Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Olhos Voltados para Mim

Capítulo 143: Análise de Contexto

— Ugh… Onde…? Aquela luz… Eu…

Os resquícios físicos da ansiedade nascida na batalha sumiram, dando o lugar a um novo conjunto de sintomas, que, mesmo não físicos, conseguiam ser tão incômodos quanto.

— A minha cabeça tá vazia…

Levantou, consumido por um firme torpor, como se cada canto de seu corpo houvesse despertado de um coma que durou por anos a fio.

A princípio, houve dificuldade até para o gesto mais básico e até as juntas dos dedos das mãos demoraram mais de um minuto para recobrar plena sensação e movimento.

E levou mais outro minuto para o retorno da visão completa, sem turvação e dotada de profundidade completa.

— Ann…! Ah…! Droga!

As duas garotas também desmaiaram, fruto de um nocaute mútuo; alguns insetos residuais na zona de combate mostravam ter sido algo grande, o que evocou nele uma suposição.

— Preciso ir lá olhar… e logo! — Ele pulou e correu, ignorando as reclamações do corpo exausto.

O jovem se exauriu ao limite para cobrir meros cinquenta metros, quase caindo duas vezes em pequenas pedras pelo trajeto.

— Ela se afastou de mim de propósito… — mordeu o lábio ao pensar. — Ann… Ela tentou me proteger.

Os insetos no caminho mostraram pouco interesse nele e não mais sob o controle da carateca, davam pouca importância para ele, sem ferroar ou picar, o permitindo chegar perto.

— Foi o que eu imaginei…! — trancou os dentes. — Ela se desgastou até o fim das energias nessa briga!

As linhas de sangue vindas do nariz não abriam outra possibilidade, pois fora elas, Ann-Marie não detinha de sinais que levassem a outras possíveis causas para o desmaio.

— Ela tem alguns ferimentos, mas não parece ser nada sério… e o pulso… É, o pulso tá okay…

Saber que ela continuava viva tirou um grande peso de seu peito, manifestado de forma física quando deixou os ombros caírem de alívio.

— Uhh… E tem ela, também… Será que… Não… Eu não sei se eu quero acordar a Emily agora… Não vai sair coisa boa dela olhando para a minha cara.

Emily se via em um estado semelhante, embora ele não fosse querer pagar para ver. Imóvel, a menina tinha o rosto contra o chão de terra, o pequeno marcador preto caído ao seu lado.

Ao menos, a ausência das várias palavras sobre seu braço esquerdo era um pouco mais assegurador, já que servia de possível indicador de não estar com o poder ativo.

“Ela encarou as minhas chamas de frente, sem medo nenhum de morrer…”

A imagem da Presidente do Clube de Literatura a socar uma bola de fogo do jeito mais casual ficaria marcada nele para sempre e não apenas em função daquele incrível poder.

“Ela sabia bem o que estava fazendo, então…Se ela tinha tanta força assim… Por que não matou a gente logo…?”

Para Steve, a linha de pensamento mórbida carregava um grande mistério, afinal, se Emily não os matou, não foi por culpa da incapacidade de fazê-lo.

— É como se ela não quisesse ter que nos matar — disse, ao alto, para ninguém mais ouvir. — Ela me poupou… e fez porque quis.

Os dedos tremeram diante da memória da fúria paralisante, suficiente para tomar-lhe o último fragmento de coragem; aqueles olhos foram assassinos e a sede por sangue e vingança, inquestionável.

“Gulp…” engoliu a saliva acumulada.

… E o fizeram ter a absoluta certeza de que seria morto como um pequeno mosquito.

“Eu vacilei.”

O coração batendo forte, os membros irresponsivos, a mente a mil por hora…

“Eu queria mover o meu corpo, mas eu só vacilei…!”

Steve não se acostumou a lidar com o medo e ela o mostrou a verdade.

— Eu tinha em mente que o único jeito era fazer alguma coisa, mas, no fim, não deu para fazer nada…!

A experiência o fez lembrar dos anos de bullying que sofreu durante o ensino fundamental, afinal, mesmo que só em certo sentido, a experiência era a mesma.

— Isso não aconteceu com o Jacob… E ele era bem mais forte do que eu, também…! Então… Por quê?!

Em instantes de reminiscência, a surpresa nunca falhava em chegar, quando ele pensava sobre como se impôs frente àquela criatura queimada até além da morte.

Sem dúvidas, aquele embate foi seu ponto alto, mas por mais que não fosse negar ter sentido tanto medo quanto, algo desconhecido foi diferente em comparação à ocasião atual.

— O que me fez travar…?!

Nem um pouco de vento havia passado desde o instante em que acordou e seja lá qual fosse a resposta, não seria a realidade aquela a dizê-lo.

Sem acesso a sequer uma má resposta, Steve se sentiu desolado.

Hnnng… — resmungou. — O que será que eu vou fazer agora…?

A própria Ann o disse para não trazer o celular, medida um pouco extrema, sob a justificativa de impossibilitar que sejam rastreados, o que também significava não poder contactar ninguém.

— E eu não tenho como arrastar ela até o hospital… é muito longe daqui…!

Talvez os populares pudessem ajudar, mas ele preferiu não contar com a sorte, pois se eles viram algo, chamar por ajuda podia ser dar um tiro no pé.

— Droga, é mesmo…! A gente mostrou os nossos poderes…! A gente pode estar ferrado agora por causa disso…!

Agarrou o cabelo e puxou o ar com força, antes do pânico ter chance de se instalar, com o coração já a ponto de sair pela boca.

— Calma aí, calma aí…! Deixa eu pensar… Se alguém tivesse visto alguma coisa, teria gente aqui… É isso…! Ninguém viu nada! … Boa…!

A realidade de se tratar de uma lógica fraca e falha não precisava ser pensada agora, pois a prioridade era garantir a segurança e um local estável, ambos a ele próprio e para Ann.

— Eu não quero estar por perto quando ela acordar…! — exclamou sozinho, pensando em Emily.

Tentando não pensar muito em repercussões negativas, o rapaz de cabelo em padrão de chama puxou o corpo desmaiado de Ann e o levantou, deixando o braço esquerdo envolto em seus ombros.

— Ela pode despertar a qualquer momento… É melhor eu me apressar!

Com a garota em segurança, junta de si, ele deu o primeiro passo rumo ao bosque mais ao fundo, não tão distante quanto podia parecer.

— Eh…?

Quando, de repente, o vento antes ausente explodiu com tamanha força que quase o fez voar.

— Hein…?! — olhou para o céu, ainda sem compreender com exatidão.

Um grande helicóptero escuro passou nas proximidades, direcionado à periferia de Elderlog em crescente velocidade. 

Por ser tão grande, chamar atenção seria mera questão de tempo, e ele enfim entendeu o sentido por trás ao presenciar mais dois do mesmo modelo, em localidades distintas ao redor da cidade.

— Tem alguma coisa ruim acontecendo!

[...]

— O que está acontecendo em Montana?! Precisamos direcionar mais pessoal…! — disse um homem, impaciente com as leituras presentes nas telas dos computadores.

— Vamos precisar de mais poder de fogo… embora, isso também vai comprometer o caráter sigiloso da missão… — rebateu uma mulher, impaciente em frente ao próprio teclado.

— A confidencialidade da missão vai ser afetada de qualquer forma! Acha que a mídia vai ignorar o fato de que um hospital inteiro estar sendo atacado?! E ainda mais na mesma cidade onde a escola foi atacada mais de uma vez?! Como esperam que ocultemos isso por muito mais tempo?! É algo inviável de se manter!

O funcionário pela fala quase saltou para além da cadeira ocupada ao anunciar o que pensava com tamanha vivacidade; querendo ou não, ele era o que tinha os argumentos mais válidos, todavia.

— Desde que isso começou que estamos tentando esconder, e nosso sucesso só tem decaído! As pessoas desenvolvem suspeitas cada vez maiores, o Estado é pressionado a fornecer mais informações e os conspiracionistas ganham cada vez mais base e creio que todos aqui entendam o motivo…!

Por mais que nenhum admitisse em voz alta, ele representava a opinião geral da esmagadora maioria a se tratar do caso mais irresolúvel na história da CIA.

— … É porque eles estão certos! — exclamou ao topo dos pulmões. — E evidência vai sempre ficar do lado da verdade! Esconder por mais tempo não vai adiantar, e por isso, sugiro que devamos…

— Uma equipe já foi enviada para lidar com isso, Agente Bronks. Por favor, relaxe.

Cada par de olhos na sala escolhida para a reunião extraordinária focou a imagem do sujeito cuja entrada acabara de acontecer.

— Já mandamos uma elite de agentes e atiradores armados, os melhores dos melhores em nossa disposição. Seja o que for, esse ataque não vai continuar sendo um problema. 

A fria calma com a qual tomou a cadeira central chegava a ser enervante para muitos. Em sua adminstração, Grazianni nunca foi conhecido por fazer um bom trabalho e não haveria ignorância disso.

— E o que isso vai fazer, grande administrador?! — O sarcasmo palpável derramou no ar. — Já ficou bem claro que armas e treino não funcionam contra seja lá o que estiver fazendo aquela bagunça…! Nossos homens estão morrendo! Não vai demorar nada para alguém começar a fazer caso disso!

Os relatórios nas grandes telas apontavam perdas substâncias, ocorridas na ordem de meros minutos. As notificações e chamados de “ajuda” se numeravam em diversas dezenas e as mensagens captadas pelos rádios comunicadores soavam cada vez mais perturbadoras.

Em tal cenário, qualquer mente em sã consciência avaliaria a inutilidade da estratégia padrão.

— Não leu os relatórios antes de chegar aqui?! Por favor, não se faça de bobo em tamanho instante de crise! Se porte como o líder que é ao menos uma vez!

Os protestos quase violentos demais mexeram com os ânimos pouco otimistas da sala, reduzindo-os ao negativo, algo que não chocou o líder ao mínimo.

— Suas reclamações são cabíveis e bem-colocadas, Agente Bronks — anunciou, em um tom gelado, repleto de cálculo. — E digo que não se preocupe. A elite que mandei vai cuidar disso do modo menos custoso para nossa organização e para essa nação.

O grisalho coçou a barba bem-feita, antes de por um laptop na mesa que, ao abrir, banhou-lhe os olhos com o brilho da luz azulada.

— Temos um protocolo especial preparado para esse tipo de ocorrência; um que nossa digníssima equipe pensou com cuidado, para não deixar nenhuma ponta solta.

— Huh? — O comentário críptico evocou o foco e a atenção geral da mesa de discussão, causando os demais oito homens e nove mulheres a, praticamente, questionarem juntos.

— E já foi aplicado nesse exato momento. — Ele orgulhosamente exibiu a tela do aparelho, a revelar a visão aérea de um helicóptero a sobrevoar a região montanhosa nas proximidades de Elderlog.

A decisão não pareceu certa para a maioria, embora, novamente, só uma pessoa teve a coragem de se manifestar em oposição.

— Novamente tomando as coisas nas próprias mãos… Você pode estar acima de nós, mas essa organização não funciona sem a cooperação e o compromisso de quem fica por baixo.

Os olhos azuis do velho homem se encheram com a percepção de previsibilidade, a ponto de, ao notar se tratar dela, até relaxarem quanto ao medo das críticas e do peso dos argumentos.

Contanto que seja apenas ela, ele não precisa se preocupar.

— É um ponto de vista preciso, Agente Perez e, portanto, afirmo que só foi empregado por conta da aprovação prévia do cuja delegação de tamanha responsabilidade se deu.

Em outras palavras…

— As informações não carecem da aprovação de vocês para isso; se tratam de medidas emergenciais, cujo tempo para se raciocinar e conversar sobre em um ambiente cível simplesmente não existe — pontuou, seco. — Tomamos os movimentos necessários, no momento necessário.

Presenciar o crescimento da fúria na mulher só serviu para relaxá-lo além, porém, por maior que fosse o desejo de jogá-la ainda mais fundo no poço de suas próprias incapacidades…

— Vocês só vão precisar esperar pelos resultados. — Sem cerimônia, ele deixou o local ocupado por pouco tempo. — Depois, vou querer um massivo trabalho de desinformação. O mundo precisa esquecer que a América agora é um lugar maldito.

— … Ora, seu…!

Uma mão firme e segura segurou o braço da loira, impedindo-a de se levantar e servindo como incentivo para não tomar qualquer decisão brusca.

O apoio veio daquela nova agente prodígio, cujo nome sequer havia aprendido.

“Eu entendo de onde a sua frustração vem, mas fazer isso não vai te levar a um bom lugar”, disse aquela encarada.

Em luta contra a teimosia de querer se manifestar a qualquer custo, ela sentou e se manteve, na medida do possível, quieta.

— Preciso discutir algo importante a respeito do ocorrido e contactar as outras sedes e o governo federal. Quanto a vocês, façam o que precisarem para impedir maiores repercussões midiáticas disso, pois já estão começando a aparecer.

Tão frio quanto entrou, deixou a sala um tanto escura com o laptop sob o braço, sem olhar de volta para fechar a porta, graças aos homens armados à vizinhança da passagem.



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