Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Objetivos e Sacrifícios

Capítulo 175: Chamada

— Como conseguiu esse número? — Ela perguntou, impaciente.

— No hospital…! Peguei do seu celular quando desviou o olhar… Foi mal! — explicou às pressas. — Olha… As coisas aqui em Elderlog têm ficado um pouquinho difíceis, para dizer o mínimo…

O noticiário na televisão da sala falava de um caso mundano, se comparado ao pós-inferno vivido na pequena cidade no interior de Montana.

Pelo que dizia o letreiro abaixo da repórter correspondente, um casal cometeu duplo suicídio em Washington DC.

— Aqui tá cheio não só de investigadores e de uma galera do FBI, fazendo a segurança, mas um monte de caçadores de mistérios também… e eu acho que você sabe o que isso significa.

A casa da família Young se encontrava mais afastada do centro, nos limites de onde o território ainda podia se chamar “Elderlog”, porém, isso não impedia o excessivo movimento de veículos e gente.

De forma quase periódica, uma nova leva de carros, cheios de equipamento cinematográfico, vinham de algum lugar dos Estados Unidos, buscando retratar os fatos ocorridos ali.

Naquele instante, uma caminhonete passou em frente à porteira, vista pela janela da sala de estar.

— … Me preocupa pensar em quais tipos de enrascadas eles podem estar se envolvendo, Emily…

No geral, a atmosfera tristonha e parada foi substituída por uma ansiosa e sombria, cheia das piores expectativas para os conhecedores da verdade.

— Os reparos na tubulação estão seguindo como o planejado — fechou as cortinas na janela. — … não, eu acho que mais rápido que o planejado… O presidente injetou bastante verba de auxílio e tem algumas empresas e pessoas que vieram prestar ajuda comunitária.

Ao mudar de canal para outro noticiário, deparou-se com outra notícia fora de lugar, de pouca importância para si; aparentemente, alguém roubou uma ambulância, matou os condutores e abandonou o veículo mais tarde.

— Acho que tá mais que claro que tem um esquema rolando por baixo dos panos… Esse tipo de coisa costuma levar tempo, além de raramente ser tão eficaz e apropriado assim… Aliás, o que eu tô dizendo? É claro que tem coisa…!

A Attwood se manteve quieta até o presente instante, mas com a informação a seguir, a chance disso se manter se tornaria mínima.

— Eu posso te confirmar de todo jeito ou maneira, Emily… Os mesmos caras que pegaram o Mark e a Lira colocaram as mãos nele também — disse, em peso. — … Ao menos é a linha que soa mais clara.

Os segundos de silêncio a levaram a se questionar se estava errada em pensar assim.

— Eu e o Steve estamos procurando ainda, mais na intenção de tirar a dúvida, mas… parece que tem uma nova trilha de crimes bizarros acontecendo e ele pode estar envolvido…

A falta de mais respostas ficava mais agoniante ao passar de cada segundo.

— Vamos continuar procurando por ele, mas, sendo sincera e bem realista… não tá me parecendo o pior dos desfechos — parou.

— … Certo. Mais alguma coisa para contar? De preferência, algo que eu já não tenha uma mínima ideia a respeito?

A súbita reação tão vocal de Emily quase a fez derrubar o celular, tomada de surpresa pela voz firme da garota, em aparente tranquilidade.

— Eu tenho acompanhado tanto quanto posso aqui de Helena, então, se for ficar me ligando para não dizer nada demais, é melhor que não faça.

— Ei, Emily…! Espera aí…!

— Sério que você me ligou só para bater papo? Eu não sei se quero conversa com você, ou com o Steve — afirmou em frieza. — Se for para me chamar, faça quando o inferno congelar!

— Espe…!

A chamada se encerrou abruptamente, a preenchendo de uma explosão nervosa.

— Droga…! — Por pouco, não se permitiu atirar o celular no chão, consumida pelo ódio à ignorância da Attwood. — Eu tento ajudar… tento fazer algo por ela…! E é isso que me acontece… É assim que eu sou agradecida…!

As moscas domésticas se espantaram para longe, mediante a explosão de raiva. Individualmente, os insetos se atiraram em máxima velocidade contra as paredes da sala de estar, estourando seus corpos contra elas.

— Huh…? — assistiu, surpreendida, ao resultado.

Os impactos até fizeram barulho, como estalinhos de festa ao colidirem no chão. No lugar onde bateu cada mosca, restaram meros traços de vermelho e uma ou duas patas.

— … Posso saber qual é o motivo para tanta gritaria, assim tão cedo de manhã? — Uma voz, grave e masculina, soou junta aos passos pesados advindos da escada.

— Ah… pai… — A menina hesitou. — Eu ‘tava conversando com uns amigos, só isso…

— Tudo bem… — respondeu, coçando o rosto, em tentativa de remover o cansaço aparente. — Mas você tem conversado um bocado nesse celular ultimamente… Tem algo de mais acontecendo? Algum problema?

“Coisas piores do que você imagina, pai…” privou-se de dizer. — É só que alguns deles ainda estão passando pelas consequências da explosão, então, eu só fiquei preocupada.

— Entendi — estalou o pescoço para ambos os lados. — De qualquer forma, pelo menos tente falar um pouquinho mais baixo, sim? Sua mãe ainda está dormindo e eu prefiro que ela descanse mais hoje.

— Certo.

— Aaah…! — espreguiçou-se. — Já fez café da manhã, Ann? Espero que não tenha pensado só em si mesma…!

— Não, não! Eu deixei feito…! — rebateu de imediato. — Tá na mesa, certinho!

O comentário em tom de cobrança deu lugar a um risinho singelo ao final, evidenciando o teor brincalhão do contato.

— O medo que você teve de mim foi impagável — riu, enquanto enchia a xícara de café.

— Hey…! — frustrada pela enganação, fechou os punhos até sentir as unhas cavarem na pele. — Ei, pai…

— Sim?

Ele tomou seu lugar de direito na poltrona em frente à TV, trocando de canal em canal, aleatoriamente. Todas as emissoras emitiam algum tipo de informativo, sendo impossível escapar dos noticiários.

— Posso pegar o carro emprestado e ir até a cidade…?

A pergunta veio ao mundo mais hesitante que o esperado e, em antecipação pelo pior, Ann baixou a cabeça e enrijeceu os músculos.

— Pode sim, só tome cuidado.

— … Huh…? — surpresa, o alívio relaxou-lhe os ombros contraídos.

— A cidade tá bem patrulhada, então está tudo bem — afirmou, antes de tomar um gole. — Só me apareça em casa antes do meio-dia, entendido? E nada de se envolver em problemas!

Após a série de terríveis acontecimentos, haveria de se presumir a resposta contrária.

— … Certo…! — pegou as chaves, mais animada. — Tchau, pai! Obrigada…!

— Tome cuidado…! — disse, ao tempo da porta da frente se fechar. — Esses jovens… Mas no caso dela, acho que não faz mal.

Ann-Marie sempre foi responsável na medida do razoável, além de ser confiável o bastante. Ele sabia que sua filha não se envolveria em percalços desnecessários.

“Mas estaria mentindo se dissesse que não me preocupa dá-la tanta liberdade assim…”

O café acabou e ao sumir da última gota, mudou mais uma vez de canal.

— Nessa madrugada, 15 de Junho, três funcionários de um posto de combustível em Deer Lodge, MT, foram encontrados sem vida.

— É cada uma que acontece nesse país nosso…

— As vítimas apresentam sinais de morte por objeto perfurocortante e câmeras de vídeo do circuito do estabelecimento detectaram o suspeito, teorizado se tratar de uma mulher, trajada em roupas hospitalares. O departamento de polícia de Deer Lodge investiga o paradeiro da responsável pelas mortes.

Imagens de baixa qualidade da mulher surgiram na tela, evidenciando o contraste entre o pijama azul suave, a pele pálida — quase fantasmagórica — e os longos e desordenados cabelos, mais escuros que a noite.

Do rosto quase nada se via e mesmo em face de tamanha ausência de detalhes, algo se fez óbvio: um grande e satisfeito sorriso, de orelha a orelha.

[...]

— Sinto muito por não podermos estar mais perto de você agora, minha filha… De verdade, eu e sua mãe sentimos muito.

As circunstâncias deles também eram injustas e reclamar sobre seus próprios problemas, em face de algo tão mais sério, compunha um luxo do qual ela não podia dispor.

Ela não perdeu nenhum membro ou teve a casa danificada e, para servir de cereja do bolo, seu maior problema não existia mais.

— Como te contei antes, o estado de saúde da sua mãe não tem sido o melhor ultimamente — disse a voz masculina do outro lado da chamada. — Temos conseguido algum progresso em lidar com a doença, mas os sintomas a têm maltratado bastante.

Jacob virou história — uma mera sombra em seu passado — e para compensar os problemas, eles até mandaram um dinheiro a mais para passar o mês.

— Ela realmente queria te ver e falar melhor com você, sabia? Já não te vemos faz três meses. Os eventos aí em Elderlog a preocuparam.

Preocupá-los com demandas idiotas só aumentaria o estresse pelo qual passavam e ela não queria piorar as coisas.

— Está tudo bem, pai! — sorriu para a parede da casa vazia, mais para si do que para ele. — Mas vocês não precisavam ter me mandado mais dinheiro! Pode focar na recuperação da mamãe sem se preocupar comigo!

— Hahaha! Tão responsável! — A voz dele soou mais leve. — Me dá orgulho de ter uma filha como você, Abigail… Eu deveria começar a te ligar mais vezes… E falando em ter mais contato, estamos procurando um lugar maior, para podermos te trazer para cá!

A notícia a fez borbulhar por dentro, em um misto de alegria e outro sentimento. Agridoce, a sensação desceu até o estômago, o qual ela tocou antes de falar de volta.

— Não precisa se preocupar comigo, pai…! Eu tô bem aqui em Elderlog! — disse, notas trêmulas a fugirem entre o discurso de aspecto confiante. — Tenho meus amigos, uma boa casa… Eu… gosto daqui…!

As mentiras arranharam-lhe no fundo da garganta e manter o sorriso virou tarefa árdua. Ela não falhou em fazê-lo, contudo.

Ela queria ir com eles, mas não desejava criar novos problemas.

— Não me faz contente saber que te deixamos sozinha nesse fim de mundo tão perigoso, Abigail… Se tivéssemos os meios para te trazer aqui mais cedo, já teríamos feito.

A jovem forçou os lábios um contra o outro. Não podia reclamar das circunstâncias nas quais se encontrava.

— Só queremos te deixar ciente de que te amamos, filha. Se precisar de alguma coisa ou sentir que não consegue mais ficar aí, não se preocupe com a casa; ligue para mim e vamos te buscar, imediatamente. Os detalhes nós arranjamos depois.

Foi culpa dela — se a situação está como está — e só ela se podia culpar.

— Vamos conseguir abrir espaço no apartamento para mais uma pessoa sem problema nenhum, certo? … Espero que continue bem, minha menina. Eu te amo.

Caso ela ao menos não tivesse tomado aquela decisão, talvez eles estivessem juntos agora.

— Certo, Abigail?

— … Certo, papai…! — Ela teve problemas em responder, absorta nos próprios pensamentos. — Uhm… E não conta para a mamãe do dinheiro, tá? Eu… não quero que ela piore…!

Hahaha! Claro, claro! É um segredinho só entre nós! — riu um pouco. — Mas agora, eu tenho que ir… O dever chamar o seu velho! Até, Abigail!

— … Ah…! Tchau, papai!

Chamada encerrada. Ao acabar, o recinto retornou ao mais profundo silêncio e o peso da solidão, amplificado pelas novas cargas de preocupação e ansiedade.

— … Não precisava disso, pai… Não precisava…

Abigail caiu de joelhos no carpete ao notar os novos valores no aplicativo do banco. Ela sabia que aceitá-los assim seria errado, mas também que devolvê-los só a faria recebê-los de volta.

— Foi minha culpa… Foi minha culpa… — Lágrimas escorreram por entre os dedos em tentativa de contê-las.

Após a morte de Mariah — sua irmã —, Jane, sua mãe, passou por uma severa crise de estresse e em consequência da alta carga negativa sobre o corpo, houve o desencadear de uma potente reação autoimune.

Dores musculares e nas articulações, episódios febris, dentre outros sintomas, passaram a se tornar realidade para a contadora, até então, saudável.

Os hospitais de Montana não encontraram uma resposta e somente um ano depois veio o diagnóstico de uma forma rara e severa de alergia emocional.

— … Se eu não tivesse feito aquele pedido… Se eu tivesse sido forte e aguentado mais um pouco…

O tratamento para algo tão complexo só podia ser ofertado em instituições de maior porte, motivando a mudança da família.

Em pânico, não houve dinheiro o bastante para arranjar um lugar grande o suficiente para três pessoas, mas essa só a desculpa usada por eles, para não dizer na cara que não queriam ficar perto da responsável por tudo.

“Se eu tivesse sido mais forte, ao invés de só ter pensado em mim mesma…”

Mas, conforme ela se deixava abater pelas dores do passado, uma nova notificação surgiu na tela do aparelho silencioso.

— … Huh…?

Uma ligação, de um número desconhecido. Ciente de não ter o que perder por aceitar, limpou o choro e fungou fundo, antes de atender.

— Alô…?



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