Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – O Dia em que o Pesadelo Começou

Capítulo 65: Lógica

“Não… Isso não pode ter acabado de acontecer… Não agora… Não aqui…!”

A grande massa unida sob o pretexto de eliminá-la se movia enganadoramente ágil e, entre suas várias cores, marrom e branco contrastavam em uma chuva de presas, pequenas garras e ferrões.

Balas seriam inúteis e o fato de seu corpo ser tão grotescamente moldável apontava ser impossível escapar. No agarro de milhões de partes, a devoraria até os ossos.

Se estivesse ali, ele a ajudaria a fugir, afinal, ela nunca foi a metade lutadora da dupla.

— Mark…! — gritou rumo à pilha de criaturas. — Mark… Me diz que você tá vivo…!

Sem resposta. Procuraria por ele se pudesse, contudo até mesmo ativar seus poderes se mostrou demais, no meio do tamanho turbilhão de emoções negativas.

“Eu… não consigo focar… em nada…”

E para piorar, seus oponentes não tinham sequer a capacidade de perceber emoções humanas, deixando a fuga como única porta aberta.

— O extintor de incêndio… Se eu… Conseguir acertar um tiro…

Qualquer atraso representava uma chance a mais de escapar por vida e poder procurá-lo e agora posava como a única aposta.

KIIIIIIIIEEEEEEEEEK…!

A grande massa biológica preparou uma investida, vocalizando um coletivo e excruciante barulho e toda a sua constituição se coordenou e comprimiu, para lançar uma tacada única contra ela.

— Porcaria…! — saltou para o corredor perpendicular à sua imediata esquerda. — É claro que isso não vai ficar me observando para sempre… Essas coisas querem me devorar viva…!

Tal evento marcou seu primeiro confronto com uma habilidade tão poderosa, isto é, se tal poder fosse mesmo fruto de uma única pessoa.

— Isso… Isso é um pesadelo completo…!

KIIIIIEEEEKKK!

A polpa viva se chocou com o chão, demonstrando sua imensa fluidez, pois, mesmo feito por centenas de milhares de integrantes, a fração que se atirou por pura vontade se desfez como água.

— Eles são coordenados…! — apontou o raciocínio para si mesma. — Estão conectados em uma espécie de mente conjunta…!

Nunca no mundo tantas diferentes espécies de animais irracionais e tão primitivos se agrupam e trabalharam em conjunto, logo, seja quem os manipulava, tinha total controle sobre cada um.

A massa não demorou em se reagrupar. Sua estrutura amorfa e de qualidade semi-sólida depressa deslizou como uma lesma, levando o que houvesse pela frente, no rumo de sua vítima.

— Espera… Se eles conseguem ver tudo e estão sendo controlados por uma mente humana… Supondo que essa habilidade tão forte necessite de fato de um controle humano apurado…

Seus sentidos atentos enviaram os sinais às pernas no momento exato. Outra vez o amontoado a tentou submergir em si mesmo, atirando um pedaço de si ainda maior que o primeiro.

— Eu não posso deixar ficar assim… — Descontente com a qualidade de seu desvio, mostrou os dentes. — Essas coisas tão nojentas… Eu vou precisar de um banho muito mais demorado do que qualquer outro assim que terminar com isso…

Balançou os braços para expulsar as poucas baratas e formigas. Para que seu plano funcionasse, não deveria existir a mínima chance de ser encontrada.

— Eu só vou ter poucas chances… Preciso acabar com isso e rápido…

A oportunidade ideal se fez diante dela com o segundo e mais ambicioso ataque da massa. A grande estrutura, livre de uma fração significativa de si mesma, expôs o cilindro vermelho em seu centro.

— Mark, eu prometo que vou te encontrar… Seja lá onde você esteja.

Tomou uma respiração profunda. Estar calma era o que ele sempre dizia para tentar se manter em situações como essas e sem mais hesitar, apontou a pistola para sua frente.

Lira Suzuki podia não ser a pessoa mais sensível ou compreensível acerca dos estados emocionais alheios ou a maneira como tais coisas costumam afetar as coisas ao seu redor…

— Saiam todos do meu caminho.

Mas sua perspicácia, sim, era algo de se orgulhar, além de ter sido o motivo para que ele a escolhesse.

Apertou o gatilho, e quando a bala conectou ao metal vermelho, todo o lugar conheceu o som da nova explosão fria.

— Cheque-mate. — Orgulhosa, se ergueu, imponente. — Você deveria ter pensado um pouco melhor antes de se colocar no meu caminho com uma estratégia tão mal-formulada como essa. Depois que o fator surpresa deixou de ser uma consideração, você nunca teve chance.

À sua frente, a fumaça aos poucos se dissipou, revelando o resultado positivo de sua estratégia. Por todos os lados, insetos e outros artrópodes se espalharam, movendo patas para o alto, sem esperança, conforme os demais ao redor jaziam mortos, congelados.

Criou a mistura perfeita entre câmara de gás e freezer industrial, letal além da conta aos sensíveis organismos.

— No final, insetos não passam de insetos, e o mesmo vale para você.

Não se referiu à pilha de cadáveres, já ciente de com quem estava falando.

— Eu sei que você está assistindo isso. É só uma pena que não possa me ouvir… Mas e se eu apontasse, precisamente, para que ponto desse corredor você está?

Seus olhos afiados se focaram em uma localidade específica e, sem medo, direcionou sua mensagem, exagerando em sua pronúncia de cada palavra, para garantir que seria compreendida.

— Eu vou encontrar você.

A câmera de vigilância, tão oculta e longe de suspeitas, coisa a se passar longe pela mente comum, embora fosse um insulto chamar assim, em seu caso.

“Pelo que eu ouço, o ataque foi geral, afetando a construção inteira.”

Chegou a hora de avaliar a situação e as memórias dos gritos e do pânico dos estudantes a fizeram lembrar dos primeiros blocos de sua teoria.

“E, partindo do pressuposto que isso seja uma habilidade, o que a esse ponto já é bem claro, a pessoa que faz isso necessariamente precisaria ser capaz de ver cada lugar da escola.”

KIIIIEEEEEEKKKK…!

A quebra da janela à distância trouxe uma nova horda de insetos. Logo ao saírem, se aglutinaram em um amontoado menos sofisticado e diverso que o primeiro, embora tão letal quanto.

— Acho que consigo sentir um pouco do seu desespero. Você quer me destruir, não quer? Sabe que eu sei onde está e por isso não pode me deixar avançar.

Um elemento de desespero não antes presente tomava as pequenas formas de vida. Unidas, abelhas de mel e um punhado de borboletas criavam um conjunto esvoaçante.

Para ela, foi fácil apontar sua destruição como o único motivo de ser do novo amontoado.

— Uma tentativa fofa. Esse é quase bonito perto das baratas e aranhas que você juntou no último.

Medo não seria útil, mesmo com o conjunto a poucos metros de capturá-la. Apressadas, as abelhas ameaçavam consumir cada fragmento do corredor.

— Hora de acabar com isso.

Mirou a pistola uma última vez, desfazendo-se de seu último projétil carregado.

—Heh… Desorganizadas como devem ser. Se tivessem mentes racionais, certamente se perguntariam onde raios estão agora.

Seu último disparo acertou diretamente a câmera e o objeto danificado estourou em faíscas, largando pedaços. Não mais seria vista pelo dono do estranho, porém assombroso superpoder.

— Mas isso não significa que acabou… Ao menos, não ainda.

Sem orientação, o enorme amontoado se desfez, espalhando fragmentos vivos para cada direção. Confusas e estressadas, as várias centenas de abelhas ainda se mostravam como um grande perigo.

— Felizmente, eu tenho um lugar para o qual escapar.

Não se atreviam a passar perto dos resquícios de fumaça do extintor, dando-lhe a oportunidade ideal de escape. Ciente de seus comportamentos, abaixou-se até ficar o mais perto do nível do chão.

“Abelhas focam no que se encontra imediatamente à frente, muito mais do que no chão. Se eu me fizer imperceptível o suficiente, não devem me dar atenção.”

Começou sua jornada pelo chão, se arrastando como uma minhoca. Tal situação a punha diante de um de seus maiores nojos: o de ter que tocar em insetos.

“Baratas congeladas… Completamente nojento.”

Em ponto algum de sua vida sequer pensou ter de se esgueirar em uma pilha de coisas mortas, um trabalho longe de sua classe, próprio para alguém mais ágil e desapegado.

“Mark…”

Pensar nele a fez ranger os dentes, em pura preocupação. Seu sumiço repentino a desnorteava, abalando as estruturas construídas ao longo do ano que viveram juntos, como a dupla pela qual se tornaram conhecidos.

Dor de cabeça, visão turva, desconforto no estômago…

“Não… Eu tenho que me acalmar… Eu… não posso deixar esses sentimentos me consumirem…”

Balançou a cabeça para afastar os pensamentos, se forçando a focar em olhar as coisas a partir de uma perspectiva mais objetiva.

— Ele não deixou marcas ou restos, além do extintor e insetos não comeriam roupas, carne e principalmente ossos com tanta velocidade. Não existe a mínima chance de ele ter sido morto.

Sua racionalidade trouxe o alívio de ser um porto-seguro, a privando de escutar as baboseiras de seu coração.

— Então, se o capturaram vivo…

Atingiu ambos o fim do corredor e a descoberta de uma verdade: a lembrança de apenas uma pessoa que o desejaria vivo.

— Então ela está mesmo aqui… E quer tomar satisfação com ele por causa daquela vez.

Carregou as balas remanescentes, se aprontando para derrubar uma nova câmera.

— Eu tenho que chegar até onde ele está, mas em que ponto dessa escola seria isso?

O ponto cego da câmera se encontrava abaixo da porta dos banheiros. Infelizmente, não tinha como chegar até lá.

— Então, eu vou ter que atirar…

Aproveitou não estar ainda no alcance efetivo da câmera. Suas invasões ao escritório de Eastwood, ao lado de Mark, a ensinaram muito sobre a instalação desses objetos tão inconvenientes.

Tantas foram as vezes que agiram, sempre precisando apagar depois.

— São só um inconveniente — apontou a arma. — Um tão pequeno e tão problemático.

Um único tiro destruiu a segunda câmera tão facilmente quanto a primeira, livrando o caminho.

— Eu não acredito que me esqueci dessa pequena variável…

Mordeu o lábio inferior até ser impedida pela dor, os sons ao final do corredor a dizendo para correr.

— Droga…!

O curto-circuito do aparelho destruído sincronizou com o barulho das centenas de choques de asas.

— Destruir a câmera revelou a minha localização…!

O portador da capacidade de controlar os insetos não precisava de uma ideia absoluta acerca de sua localização e a facilidade para o redirecionamento da onda viva a trouxe duas possibilidades:

“Um: a pessoa tem conhecimento prévio da estrutura da escola e foi ensinada como navegar…”

As câmeras não apareciam em ordem exata no circuito de computadores e, além disso, não existia qualquer layout ou planta estabelecida.

“Ou seja, isso leva à hipótese número dois…”

Com a arma em mãos, tomou corrida para o interior do banheiro feminino, sua única opção.

“... A de que o responsável só pode ser um estudante…!”

Empurrou a porta fechada do banheiro, pedindo a qualquer deus ou força maior para que não estivesse trancada.

— SAIAM DAQUI, SEU BANDO DE VERMES…!

E foi recepcionada com o bafo volumoso e gélido do dióxido de carbono. Sem muito tempo para se preparar, apressadamente cobriu olhos e ouvidos tão bem quanto pôde com os braços.

— Espera, Mike…! Para…! Olha! É uma garota! Para com isso ou ela vai acabar morrendo…!

Lhe teve o ar roubado pela saraivada fria, tossindo desenfreadamente e, por um momento, imaginou que perderia sua consciência, antes de um gentil par de mãos a envolverem e puxarem para fora de seu inferno gelado.

— É… Foi mal aí… A gente pensou que tivessem sido os insetos…!

Seus olhos se abriram, assassinando de vez todas as suspeitas de estar alucinando. Ali dentro, encontrou um par de “sobreviventes”.

— Você tá bem? Olha… Me desculpa…! A gente não quis tentar te matar.

Lira Suzuki não acreditava em qualquer superstição. Para ela, todas as coisas eram movidas por variáveis matemáticas encaixadas em leis fundamentais de massa e energia; tudo podia ser explicado racionalmente e de um jeito coerente, sem nunca falhar.

O conceito de “mera coincidência” nunca passou de uma piada, ao seu ver.

— Puxa vida… Olha… Senta aqui um pouco, tá bom? E respira… Mas respira bem!

Contudo, pela primeira vez, não teve um nome a dar ao pedaço do acaso.

Gentilmente, sua mente divagante pela falta de oxigênio foi sentada em um chão frio, longe de quaisquer criaturas com fome por sua carne.

Se não fosse “sorte”, não tinha noção de como chamar.



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