estima.

Perguntar nos corredores acerca dela gerava múltiplas reações, desde inveja borbulhante vinda das outras garotas, até as maiores “quedas” e admirações amorosas, provenientes dos rapazes.

Ela era vista como “a mais bonita, agradável, uma ótima líder e estudante brilhante”, alguém para se inspirar e se motivar a seguir, a partir do brilho emitido por tamanha figura.

“... Mas não é isso…”

Muito diferente, a ponto de ser difícil caracterizar ambas imagens como pertencentes ao mesmo indivíduo; era como se fosse outra, uma impostora.

“Não… Essa é a verdadeira.”

A “Emily Attwood” de Elderlog High não passou de uma sombra para esconder essa, a legítima face por trás da Presidente do Clube de Literatura.

— Terminei aqui. Isso deve ser o bastante para trazer ele de volta — anunciou em voz alta, pouco paciente.

Os dedos ágeis de Emily escreveram uma nova palavra na testa do rapaz desacordado e, ao lê-la, surgiu outro questionamento importante.

— … E se ele tiver quebrado alguma coisa? O que a gente…?

— A gente vai ter que pagar para ver — ativou o efeito.

Passou o dedo indicador sobre a palavra — “consciente” — apagando-a de forma mágica e, ao  fazê-lo, pequenos movimentos vieram das pálpebras de Steve.

— Ufa, funcionou…! — suspirou, soando aliviada de verdade. — Ele vai acordar logo, mas a gente vai precisar de um plano para fugir daqui…

Pequenos barulhos vieram dos dutos de ventilação, à distância. Por hora, pareciam não significar perigo, mas as experiências prévias se provaram suficientes para demonstrar o contrário.

— Seja o que for, eu tenho a impressão de que isso não tá só por esse piso… Sair daqui vai ser trabalhoso e vamos precisar trabalhar juntos.

Hmmm… — gemeu, mais próximo de despertar.

O efeito rápido foi surpreendente. Se puxar alguém da inconsciência podia ser assim, tão fácil, então as bordas antes estabelecidas quanto aos poderes dela urgiam de uma expansão.

“Inacreditável…” Ann mordeu o beiço, um tanto estarrecida.

Presenciar tamanha exibição até a fez se sentir mais fraca e incapaz em comparação; nunca houve qualquer chance contra Emily e a noção disso se fazia maior a cada segundo.

— Então vamos caçar uma sala segura o suficiente e começar a pensar… E de preferência, não ficar falando tão alto.

[...]

— E aí? Me fala mais um pouco sobre você, novata! Tenho te visto passando aí todo dia com aqueles montes de papelada e, olhando direito, não me parece do tipo que pegaria numa!

Melissa não fez tanta questão de esconder interrogatório mascarado como conversa, tampouco de se impedir inspecioná-la de cima a baixo, cheia de orgulho notável.

O discurso condescendente, cheio de baixas expectativas e um senso de surpresa irreal não a surpreendeu nem um pouco, todavia.

— Ah, não é nada muito especial! Eu recebi o curso básico de treinamento tático, mas admito que só foi para fechar a carga horária necessária e ter a mínima capacitação! Minha área é a papelada mesmo…!

Demonstrar antagonismo seria o pior jeito de lidar com a situação. Para lidar com esse tipo de contexto, agir com humildade e até se mostrar deliberadamente inferior serve de boa resposta.

“Ela tem suspeitas de mim… Bem, isso é natural, considerando o quanto eu ameaço a posição dela como agente prestigiada, aqui dentro… Huh! Uma crise de invejinha…!”

Porém, por mais que quisesse rir e até zombar um pouco com a situação, Hannah não podia culpá-la por se sentir assim e, para além disso, solidificou outra linha de pensamento.

“Não vai demorar para ela começar a me investigar, isso se já não estiver fazendo. É uma pena que não vai ter o que encontrar.”

O pensamento acelerado da Savoia fez o raciocínio passar em um flash, colocando-a dezenas de passos à frente de Bauer.

— Soube que se acidentou com o [Ilusionista] durante a missão de captura — mencionou. — Ele é um sujeito interessante! Eu e o Agente Walker estávamos discutindo um pouco sobre ele!

Mediante a menção, Gordon — que conversava com colegas — acenou com leveza. Ele decidiu dar um pouco mais de espaço para as duas, para que se conhecessem sem a sua interferência enquanto superior.

— Dito isso, estou bastante curiosa com o caso. Pode me falar um pouco mais sobre como foi confrontá-lo? Gostaria de pegar mais informações diretamente e…

— Não sabe o significado de um relatório?

A face de Melissa, antes pálida, evoluiu para algo gélido e coberto de desgosto, o braço na tala sendo envolvido pela contraparte, relacionado às memórias do incidente.

— Se não sabe buscar nos registros, fale com seu superior, embora eu ache que se não sabe sequer fazer isso, talvez nem devesse estar aqui.

Sem explicações, virou de costas para a recém-chegada e a fitou pelo canto do olho, em seu cenho repousando uma expressão ilegível.

— Tô vendo que isso aqui não vai evoluir para lugar nenhum e eu tenho coisas mais importantes para fazer do que ficar plantada por aqui.

— Ah… certo. Eu… vou dar uma olhada melhor nos relatórios, sim… Obrigada…

— Você quem sabe o que faz. Tá tudo escrito lá, de qualquer forma — complementou, sem dar muita atenção. — Agora, se me dá licença, eu tenho um assunto para cuidar e…

— Ah…! Ali está ele…! — Um dos demais agentes falou alto. — Vamos exigir explicações!

Todas as presenças na cena de crime pararam mediante a chegada de Grazianni, vindo do elevador no final do corredor à direita. Sério, o homem de fios e barba brancos vinha acompanhado de quatro outros, três deles trajados com vestes táticas.

Os andares de cima permaneceram fechados pelos vinte minutos seguintes ao comunicado para a ativação dos protocolos de segurança, sob a justificativa de coleta de evidência, logo, ouvi-la da fonte direta se tornou assunto de extrema importância.

— Ei, o que foi isso?! O que aconteceu aqui dentro?! — O mesmo homem iniciou uma série de perguntas. — Quantas outras fatalidades foram documentadas?!

— Ainda estamos avaliando a dimensão real das perdas, agente Potter — O administrador respondeu, devagar. — Até o dado tempo, ao menos sete agentes foram executados por uma força letal que interferiu com nossos sistemas de vigilância, havendo a perspectiva desse número aumentar.

Boa parte do grupo exibiu faces consternadas e repletas de pesar, imitando as do próprio Elieser, cuja insegurança jorrava pelos cantos da seriedade aparente.

— Assim que as investigações prévias forem finalizadas, um relatório com o resumo do ocorrido se encontrará em suas mesas, e detalhes serão discutidos durante a reunião de hoje, às 15h — anunciou, dando uma pequena pausa. — Esse evento não vai passar sem a atenção merecida… Irei estabelecer uma linha de contato com a Casa Branca nesse exato momento.

O elevador chegou no momento exato e ao abrir das portas, adentrou. Um dos sujeitos armados ficou do lado de fora, enquanto os demais, adentraram sem dar mais justificativas.

… … …

Hunf… Uma falha completa…

Elieser recostou a nuca na parede fria do elevador metálico, indo em velocidade até o andar mais alto.

Lá de cima, ele e o homem ao lado tomariam um helicóptero para a Casa Branca, onde os próximos passos envolvendo Montana e o possível futuro dos EUA seriam discutidos.

— Um “acidente” vai acontecer no Hospital Elderlog hoje — começou. — Por conta de um grande vazamento de gás nas tubulações subterrâneas, a construção e os arredores a 200 metros vão ser destruídos… Parece um bom plano, não? Considerando o nível da emergência…

Quaisquer segredos não podiam vazar ainda e se certificaria disso, por mais trêmulas que suas mãos estivessem.

— Irei despachar uma equipe para encher o perímetro de explosivos. Não vai sobrar um tijolo daquele hospital de pé… Esse vai ser o plano, Menéndez.

— Heh — O agente riu, puxando um pirulito do bolso. — Não se incomode; se você foi chutado do cargo, eu assumo como pretendido!

— Não vai chegar a isso — rebateu com certa rispidez, a ponto de clicar a língua contra o céu da boca. — Vamos jogar a responsabilidade nas costas dos inocentes da cidade. Vai dar tudo certo.

O grande helicóptero preto já se encontrava a ponto de partir. Ágeis, os dois homens entraram a bordo, qualquer comando sequer feito necessário.



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