Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Olhos Voltados para Mim

Capítulo 144: Conclusão Precipitada

— Aquele maldito, tomando todas as decisões por gosto próprio…!

Marilyn usou do maior cuidado para impedir questionamentos quanto ao fato de ter esmagado cinco copos vazios com as próprias mãos, em face da série de notícias amargas.

— No que raios ele tá pensando?! E sobre depois?! Como vamos pensar em um jeito minimamente cabível de explicar a bagunça gerada…?!

A pobre máquina de café serviu para descontar a raiva da solução tão impensada e infantil — no conceito dela — cunhada por Grazianni, cujos motivos para discordar e repudiar jorravam aos montes.

Em primeiro lugar, a situação de Montana enquanto estado fica pior a cada segundo; segundo a mídia e fontes crescentes de informação não-confirmada, o local se aponta como o grande antro do terrorismo dos EUA.

A população se encontra em choque ascendente, com novas e sempre recentes notícias de algum tipo de tragédia e a atenção internacional deixou as belas paisagens turísticas e montanhas e focou-se na alta periculosidade da região.

Isso não seria problema em contextos controlados, mas o problema de verdade passa a surgir com a repetição já estereotipada e desgastada de tantos atratores de atenção.

O mundo não vai mais desviar os olhos de Montana, e custe o que custar, irão exigir explicações, que ficarão mais difíceis de conceber.

“E lá vai ele, pensar em uma grande burrice como aquela…!” Marilyn se exaltou, a ponto de quase dar um chute na lata de lixo. “Isso só vai atrair mais atenção, seu idiota…! Que plano é esse que não considera o mínimo?!”

Esconder a realidade da população deixou de ser estratégia, mas isso não significa dizer que estejam prontos para anunciá-la agora e, em especial, de forma tão trágica.

O plano de Grazianni funcionaria pelo ponto de vista prático e de puro imediatismo, mas esse passava longe de ser o real problema.

“Eu só me pergunto o que vai acontecer com aquelas redondezas depois de mais essa loucura…!”

No momento, só existiam duas pequenas pessoas que ela mais desejava ver, tão buscadas pela mente atrapalhada que ela sequer percebeu a aproximação empolgada de Melissa.

— E aí, Marie! — acenou, descontraída como é de praxe. — Tô vendo que tá só moscando aí! Ô vida boa, essa de ficar só atrás de um computador, hein…!

“Ah, que se dane…!” esforçou-se ao máximo para não vocalizar o desgosto com a companhia, quase deixando vazar pelas expressões; em contrapartida, ela era a última pessoa na lista de quem queria ver.

— Fiquei sabendo que tá rolando uma situação aí lá na cidadezinha de Montana! — tomou o assento ao lado dela, entusiasmada. — Abre o bico! Me conta aí o que tá se passando.

“Ah, que saudades eu tenho dos dias que você passou sedada!” pensou, mastigando as ideias e palavras em uma gole amargo. — Eu te diria o que se passa, se eu soubesse direito.

Ela não queria entreter uma conversa estressante, em principal se tratando dela, cujo trabalho costuma ser o único tópico no repertório. 

Por outro lado, também não queria acabar sendo rude de graça.

— O que eu sei é que o Grazianni mandou cinco equipes de elite para fazer o abate da ameaça, sem consultar ou conversar a respeito de nada; típico dele.

No conceito dela e na posição de alguém mais experiente no ramo, um indivíduo com mais de dois neurônios funcionais deveria saber se tratar de uma decisão horrível.

Protocolos não são definidos do dia para a noite e, mesmo em situações de emergência, uma reflexão delicada acerca dos processos ditava o rumo do caminho que levasse a menores problemas eventuais.

E a frustrava ao limite perceber que tais coisas — mero senso comum —, falhavam em atingir a mera menina à sua imediata direita.

— Ah, caramba…! Como eu queria estar lá…! — Melissa riu, desejosa. — O moleque com quem eu briguei não foi lá muita coisa; eu queria um caso mais sério, tá entendendo? Tipo, lidar com um cara que solte fogo dos braços ou alguma coisa no naipe disso!

“Quebrou um braço e quase morreu, e ainda diz que ‘não foi lá muita coisa’...?” escondeu a careta de decepção, erguendo as sobrancelhas em irônica surpresa.

O fato de ela não ter pensado que a necessidade de cinco grupos de elite equivale afirmar “quase certeiro risco de morte” fez o pouco respeito da mais velha declinar em curva.

— Queria ver com os meus próprios olhos como é lidar com esses poderes diferentes e, principalmente, como a gente ia desenvolver estratégias para bater de frente com cada um!

Enquanto uma agente vivida, Marylin entendia que qualquer um quer ser o herói da missão para a qual foi delegado, mas os maduros são só aqueles que compreendem a impossibilidade de tal aspiração.

— Imagina só quantas descobertas daria para fazer com o número certo de espécimes? Todos confiantes demais e seguros da aparente impossibilidade de serem capturados…

Afinal, a chance de morrer em missão, por mais boba que seja, está sempre na espreita e assumir tal ramo de trabalho te deixa exposto a incontáveis riscos.

“Foi por isso que eu desisti de ser uma agente de campo.”

Ela não podia mais se permitir morrer de forma tão vã; não após ganhar duas pequenas vidas sob sua dependência.

Perez se levantou com uma arrancada súbita, interrompendo os devaneios de Melissa, sem um pingo de dó. De pé, a agente arrumou as dobras das roupas, ajeitando os longos fios loiros com os dedos.

— Um pouquinho fora de tópico, mas você parece bastante animada, Melissa. Aconteceu algo de mais peculiar hoje?

Qualquer coisa era válida para não precisar ouvir mais um segundo de tanta baboseira.

— Ah, é verdade! Eu vim aqui para te falar justamente sobre isso!

— Huh? — Em face de tanta animação, surgiram fagulhas de curiosidade. — E o que seria?

— Apareceu um trabalho e tanto de ontem para hoje…! — exclamou ao topo dos ânimos, quase saltitando.

“Ah… claro. Mais trabalho.”

A mulher de braço esquerdo engessado sorriu como uma criança, animada a ponto das explosões de ânimo serem quase visíveis a olho nu, estampadas no olhar cheio e sonhador.

— Parece que chegou mais um espécime de Elderlog…! E eu posso acabar sendo escalada para fazer parte do processo de interrogatório…! Não é demais?!

Uma brisa fria aparentou cobrir o coração de Marilyn ao entendimento da proclamação, gerando um breve, pouco notável instante de hesitação, felizmente não percebida entre a animação da colega.

A atingiu o mesmo sentimento de “erro” percebido ao aprender sobre Lira Suzuki, suprimido por um gole dos restos de saliva, guardado na gaveta da mente.

— Entendi! Boa sorte com isso, Melissa — falou do modo mais amigável possível. — Agora, com licença. Eu preciso voltar para a mesa; já deixei o pessoal trabalhando a todo vapor por tempo demais.

— Tudo certo! Vai lá, preencher as suas planilhas…! — Melissa acenou, em despedida.

“Heh. Quem dera o meu trabalho fosse esse…”

O escritório passou a funcionar em sistema de ocorrência extraordinária desde o final da reunião, a primeira mudança se fazendo visível logo ao entrar.

— Equipe Alfa vai fazer o primeiro contato! — Adrianna alertou aos outros dezessete trabalhadores na sala. — Averiguação inicial aprovada!

As faces apreensivas, presas aos monitores, monitoravam, cada uma, à câmera corporal de um atirador a descer do helicóptero, a grande tela à frente da sala exibindo o compilado das filmagens ao vivo, agrupadas.

“Droga.”

Se sentou e pôs o headset, em preparação para os apreensivos minutos em frente à tela.

[...]

— Eh?!

O atirador cambaleou para trás, em surpresa por conta do estampido agudo, quase na vizinhança de sua própria cabeça.

Os olhos da bela mulher à sua frente continuaram a segui-lo pelos milésimos de segundo após o impacto da bala com a calota craniana; os óculos redondos voaram e os cabelos loiros se encheram de sangue e massa encefálica.

Meio segundo mais tarde, ela caiu, morta.

— Não vai fugir de mim…! Você é a minha esperança de alcançar o impossível…! Você é minha! — disse a voz vinda da ponta mais escura do corredor da recepção.

O homem de meia-idade e jaleco médico carregava uma expressão alerta. Em sua direita, ele tinha uma arma comum, pronta para mais um disparo e, na esquerda, mantinha um erlenmeyer com um pouco de líquido.

— É aqui que você vai ficar, comigo! Eu te descobri, e eu sou o seu criador! Você existe para servir o meu propósito…!

Os óculos dele tinham lentes manchadas de sangue fresco e, portanto, o agente em fuga rapidamente entendeu que a chegada dele não significava qualquer garantia de segurança.

— Senhor…! O que…! — Antes de poder concluir a pergunta padrão, um som bizarro cortou o ar.

Haha… hahaha!

A adrenalina o levou para o céu e de volta ao se voltar em direção ao corpo e a visão aterrorizante deixou marcas fundas na psique do combatente treinado.

— Me… ajude…! Por favor… Me ajude…!

O cadáver da bela mulher havia se reanimado em uma monstruosidade.

— AAAAAAAAH!

O grito perfurante e vindo do puro terror rasgou o espaço do térreo de aparência vazia. Com medo para além da conta, ele só pôde cair e cambalear no chão repleto de cacos de vidro, sequer sentindo a dor advinda de tantos cortes.

— Me… ajuda…! Me… ajuda…! Me ajuda…! — A criatura repetia, em um ritmo incessante e quase robótico.

Tentáculos de carne, vermelha e sangrenta, rasgavam caminho pelas cavidades, se espalhando e balançando, e os olhos sem vida fitavam lugar nenhum, jorrando rios vermelhos a cada novo movimento.

Braços e pernas se moviam como um animatrônico, controlados quase roboticamente por alguma coisa, uma força maior, que os torcia em ângulos impossíveis, dando voltas e rasgando a carne das juntas.

CRACK, CRACK, CRACK — os ossos faziam conforme se quebravam e tentavam juntar de novo, sem sucesso, o corpo mantido de pé por mecanismos impossíveis.

E essa não era a parte mais assombrosa acerca do monstro a poucos metros de agarrá-lo.

— Aaaah… AAAAAAAH! — gritou ele outra vez, puxando a pistola da cintura. — PARA…! SAI…! SAI!

Tiros e mais tiros foram deflagrados em questão de três segundos, acertando vários pontos do torso e da cabeça, pouco úteis para desestabilizar o horror ambulante, a seguir seu caminho.

— MORRE DE UMA VEZ…! — atirou o último projétil, errando por ter fechado os olhos. — SÓ PARA DE FALAR!

A pior parte acerca do que quer que aquilo seja era o inegável fato de ainda estar respirando com prolemas e, acima de tudo, afogado em imensurável dor.

— Me… ajuda…!

O tiro inicial na cabeça e os outros vários que se seguiram… Ela ainda vivia, e a coisa a manteria sofrendo cada segundo a mais.

— UGH…! — No fim, nada pôde ser feito.

— Você… vai me ajudar… né…? — falou, imitando as mesmas frases a partir da mandíbula desconectada de sua vítima.

O homem ao longe não fez nada quando os apêndices carnosos se envolveram em torno do corpo fortemente trajado do atirador, se mantendo observante e, de canto de olho, o rapaz prestes a morrer compreendeu que ele esperava por algo.

— Me… ajuda…! — Cordas de tecido muscular escaparam por nariz e boca, e na frente dele, começaram a se moldar.

As células se moldaram depressa, adquirindo uma forma humanóide vulgar, esfolada quase por inteiro, com poucos trechos de pele ao longo do que deveria ser o rosto.

— Você… vai me… salvar…! — vocalizou, não mais na voz doce da médica, mais semelhante ao balbucio de um bebê.

O ser sem dentes sorriu para ele, sem dentes, e dos tendões carnosos, criou um tipo de falso braço, o qual usou para forçar uma abertura da mandíbula dele. Aquilo iria entrar nele, tal qual fez com a médica.

— HMMMMPH…! — Ele tentou protestar com movimentos dos braços e olhadas na direção do médico, que estava atento demais conversando sozinho para tentar intervir.

— Vai aparecer…! Ainda não conhece muito sobre a humanidade… Ainda não sabe para além das mentes que possui…!

— Acha… que eu consigo… ser como você…?!

— HMMMPH…!

Quando o primeiro tentáculo afundou pela garganta, o cérebro chegou perto de desligar, a boca tomada pelo sabor rançoso do muco tecidual. Depressa, a massa semi-humanóide acelerou o escape do corpo da mulher, dando a abertura perfeita.

— É agora que você volta para o laboratório, Pandora!

O erlenmeyer colidiu com o amontoado de tecidos e quebrou, espalhando o conteúdo em cheio pela superfície da “pele”. Imediatamente, a monstruosidade reclamou.

…!!! — O barulho produzido pela coisa não se assemelhou a outra coisa já existente.

Os tecidos começaram a borbulhar de modo fervoroso, crostas de células mortas escorrendo no chão, fervidas ao ponto de virarem meras poças.

— Esses idiotas…! Hah…! Tentando usar armas de fogo para te conter…! Patético!

O conteúdo do recipiente continuou a derreter-lhe a pele com velocidade encorajadora, levando-a a encará-lo com algo semelhante ao ódio.

— Ainda tenho amostras suas e posso tirá-las de qualquer lugar, Pandora! Se você morrer, não importa! Eu sempre vou poder começar de novo, até que aprenda seu lugar, como meu sucesso…!

As horas dedicadas ao estudo das células anômalas renderam resultados frutíferos; o amontoado podia se regenerar em velocidade recorde e até aparentar estar arrancando energia diretamente do ar, porém…

— Você é incrivelmente vulnerável a toxinas potentes…! Muitas mais vezes do que um ser humano comum! E a interconexão em mente-colméia de suas células ativa a resposta apoptótica de todas em simultâneo, para se preservar…! Essa é a sua falha, Pandora! Você não sabe quando parar…!

O corpo original regrediu a pouco mais que uma pilha, correspondendo à região da cabeça. Aniquilada, a criatura descansou sobre a poça líquida, e sorriu.

— …!

Quando ele não pôde antecipar, ocorreu um evento estranho e, de seu ponto de vista, absurdo.

— Não… como eu…?!

Uma voz, dentro de sua cabeça.

— Existe um pouco de mim em todos esses corpos, doutor! Incluindo o seu!

De repente, o bizarro silêncio se perdeu, em meio à marcha de incontáveis passos.

— Impossível…! — negou, agarrando a própria cabeça. — Eu tomei todos os protocolos de segurança, me assegurei que tudo correria certo, logo…!

— Oops! Acho que você esqueceu de uma coisinha, doutor!

Ali estavam eles, todos os pacientes e acompanhantes sumidos do local.

— Você encontrou as minhas células em algum lugar, não foi? Então, deixa eu te dizer uma coisa legal!

Eles o rodearam, cambaleando, zumbificados pela influência sobrenatural, enquanto mais saíam das salas, antes fechadas, aos montes.

— Elas não vieram de onde você originalmente achou, sabia? Elas tiveram uma fonte… euzinha!

O agarro na arma se enfraqueceu e o suor frio desceu da testa, roubando do pesquisador Pryce os últimos semblantes da imensa confiança de segundos no passado.

— E essa é a minha [Mente-Colmeia] e chegou a minha vez de fazer um experimento! Isso vai ser divertido!



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