Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Olhos Voltados para Mim

Capítulo 153: Ruído de Comunicação

— Ei, menina…! — O agente armado correu para tentar alcançá-la. — Não pode entrar aí…! Se for mais longe, eu vou ter que…!

— Não me enche agora!

Emily acertou um único soco no homem de capacete, que o fez cair no chão, grunhindo de dor.

— Urrgh…! Aaargh…! — Ele rolou, mãos na cabeça em tentativa de lidar com a concussão.

— Não fiquem no meu caminho!

Com a força sobrenatural garantida pela palavra “Forte” escrita em seu braço esquerdo, a garota levantou o pesado homem como se fosse um travesseiro.

— Vê se fica quieto aí!

Ela forçou o capacete para fora da cabeça, revelando a pele barbada e o rosto cheio de marcas de idade.

Os olhos verdes brilhantes travaram com o castanho surpreendido e assombrado do sujeito de nome desconhecido e sem hesitar, ela fez.

Emily tirou o marcador do bolso e escreveu na testa do homem desorientado, apostando tudo na palavra escolhida.

“Amnésia.”

Ao ativar o efeito, sem mudanças visíveis, não perdeu tempo e acertou nele outro forte soco, dessa vez capaz de desmaiá-lo.

— Eu espero que isso funcione… — repousou o corpo no asfalto, gentil. — … até porque eu não sou como ele.

As memórias daquele dia a fizeram torcer os lábios em amargura — e uma porção de arrependimento —, contudo, coisas mais importantes e imediatas aguardavam e ela deveria se apressar.

“Eu tenho que impedir isso…!”

A bicicleta cor-de-rosa decorada com cestinha nunca antes viu tanta velocidade; levada em frente pelo impulso das pernas incrementadas pela escrita “ágil” na panturrilha, cortou pela cidade como um vulto.

“Essa fumaça tá vindo da região norte…!”

Carros ou motos fariam pouco para alcançá-la e desviar das pessoas e agentes armados pelas ruas centrais da pequena cidade se tornou tão simples quanto respirar.

— Mais rápido… Mais rápido…! — rangeu entre os dentes cerrados, suor a escorrer da testa.

Seus instintos a preenchiam de preocupação; aquela zona da cidade, um pouco afastada, só continha uma localização notável, “digna” de ser vítima de um ataque.

— … Me deixa acelerar mais…! — Do nariz escorreu uma trilha de sangue, quando elevou a carga sobre si mesma ao máximo.

Por ironia do destino, a coisa a ceder não foi sua energia ou a capacidade de continuar seguindo em frente, mas a corrente da bicicleta, que se partiu com um grande THUM!

A perda de controle do veículo despreparado para tamanha demanda resultou em uma queda feia.

— URGH…! AAH!

A tremenda inércia gerada pela velocidade a atirou cinco metros para frente, rolando sobre a calçada.

— Ugh… Não… Não posso… parar…

Inúmeros arranhões sangrantes cobriram seus braços e pernas, além da bochecha direita, porém, nada importou naquele instante.

— Eu… tenho que chegar lá…!

Vencendo as incontáveis dores nos cotovelos e punhos e joelhos, Emily se reergueu, mordeu a própria língua e tentou andar.

— Ei… Emily?! — Uma voz feminina a chamou por trás. — Você tá bem?! Meu Deus…! Ei…!

Sai do meu caminho…!

Sem prestar qualquer atenção, ela empurrou a garota que tocou seu ombro, fazendo a própria voar longe.

— Ack…! — A menina gemeu de dor ao colidir com a calçada. — Isso doeu…!

A Attwood não a reconheceu por nome, mas teve a vaga impressão de já tê-la visto várias vezes, em Elderlog High.

“Tch…!” travou os punhos, frustrada.

Parte dela quis pedir desculpas e ajudá-la a se levantar. Emily queria explicar suas circunstâncias, dizer que não teve a intenção…

— … Eu não tenho tempo para isso… — murmurou para si, inaudível para a jovem no chão.

Porém, a outra metade falou mais alto, mais necessária à ocasião.

Emily deu as costas para a adolescente e, sem dizer mais uma palavra, correu na direção do hospital em velocidade máxima.

“Eu tenho que… continuar sendo forte…!”

As lágrimas nos olhos e as lembranças dos maravilhosos dias deixados no passado motivaram os passos, cada vez mais pesados.

“Ava, Olivia… Eu não vou deixar essa injustiça continuar correndo em vão…!”

Virou à direita, e as cortinas de fumaça ganharam origem clara: vários veículos destruídos — a maioria em chamas vivas — se acumulavam no perímetro do grande prédio branco.

Apressada, Emily precisou quase bailar entre as massas cinzas no chão, enquanto tentava não pensar muito sobre o fato de se tratarem de corpos humanos incendiados.

“... E Isabella…”

Saltou entre rifles e vidro, capacetes e rádios comunicadores, até chegar à fachada.

Sentimentos horríveis se acumularam na garganta, os quais escolheu, por enquanto, engolir.

— … Eu vou te salvar, também!

[...]

“Que climão…! Será que tem alguma coisa que eu precise dizer…?”

A atmosfera no interior da caminhonete a cortar a Rota da Serragem em alta velocidade adquiria caráter mais opressivo a cada segundo passado.

“Será que ela tá com muita raiva de mim? Aliás, o que foi que eu fiz de errado, afinal?! Isso nem justo é…!”

O carro na quinta marcha descia a estrada acidentada do jeito mais arriscado, repleto de curvas fechadas e solavancos causados pela irregularidade do terreno.

Dizer que Ann dirigia “acima do limite de velocidade” seria colocar em termos suaves.

Ao menos, um pouco de alívio vinha do fato de já terem passado pela parte mais difícil. Uma queda da altitude em que estavam, talvez, não fosse fatal.

“Eeeeh…”

Porém, antes que Steve tivesse a chance de terminar o novo pensamento catastrófico, o veículo perdeu velocidade de modo drástico, adentrando a Pine Street com relativa normalidade.

A súbita mudança de ritmo o atingiu com surpresa e, sem pensar muito, perguntou:

— Huh?! O que foi?! Um problema no carro?! A gente tem que ir logo atrás da Emily e…! … Ann…?

Ao olhar o espaço do motorista, se deparou com uma expressão pesada e reflexiva, culminada na grande pressão dos dedos contra o volante.

Ele se preparou para perguntar se estava tudo bem, quando, então…

— … Desculpa… Eu não devia estar agindo assim…

A atenção da menina de marias-chiquinhas se desviou da pista e nos olhos castanhos, existiam princípios de lágrimas.

— … Eu… Eu não devia ter gritado e… e me desesperado… Eu…

— Agora não é a hora para isso.

O comentário dele a despertou, enviando um choque da cabeça aos pés.

— … Mas…! — começou a debater. — Eu tô sempre perdendo o controle quando é importante e…!

— Agora não é a hora para isso — repetiu, fitando-a olho no olho. — É o que você me diria, né? Se fosse eu me desesperando…

Ao contrário do esperado, a menina não encontrou a usual cara fechada e rígida.

— Não tem como a gente parar agora, Ann — falou ele, esboçando um leve sorriso. — Olha só para isso! Tem coisa pegando fogo, gente com certeza já morreu e tá morrendo agora…! A gente não tem tempo para ficar chorando… não agora.

— … — olhou de volta, incapaz de elaborar uma resposta.

Steve apoiou o cotovelo na porta e fixou a atenção na sutil cortina de fumaça.

— A prioridade agora é a gente chegar lá e resolver. É para lá que a Emily foi e cada segundo é precioso… A gente tem que ter sucesso agora, aí então, depois…

O Evans a capturou com um misto de seriedade, confiança e sensibilidade. Com a cabeça, acenou no sentido do acelerador, indicando que pisasse fundo.

— … Aí a gente chora e se lamenta do inevitável, como se fôssemos só gente normal — sorriu.

O pequeno aceno foi respondido com um quase igual — mais tímido e molhado —, ainda positivo.

— É… você tá certo. Onde é que eu ‘tava com a cabeça? Perdendo a compostura agora?! — pisou no acelerador, forçando um sorriso.

— É desse jeito…! Partiu atropelar pedestre desatento! — brincou junto. — Mas e aí, planos?

— É, eu tenho — confirmou, focada na estrada. — E a principal parte dele envolve a Emily, por isso estamos indo atrás dela.

— Huh? Não é só para ajudar a combater a ameaça da cidade?

— Claro que não — disse, categórica. — Enquanto você ‘tava desmaiado, a gente brigou um bocado, eu vi como a habilidade funciona e com base nisso…

Ann afundou as unhas na borracha do volante, mais forte em relação a antes.

— … Steve, a Emily é a coisa mais próxima que a gente tem de um “deus” — focou nele com o canto da visão. — … e se a habilidade dela for o que eu tô pensando, então não tem limite nenhum para as coisas que ela pode fazer.

— Hein?! — Pasmo com a teoria, quase saltou do banco. — Um… Um deus…?! Olha, você não tá…

— Não, Steve… eu não tô exagerando — cortou, sem desviar o foco máximo do caminho. — E é por isso que a gente precisa dela do nosso lado, lutando como uma aliada.

Ao chegarem na rua do hospital, as portas do carro foram destravadas e, ainda no interior do veículo, admiraram com desgosto a cena de massacre e destruição.

— Steve, depois de ver as coisas que eu vi enquanto brigava com ela, eu me convenci de uma coisa…

Os dois saíram com agilidade, quase táticos e logo após baterem as portas, começaram a correr em direção à construção.

— … Eu acredito que ela seja nossa maior chance de vencer o “Sem Nome”...! — gritou para que ele ouvisse. — Então… a gente não pode falhar nessa…!

[...]

— Central… A situação atingiu níveis insustentáveis…

A voz cansada e cheia de dor audível do homem treinado para arriscar a própria vida disputava espaço com as dezenas de gemidos e batidas na porta.

— A equipe Delta nos notificou que o resgate dos pacientes deu errado… Eles foram massacrados, assim como nós estamos sendo…

Ocasionais pedidos de “socorro” e “me deixa entrar” ecoavam ao fundo e o desespero condensado invadia o escritório.

— Essa… força que só pode ter vindo do fundo do inferno… Essa “mera garotinha”... — Desgosto notável se percebia ao falar. — Esse demônio arrasou nossos números como se fôssemos feitos de papel… Aquilo nos rasgou, nos partiu, um por um, que nem um monte de nada… justo quando pensamos termos feito algum progresso… aquilo nos enganou.

Os sons externos se intensificaram e o cansaço do homem atingiu um patamar maior, refletido na dificuldade crescente para falar.

— Esses são meus últimos segundos… Estou gravemente ferido, perdi muito sangue… então, eu só peço que… não mandem mais pessoal…

— … Ahahahaha…! Eu posso te ouvir…! Sei que você está aí! 

— Oh, Deus… Deus, por favor, me dê uma morte rápida… Meu Senhor… Meu Pai…!

De repente, o barulho da porta sendo quebrada soou ensurdecedor.

— Haaah… Haaah… Por favor… Por favor…

— Eu ganhei o jogo! Eba! — A voz feminina infantil exclamou com animação. — Eu ganhei…! Eu ganhei! Eu ganhei!

Os próximos trinta e dois segundos da recepção no outro lado captaram nada além de gritos de gelar o sangue.

O sofrimento prolongado foi ouvido pela sala inteira e todos a olharam com sombria expectativa, aguardando pelo instante em que a conexão seria cortada.

— … Já chega…

E o momento veio, mas não pela morte de Beta-3. Cansada de ouvir tamanha agonia, Marilyn cortou a conexão por si mesma.

— Já… chega.

A condição mental das pessoas na sala de comunicação se fazia homogênea. Ali, cada um ouviu os últimos segundos de seu agente designado.

Algumas mortes foram rápidas, outras mais lentas e excruciantes, mas no final, o resultado foi a completa e tragicômica perda de unidades inteiras.

Para piorar a situação, a equipe Delta reportou a fuga de dezenas de pacientes e acompanhantes.

Segundo relatos de um agente em fuga, o restante de sua equipe foi pega de surpresa quando a atitude das pessoas resgatadas se alterou e adquiriu comportamento hostil.

As pessoas, embora civis, detinham de aparente invulnerabilidade aos tiros de rifles, atacando sem sequer reclamar de dor.

— A gente precisa… relatar isso… — respirou fundo, desfocada. — Essa… derrota absoluta… a gente… Ah, esquece…

Ninguém tinha o menor resquício de ânimo sobrando e fingir ter não podia soar mais errado.

Eles estavam presos no escritório desde o alerta de invasão por conta da missão em Montana, com ao menos uma dezena de homens armados na entrada.

Sair dali não seria permitido até segunda ordem, portanto, o silêncio esmagador e a troca hesitante de olhares haveriam de continuar.

“Huh…?”

Ou talvez não tivessem. Em conjunto as telas dos computadores brilharam, exibindo uma mensagem:

“Chamado para todos os funcionários do setor administrativo e de comunicação: Reunião Extraordinária marcada para às 15h.”

A mensagem de Grazianni alertou os ânimos derrubados; informações teriam de ser dadas, porém, o caráter chamou a atenção.

“Ele geralmente iria citar a razão… será que é para discutir a ameaça de agora?”

Capaz de apenas teorizar, Marilyn repousou o queixo nas mãos, sem esconder de si própria a incerteza quanto às futuras horas.

“... E principalmente o futuro ", finalizou. “Daqui para frente… O que vai ser de nós?”

Sua mente a levou longe, além das paredes do escritório e rumo a outra sala, a qual recentemente foi proibida de ter acesso.

“Lira…”



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